PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINSTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS PARA OUTORGA DE DELEGAÇÕES DE NOTAS E DE REGISTRO DO ESTADO. EDITAL 1/2018. REMOÇÃO. REGRA DISCIPLINADA NA LEI FEDERAL 8.935/1994 E NA RESOLUÇÃO CNJ 81/2009. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO PRAZO DE 2 ANOS. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE NA PREVISÃO EDITALÍCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

1. Recurso administrativo interposto contra decisão que determinou ao TJPR que alterasse regra do Edital 1/2018, do 3º Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registro, referente à remoção.

2. A questão debatida nos autos está disciplinada na Lei Federal 8.935/1994 e na Resolução CNJ 81/2009, que estabelecem o prazo de 2 anos para a remoção.

3. Havendo uma regra única, que vige em todo território nacional, esta não pode ser excepcionada para os delegatários paranaenses, notadamente quando a própria Lei Estadual 14.594/2004 traz previsão no mesmo sentido.

4. Ainda que se invoque o preceito do art. 3º, parágrafo único, da referida lei estadual, não há dúvida de que o dispositivo trata de uma remoção que sucede a anterior, e que contém a expressão “pelo menos 1 (um) ano”, a qual não se confunde com “apenas 1 (um) ano”.

5. Tendo o edital estabelecido o prazo de 2 anos para a remoção, em consonância com a Lei dos Cartórios e a Resolução CNJ 81/2009, não há que se falar em ilegalidade.

6. Recurso conhecido e, no mérito, provido, para reformar a monocrática, a fim de manter hígidos o item 2.2 do edital questionado e a decisão do TJPR.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, deu provimento ao recurso, para julgar improcedente o pedido, reestabelecendo os termos do Edital, nos termos do voto do Conselheiro Mauro Pereira Martins. Vencidos os Conselheiros Mário Goulart Maia e Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, que negavam provimento ao recurso. Votou a Presidente. Lavrará o acórdão o Conselheiro Mauro Pereira Martins. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 18 de outubro de 2022. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA (RELATOR): Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) proposto por Ana Paula Braga Bornia e outros, contra ato praticado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), no 3º concurso público de provas e títulos para outorga de delegações de notas e de registro do Estado (Edital 1/2018).

No dia 13.1.2022, julguei procedente o pedido para “determinar ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que promova o imediato ajuste do item 2.2 do Edital 1/2018 do 3º concurso público de provas e títulos para outorga de delegações de notas e de registro do Estado à regra constante do art. 3º, parágrafo único, da Lei Estadual 14.594/2004” (Id 4587130).

Gisselau Rogério Fernandes (Id 4593975) e Maria Renata Setti de Pauli e outros (Id 4595029) interpuseram recurso administrativo, nos quais questionam os fundamentos da decisão monocrática.

O TJPR não apresentou contrarrazões.

Os requerentes Ana Paula Braga Bornia e outros defendem a manutenção da decisão recorrida e o não provimento dos recursos (Id 4616490).

Maria Renata Setti de Pauli e outros peticionam requerendo urgência no julgamento do Recurso (Id 4649069).

É o relatório.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro

 

VOTO DIVERGENTE 

 

Trata-se de recurso interposto contra monocrática proferida pelo eminente Conselheiro Mário Maia, que julgou procedente o pedido, para “determinar ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que promova o imediato ajuste do item 2.2 do Edital 1/2018 do 3º concurso público de provas e títulos para outorga de delegações de notas e de registro do Estado à regra constante do art. 3º, parágrafo único, da Lei Estadual 14.594/2004” (Id 4587130). 

No voto ora submetido ao Colegiado deste Conselho, o Relator nega provimento ao pleito recursal, por entender que o “art. 3º, parágrafo único, da Lei Estadual 14.594/2004 é categórico ao exigir dos candidatos à remoção a observância do interstício de pelo menos 1 (um) ano desde a última remoção” e que o referido edital não poderia violar essa previsão legal, ao anunciar que os concorrentes terão que observar o interstício de dois anos. 

 

Ocorre que, após me debruçar sobre as regras que balizam o caso, verifico que a demanda reclama outro desfecho. Desse modo, pedindo vênia ao Conselheiro, vejo-me na obrigação de divergir. 

