Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007499-30.2021.2.00.0000
Requerente: NG3 SALVADOR CONSULTORIA E SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA
Requerido: MARIANA TEIXEIRA LOPES

 


 

EMENTA: RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA ESTRITAMENTE JURISDICIONAL. FATOS QUE NÃO CONSTITUEM INFRAÇÃO DISCIPLINAR. RECURSO NÃO PROVIDO.  

1. Não há nos autos indícios que demonstrem a prática de qualquer infração disciplinar ou falta funcional que pudessem ensejar a instauração de processo administrativo disciplinar. 

2. Os argumentos desenvolvidos pela reclamante demonstram insatisfação com o conteúdo de decisão proferida nos autos judiciais. 

3. O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. 

4. Recurso administrativo a que se nega provimento. 

 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 13 de maio de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Mário Goulart Maia. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fernando Bandeira de Mello e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público Estadual.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007499-30.2021.2.00.0000
Requerente: NG3 SALVADOR CONSULTORIA E SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA
Requerido: MARIANA TEIXEIRA LOPES

 


 

RELATÓRIO  

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA:  

Trata-se de Recurso Administrativo interposto por NG3 SALVADOR CONSULTORIA E SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS LTDA contra a decisão que determinou o arquivamento da presente Reclamação Disciplinar, autuada em desfavor da Magistrada MARIANA TEIXEIRA LOPES, Juíza de Direito da 8ª Vara do Sistemas dos Juizados Especiais do Consumidor do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

Alegou-se, em síntese, supostas irregularidades e parcialidade praticadas pela reclamada durante a condução de processos judiciais em que figura como parte a requerente, de forma a lhe prejudicar.

Como exemplo da alegada parcialidade, mencionou os autos do Processo nº 0101778-97.2020.8.5.0001, nos quais foi prolatada sentença por meio da qual determinou-se fossem oficiados o Ministério Público e o PROCON, além de ter sido proferida condenação em patamares aviltantes, em contrariedade às provas colacionadas.

Da mesma forma, expôs que, nos autos do Processo nº 0084461-86.2020.8.05.0001, teria sido proferida sentença, pela qual se condenou a ora requerente a pagar, a título de indenização por danos morais, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com fundamentação não condizente com as provas anexadas aos autos.

Acrescentou que, durante a audiência de instrução, a magistrada teria feito perguntas de forma a, em tese, induzir a autora a responder com informações prejudiciais à empresa.

Informou que a magistrada teria, durante a indigitada audiência, recomendado à parte autora que noticiasse ao apresentador de televisão Bocão, que fazia propaganda da ora requerente em seu programa “Balanço Geral Salvador”, sobre as irregularidades que a autora entendia que teriam sido praticadas, com o objetivo de que o programa deixasse de veicular propagandas da empresa.

Por fim, afirmou que a reclamada recusou-se a despachar com o advogado da requerente, violando o previsto no art. 7º, inciso VIII, do Estatuto da Advocacia.

Foi proferida decisão de arquivamento parcial quanto aos fatos narrados na peça inicial.

Dessa forma, os autos foram arquivados no que diz respeito à suposta parcialidade atribuída à magistrada, com fundamento no art. 8º, I, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (ID 4534438).

Por sua vez, delegada via PJeCOR a apuração no que tange à suposta violação ao que dispõe o art. 7º, VIII, do Estatuto da Advocacia (ID 4534438), a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado da Bahia proferiu decisão e arquivamento do procedimento na origem, sob o fundamento de que não foram vislumbrados “indícios de violação dos deveres da magistratura neste caso concreto” (ID 4610571). 

Foi determinado o arquivamento do presente expediente, com fundamento no art. 68 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (ID 4615731).

Inconformada, a reclamante interpôs recurso administrativo contra a decisão de arquivamento. Nas razões recursais, reforça a tese inicial de que a magistrada teria adotado conduta parcial ao conduzir o Processo Judicial nº 0084461-86.2020.8.05.0001, ferindo, em tese, o art. 8º do Código de Ética da Magistratura Nacional (ID 4634417).

