Conselho Nacional de Justiça

Gabinete da Conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel

 

Autos: CONSULTA - 0000038-07.2021.2.00.0000
Requerente: MUNICIPIO DE CANDEIAS
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

 

EMENTA: CONSULTA. MUNICÍPIO DE CANDEIAS. PROVIMENTO CNJ N 303/2019. AMPLIAÇÃO DO PRAZO PARA PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS. PANDEMIA.  DÍVIDA. DEVER CONSTITUCIONAL. ART. 100 DA CF/88. IMPOSSIBILDADE DE PRORROGAÇÃO DO PRAZO PELO CNJ. INCOMPETÊNCIA. CONSULTA CONHECIDA E RESPONDIDA.

1. Consulente questiona a possibilidade de autorização do Conselho Nacional de Justiça para ampliação do prazo para apresentação/cumprimento do Plano de Pagamento de precatórios, nos termos da Resolução CNJ n. 303/2019.

2. A Resolução CNJ n. 303/2019 apenas regulamenta o art. 100 da Constituição Federal de 1988 para gestão dos precatórios dos Tribunais de Justiça Estaduais e Federais, não sendo competência deste Conselho autorizar prorrogação de prazo constitucional e suprimir direitos constitucionalmente garantidos, nos termos do art. 104-B da CF/1988.

3. A Emenda Constitucional n. 109, de 15 de março de 2021, não modificou a obrigação dos entes públicos quanto ao pagamento dos precatórios que gerasse impacto nas disposições constantes da Resolução CNJ n. 303/2019.

4. Consulta conhecida e respondida.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, respondeu a consulta, no sentido da impossibilidade de ampliação do prazo previsto na Resolução CNJ n. 303/2019 para pagamento de precatórios, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 13 de agosto de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Sidney Madruga, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho e Maria Tereza Uille Gomes (então Conselheira). Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Gabinete da Conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel


Autos: CONSULTA - 0000038-07.2021.2.00.0000
Requerente: MUNICIPIO DE CANDEIAS
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ


RELATÓRIO           

 

Cuida-se de consulta formulada pelo Município de Candeias (BA) quanto à possibilidade de ampliação do prazo para apresentação/cumprimento do pagamento de precatórios estabelecido na Resolução CNJ n. 303/2019.

O consulente alega que a pandemia da Covid-19 demandou a utilização de mais recursos públicos para atender às demandas da população em risco e doente, acolher os desempregados e direcionar mais recursos para a área de saúde e prevenção, além de ter ocorrido, por outro lado, uma queda drástica na arrecadação do Município, diante da significativa redução das atividades de produção, transporte, consumo e serviço (Id 4219604).

Informa que houve uma queda geral na receita prevista até dezembro de 2020 em relação aos principais impostos fontes de arrecadação para o Município de Candeias, quais sejam, o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviço de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação – ICMS e o Imposto sobre Serviços – ISS, conforme dados da Secretaria da Fazenda Municipal.

Nesse contexto, pontua que a limitação de empenho e movimentação financeira para controle da pandemia, estabelecidos pela Lei Municipal nº 1.202/2019, Lei Orçamentária de 2020, comprometerá o limite de gastos com pessoal que, atualmente, consome aproximadamente 57,02% (cinquenta e sete, zero dois por cento) da receita corrente líquida.

Concluiu que não é possível fazer frente ao pagamento dos valores dos precatórios trabalhistas e às demandas imediatas, sanitárias e de saúde para combate à Covid-19, concomitantemente com o cumprimento de obrigações contratuais financeiras do Município, no curto prazo, sem afetar serviços públicos essenciais e trazer prejuízos à população.

Assim, questiona este Conselho quanto à possibilidade de ampliação do prazo previsto na Resolução CNJ n. 303/2019, relativo ao plano de pagamento de precatórios.

Diante da especificidade da matéria, tendo em vista a Resolução CNJ n. 158/2012, os autos foram encaminhados ao Fórum Nacional de Precatórios (FONAPREC), para conhecimento e elaboração de parecer, o qual se manifestou no dia 11/03/2021 (id 4282553) pela impossibilidade de qualquer ampliação do prazo previsto na Resolução CNJ n. 303/2019, já que, por via oblíqua estaria suspendendo o cumprimento da Constituição Federal de 1988.

O pedido de inclusão do processo em pauta foi realizado no dia 29/03/2021 e, conforme certidão juntada ao Id 4350768, os autos foram pautados para apreciação na sessão de julgamento entre 20/05/2021 e 28/05/2021, ocasião em que foi concedida vista regimental ao Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, consoante consignado no Id 4403337.

Ato contínuo, considerando a promulgação da Emenda Constitucional n. 109, de 16 de março de 2021, que traz proposições orçamentárias para enfrentamento da calamidade pública, entendi cabível por cautela, previamente ao julgamento, o reencaminhamento dos autos ao FONAPREC para eventual reanálise de parecer sobre a consulta (id 4420433).

Ao se manifestar, o FONAPREC entendeu (Id 4442285) que os preceitos instituídos pela EC n. 109, de 15/03/2021, em nada alteraram as conclusões anteriormente apresentadas pelo Fórum, mantido o posicionamento de que não é possível ampliar o prazo estabelecido na Resolução CNJ n. 303/2019.

Por sua vez, o consulente informou não mais possuir interesse na consulta, tendo em vista a ocorrência de conciliação firmada no âmbito do processo n. 0000967-55.2018.5.05.0000, em trâmite no Juízo de Conciliação da 2ª Instância do TRT 5ª Região (Id 4435430).

É o relatório.