Com efeito, do exame dos autos, observa-se que a questão posta neste PCA está disciplinada na Lei Federal 8.935/1994 e na Resolução CNJ 81/2009, que estabelecem o prazo de 2 anos para a remoção:

Lei Federal 8.935/1994

Art. 17. Ao concurso de remoção somente serão admitidos titulares que exerçam a atividade por mais de dois anos.

 

Resolução CNJ 81/2009

Art. 3º O preenchimento de 2/3 (dois terços) das delegações vagas far-se-á por concurso público, de provas e títulos, destinado à admissão dos candidatos que preencherem os requisitos legais previstos no artigo 14 da Lei Federal nº 8.935/94; e o preenchimento de 1/3 (um terço) das delegações vagas far-se-á por concurso de provas e títulos de remoção, com a participação exclusiva daqueles que já estiverem exercendo a titularidade de outra delegação, de notas ou de registro, em qualquer localidade da unidade da federação que realizará o concurso, por mais de dois anos, na forma do artigo 17 da Lei Federal nº 8.935/94, na data da publicação do primeiro edital de abertura do concurso.

Ou seja, existe uma regra única que vige em todo território nacional e que não pode ser excepcionada para os delegatários paranaenses, notadamente quando a própria Lei Estadual 14.594/2004 traz previsão no mesmo sentido:

 

Lei Estadual 14.594/2004 

 

Art. 3º O concurso de remoção consistirá em provas de títulos e a ele poderão inscrever-se notários ou registradores que se encontrem no efetivo exercício da atividade no Estado do Paraná, por mais de 2 (dois) anos, na data da primeira publicação do edital do certame.

 

E, sendo esse o cenário que permeia o caso, não há que se imputar qualquer irregularidade ao edital do certame (Edital TJPR 1/2018), máxime quando este define condição que se coaduna com tais normas:

 

Edital TJPR 1/2018 

 

 

2.2. Dois terços das vagas serão destinados aos candidatos a provimento que atendam aos requisitos legais previstos nos artigos 14 e 15, § 2º, da Lei Federal nº 8.935/94. Um terço das vagas será destinado a candidatos à remoção que já exerçam titularidade de registro ou notarial no Estado do Paraná há mais de 02 (dois) anos, que atendam aos requisitos legais previstos no artigo 17 da Lei Federal nº 8.935/94 e, aos já removidos, o interstício de 2 (dois) anos, até a data da inscrição.

[...]

5.1.2. Para o concurso de remoção:
a) Certidão de que cumpre o requisito previsto no artigo 17 da Lei Federal nº 8.935/94
e de que exerce a titularidade de delegação no Estado do Paraná há pelo menos 02
(dois) anos (conforme item 2.2 deste Edital)

Ademais, ainda que se invoque a regra do art. 3º, parágrafo único, da referida lei estadual, não há dúvida de que o dispositivo trata de uma remoção que sucede a anterior, e que contém a expressão “pelo menos 1 (um) ano”:

 

Art. 3º O concurso de remoção consistirá em provas de títulos e a ele poderão inscrever-se notários ou registradores que se encontrem no efetivo exercício da atividade no Estado do Paraná, por mais de 2 (dois) anos, na data da primeira publicação do edital do certame.

Parágrafo único. Aos candidatos já removidos exige-se o interstício de pelo menos 1 (um) ano de efetivo exercício no oficio atual, até a data da publicação do edital.
 

Como se vê, o que preceitua o aludido dispositivo legal é o prazo mínimo de um ano, e não que esse prazo deve ser de apenas um ano, como defende o Relator.

Referido contexto também permite compreender a ratio empregada pelo Conselho da Magistratura do TJPR na edição do Regulamento do Concurso de Provas e Títulos para Outorga das Delegações Notariais e Registrais do Estado (Id. 4552117).

No exercício de seu poder dicionário, aquele Colegiado instituiu o interstício de 2 anos justamente para observar a regra da Lei Federal 8.935/1994 e da Resolução CNJ 81/2009:

 

Art. 17. Os concursos de remoção contarão com a participação exclusiva daqueles que já estiverem exercendo a titularidade de outra delegação, de notas ou de registro, em qualquer localidade do Estado do Paraná, por mais de 2 (dois) anos, na forma do art. 17 da Lei Federal nº 8.935/1994, na data da publicação do 1º (primeiro) edital de abertura do concurso.

