Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007593-41.2022.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: ANA CRISTINA PAZ NERI VIGNOLA

 

 

EMENTA

 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. INFRAÇÃO DISCIPLINAR IMPUTADA A JUÍZA DE DIREITO.  DIVERSAS PUBLICAÇÕES NAS REDES SOCIAIS DO FACEBOOK COM CONTEÚDO POLÍTICO-PARTIDÁRIO. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 95, PARÁGRAFO ÚNICO, III da CF E NOS ARTS. 35, VIII, E 36, III, DA LOMAN E 1º, 2º, 4º, 7º, 12, II, 13, 15, 16 E 37 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL, BEM COMO DE DISPOSITIVOS DO PROVIMENTO 135/2022 DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA E DA RESOLUÇÃO 305/2019 DO CNJ. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, SEM AFASTAMENTO DA MAGISTRADA.   


1. A liberdade de expressão não constitui direito absoluto, e, no caso dos magistrados, deve se coadunar com o necessário à afirmação dos princípios da magistratura. 


2. Publicações feitas por magistrados em redes sociais, mesmo que privadas, devem observar o disposto no Provimento n. 135/2022 e na Resolução n. 305/2019, na medida em que seus deveres éticos não se esvaem com o fim do expediente forense. 


3. Configura infração disciplinar a conduta consistente em publicar diversas mensagens nas redes sociais do Facebook que manifestam conteúdo incontestavelmente político, em circunstância agravada pelo potencial de influência que as mídias sociais ostentam atualmente.


4. Existência de elementos indiciários apontando afronta ao artigo 95, parágrafo único, III, da CF/88, ao art. 35, VIII, 36, III, da LC 35/79 (LOMAN), aos arts. 1°, 2°, 4º, 7°, 12, II, 13, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, ao art. 2º, §§ 1º, 2º e 3º e aos arts. 2º, IV, 3º, I, do Provimento n. 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como aos arts. 3º, II, “b” e “e”, 4º, II, da Resolução n. 305 do CNJ.  


5. Os elementos indiciários autorizam a instauração de procedimento administrativo disciplinar (PAD) para que o Conselho Nacional de Justiça possa aprofundar as investigações, se necessário com a produção de novas provas, com vistas a analisar a concreta violação dos deveres funcionais por parte do magistrado, com respeito ao contraditório e ao devido processo legal, aplicando a sanção disciplinar cabível, se for o caso, sem o afastamento cautelar do magistrado. 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, determinou a instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor da magistrada, aprovando desde logo a portaria de instauração do PAD, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 10 de março de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão (Relator), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007593-41.2022.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: ANA CRISTINA PAZ NERI VIGNOLA

 

RELATÓRIO 

 

O MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):  

 

Cuida-se de Reclamação Disciplinar instaurada a partir da notícia de que a Juíza de Direito ANA CRISTINA PAZ NERI VIGNOLA, do Tribunal de Justiça de São Paulo, possuía perfil público na rede social Instagram (https://instagram.com/ana_cris_paz_vignola_?igshid=YmMyMTA2M2Y=), ao veicular publicações com conteúdo político-partidário, estaria manifestando juízo depreciativo sobre decisões judiciais e, em tese, pratica condutas que poderiam configurar, inclusive, crime de racismo, adotando conduta incompatível com seus deveres funcionais (Sei nº 11366/2022).

Por meio da decisão de id 1447851, determinei, em caráter cautelar, a suspensão dos perfis utilizados pela magistrada, por constatar que as mensagens publicadas pela magistrada do TJSP, sobretudo depois da apuração do 2º turno das eleições presidenciais, indicariam, em princípio, manifestação de crítica ao Presidente eleito e seu partido político-partidário, manifestações contrárias à comunidade LGBTQIA+ e a nordestinos, bem como incentivo para que seguidores não aceitem o resultado das eleições. Na oportunidade, expedi carta de ordem à Presidência do TJSP, visando a intimação da magistrada e o cumprimento da medida cautelar então determinada.  

Em resposta, a empresa facebook comunicou que contatou o Provedor do Serviço Instagram, o qual informou que a página da magistrada se encontra desativada  (id 4953821). 

A magistrada reclamada apresentou informações por meio da petição de Id 4981999. Em sua defesa, a magistrada alegou que o pluralismo político e as manifestações públicas de opinião são autorizadas pela Constituição, e, ainda sob a forma de manifestações de caráter social e cultural não caracterizam dedicação à atividade político-partidária, independentemente do local de sua realização. Afirma que suas postagens decorreram de convicção pessoal, não defendendo um candidato mas tecendo críticas ou seu opositor. Afirma que tem o direito de ensinar suas filhas a utilizarem o banheiro feminino e que o compartilhamento de “memes” em que defende que não sejam impostas pautas com as quais não concorda à sua família, não pode ser considerado como manifestação preconceituosa ou racista.

