Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0009279-44.2017.2.00.0000
Requerente: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - TJRN
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


CONSULTA. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. MAGISTRADO EM SITUAÇÃO DE RISCO. LONGO PERÍODO. REMOÇÃO COMPULSÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. INAMOVIBILIDADE. GARANTIA CONSTITUCIONAL. 

1. Consulta formulada por Tribunal sobre a possibilidade de remoção compulsória de magistrado em situação de risco por longo período com fundamento no interesse público.

2. A Resolução CNJ 176, de 10 de junho de 2013, prevê a possibilidade de remoção do magistrado em situação de risco. Entretanto, nesta hipótese, a movimentação é provisória e pressupõe a concordância do interessado.

3. A remoção ex officio fundada no interesse público deve estar vinculada à necessidade de serviço e a adoção de medida desta natureza não pode ser justificada por suposto benefício indireto à sociedade. O ônus gerado com a proteção pessoal ao magistrado ameaçado é insuscetível de justificar a eliminação da prerrogativa constitucional da inamovibilidade.

4. Consulta conhecida e respondida. 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, respondeu à consulta no sentido de não ser possível suscitar o interesse público para remoção compulsória de magistrado em situação de risco, nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 28 de junho de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e o então Conselheiro Valdetário Andrade Monteiro. Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Henrique Ávila.

Conselho Nacional de Justiça

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RELATÓRIO 

  

O EXMO. SR. CONSELHEIRO FERNANDO CESAR BAPTISTA DE MATTOS (RELATOR): Trata-se de Consulta na qual o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (TJRN) questiona a possibilidade de remover, ex officio com fundamento no interesse público, magistrado em situação de risco de morte devido a ameaças sofridas por elevado lapso temporal.

O TJRN registra que os magistrados atuantes em feitos que apuram delitos praticados por organizações criminosas podem ameaças à integridade pessoal e familiar. Assinala que, para combater o risco de morte, o Poder Judiciário despende recursos financeiros para custear escoltas, blindagens e outras medidas.

Aduz que a o artigo 93, inciso VIII e artigo 95, inciso II, ambos da Constituição Federal, autorizam remover o magistrado de ofício quando o interesse público o exigir. Diante disso, o Tribunal formula os seguintes questionamentos:

a) ameaças sofridas por Juiz durante elevado lapso temporal, repercutindo em situação de risco constante de morte, podem ser consideradas como motivo apto ensejador a justificar remoção definitiva de Magistrado, ex officio, por interesse público?

b)  em sendo a resposta positiva, há necessidade de concordância do Magistrado removido, bem como a remoção pode se dar para Comarca de mesma entrância, em detrimento da ordem de antiguidade e do merecimento?

É o relatório. 

 

Brasília, data registrada no sistema.

 

Fernando Cesar Baptista de Mattos 

Conselheiro

 


 

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VOTO 

  

O EXMO. SR. CONSELHEIRO FERNANDO CESAR BAPTISTA DE MATTOS (RELATOR): Trata-se de Consulta na qual o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (TJRN) questiona a possibilidade de remover, ex officio e com fundamento no interesse público, de magistrado em situação de risco de morte devido a ameaças sofridas por elevado lapso temporal. 

A Consulta deve ser conhecida, uma vez que atende aos requisitos do artigo 89 do RICNJ. 

O cerne da questão suscitada pelo Tribunal potiguar reside em estabelecer se é possível remover compulsoriamente magistrado ameaçado em razão da atividade jurisdicional com fundamento no interesse público, configurado no gasto financeiro com a proteção. 

O tema desta Consulta possui relevância para todo o Poder Judiciário, uma vez que a discussão de questões relacionadas à segurança de magistrados tangencia as políticas desenvolvidas pelo CNJ para prevenção ou redução de situações de risco as quais, em última análise, podem prejudicar a prestação jurisdicional. 

É digno de nota que as políticas de segurança instituídas pelo CNJ Resolução CNJ 104, de 6 de abril de 2010 foram aperfeiçoadas com a instituição da Resolução CNJ 176, de 10 de junho de 2013. Esta norma instituiu o Sistema Nacional de Segurança do Poder Judiciário (SINASPJ), que, dentre suas atribuições, está a de recomendar ao Presidente do Tribunal, ad referendum do Plenário, a remoção provisória de magistrado ameaçados[1][1]. 

Como se vê, este Conselho regulamentou a possibilidade de o magistrado ameaçado em razão da atividade jurisdicional ser removido, de forma provisória, no intuito de eliminar ou minimizar o risco. Todavia, o TJRN questiona a possibilidade de remoção compulsória de magistrados que estão sob proteção e, nesta hipótese, a Consulta deve ser respondida negativamente. 

Em outros termos, o Tribunal pugna pela manifestação deste Conselho em questão diretamente relacionada à garantia da inamovibilidade do magistrado. Todavia, deve ser pontuado que esta prerrogativa constitucional é um dos pilares da independência dos membros do Poder Judiciário e como tal somente pode ser excepcionada em situações específicas. 