§1º. O titular que tiver sido removido deverá observar o interstício de 2 (dois) anos, até a data da inscrição, para candidatar-se a novo certame.

 

Nessa senda, é certo que o edital do certame (Edital TJPR 1/2018) não trouxe previsão que possa ser entendida como ilegal, pois não só observou o regulamento editado pelo Conselho da Magistratura do TJPR, como cumpriu o prazo da Lei dos Cartórios, da Lei Estadual e da Resolução CNJ 81/2009.

Por essa razão, também nem se diga que o fato de o Órgão Especial do TJPR ter decidido revogar o supracitado art. 17, § 1º, do Regulamento do Concurso, implicaria o reconhecimento da irregularidade do edital.

Além de a revogação ter ocorrido em data posterior (22/11/2018) à publicação do edital (27/8/2018) e não poder ser aplicada ao certame, por força do princípio tempus regit actum (Recurso Administrativo em Procedimento de Controle Administrativo - 0000541-38.2015.2.00.0000 - Rel. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen - 215ª Sessão Ordinária - julgado em 01/09/2015), as normas já citadas permanecem com sua força cogente e fixam, como já dito, o prazo de 2 anos.

Diante desse cenário, também se afigura frágil o argumento de que os requerentes desconheciam as regras que deveriam cumprir e que teriam sido surpreendidos pela decisão do Tribunal de excluí-los do certame.

Além de “inexistir segurança na ilegalidade” (Recurso Administrativo em Procedimento de Controle Administrativo 0001373-95.2020.2.00.0000 - Rel. Candice Lavocat Galvão Jobim - 57ª Sessão Extraordinária - julgado em 08/09/2020), um breve exame da situação dos candidatos já evidencia que não satisfaziam a previsão editalícia.

Logo, entender de modo contrário e determinar a alteração do edital é que certamente representaria violar os postulados da vinculação ao instrumento convocatório, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, pois foi à vista das previsões editalícias publicadas em 2018 que os candidatos pautaram suas decisões e fundaram suas expectativas.

 Ante o exposto, com a máxima vênia, DIVIRJO do eminente Relator e voto no sentido de DAR PROVIMENTO AO RECURSO, para reformar a monocrática combatida, a fim de manter hígido o item 2.2 do Edital 1/2018, que rege o 3º Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado do Paraná, e a decisão do TJPR que excluiu do certame aqueles candidatos que não cumpriam os preceitos desse dispositivo.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

MAURO PEREIRA MARTINS

 

Conselheiro 

 

 

 

VOTO

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA (RELATOR): Trata-se de recurso administrativo contra decisão que julgou procedente o pedido, nos seguintes termos (Id 4587130): 

 

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) proposto por Ana Paula Braga Bornia e outros, contra ato praticado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), no 3º concurso público de provas e títulos para outorga de delegações de notas e de registro do Estado (Edital 1/2018).

Ato: cancelamento das inscrições dos candidatos à remoção pelo descumprimento do disposto no art. 17, § 1º, do Regulamento do Concurso de Provas e Títulos para Outorga das Delegações Notariais e Registrais do Paraná.

Aduzem que após a realização da prova oral foram convocados pela Comissão do Concurso (Edital 14/2021) para se manifestarem sobre a “eventual possibilidade de cancelamento das suas respectivas inscrições para o concurso de remoção previsto no Edital nº 01/2018, (...), por estarem, a princípio, em desacordo com o item 5.1.2, alínea (a)”.

Afirmam que não obstante os requerentes tenham apresentado manifestações individuais esclarecendo sobre o alcance da regra editalícia, a Comissão de Concurso cancelou as respectivas inscrições ao entendimento de que o Regulamento do Concurso de Provas e Títulos para Outorga das Delegações Notariais e Registrais do Paraná não foi observado no que tange ao interstício mínimo para se candidatarem a novo certame na modalidade remoção.

Asseveram que a regra contida no art. 17, § 1º, do Regulamento do Concurso de Provas e Títulos para Outorga das Delegações Notariais e Registrais do Paraná, que determinava a observância do intervalo mínimo de 2 (dois) anos entre remoções, foi suspensa ante o recebimento do recurso administrativo, interposto perante o Órgão Especial do TJPR, no duplo efeito, o que teria ocorrido em 24 de julho de 2017.