 

 

 

VOTO

      

            A dúvida suscitada pelo Município de Candeias (BA), no que diz respeito à possibilidade de ampliação do prazo previsto na Resolução CNJ n. 303/2019 relativo ao plano de pagamento de precatórios, atende aos preceitos da art. 89 do RICNJ, pois, refere-se à aplicação de ato normativo editado pelo Conselho Nacional de Justiça, que versa sobre a gestão de precatórios e respectivos procedimentos operacionais no âmbito do Poder Judiciário, havendo, portanto, interesse e repercussão gerais presumidos.

            Contudo, fundamental consignar que compete ao Conselho Nacional de Justiça monitorar e supervisionar os pagamentos dos precatórios pelos entes públicos em consonância com as normas constitucionais que disciplinam a matéria, não havendo margem para que este Conselho autorize ou suspenda o cumprimento dos comandos expressos na Constituição Federal de 1988, conforme pretende o consulente.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu art. 100 a necessidade de inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

(...)

§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

§ 6º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o sequestro da quantia respectiva.

(...)

 

            Ou seja, qualquer ampliação de prazos de pagamento previstos na Resolução n. 303/2019, que apenas regulamenta o art. 100 da CF/88 e correspondentes dispositivos do ADCT, representaria, por via oblíqua, a suspensão do cumprimento da Constituição Federal e consequente supressão à direitos constitucionalmente garantidos.

            Rememora-se as atribuições do CNJ, previstas no art. 103-B, 4º da Constituição Federal:

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;

V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;

VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.

Portanto, a alteração de disposições normativas que tratem de direitos constitucionais extrapolaria os limites de atuação deste Conselho, não sendo possível a ampliação do prazo para apresentação/cumprimento do Plano de Pagamento, nos termos da Resolução CNJ n. 303/2019. 

            Ademais, conforme observado no parecer do FONAPREC (Id 4282551), a ausência de recursos não é argumento que justifique qualquer limitação ao pagamento dos precatórios, tendo em vista que a promulgação da Emenda Constitucional nº 106, de 07 de maio de 2020, que instituiu o regime extraordinário fiscal/financeiro para enfrentamento da calamidade pública nacional decorrente da pandemia (orçamento de guerra), garantiu maior previsibilidade e transparência dos gastos públicos do orçamento apartado destinado à crise da COVID-19.

Foi ressaltado, ainda, que a Lei nº 14.008/2020 abriu crédito suplementar, no valor de R$ 343.623.574.293,00 para Estados e Municípios, reforçando dotações da LOA/2020, (inclusive referentes ao pagamento de precatórios), em consonância com o art. 167, III, da Constituição, com redação dada pela EC 106/2020. Por último, nessa conjuntura, observou-se o fato de que a Medida Provisória nº 978/20 disponibilizou crédito extraordinário em favor de transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, no valor de R$ 60.189.488.452,00 (sessenta bilhões, cento e oitenta e nove milhões, quatrocentos e oitenta e oito mil e quatrocentos e cinquenta e dois reais) para despesas referentes ao Programa Federativo de Enfrentamento à COVID-19.

Com esse cenário, pontua-se que parcela significativa dos credores de precatórios é composta por idosos e portadores de doenças graves, ou seja, pessoas vulneráveis, havendo dever de amparo por parte do Estado, com defesa da dignidade e bem-estar, conforme expresso no art. 230 da Constituição Federal, o qual postula o direito à vida.

Observa-se, ainda, que a EC n. 109, de 15 de março de 2021, não modificou a obrigação dos entes públicos quanto às dívidas de natureza judicial, isto é, os precatórios, o que não gera impacto nas disposições constantes da Resolução CNJ n. 303/2019.

Por derradeiro, transcrevo a observação do FONAPREC (Id 4282553):

“Se de um lado a questão discutida significaria um retrocesso jurídico com prejuízos para os credores que aguardam o recebimento de seus créditos, de outro a proposta de ampliação do prazo para pagamento dos precatórios, acarretaria também impacto negativo para a economia local e, simultaneamente aumentaria a crise de endividamento nas empresas, com consequente alta na taxa de desemprego, retrairia, ainda mais, o consumo e a circulação de bens, acarretaria maior déficit na arrecadação de recursos pelo ente devedor e, tudo isso, sem falar que medida desta envergadura se limitaria, simplesmente, a postergar o pagamento dos precatórios ao invés de tratar a questão como oportunidade de resolver um gargalo financeiro, entregando recursos, para a economia local, que se encontram represados.

O endividamento dos Estados ou Municípios não se resolve com a inadimplência dos precatórios e a premissa é simples: a medida em que se garante a liquidez dos créditos judiciais, os credores, ao receberem os valores pecuniários, os reinvestem imediatamente na economia. Desse modo, a reestruturação das dívidas judiciais dos estados e municípios, desde que tratada com seriedade, pode significar a injeção de recursos na economia do país em curto espaço de tempo.” 

           

            Em que pese haver recente manifestação do consulente, do dia 02/08/2021, de que houve conciliação para pagamento dos precatórios do Município de Candeias, a interpretação da Resolução CNJ n. 303/2019 não se limita à esfera jurídica do consulente, havendo interesse e repercussão geral na matéria, razão pela qual prossigo com a formalização da resposta à consulta.

Ante o exposto, conheço da consulta realizada, ratifico o parecer do FONAPREC, e concluo pela impossibilidade de ampliação do prazo previsto na Resolução CNJ n. 303/2019 para pagamento de precatórios, já que o Conselho Nacional de Justiça não pode autorizar o descumprimento de normas constitucionais e gerar, consequentemente, a supressão de direitos constitucionalmente garantidos.

            É como voto. 

 

Brasília, data registrada no sistema.

 

Tânia Regina Silva Reckziegel

Conselheira relatora