 É o relatório.

 

J6

 


Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007593-41.2022.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: ANA CRISTINA PAZ NERI VIGNOLA

 

  

 

VOTO  

 

O MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 

 

Inicialmente destaco que o magistrado goza de direito à liberdade de expressão, assegurado pela Constituição da República (art. 5º, IV), pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (artigo 19) e pelo Pacto de San José da Costa Rica (artigo 13).

Entretanto, a despeito de ampla, a liberdade de expressão não é absoluta. Sua própria enunciação costuma vir acompanhada de marcos restritivos. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dispõe que o direito à liberdade de expressão “implicará deveres e responsabilidades especiais” e “poderá estar sujeito a certas restrições”. O Pacto de San José da Costa Rica anda em linha semelhante.

Uma limitação à liberdade de expressão deve ser compatível com o princípio democrático. Como leciona Catalina Botero Marino, então relatora especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o escrutínio dessa compatibilidade é feito por meio de um teste tripartite (In COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Marco Jurídico Interamericano sobre o Direito à Liberdade de Expressão. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Washington: OEA, 2014 (disponível em: https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/docs/publicaciones/20140519%20-%20PORT%20Unesco%20-%20Marco%20Juridico%20Interamericano%20sobre%20el%20Derecho%20a%20la%20Libertad%20de%20Expresion%20adjust.pdf.): 

“(1) a restrição deve ter sido definida de forma precisa e clara por meio de uma lei formal e material,

(2) a restrição deve se orientar à realização de objetivos imperiosos autorizados pela Convenção Americana, e

(3) a restrição deve ser necessária em uma sociedade democrática para o sucesso dos imperiosos fins buscados; estritamente proporcional à finalidade buscada; e idônea para alcançar o imperioso objetivo que procura realizar”.

 

No específico caso dos servidores públicos, a relatora especial ainda aponta a existência de deveres próprios e gerais, relacionados à liberdade de expressão: dever de pronunciar-se em certos casos, em cumprimento de suas funções constitucionais e legais, sobre assuntos de interesse público; dever especial de constatação razoável dos fatos que fundamentam seus pronunciamentos; dever de assegurar-se de que os seus pronunciamentos não constituam violações dos direitos humanos; dever de assegurar-se de que seus pronunciamentos não constituam uma ingerência arbitrária, direta ou indireta, sobre os direitos daqueles que contribuem à deliberação pública mediante a expressão e difusão de seu pensamento; dever de assegurar-se de que os seus pronunciamentos não interfiram na independência e na autonomia das autoridades judiciais.

Desse contexto recolhe-se que o ordenamento jurídico pode, na medida do indispensável à promoção dos valores de uma sociedade democrática, impor restrições à liberdade de expressão. Também são possíveis restrições peculiares aos servidores públicos, desde que compatíveis com o princípio democrático e proporcionais às funções por eles exercidas.

No caso dos membros da magistratura, um regime peculiar de restrições se justifica em razão de seu mister. Aos juízes é entregue a tarefa de aplicar o direito, a partir de uma posição imparcial. Para em nome do povo, desempenhar sua tarefa de resolução de disputas, os magistrados precisam demonstrar em sua conduta a aptidão para ouvir e compreender os diversos pontos de vista em uma sociedade plural. Os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial bem enunciam a necessária responsabilidade no exercício da liberdade de expressão pelo magistrado. Dispõe o item 4.6: 

“4.6 Um juiz, como qualquer outro cidadão tem direito à liberdade de expressão, crença, associação e reunião de pessoas, mas ao exercer tais direitos, deve sempre conduzir-se de maneira tal que preserve a dignidade do ofício judicante e a independência do Judiciário.

 

Os §§ 134 e 136 dos Comentários aos Princípios de Bangalore ilustram como o magistrado deve abordar as próprias responsabilidades ao exercer a liberdade de expressão. Ao ser investido no cargo, um juiz não abandona qualquer crença política anterior ou deixa de ter interesse em assuntos políticos”, mas “parcimônia é necessário para manter a confiança do público na imparcialidade e independência do Judiciário”. Cabe ao magistrado refrear o envolvimento no debate público se sua participação “poderia razoavelmente minar a confiança na sua imparcialidade” ou “expor desnecessariamente o juiz ao ataque político”, ou ainda “ser incoerente com a dignidade do ofício judicante”. A contenção se justifica porque a “verdadeira essência de ser juiz é ser hábil para abordar os vários problemas que são objetos de disputas de maneira objetiva e judicial”, e porque o “juiz deve ser visto pelo público como exibindo um tipo de abordagem desinteressada, imparcial, não-preconceituosa, de mente aberta e justa”. O comentário conclui: 

  