Em razão disso, enfatizam que a regra prevista no Regulamento estaria suspensa quando da publicação do Edital 1/2018, em 17 de setembro de 2018.

Alegam que o Órgão Especial do TJPR deu provimento ao recurso em 22 de outubro de 2018, para reconhecer a aplicação da Lei Estadual 14.594/2004, que prevê o interstício de 1 (um) ano para que o candidato possa concorrer a novo certame de remoção.

Portanto, entendem equivocada a interpretação feita pela Comissão de Concurso no sentido de que à época da publicação do Edital estaria vigente a regra prevista no art. 17, § 1º, do Regulamento.

Liminarmente, pugnam para que lhes seja assegurada a continuidade no certame. No mérito, pedem a adequação do item 2.2 do Edital com o previsto no art. 3º, parágrafo único, da Lei Estadual 14.594/2004.

O processo foi inicialmente distribuído ao gabinete Vaga Conselho Federal da OAB 2, o qual respondo como substituto regimental (art. 24, inc. I, do RICNJ). Considerando a existência de procedimentos sob a minha relatoria que versam sobre o acompanhamento do 3º concurso público de provas e títulos para outorga de delegações no Estado do Paraná, determinei a redistribuição destes autos ao meu gabinete (Id 4553151).

Na sequência, após a redistribuição, determinei a intimação do TJPR para prestar informações preliminares (Id 4555579).

O TJPR prestou informações sob a Id 4560401. Defendeu a regularidade da regra prevista no Regulamento do Concurso e no Edital.

Maria Renata Setti de Pauli e outros apresentaram impugnação ao pedido inicial (Id 4562271), assim como Gisselau Rogério Fernandes (Id 4562156). Pretendem a manutenção da regra editalícia questionada e a improcedência do pedido.

Em 10.12.2021, deferi a medida liminar para “determinar ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que assegure aos candidatos à remoção, que tiveram sua inscrição cancelada por não terem observado o interstício de 2 (dois) anos, até a data da inscrição no concurso, a continuidade no certame, nos termos da fundamentação” (Id 4564509).

Ato contínuo, o TJPR apresentou informações complementares (Id 4570560).

No dia 17.12.2021, os interessados Maria Renata Setti de Pauli e outros interpuseram Recurso Administrativo em face da decisão liminar (Id 4574274).

É o relatório. Decido.

O pedido central consubstancia-se na análise sobre a possibilidade de candidatos com menos de 2 (anos) desde a última remoção, concorrerem nessa modalidade no 3º concurso público de provas e títulos para outorga de delegações de notas e de registro do Estado (Edital 1/2018).

Tal como registrado na decisão liminar (Id 4564509), há nítida diferença entre o critério exigido para participação no certame, da regra de “congelamento” estabelecida pela legislação estadual e pelo item 2.2 do Edital, estas aplicáveis unicamente aos candidatos que se removeram, para que participem de novo concurso de remoção.

O critério para participar do certame está previsto expressamente no art. 17[1], da Lei 8.935/94. Nesse caso, tanto o Edital 1/2018, quanto o art. 3º, da Resolução CNJ nº 81/2009, estão em consonância com a lei, dado que limitam a participação de candidatos que exerçam a titularidade de serventias por mais de 2 (dois) anos no Estado respectivo. Trata-se, em verdade, de condição para participação no próprio certame[2].

O critério relacionado à comprovação do tempo desde a última remoção, também encontra amparo legal. Esse requisito foi introduzido pela Lei Estadual 14.594/2004, conforme autoriza o art. 18, da Lei Federal 8.935/94[3].

Lei Estadual 14.594/2004

Art. 3º [...]

Parágrafo único. Aos candidatos já removidos exige-se o interstício de pelo menos 1 (um) ano de efetivo exercício no oficio atual, até a data da publicação do edital. (grifos meus)

A previsão contida na legislação estadual lança uma pá de cal sobre qualquer ilação relacionada a outro lapso temporal eventualmente existente. O disposto no art. 3º, parágrafo único, da Lei Estadual 14.594/2004 é categórico ao exigir dos candidatos à remoção a observância do interstício de pelo menos 1 (um) ano desde a última remoção.