Intimada (ID 4635478), a magistrada apresentou contrarrazões (ID 4656833 e anexos).

É o relatório.


Z12

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007499-30.2021.2.00.0000
Requerente: NG3 SALVADOR CONSULTORIA E SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA
Requerido: MARIANA TEIXEIRA LOPES

 

 

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA: 

O recorrente insurge-se contra decisão de arquivamento e, por meio do presente recurso reafirma as teses expostas na inicial, afirmando que 

[...] Prova disso se faz com a atuação da magistrada no processo nº 0101778-97.2020.8.05.0001, que tramitou no 8º Juizado Especial do Consumidor TJBA, sendo, na opinião da empresa, uma atuação totalmente parcial, com as alegações lançadas em sentença, com determinação de ofício ao Ministério Público e ao PROCON, com condenações em patamares aviltantes em sentença (ID 4634417). 

No entanto, em que pese o seu inconformismo, razão não assiste à recorrente.

Primeiro, porque o presente expediente já havia sido parcialmente arquivado em 14 de novembro de 2021, no que diz respeito a alegada conduta parcial imputada à magistrada. Foi delegada à Corregedoria-Geral da Justiça do Estado da Bahia tão somente a apuração acerca de eventual inobservância do art. 7º, VIII, do Estatuto da Advocacia (ID 4534438).

Assim, conforme relatado, a Corregedoria-Geral do Estado da Bahia apurou os fatos apontados na peça inicial, oportunidade em que foram analisadas as informações prestadas pela Magistrada Mariana Teixeira Lopes em cotejo com os demais elementos probatórios constantes nos autos e proferida decisão de arquivamento do feito na origem (IDs 4610571 e 4610572). 

Por sua vez, esta Corregedoria Nacional entendeu satisfatórios os esclarecimentos prestados sobre a apuração dos fatos na origem e  determinou o arquivamento do feito, com fundamento no art. 68 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (ID 4615731).

Contra os fundamentos da decisão de arquivamento do feito acerca de eventual inobservância da Magistrada ao art. 7º, VIII, do Estatuto da Advocacia, entretanto, não houve qualquer inconformismo por parte da empresa recorrente que apenas reproduziu nas razões recursais as mesmas alegações anteriormente narradas na peça inicial.

Neste ponto, por si só, o recurso já não merece provimento, uma vez que o princípio da dialeticidade exige que as razões recursais estejam associadas à decisão recorrida e ataquem, motivadamente, seus fundamentos, o que não acontece no presente caso. À propósito:

RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS POR EXCESSO DE PRAZO. RAZÕES DISSOCIADAS. RECURSO ADMINISTRATIVO NÃO CONHECIDO. 1.  O princípio da dialeticidade exige que as razões recursais estejam associadas à decisão recorrida e ataquem, motivadamente, seus fundamentos, o que não acontece no caso. 2.   Recurso administrativo não conhecido (CNJ. Pedido de Providências nº 0002443-16.2021.2.00.0000, 90ª Sessão Virtual – Plenário. Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, j. 13/08/2021). 

Mesmo que assim não fosse, especificamente acerca da alegada conduta parcial por parte da magistrada, nota-se que a irresignação constante da peça inicial se refere a exame de matéria estritamente jurisdicional.

Na peça inicial, foram imputadas condutas parciais durante a condução de processos judiciais, mencionando como exemplo os Autos nº 0101778-97.2020.8.5.0001 e nº 0084461-86.2020.8.05.0001. Em ambos os casos, alegou-se que  magistrada teria proferido sentenças "contrárias às provas dos autos". 

No entanto,  é inadmissível a instauração de procedimento disciplinar quando inexistentes indícios ou fatos que demonstrem que o magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.

Assim, somados aos fundamentos da decisão que determinou o arquivamento do feito, estão também os argumentos esposados pela Magistrada Mariana Teixeira Lopes em sede de contrarrazões (ID 4656834):

[...] Conforme se nota, a louvável Decisão da Douta Relatora enfrentou, nos exatos limites toda a questão e fundamentou de modo exauriente a Decisão.