“Se um juiz entra na arena política e participa de debates públicos, expressa opiniões sobre assuntos controversos, entra em disputa com figuras públicas da comunidade ou critica publicamente o governo, ele não será visto como atuando judicialmente quando presidir como juiz em uma corte e decidir litígios a respeito dos quais tenha expressado opiniões em público, ou talvez mais importante, quando as figuras públicas ou departamentos do governo que ele tenha criticado anteriormente sejam partes ou litigantes ou até mesmo testemunhas em casos sob sua atuação” (Nações Unidas (ONU). Escritório Contra Drogas e Crime (Unodc). Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial / Escritório Contra Drogas e Crime; tradução de Marlon da Silva Malha, Ariane Emílio Kloth. – Brasília : Conselho da Justiça Federal, 2008). 

  

Para exercer com responsabilidade sua liberdade de expressão, a pessoa investida na magistratura deve guardar especial atenção aos valores que informem a atividade jurisdicional. Ao magistrado cabe cultivar, em sua vida profissional e em todas as suas relações interpessoais, as qualidades que demonstram aptidão para as elevadas funções nas quais foi democraticamente investido.

No caso brasileiro, a própria Constituição da República traça balizas para a compatibilização da liberdade de expressão dos juízes com suas elevadas atribuições. Entre nós, os magistrados organizam e arbitram as eleições. Tendo isso em consideração, a Constituição restringe o importantíssimo direito ao exercício da liberdade de manifestação política, ao estabelecer que “aos juízes é vedado dedicar-se à atividade político-partidária” (art. 95, parágrafo único, III).

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional vai além, impondo dever de conduta irrepreensível na vida privada (art. 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e limitando a liberdade de manifestação crítica a órgãos do Poder Judiciário. Neste sentido, ao magistrado é vedado “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério” (art. 36, III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional).

De seu lado, o Código de Ética da Magistratura Nacional, aprovado por Resolução do Conselho Nacional de Justiça, estabelece os princípios do comportamento judicial. As manifestações públicas dos magistrados não podem fugir aos valores expressos no Código de Ética - independência, imparcialidade, transparência, integridade pessoal e profissional, diligência e dedicação, cortesia, prudência, sigilo profissional, conhecimento e capacitação e dignidade, honra e decoro.

Os valores expressos no Código de Ética da Magistratura Nacional são coincidentes com padrões acolhidos pelos documentos que servem de orientação às melhores práticas dos juízes. Os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial enunciam os valores da independência, imparcialidade, integridade, idoneidade, igualdade, competência e diligência. O Código Iberoamericano de Ética Judicial menciona independência, imparcialidade, motivação, conhecimento e capacitação, justiça e equidade, responsabilidade institucional, cortesia, transparência, segredo profissional, prudência, diligência e honestidade profissional. Em substância, os valores descritos nos mencionados diplomas são coincidentes.

Em suas manifestações públicas, o magistrado deve observar esses princípios. Deve demonstrar imparcialidade, evitando “todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito” (art. 8º do Código de Ética da Magistratura Nacional), bem como lhe é vedado participar de atividade político-partidária a teor do artigo 7º do mesmo Código de Ética. Em homenagem à transparência, deve “evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza” (art. 13 do Código de Ética da Magistratura Nacional). Para cultivar a integridade, precisa “comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral” (art. 16 do Código de Ética da Magistratura Nacional). Um imperativo de prudência lhe exige ter por meta “manter atitude aberta e paciente para receber argumentos ou críticas lançados de forma cortês e respeitosa” (art. 26 do Código de Ética da Magistratura Nacional).

A Resolução n. 305/2019 do Conselho Nacional de Justiça, por sua vez, “estabelece os parâmetros para o uso das redes sociais pelos membros do Poder Judiciário” e prevê no seu artigo 4º, II:

 

“Art. 4º Constituem condutas vedadas aos magistrados nas redes sociais: 

 [...] 

II – emitir opinião que demonstre atuação em atividade político-partidária ou manifestar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos (art. 95, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal; art. 7º do Código de Ética da Magistratura Nacional);” 

 

Outrossim, em setembro de 2022, a Corregedoria Nacional de Justiça editou o Provimento n. 135, que estabelece diretrizes sobre condutas e procedimentos dos magistrados e tribunais no período eleitoral e posteriormente a ele, vedando aos magistrados sob jurisdição do CNJ, investidos ou não em função eleitoral:  

 

 “Art. 3º: 

 I - manifestações públicas, especialmente em redes sociais ou na mídia, ainda que em perfis pessoais próprios ou de terceiros, que contribuam para o descrédito do sistema eleitoral brasileiro ou que gerem infundada desconfiança social acerca da justiça, segurança e transparência das eleições;  

II – associação de sua imagem pessoal ou profissional a pessoas públicas, empresas, organizações sociais, veículos de comunicação, sítios na internet, podcasts ou canais de rádio ou vídeo que, sabidamente, colaborem para a deterioração da credibilidade dos sistemas judicial e eleitoral brasileiros ou que fomentem a desconfiança social acerca da justiça, segurança e transparência das eleições.  