A disposição “pelo menos 1 (um) ano”, refere-se à possibilidade de participação de candidatos que, até a publicação do Edital, já tenham, pelo menos, completado o tempo aludido.

Dessa forma, há patente ilegalidade da regra editalícia prevista no item 2.2, com o art. 3º, parágrafo único, da Lei Estadual 14.594/2004.

Edital 1/2018

2.2. Dois terços das vagas serão destinados aos candidatos a provimento que atendam aos requisitos legais previstos nos artigos 14 e 15, § 2º, da Lei Federal nº 8.935/94. Um terço das vagas será destinado a candidatos à remoção que já exerçam titularidade de registro ou notarial no Estado do Paraná há mais de 02 (dois) anos, que atendam aos requisitos legais previstos no artigo 17 da Lei Federal nº 8.935/94 e, aos já removidos, o interstício de 2 (dois) anos, até a data da inscrição. (grifos meus) 

Reforça essa compreensão o fato de que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná invalidou o § 1º, do art. 17, do Regulamento do Concurso de Provas e Títulos para Outorga das Delegações Notariais e Registrais do Paraná, que estipulava a observância do interstício de 2 (dois) anos para os já removidos (Id 4552116).

Essa regra foi reproduzida indevidamente no item 2.2 do Edital 1/2018, acima transcrito, já que contrária a lei estadual.

Ademais, é notório que a ampliação desse prazo acaba por criar uma regra restritiva, não prevista em lei, para participação dos candidatos a novo concurso de remoção.

Os julgados relacionados a outros Estados, que possuem lapso temporal diverso, não se conformam ao presente caso, que trata de especificidade estabelecida por legislação estadual a partir da autorização legal do art. 18, da Lei Federal 8.935/94.

No que tange ao questionamento do Tribunal de que a modificação da regra no curso do certame tem o condão de causar insegurança jurídica, já que alguns potenciais candidatos não se submeteram ao concurso por não preencherem o requisito temporal, entendo que não deve prosperar. Se alguma insegurança jurídica foi causada, por certo, foi decorrente da inclusão de regra no Edital dissociada da lei de regência estadual.

É dizer, o princípio da estrita legalidade deve nortear a atuação da Administração.

Dessa forma, eventual falta de impugnação do Edital não implica na convalidação de ilegalidade (AgRg no Ag 838.285/BA, Rel. Ministra Laurita Vaz, quinta turma, julgado em 19/04/2007, DJ 14/05/2007, p. 386).

Embora nem fosse necessário frisar esse ponto, dado que se trata de entendimento jurídico sobre o qual não reina controvérsia, assinalo que, em face da hierarquia entre as regras que se aplicam à mesma situação, as leis devem preponderar sobre os atos administrativos. Isso quer dizer, como se sabe, que as disposições editalícias, de nível instrumental e administrativo, devem se conformar às prescrições legais, nunca as afrontando nem intentando opor-lhes orientação diversa.

É exatamente nessa perspectiva que surge a competência do Conselho Nacional de Justiça para controle da legalidade dos atos administrativos, consoante inc. II, do § 4º, do art. 103-B, da Constituição Federal. Nesse sentido, confira-se:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAPÁ. JUSTIÇA GRATUITA. ATOS NORMATIVOS. EDIÇÃO. AUTONOMIA CONSTITUCIONAL. POSSIBILIDADE. FUNDOS DO PODER JUDICIÁRIO ESTADUAL. MANUTENÇÃO ORÇAMENTÁRIO-FINANCEIRA. IRRELEVÂNCIA.

I – Observados todo o ordenamento constitucional e legal vigentes, bem como as normas e garantias processuais, às Cortes de Justiça é assegurada a competência normativa, desde que seja esta exercida sem inovação na ordem jurídica, somente sendo cabível ao Conselho Nacional de Justiça anular atos administrativos exarados por órgãos sujeitos a sua competência nas hipóteses de ilegalidade, o que não ocorre no presente caso. Precedentes do CNJ.

[...]

IV – Procedimento de Controle Administrativo julgado parcialmente procedente. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0001468-96.2018.2.00.0000 - Rel. Luciano Frota - 36ª Sessão Virtual - julgado em 28/09/2018).