Conforme acima registrado, a Resolução CNJ 176/2013 prevê a possibilidade de remoção do magistrado em situação de risco, porém, na hipótese, a movimentação é provisória e, sobretudo, pressupõe a concordância do magistrado.

É certo que o artigo 95, inciso II da Constituição Federal e artigo 45, inciso I da Lei Orgânica da Magistratura Nacional autorizam o Tribunal, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, a remover o magistrado com fundamento no interesse público. Contudo, para adoção de medida desta envergadura é imprescindível que a remoção seja essencial para satisfação de necessidades diretas do jurisdicionado.

É possível extrair de julgado do Conselho Nacional de Justiça que o interesse público capaz de motivar a remoção ex officio de magistrado está vinculado à necessidade de serviço, o que não ocorre quando a relotação ocorre tão somente pelo fato de o juiz de direito estar em situação de risco. Vejamos:

RECURSO EM SEDE DE PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. JUÍZES SUBSTITUTOS. DESIGNAÇÃO TEMPORÁRIA PARA RESPONDER POR OUTRA COMARCA. LEGALIDADE. INEXISTÊNCIA DE FATO NOVO. NÃO PROVIMENTO. I. Recurso contra decisão que julgou improcedentes os pedidos do presente expediente, por entender que não houve ilegalidade no ato de designação da recorrente, na condição de juíza substituta, para responder pela Comarca de Taguatinga/TO, uma vez observados critérios objetivos mínimos. II. A inamovibilidade não constitui garantia absoluta dos juízes, autorizada seja relativizada quando presente a necessidade do serviço, a caracterizar o interesse público. III. Inexistindo, nas razões recursais, qualquer elemento novo capaz de alterar o entendimento adotado, a decisão monocrática combatida deve ser mantida. IV. Recurso conhecido, uma vez que tempestivo, mas que, no mérito, nega-se provimento. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004109-62.2015.2.00.0000 - Rel. CARLOS AUGUSTO DE BARROS LEVENHAGEN - 15ª Sessão Virtual - j. 21/06/2016, grifamos)

Embora o TJRN pondere que o magistrado sob proteção do Estado gera ônus financeiro e a remoção ex officio atenderia à sociedade com a poupança de recursos, é preciso considerar que, neste caso, o interesse público é subjacente e insuscetível de justificar a eliminação da prerrogativa constitucional da inamovibilidade.

Na ausência de necessidade de serviço, não subsiste interesse público para remoção compulsória do magistrado. A adoção desta medida teria viés punitivo e eivada de ilegalidade, pois o magistrado seria relotado contra sua vontade tão somente por ter cumprido seu dever funcional.

A proteção do Estado ao juiz de direito em situação de risco não constitui um benefício ou mero capricho, é uma necessidade que advém da prática de atos jurisdicionais cuja finalidade é resguardar os interesses primários da sociedade e, em última análise, buscar a manutenção do Estado de Direito.

Nesse cenário, ainda que a proteção pessoal perdure por longo período, apontar a presença de interesse público para remover o magistrado compulsoriamente equivaleria a transferir para o juiz de direito a culpa por uma situação de responsabilidade do Estado.

Ora, o magistrado em situação de risco não está nesta condição por opção própria, sobretudo porque a proteção pessoal mitiga, em maior ou menor extensão, a liberdade. Ao deferir a escolta, o Estado expõe suas fragilidades e reconhece suas deficiências, pois, caso o sistema de segurança pública funcionasse a contento, não chegaríamos ao ponto de um agente público ser intimidado pelo exercício da atividade judicante.

Ademais, a eficácia da mera remoção do magistrado que sofre ameaças à sua integridade física é incerta. As organizações criminosas estão cada vez mais especializadas e, em muitos casos, contam com grande volume de recursos e a mudança de comarca com a retirada da proteção pessoal não eliminará a situação de risco, ao revés, ela poderá ser aumentada.

Desta feita, não se vislumbra possibilidade de o Tribunal, com arrimo no fato de o magistrado estar sob a proteção do Estado por longo período, justificar a remoção compulsória por interesse público, sob pena de atentar contra a garantia constitucional da inamovibilidade.

Ante o exposto, respondo a presente Consulta no sentido de não ser possível suscitar o interesse público para remoção compulsória de magistrado em situação de risco.

É como voto.

Intimem-se. Em seguida, arquivem-se, independentemente de nova conclusão.

 

Brasília, data registrada no sistema.

 

Fernando Cesar Baptista de Mattos

Conselheiro



[1] Art. 4º No âmbito do SINASPJ, ao Comitê Gestor caberá, entre outras medidas: 

[...]

III – recomendar ao Presidente do tribunal respectivo, ad referendum do Plenário, a remoção provisória de membro do Poder Judiciário, mediante provocação do magistrado, quando estiver caracterizada situação de risco; (Disponível em http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2503. Acessado em 23 de agosto de 2018) 

 

 

 

Brasília, 2019-07-02.