§ 1º As vedações constantes neste artigo também se aplicam a magistrados afastados temporariamente da jurisdição por questões disciplinares ou postos em disponibilidade.  

§ 2º É estimulado o uso educativo e instrutivo das redes sociais e de canais de comunicação, para fins de divulgação de informações que contribuam com a promoção dos direitos políticos e da confiança social na integridade dos sistemas de justiça e eleitoral brasileiros.

 

Portanto, há um conjunto de normas que limitam a liberdade de expressão dos magistrados, a iniciar pela Constituição da República, passando pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional e normas do Conselho Nacional de Justiça (Código de Ética da Magistratura Nacional, Provimento n. 135/2022 e Resolução n. 305/2019).

 

Saliento que os diplomas normativos editados pelo CNJ pouco mais fazem do que aclarar aquilo que já decorre da Constituição da República e da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Tratam de fixar interpretação clara quanto a deveres que já existem.

Desse panorama, o que se recolhe é que a liberdade de expressão dos magistrados pode sim ser restringida, desde que na estrita medida do necessário à afirmação dos princípios da magistratura, e que as normas editadas pelo Conselho Nacional de Justiça se prestam a aclarar e desenvolver essas restrições.

Em suma, na conciliação entre a preservação da imagem do magistrado como agente político e a manifestação de pensamento do magistrado como pessoa física, deve prevalecer a cautela, a prudência, a discrição e a economia verbal. Tal entendimento parte da premissa mais básica a ser percebida, pelas partes litigantes, quando defrontados com o Estado-Julgador em suas causas: a imparcialidade.

Os princípios que regem a conduta dos Juízes se pautam na ética profissional, permeada pela confiança da sociedade no agente que atua em munus público. Daí advém a sua imparcialidade, de um lado, e os contornos de sua independência, de outro. Um juiz não só deverá ser isento de conexões inapropriadas e influências externas, mas também deve parecer livre delas, aos olhos da sociedade[1].

Doutra parte, imbuído da representação do Poder Estatal, é inegável que a voz do magistrado possui ímpar poder de influência e chamariz, calcado na confiança que o cidadão possui em decorrência da hierarquia da função. Na esteira do Código de Ética da Magistratura, a integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura (art. 15), de modo que deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral (art.16).

A observância desses princípios éticos, como o próprio Código acima citado já direciona, extrapola o momento em que o magistrado exerce sua atividade jurisdicional, até porque a imagem de agente representante do Estado e do Poder Judiciário como um todo não se esvai fora do expediente forense. A expressão de tal imagem pelo Juiz se dá das mais variadas formas, sendo as mídias sociais, no momento atual, inegável instrumento que se torna porta-voz da imagem do magistrado e a mensagem que este pretende passar à sociedade em representação do Poder Judiciário.

 Nesse sentido, destaco a manifestação do Ministro Barroso, nos autos do Mandado de Segurança n. 35.793/DF-MC, publicado no DJe em 6 de setembro de 2018, já mencionada em outras decisões deste Conselho Nacional de Justiça em referência ao regramento concernente ao então vigente Provimento CNJ n.71, de 13 de junho de 2018, antecessor da Resolução CNJ 305/2019, verbis:

“[...] Hoje, mundo real e virtual se completam em uma única esfera pública. As fotos, os comentários, as opiniões publicadas nesses canais são assuntos de conversas entre todos os grupos de relacionamento: seja com colegas, servidores da sua unidade judiciária ou pessoas da sua família. Logo, se juiz é juiz 24 horas por dia, 7 dias por semana, é importante lembrar que nas mídias digitais também são vistos como o que de fato são: membros de um poder constituído. Portanto, as plataformas podem ser ótimos veículos para compartilhamento de boas práticas, opiniões assertivas e dados deste poder. Porém, por outro lado, podem manchar uma imagem já consolidada em decorrência do compartilhamento de determinada posição. O fim dos limites estritos entre a vida pública e privada da era digital faz com que a conduta de um magistrado se associe, ainda que de forma indireta, ao Poder Judiciário. Magistrados não se despem da autoridade do cargo que ocupam, ainda que longe do exercício da função. Quando um juiz se manifesta, acima de “Joãos”, “Marias” ou “Josés” estão membros do Poder Judiciário falando e moldando a percepção que se tem do órgão que integram. Dessa forma, a defesa de um espaço amplo para essas manifestações em redes sociais é potencialmente lesiva a independência e imparcialidade do Judiciário”.