Dessa forma, entendo que o item 2.2 do Edital não tem como prevalecer frente ao que dispõe o art. 3º, parágrafo único, da Lei Estadual 14.594/2004.

Em relação ao Recurso Administrativo interposto pelos interessados (Id 4574274), de acordo com o § 1º, do art. 115, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, são recorríveis apenas as decisões monocráticas terminativas. Dessa forma, descabe Recurso Administrativo de decisão liminar.

Ante o exposto, confirmo a liminar e julgo procedente o presente procedimento para determinar ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que promova o imediato ajuste do item 2.2 do Edital 1/2018 do 3º concurso público de provas e títulos para outorga de delegações de notas e de registro do Estado à regra constante do art. 3º, parágrafo único, da Lei Estadual 14.594/2004.

Como decorrência, deve ser confirmada em caráter definitivo a participação dos candidatos que possuem interstício superior a um ano desde a última remoção realizada.

Publique-se nos termos do art. 140 do RICNJ.

Intimem-se. Em seguida, arquivem-se os autos, independentemente de nova conclusão. 

 

Não vislumbro nos recursos administrativos fundamentos capazes de modificar a decisão terminativa.

Reafirmo-a por seus próprios fundamentos, destacando que a legalidade é princípio regente dos atos da Administração Pública. 

Nesta senda, o Edital do concurso não pode estar dissociado das normas positivadas, in casu, do regramento específico previsto na Lei Estadual 14.594/2004.

A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo Poder Público competente exigem que, na função hermenêutica que interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequada à Constituição Federal.

[...]

Assim sendo, no caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e consequente retirada do ordenamento jurídico.

A finalidade, portanto, dessa regra interpretativa é possibilitar a manutenção no ordenamento jurídico das leis e atos normativos editados pelo Poder competente que guardem valor interpretativo compatível com o texto constitucional[4].

Aliás, como dito na decisão monocrática, “[a] previsão contida na legislação estadual lança uma pá de cal sobre qualquer ilação relacionada a outro lapso temporal eventualmente existente. O disposto no art. 3º, parágrafo único, da Lei Estadual 14.594/2004 é categórico ao exigir dos candidatos à remoção a observância do interstício de pelo menos 1 (um) ano desde a última remoção”. Reproduzo-a uma vez mais:

Lei Estadual 14.594/2004

Art. 3º [...]

Parágrafo único. Aos candidatos já removidos exige-se o interstício de pelo menos 1 (um) ano de efetivo exercício no oficio atual, até a data da publicação do edital. (grifos meus) 

A exigência de “pelo menos 1 (um) ano” significa que o Tribunal não pode permitir que cartorários que não tenham alcançado esse interstício mínimo possam participar de novo concurso de remoção. Isto por outro lado, não significa dizer que o Tribunal possa ampliar restrições por regulamento infralegal. 

 Mutatis mutandis, a Constituição Federal de 1988 (art. 14, § 3º, VI) estabelece idade mínima de trinta e cinco anos como condição de elegibilidade para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador, entre outras. A pergunta que se coloca é: poderia a lei (norma infraconstitucional) estabelecer idade de trinta e seis, trinta e oito, quarenta, etc., ao fundamento de que o texto constitucional estabeleceu apenas idade mínima para o implemento dessa condição? A resposta é invariavelmente negativa.

De acordo com a clássica escola processualista italiana, o professor Francesco Ferrara[5], ao se debruçar quanto ao alcance da norma, nos ensina que deve o aplicador ou intérprete da lei buscar a sua melhor adequação hierárquica no sistema normativo:

Ora o intérprete deve tirar dos princípios todas as consequências de que são capazes, embora algumas sejam expressas, enquanto que outras permanecem latentes. Os preceitos jurídicos têm um conteúdo virtual, que é função do intérprete extrair e desenvolve. Assim se enriquece e elabora o material jurídico.

Continuando com os seus ensinamentos, nos remete à seguinte conclusão[6]:

 A plenitude ou completeza (completezza) da ordem jurídica resulta de os casos não previstos recaírem por sua vez sob outras normas de remissão (rinvio) predispostas para sua regulamentação, ou de que, por não estarem sujeito às limitações que derivam de normas particulares, saiam para fora do campo jurídico. 