Frise-se, por oportuno, que a Magistrada Recorrida sempre realizou atendimentos sem solução de continuidade aos Advogados, sob qualquer modalidade. Portanto procedia atendimentos, independentemente, de data fixa, quando presencial - regra de outrora e que, já começa a dar indicativos de retorno -, e assim continuou a proceder habitualmente de maneira telepresencial, pois fornecidas de maneira célere pelo TJBA as ferramentas necessárias.

São realizados atendimentos diários das partes e advogados, sempre que solicitado o agendamento por videoconferência (por ocasião do rigor maior exigido pelo momento da Pandemia) e atualmente, assim continua a proceder com todos os cuidados, inclusive de forma presencial.

Com efeito, inexistiu qualquer indício de infrações administrativas cometidas por esta Magistrada, estando ausentes elementos mínimos para subsidiar o prosseguimento do feito. Isto porque, TODAS as alegações da parte recorrente foram devidamente rechaçadas, sobretudo diante do extenso arcabouço probatório acostado aos autos pela Magistrada Peticionante, que atestam com veemência as informações por si prestadas.

De fato, a Reclamação Disciplinar, assim como o presente Recurso Administrativo – já que este se trata de mera cópia daquela - se constroem a partir de ilações que se mostram insusceptíveis de conhecimento por sua própria inverossimilhança.

Não se ignora que, travestido de ato jurisdicional, poderia haver abuso de poder, desvio de finalidade ou busca/proteção de interesses escusos.

Contudo, no caso em presença, não há indícios que sinalizem a prática de alguma dessas condutas indevidas.

Com efeito, a solução de suposto equívoco na condução dos processos deve ser requerida pela via jurisdicional.

O Conselho Nacional de Justiça, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das presentes no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.  

Mesmo invocações de error in judicando e error in procedendo não se prestam a desencadear a atividade censória, salvo exceções pontualíssimas das quais se deduza, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida esta, o que também não se verifica na espécie.

Aliás, eventual divergência na interpretação ou aplicação da lei não torna o ato judicial, por si só, teratológico, muito menos justifica a intervenção correcional. À propósito:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. DESVIO DE CONDUTA. INEXISTENTE. ABUSO E TERATOLOGIA DAS DECISÕES JUDICIAIS. INSUFICIENTE. ERROR IN PROCEDENDO. JURISDICIONAL. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O liame objetivo entre ato jurisdicional e desvio funcional foi traçado tão somente em relação ao conteúdo de decisões judiciais e na subjetiva convicção de que são abusivas e teratológicas. 2. É necessário que se demonstre concretamente o ato abusivo do magistrado, ou seja uma falha de postura do julgador que se coadune a uma das infrações disciplinares tipificadas no Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN. 3. As invocações de erro de procedimento (error in procedendo) e erro de julgamento (error in judicando) impedem a atuação correcional, pois carregadas de conteúdo jurisdicional. 4. Recurso não provido (CNJ. Reclamação disciplinar nº 0000784-74.2018.2.00.0000, 275ª Sessão Ordinária – Plenário. Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, j. 07/08/2018, v.u.).

Por fim, as questões relativas à eventual  suspeição ou impedimento devem ser discutidas em vias próprias não se destinando a via disciplinar, como regra, a tal desiderato. À propósito:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. IMPUGNAÇÃO DE ATO JUDICIAL. NÃO CABIMENTO.  RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1 - O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. 2 - As questões relativas à eventual parcialidade de magistrado possuem via própria e prevista na legislação processual, devendo ser sanadas por meio das exceções de suspeição ou impedimento, não se destinando a via administrativa a tal desiderato. 3 - Recurso administrativo a que nega provimento (CNJ. Reclamação disciplinar nº 0000091-85.2021.2.00.0000, 87ª Sessão Virtual – Plenário. Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, j. 28/05/2021, v.u.).

Assim, depreende-se que as imputações deduzidas demonstram mero descontentamento da requerente diante do que foi decidido nos autos, não havendo indícios de que a reclamada tenha incorrido em falta funcional, o que justifica a manutenção do arquivamento.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

É como voto.

 

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Corregedora Nacional de Justiça

Z12