 

Prossegue o Ministro em sua análise, concluindo que:

 

“[...] Em um cenário político polarizado como o atual, a admissão de uma irrestrita e incondicionada liberdade comunicativa aos magistrados, tal como pretendido pelos impetrantes, incentiva a desestabilização institucional do país. Mais do que isso, inserem o Poder Judiciário nas disputas e lutas da sociedade e o distanciam de sua missão de resguardar a ordem constitucional e pacificar com isenção os conflitos que lhe são submetidos. Na moderna interpretação jurídica, não é possível sustentar a existência de norma sem interação entre texto e realidade. O resultado do processo interpretativo e seu impacto sobre a realidade não podem ser desconsiderados: é preciso saber se o produto da incidência da norma sobre o fato realiza a Constituição. A constatação de que a liberdade irrestrita de manifestação em redes sociais fomenta o cenário de divisão e conflito confirma a adequação da interpretação da Corregedoria Nacional de Justiça sobre manifestações político-partidárias em ambiente digital”.

 

É inegável que o veículo das redes sociais é mecanismo potente de influência, incitação de condutas e estilos de vida, na realidade digital em que vivemos. Abarca potencial até mesmo de incitar crimes, podendo levar a acontecimentos indesejáveis e extremamente graves, como se viu recentemente.

Diante do poder de influência das mídias sociais, em um momento como o presente, em que se reafirmam os pilares da democracia, toda a conduta que possa representar a violação de princípios éticos claramente estabelecidos deve ser coibida. Nesse contexto, o exercício do papel do Conselho Nacional de Justiça, em garantir que o Poder Judiciário contribua para a paz e o reflexo da democracia em atenção aos seus princípios éticos, é providência que se impõe, por meio do aprofundamento da apuração das condutas que possam atentar contra tais princípios.

No caso concreto, a magistrada, pelo que se extrai de uma análise preliminar, não observou a cautela exigida e ultrapassou os limites de sua liberdade de expressão ao publicar em suas redes sociais mensagem com conteúdo nitidamente político-partidário, além de preconceituoso e indicativo de possível racismo, xenofobia e homofobia, em postagens reiteradas e numerosas.

O conteúdo extraído das redes sociais, conforme se denota dos prints de Id. 4953444, é extremamente elucidativo de tal constatação:

 

 

 

 

 

 

Se depreende das postagens acima a menção jocosa, inclusive, a Ministro do Supremo Tribunal Federal, além de manifestação possivelmente questionadora da autoridade institucional e democrática do STF.

Outras postagens vieram a reiterar tal conclusão, nas quais há possível acusação de corrupção e conluio Ministros da mesma Corte, além de indícios de manifestação pejorativa sobre decisões judiciais, como se depreende, por exemplo, da menção às determinações para a suspensão de perfis pessoais, sob o seguinte comentário, em tom jocoso:

 

“ “Vossas Excelências” estão causando uma indignação e revolta na população jamais vista!

O final de semana promete ser de muito sol, clima agradável e agitado....”

 

E, ainda:

 

“ O “jeitinho brasileiro” venceu!

Pode roubar

Ajeitar processo com indicados no STF

Pode matar

Pode montar quadrilhas com estatais

Pode mentir

Pode enriquecer CUmpanheiros

E se alguém reclamar,

É só censurar e prender!”

 

 

Mais a frente, a juíza reclamada continua, desta feita nominando partidos e candidatos: 

 

 

“Temos 60.122.166 milhões de Brasileiros cúmplices de um ladrão. Prestem atenção com que vcs farão negócios e quem vocês colocam dentro de suas casas”.

 

“Democracia é poder chamar de genocida quem não é. Ditadura é proibir chamar ladrão quem é”.

 

“Um bandido sai direto da prisão, e vai direto para a presidência; como explicar isso?”.

 

“O vírus agora é outro”.

 

E, ainda, usando palavras de baixo calão, faz a seguinte postagem:

 

Bolsonaro também é foda (sic), foi falar na Bahia que ia gerar um milhão de empregos.”

 

Em comentário a sua própria postagem, afirma que o candidato

 

“assustou essa gente que gosta de viver de assistencialismo e que vota no PT! Quero distância desses preguiçosos!!!!”

 

 

Mediante postagem de cunho possivelmente xenofóbico e também político-partidário, afirma que

 

se votar no PT fosse um bom negócio, o Nordeste seria uma Dubai do Brasil...”

 

 

São dezenas as postagens da mesma natureza, cujos exemplos, aqui, representam apenas algumas das manifestações da magistrada reclamada, de forma reiterada e contumaz.

 

É importante ressaltar que, a par da expressa menção a candidatos e partidos, como já indicado, o período das postagens também não deixa dúvidas acerca de sua natureza, eis que remontam à época das eleições, em especial após a proclamação de seu resultado.