Se há lei estadual a disciplinar exatamente esse lapso temporal, qual o sentido de o Tribunal ampliar essa restrição a cada certame realizado? Poderia o Tribunal então ampliar o prazo para 5 (cinco) ou 10 (dez) anos? Não nos parece lógico ser essa a melhor interpretação acerca da expressão “pelo menos (um) ano”.

Admitir essa possibilidade (vedação à remoção por prazo superior ao estabelecido na lei local) gera insegurança jurídica entre os candidatos, pois a cada Edital ficarão à mercê de prazo adotado arbitrariamente pelo Tribunal, em detrimento da legislação local aplicável e da própria Resolução CNJ 81/2009, que sequer estabelece regra para tal interregno.

Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu Curso de Direito Administrativo[7], registra a importância da observância ao princípio da Segurança Jurídica, nos seguintes termos:

Ora bem, é sabido e ressabido que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão, o que devem ou o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores consequências imputáveis a seus atos. O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da “segurança jurídica’, o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentro todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles.

Outro ponto que chama atenção reside no fato de que os candidatos requerentes tiveram suas inscrições inicialmente deferidas e somente após a realização da prova oral, tais inscrições foram canceladas, em decorrência do não preenchimento do interstício de 2 (dois) anos entre os concursos de remoção.

Não foram deferidas as inscrições por força da interpretação que o próprio Tribunal fez em relação à lei?

Importante enfatizar que tão logo submetida a questão ao crivo do Tribunal, foi concedido efeito suspensivo aos recursos interpostos pelos candidatos contra a aplicação da novel regra editalícia, a qual, repita-se, culminou na invalidação do dispositivo do Regulamento pelo Órgão Especial.

Com efeito, a Administração possui autotutela para rever seus próprios atos (Súmula 473[8] do STF).

Contudo, certo é que o Tribunal legitimou a inscrição dos candidatos no certame e permitiu com que avançassem etapa a etapa até a prova oral. Como dizer agora, ao final do concurso, lastreado em norma local, em regulamento invalidado pelo próprio TJPR, exatamente o oposto.

Concessa vênia, acolher a pretensão recursal é ir de encontro aos princípios regentes da Administração Pública, notadamente, os da não surpresa, da segurança jurídica e da legalidade estrita.

Nesse sentido, é a doutrina do professor Genaro Ruben Carrió (1922-1997)[9], que desenvolveu significativas reflexões a respeito da teoria dos princípios jurídicos. Segundo ele,

[o] seu descarte leva a um impasse praticamente insolúvel. Ele denominou esse dilema de tudo ou nada, porquanto segundo a sua análise,

se ocorrem os fatos que a regra contempla, podem acontecer duas coisas: (i) ela será uma norma valise do sistema e, então, determina totalmente o resultado, ou (ii) não o será e, então, nada tem que ver com a decisão judicial do caso (Princípios Jurídicos y Positivismo Jurídico. Buenos Aires: 1970, p. 47)

Por essas razões e pelos demais fundamentos constantes do decisum questionado, tenho que as alegações suscitadas pelos recorrentes são incapazes de infirmar a decisão terminativa.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso e mantenho a decisão que julgou procedente o pedido, tornando definitiva a participação dos candidatos que possuem interstício superior a um ano desde a última remoção realizada.

É como voto.

Intimem-se.

Publique-se nos termos do artigo 140 do RICNJ. Em seguida, arquivem-se independentemente de nova conclusão.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro

 



[1] Art. 17. Ao concurso de remoção somente serão admitidos titulares que exerçam a atividade por mais de dois anos.

[2] Nesse sentido: REsp 1394902/MA, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 20/03/2018.

[3] Art. 18. A legislação estadual disporá sobre as normas e os critérios para o concurso de remoção.

[4] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003. p. 45-46.

[5] FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Tradução do Tratatto de Diritto Civille Italiano – Roma, 1921. Belo Horizonte: Líder, p. 46.

[6] Idem. p. 48.

[7] Mello, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 124.

[8] A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

[9] MAIA, Mário Goulart. Hermenêutica judicial. Fortaleza: Imprece, 2021. p. 117.