Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0010968-89.2018.2.00.0000
Requerente: ADRIANA HELENA SOARES INGLE
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP

 


 

RECURSO ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.PRECATÓRIOS.AGRUPAMENTO DE REQUISIÇÕES EXPEDIDAS PELA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DE ENTE PÚBLICO INSERIDO NO REGIME ESPECIAL EM LISTA ÚNICA E CRONOLÓGICA.

1. Recurso administrativo contra decisão que julgou improcedente o pedido de anulação do ato do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que determinou o agrupamento dos precatórios expedidos contra a São Paulo Transportes S/A (SPTrans) na lista de precatórios do Município de São Paulo.

2. O sistema do regime especial de precatórios, conforme desenhado nos artigos 97, 101, 103 e 104 do ADCT, autoriza a formulação de lista única dos precatórios da administração direta e indireta porquanto transfere temporariamente ao ente federado a responsabilidade pelo pagamento dos precatórios expedidos contra suas entidades da administração indireta.

3. O artigo 53 da Resolução CNJ 303/2013 expressamente autoriza a inclusão dos precatórios devidos pela administração direta e indireta na lista de ordem cronológica do ente devedor submetido ao regime especial de precatórios.

4. Recurso a que se nega provimento.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 14 de maio de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0010968-89.2018.2.00.0000
Requerente: ADRIANA HELENA SOARES INGLE
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP


RELATÓRIO


          

Trata-se de recurso administrativo interposto por ADRIANA HELENA SOARES INGLE contra decisão que julgou improcedente o pedido de anulação do ato promovido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (TJSP) que determinou o agrupamento dos precatórios expedidos contra a São Paulo Transportes S/A (SPTrans) na lista de precatórios do Município de São Paulo.

Monocraticamente (Id.3648152), a Conselheira que sucedi julgou improcedente o pedido, tendo em vista que a SPTrans não tem orçamento próprio, razão pela qual os requisitórios por ela devidos devem ser pagos com recursos do erário municipal.

Além disso, concluiu que o artigo 101 do ADCT prevê a possibilidade de reunião dos precatórios dos municípios enquadrados no regime especial com os de entidades que não possuam orçamento próprio, em lista única e cronológica, a fim de garantir maior organicidade dos planos de pagamento e erradicar eventuais conflitualidades que possam prejudicar a gestão eficiente do sistema de precatórios até que toda a Fazenda Pública esteja sob o único regime de pagamento.

No recurso (Id.3656160), a Recorrente alega que o Fórum Nacional de Precatórios (FONAPREC), em caso idêntico e contemporâneo (Pedido de Providências (PP) nº 0004898-95.2014.2.00.0000), manifestou-se contrariamente ao pedido de unificação das listas de precatórios em relação ao Estado de São Paulo.

Além disso, argumenta que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que a SPTrans teria autonomia financeira e que, por tal razão, não estaria sujeita ao regime de precatórios. Insurge-se contra a realização do ato impugnado após a inserção em lista única e mapa orçamentário, por entender que a medida ofende o ato jurídico perfeito e o direito adquirido.

Por fim, sustenta que a decisão é contrária à previsão constitucional, que não estendeu o regime especial de pagamento de precatórios em favor das autarquias e demais entidades da administração indireta.

Em nova manifestação (Id.3665709), a Recorrente apresentou petição formulada pela SPTrans na qual a empresa requereu autorização para quitar a obrigação judicial por meio de lista autônoma da própria entidade através do regime ordinário, conforme previsão do artigo 100, § 5º, da Constituição Federal

Em contrarrazões (Id.3668245), o Município de São Paulo destacou que o entendimento do FONAPREC está correto porquanto analisou a questão à luz das Emendas Constitucionais (EC) 94/2016 e 99/2017, o que não havia ocorrido quando do julgamento do procedimento indicado pela Recorrente.

Aduziu que, em 31 de maio de 2019, a Segunda Turma do E.STF decidiu, por unanimidade, no Agravo Regimental da Reclamação 29.630 que a SPTrans se sujeita ao regime de precatórios, encontrando-se, assim, tal matéria pacificada.

Destacou que a decisão impugnada se encontra de acordo com a Constituição da República, uma vez que o artigo 101 do ADCT estabelece como receita corrente líquida a ser adotada para a fixação da porcentagem relativa ao depósito nas contas especiais o somatório das receitas do Munícipio, compreendendo, assim, a Administração Direta e Indireta.

Argumentou que os artigos 101, § 2º, I, e 104, I, e II, ambos da Constituição da República reforçam o entendimento no sentido que a SPTrans deve ser mantida na ordem cronológica do município, tendo em vista o advento do Regime Especial de Precatórios estabelecido pela EC 99/2017.

Ressaltou que a SPTrans possui apenas orçamento de investimentos e não goza de recursos financeiros suficientes para arcar com suas atividades, motivos pelos quais o Município de São Paulo, que possui 99, 965521% das ações, subsidia o pagamento dos precatórios da referida instituição.