Além disso, também como já indicado, e tão mais grave é a possível manifestação de cunho homofóbico, como se vê nitidamente do print abaixo reproduzido:

 

 

 

 

A questão, embora analisada no presente expediente sob o prisma unicamente administrativo-disciplinar, pode ganhar contornos de maior gravidade, quando observada a potencialidade de se imiscuírem na seara da tipificação penal.

Tão certa quanto a garantia do livre exercício da liberdade de expressão é a possibilidade de responsabilização de seu abuso, constatado quando, a pretexto de se expressar o pensamento, invadem-se os direitos da personalidade, com lesão à dignidade de outrem. Assim, configurada a desconformidade, o ordenamento jurídico prevê a responsabilização cível e criminal pelo conteúdo difundido, além do direito de resposta.

Com relação às violências discriminatórias acerca da orientação sexuais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Opinião Consultiva sobre Igualdade de Gênero possui orientação no sentido de que: “(...) o Estado deve assegurar que os indivíduos de todas as orientações sexuais e identidades de gêneros possam viver com a mesma dignidade e o mesmo respeito que têm todas as pessoas”. Respeito esse naturalmente inconciliável com a violência, discursos de ódio e incitação à discriminação contra pessoas que não vivem sob os mesmos dogmas e convicções.

Cabe relembrar, neste ponto, a própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), cujo Art. 13, § 5º, exclui, do âmbito de proteção da liberdade de manifestação do pensamento, “toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”.

Pondero, ademais, que é por essa razão que, entre os Princípios de YOGYAKARTA – que exprimem postulados sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e à identidade de gênero –, há um, o Princípio n. 3, que proclama o direito titularizado por qualquer pessoa

“de ser reconhecida, em qualquer lugar, como pessoa perante a lei. As pessoas de orientações sexuais e identidades de gênero diversas devem gozar de capacidade jurídica em todos os aspectos da vida. A orientação sexual e a identidade de gênero autodefinidas por cada pessoa constituem parte essencial de sua personalidade e um dos aspectos mais básicos de sua autodeterminação, dignidade e liberdade” (grifei).

 

Longe de se perquirir os efeitos da conduta da magistrada em outras searas, o fato é que, mesmo diante de todo o quadro exposto, não houve sequer uma tentativa de justificativa ou retratação por parte da magistrada.

Com efeito, ratificou em sua defesa prévia a autoria de suas postagens, e reiterou o seu conteúdo, atribuindo-lhes a feição de “convicção pessoal” afeta ao seu conceito de família e opinião sobre o candidato vencedor das eleições presidenciais. Transcrevo, aqui, os trechos de maior evidência sobre tal constatação:

 

3 - De modo análogo, A REQUERIDA NUNCA INCENTIVOU O VOTO EM DETERMINADO CANDIDATO, mas tão somente criticou aquele outro que, baseado em fatos notórios, havia sido processado e condenado inclusive à reclusão, com cumprimento parcial da pena, após julgamentos sucessivos em duas instâncias e também sob o crivo dos Tribunais Superiores! FATOS SÃO INEXORÁVEIS E CONTRA ELES NÃO HÁ ARGUMENTOS. A indignação externada pela Requerida foi como uma cidadã ilibada, bona pater familias, que cumpre e espera que cumpram a lei, portanto, foi sim contra a falta de preenchimento de requisitos elementares de natureza éticomoral para a participação no pleito eleitoral, e não pode ser confundida com suposto ativismo proposital, deliberado e inequívoco, em detrimento de um e em prol do outro candidato, tal como explanado acima, coisa totalmente diversa!

(...)

4 - O mesmo pode ser dito sobre a interpretação equivocada do post colacionado no qual a Requerida assevera que suas filhas não frequentarão banheiros “mistos” não por suposto preconceito contra a população LGBTQIA+ ou algo parecido, mas por suas convicções pessoais que - nos termos do julgado colacionado às fl.06, trecho em caixa alta e seguinte, também da inicial - devem ser igualmente objeto de respeito, por se tratar de direito fundamental equivalente! A Requerida tem o DIREITO de ensinar suas filhas meninas a utilizar banheiros FEMININOS, e esta sua decisão igualmente deve ser respeitada, jamais sendo lícito a outrem pretender impor a ela(s) o uso de eventuais banheiros coletivos mistos, simplice cosi! Ou seja, para desfazer a desinteligência contida na peça de inaugural, fique claro que a Requerida não se opõe ao grupo LGBTQIA+ (que pode fazer uso do banheiro que melhor lhe aprouver) mas tão somente se opõe à imposição de determinadas pautas a si e seus filhos, o que lhe é totalmente lícito fazer, pois tem esse direito que deve ser respeitado tanto quanto respeita aqueles que professam orientação diversa! Tal lhe é garantido conforme o próprio texto do arresto colacionado na inicial , quando assevera que “O verdadeiro sentido da proteção constitucional à liberdade de expressão consiste não apenas em garantir o direito daqueles que pensam como nós mas, igualmente, em proteger o direito dos que sustentam ideias ( mesmo que se cuide de ideias ou de manifestações religiosas ) que causem discordância ou que provoquem, até mesmo, o repúdio por parte da maioria existente em uma dada coletividade”, vide fl.06, linha 18 in fine. Portanto, mutatis mutandis, conclui-se que o direito da Requerida vale tanto quanto o direito dos demais.

 

 

O magistrado é a personificação do Poder Judiciário e nunca se despe da autoridade do cargo que ocupa, mesmo que fora do exercício de sua função ou em suas redes sociais privadas. Por isso, ao publicar diversas mensagens de forma independente e sem observar o regramento a que é submetido, o magistrado violou o seu dever funcional.

Vale registrar que o Provimento 135 do CNJ (que dispõe sobre a manifestação de membros do Poder Judiciário em redes sociais) foi publicado em setembro de 2022 e diversas postagens foram feitas pelo magistrado quando já em vigor a referida norma, sendo exigível que o aplicador do direito tome conhecimento do aludido Provimento e adote postura compatível.

 Portanto, a conduta narrada e delimitada pode se amoldar, em tese, a dispositivos legais contidos na Constituição Federal, na Lei Complementar n. 35 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional-LOMAN), ao Código de Ética da Magistratura Nacional e na Resolução n. 135/CNJ.

A Constituição Federal, ao vedar que o magistrado se dedique à atividade político-partidária (art. 95, parágrafo único, III), elegeu bens jurídicos a serem tutelados e que justificam a restrição de conduta imposta aos magistrados. O principal bem jurídico tutelado é, evidentemente, o Estado Democrático de Direito. Vale dizer, é a vigência do Estado Democrático de Direito que faz nascer para o cidadão a confiança no Poder Judiciário. Na contramão disso, a conduta individual do magistrado com conteúdo político-partidário arruína a confiança da sociedade em relação à credibilidade, à legitimidade e à respeitabilidade da atuação da Justiça, atingindo o próprio Estado de Direito que a Constituição objetiva resguardar.

Desde a edição do Provimento n. 71/2018 pela Corregedoria Nacional, entende-se que a “vedação de atividade político-partidária aos membros da magistratura não se restringe à prática de atos de filiação partidária, abrangendo a participação em situações que evidenciem apoio público a candidato ou a partido político” (art. 2º, § 1º). Certamente, esse atuar por parte do magistrado se revestirá de maior gravidade, quando tais manifestações, além das participações em situações fora dos Tribunais que as evidencie, se dê no bojo e na condução dos processos.

 

A Lei Complementar nº 35 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional-LOMAN) regulamenta que:

Art 35. São deveres do magistrado:

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

 

Art. 36 - É vedado ao magistrado:

III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.



Também estabelece o Código de Ética da Magistratura:

Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

 

Art. 2º Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores democráticos.

(...)
Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas legais.

(...)
Art. 7º A independência judicial implica que ao magistrado é vedado participar de atividade político-partidária.

(...)
Art. 12. Cumpre ao magistrado, na sua relação com os meios de comunicação social, comportar-se de forma prudente e equitativa, e cuidar especialmente: 

[...] 

II – de abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos, sentenças ou acórdãos, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, doutrinária ou no exercício do magistério.

(...)
Art. 13. O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza.

(...)
Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

(...)
Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.



Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.

 

Por fim, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n. 305/2019, instituiu que:



Art. 3º A atuação dos magistrados nas redes sociais deve observar as seguintes recomendações:

(...)

II – Relativas ao teor das manifestações, independentemente da utilização do nome real ou de pseudônimo:

(...)

b) evitar manifestações que busquem autopromoção ou superexposição;

e) evitar expressar opiniões ou aconselhamento em temas jurídicos concretos ou abstratos que, mesmo eventualmente, possam ser de sua atribuição ou competência jurisdicional, ressalvadas manifestações em obras técnicas ou no exercício do magistério;

(...)

Art. 4º Constituem condutas vedadas aos magistrados nas redes sociais:

(...)

II – emitir opinião que demonstre atuação em atividade político-partidária ou manifestar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos (art. 95, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal; art. 7º do Código de Ética da Magistratura Nacional);



Dessa forma, entendo pela existência de indícios suficientes do cometimento de infração disciplinar pela Magistrado ANA CRISTINA PAZ NERI VIGNOLA, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, fato que evidencia a necessidade de instauração de Processo Administrativo Disciplinar em seu desfavor onde devem ser apuradas as circunstâncias em que as condutas foram praticadas.   