Por fim, ponderou que a petição trazida pela Requerente (Id. Id.3665709) após a prolação da decisão impugnada deve ser desconsiderada, uma vez que o seu subscritor não realizou qualquer juízo de valor sobre a aplicação do regime especial à empresa.

Em contrarrazões (Id.3704855), o TJSP destacou que o ato impugnado, de lavra do Coordenador da Diretoria de Execuções de Precatórios e Cálculos, Exmo. Desembargador Luís Paulo Aliende Ribeiro, encontra amparo em decisão de caráter geral, proferida em 04/12/2018, que estabeleceu critérios padronizados “aplicados a todas as entidades devedoras, destinados a definir a situação das autarquias e sociedades de economia mista (desde que submetidas ao regime de precatórios) para a formação de lista autônoma ou seu agrupamento à lista de pagamento do Poder Executivo”, bem como na jurisprudência mais recente que impõe a submissão do regime de precatórios às sociedades de economia mista que exerçam funções unicamente regulatórias.

Ao se manifestar (Id.3731790), a Recorrente ratificou o pedido de revisão da decisão impugnada. Para tanto, reiterou que a SPTrans vem adotando o regime de direito privado para cumprimento de obrigações e que não depende financeiramente do Município.

É o relatório.


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0010968-89.2018.2.00.0000
Requerente: ADRIANA HELENA SOARES INGLE
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP

 


VOTO


                   Insurge-se a Recorrente contra a decisão que julgou improcedente o pedido de anulação do ato de agrupamento promovido pelo TJSP dos precatórios expedidos contra a SPTrans na lista de precatórios do Município de São Paulo.

Com o intuito de reformar a referida decisão, a Recorrente sustentou que o FONAPREC, em caso idêntico e contemporâneo a deste feito (PP nº 0004898-95.2014.2.00.0000), teria se manifestado contrariamente ao pedido de unificação das listas de precatórios em relação ao Estado de São Paulo.

Tal argumento não merece prosperar porquanto o ato impugnado nestes autos se deu na vigência da Emenda Constitucional nº 99/2017, ao passo que a análise do PP nº 0004898-95.2014.2.00.0000 ocorreu sob égide do regime da Emenda Constitucional nº 62/2009.

Tal aspecto foi realçado no parecer aprovado pelo FONAPREC, senão vejamos:

(...) Inicialmente, ao compulsar as razões jurídicas expostas pela Requerente, verifico que sua tese, qual seja, de listas únicas separadas por ente devedor, baseia-se, dentre outros argumentos, em Parecer, quando realizada Consulta junto ao FONAPREC no processo 0004898-95.2014.2.00.0000, ainda sob o regime da EC 62/2009. (Id.3639705).

De igual modo, as alegações no sentido que a SPTrans adota o regime de direito privado para cumprimento de obrigações e que não depende financeiramente do Município devem ser rechaçados.

Deve ser ressaltado que o Plenário do E. STF já reconheceu a aplicação do regime de precatórios à SPTrans, bem como sua dependência financeira em relação ao Munícipio, senão vejamos:

Agravos regimentais em suspensão de liminar. Sociedade de economia mista municipal prestadora de serviço público (SPTRANS). Execução. Precatório. Matéria constitucional. Lesão à ordem e à economia públicas. Agravos regimentais a que se nega provimento.

1. Alegação de ilegitimidade ativa afastada. O município de São Paulo demonstrou que a execução dos julgados configura um quadro de grave lesão à ordem e à economia públicas, uma vez que, além de afetar consideravelmente suas finanças – já que o município tem precisado realizar aportes de capital para cobrir a penhora dos valores na SPTRANS –, tem o potencial de paralisação do sistema de transporte público municipal, ante a importância dos valores indicados no conjunto de execuções.

2. A SPTRANS é uma sociedade de economia mista, prestadora de serviço público, responsável, juntamente com o município de São Paulo, pela organização e pelo gerenciamento dos consórcios formados para a oferta do serviço de transporte público de ônibus no município. 3. A jurisprudência da Suprema Corte é assente no sentido da aplicabilidade do regime de precatório às sociedades de economia mista prestadoras de serviço público próprio do Estado e de natureza não concorrencial. 4. “Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza” (Enunciado 47 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal). 5. Agravos regimentais não providos.(SL 918 Extn-sexta-AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 11/11/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-264  DIVULG 03-12-2019  PUBLIC 04-12-2019)

Imperioso realçar que a decisão impugnada se encontra de acordo com o sistema desenhado ao regime especial de precatórios previsto nos artigos 97, 101, 103 e 104 do ADCT, que autoriza a lista única dos precatórios da administração direta e indireta, senão vejamos:

Art. 97. Até que seja editada a lei complementar de que trata o § 15 do art. 100 da Constituição Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que, na data de publicação desta Emenda Constitucional, estejam em mora na quitação de precatórios vencidos, relativos às suas administrações direta e indireta, inclusive os emitidos durante o período de vigência do regime especial instituído por este artigo, farão esses pagamentos de acordo com as normas a seguir estabelecidas, sendo inaplicável o disposto no art. 100 desta Constituição Federal, exceto em seus §§ 2º, 3º, 9º, 10, 11, 12, 13 e 14, e sem prejuízo dos acordos de juízos conciliatórios já formalizados na data de promulgação desta Emenda Constitucional

Art. 101. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que, em 25 de março de 2015, se encontravam em mora no pagamento de seus precatórios quitarão, até 31 de dezembro de 2024, seus débitos vencidos e os que vencerão dentro desse período, atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), ou por outro índice que venha a substituí-lo, depositando mensalmente em conta especial do Tribunal de Justiça local, sob única e exclusiva administração deste, 1/12 (um doze avos) do valor calculado percentualmente sobre suas receitas correntes líquidas apuradas no segundo mês anterior ao mês de pagamento, em percentual suficiente para a quitação de seus débitos e, ainda que variável, nunca inferior, em cada exercício, ao percentual praticado na data da entrada em vigor do regime especial a que se refere este artigo, em conformidade com plano de pagamento a ser anualmente apresentado ao Tribunal de Justiça local. (Redação dada pela Emenda constitucional nº 99, de 2017) 

Art. 103. Enquanto os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estiverem efetuando o pagamento da parcela mensal devida como previsto no caput do art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, nem eles, nem as respectivas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes poderão sofrer sequestro de valores, exceto no caso de não liberação tempestiva dos recursos.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 94, de 2016) 

Parágrafo único. Na vigência do regime especial previsto no art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ficam vedadas desapropriações pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, cujos estoques de precatórios ainda pendentes de pagamento, incluídos os precatórios a pagar de suas entidades da administração indireta, sejam superiores a 70% (setenta por cento) das respectivas receitas correntes líquidas, excetuadas as desapropriações para fins de necessidade pública nas áreas de saúde, educação, segurança pública, transporte público, saneamento básico e habitação de interesse social

 Art. 104. Se os recursos referidos no art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para o pagamento de precatórios não forem tempestivamente liberados, no todo ou em parte: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 94, de 2016) 

I - o Presidente do Tribunal de Justiça local determinará o sequestro, até o limite do valor não liberado, das contas do ente federado inadimplente; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 94, de 2016) 

II - o chefe do Poder Executivo do ente federado inadimplente responderá, na forma da legislação de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 94, de 2016) 

III - a União reterá os recursos referentes aos repasses ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e ao Fundo de Participação dos Municípios e os depositará na conta especial referida no art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para utilização como nele previsto; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 94, de 2016) 

IV - os Estados reterão os repasses previstos no parágrafo único do art. 158 da Constituição Federal e os depositarão na conta especial referida no art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para utilização como nele previsto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 94, de 2016) 

Com efeito, o artigo 101 do ADCT prevê somente a cobrança dos entes federados, que deverão se responsabilizar tanto pelo pagamento dos precatórios expedidos pela Administração Direta, bem como pela Administração Direta.

Além disso, o artigo 104 do ADCT prevê sanções apenas aos entes federados e seus responsáveis legais, em caso de descumprimento de moratória, inclusive em relação aos débitos das entidades da administração indireta.

Seguindo o mesmo contexto, afere-se do disposto no artigo 103 do ADCT, a responsabilidade dos entes federados em honrar com o pagamento do regime especial, pois excluiu das autarquias, fundações e empresas estatais a possibilidade de sofrerem o sequestro para pagamento de seus precatórios, enquanto aqueles estiverem cumprindo regularmente o pagamento das parcelas mensais previstas no artigo 101, caput, do ADCT.

Diante de tais fundamentos, conclui-se que o fato de o regime especial previsto na Constituição da República transferir temporariamente ao ente federado a responsabilidade pelo pagamento dos precatórios expedidos contra suas entidades da administração indireta, inobstante não afaste a autonomia de tais instituições, justifica a gestão unificada das requisições a serem pagas.

Por fim, deve ser salientado que a Resolução CNJ 303, de 18 de dezembro de 2019, em seu artigo 53, ao dispor sobre o regime especial, expressamente autoriza a inclusão dos precatórios devidos pela administração indireta do ente devedor incluído no regime especial de precatórios em lista única de ordem cronológica. Segue a redação do referido dispositivo:

Art. 53. A lista de ordem cronológica, cuja elaboração compete ao Tribunal de Justiça, conterá todos os precatórios devidos pela administração direta e pelas entidades da administração indireta do ente devedor, abrangendo as requisições originárias da jurisdição estadual, trabalhista, federal e militar.

Como se vê, a sistemática desenhada pelo legislador constitucional e a Resolução CNJ 303/2019 autorizam que os entes federativos incluam em suas respectivas listas as requisições expedidas em desfavor de sua administração indireta para que sejam pagas por meio do regime especial.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN

Relator