Em suma, existem elementos indiciários apontando afronta aos artigos 95, parágrafo único, III, da CF/88, ao art. 35, VIII, 36, III, da LC 35/79 (LOMAN), aos arts. 1°, 2°, 4º, 7°, 12, II, 13, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, ao art. 2º, IV e 3º do Provimento n. 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como aos arts. 3º, II, “b” e “e”, 4º, II, da Resolução n. 305 do CNJ.

Ressalto, por fim, que o fato da magistrada ter desativado o seu perfil não afasta a necessidade de apuração da infração funcional já ocorrida, e que operou os seus efeitos, até mesmo em face do alcance das redes sociais, como já ressaltado. Não há que se falar em bis in idem em face de apuração iniciada na origem e não concluída, aguardando o posicionamento desta Corregedoria Nacional de Justiça, considerada a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para processar investigações contra Magistrados independentemente da atuação das Corregedorias e Tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI n. 4.638/DF.

Este fato, contudo, indica a desnecessidade de afastamento das funções durante o processo administrativo disciplinar, considerando-se, ainda, que não se teve conhecimento de reiteração posterior.

Ante o exposto, julgo procedente a Reclamação Disciplinar para, nos termos do artigo 13 da Resolução CNJ n. 135, do artigo 8º, III, e 69 do RICNJ, propor a INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR em desfavor de ANA CRISTINA PAZ NERI VIGNOLA, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a ser distribuído a um Conselheiro Relator, a quem competirá ordenar e dirigir a instrução respectiva.

O enquadramento legal apontado a partir da delimitação fática da acusação é apenas preliminar, ficando postergado ao momento do julgamento do PAD eventual capitulação definitiva.

É como voto.   



Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça 

J6

 

 

PORTARIA N.       , DE                    DE  2023.

 

Instaura processo administrativo disciplinar em desfavor de magistrado, sem afastamento das funções nesta fase.

 

 

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, usando das atribuições previstas nos arts. 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal, e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e

CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para processar investigações contra magistrados independentemente da atuação das corregedorias e tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI n. 4.638/DF;

CONSIDERANDO o disposto no § 5º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135, de 13 de julho de 2011, e as disposições pertinentes da Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e do Regimento Interno do CNJ;

CONSIDERANDO que indícios suficientes acerca de falta disciplinar praticada por ANA CRISTINA PAZ NERI VIGNOLA, juíza do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, atinentes a publicações de possível conteúdo político-partidário e de teor homofóbico em suas redes sociais no Instagram, no período eleitoral, por proibição de que o magistrado manifeste, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério; do dever de o magistrado comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral; do dever de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular e de abster-se de proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; da proibição de magistrado participar de atividade político-partidária; do dever de utilização de linguagem polida e respeitosa;

CONSIDERANDO a existência de elementos indiciários apontando afronta aos artigos 95, parágrafo único, III, da CF/88, ao art. 35, VIII, 36, III, da LC 35/79 (LOMAN), aos arts. 1°, 2°, 4º, 7°, 12, II, 13, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, ao art. 2º, §§ 1º, 2º e 3º e aos arts. 2º, IV e 3º do Provimento n. 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como aos arts. 3º, II, “b” e “e”, 4º, II, da Resolução n. 305 do CNJ;

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento do Reclamação Disciplinar n. 0007593-41.2022.2.00.0000 , durante a______  Sessão, realizada no dia_____________________.                          

 

RESOLVE:

 

Art. 1º Instaurar processo administrativo disciplinar em desfavor de ANA CRISTINA PAZ NERI VIGNOLA, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por violação do artigo 95, parágrafo único, III, da CF/88, do art. 35, VIII, 36, III, da LC 35/79 (LOMAN), dos arts. 1°, 2°, 4º, 7°, 12, II, 13, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, do art. 2º, §§ 1º, 2º e 3º e dos arts. 2º, IV e 3º do Provimento n. 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como dos arts. 3º, II, “b” e “e”, 4º, II, da Resolução n. 305 do CNJ, ante o conteúdo observado nas postagens publicadas por ocasião do pleito eleitoral de 2022, descritas na presente decisão. 

Art. 2º Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro acerca do teor da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da abertura de processo administrativo disciplinar objeto desta portaria, sem o afastamento do magistrado de suas funções jurisdicionais e administrativas.

Art. 3º Determinar a livre distribuição do processo administrativo disciplinar entre os Conselheiros, nos termos do art. 74 do RICNJ.

 

Ministra ROSA WEBER

 Presidente do Conselho Nacional de Justiça

 

 

 

 



[1] Nações Unidas (ONU). Escritório Contra Drogas e Crime (Unodc). Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial / Escritório Contra Drogas e Crime ; tradução de Marlon da Silva Malha, Ariane Emílio Kloth. – Brasília : Conselho da Justiça Federal, 2008, p.53.