Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001036-38.2022.2.00.0000
Requerente: LUIZ HENRIQUE SANTOS DA SILVA e outros
Requerido: ISABELLE DA SILVA SCISINIO DIAS

 

 

 

EMENTA 

 

RECURSOS ADMINISTRATIVOS EM RECLAMAÇÕES DISCIPLINARES. PRETENSÃO DE EXAME DE MATÉRIA JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSOS NÃO PROVIDOS. 

1. Consoante entendimento do CNJ, “as invocações de erro de procedimento (error in procedendo) e erro de julgamento (error in judicando) impedem a atuação correcional, pois carregadas de conteúdo jurisdicional”. (CNJ – RD – Reclamação Disciplinar – 0000784- 74.2018.2.00.0000 – Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 275ª Sessão ordinária – j. 07/08/2018).

2. A questão sobre suposta atuação parcial do julgador é eminentemente jurisdicional e não se insere na competência da Corregedoria Nacional de Justiça, porquanto se há suspeição dos julgadores, esta deve ser discutida nos instrumentos existentes na legislação e vocacionados a esse desiderato, que, inclusive, permite a produção probatória em determinados casos.

3. Recursos Administrativos não providos.

A13/Z08  

  

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Marcello Terto (vistor), o Conselho, por maioria, negou provimento aos recursos nas Reclamações Disciplinares 0001036-38.2022.2.00.0000, 0001037-23.2022.2.00.0000, 0001038-08.2022.2.00.0000, 0001039-90.2022.2.00.0000, 0001040-75.2022.2.00.0000, 0001041-60.2022.2.00.0000, 0001042-45.2022.2.00.0000, 0001043-30.2022.2.00.0000, 0001044-15.2022.2.00.0000, 0001046-20001052-89.2022.2.00.0000, 0001054-59.2022.2.00.0000, 0001056-29.2022.2.00.0000, 0001058-96.2022.2.00.0000, 0001060-66.2022.2.00.0000, 0001062-36.2022.2.00.0000, 0001065-88.2022.2.00.0000, 0001067-58.2022.2.00.0000, 0001068-43.2022.2.00.0000, nos termos do voto da Relatora. Vencidos os Conselheiros Marcello Terto, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e Luiz Fernando Bandeira de Mello, que davam provimento aos recursos para reformar as decisões que promoveram o arquivamento das Reclamações Disciplinares. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 10 de junho de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público Estadual.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001036-38.2022.2.00.0000
Requerente: LUIZ HENRIQUE SANTOS DA SILVA e outros
Requerido: ISABELLE DA SILVA SCISINIO DIAS

 

 

 

RELATÓRIO   

 

A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS ROCHA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):   

 

Trata-se de Recursos Administrativos interpostos por LUIZ HENRIQUE SANTOS DA SILVA e por WELLINGTON MATOS DOS SANTOS no qual objetivam a reforma das decisões que determinaram o arquivamento das Reclamações Disciplinares 0001036-38.2022.2.00.0000, 0001037-23.2022.2.00.0000, 0001038-08.2022.2.00.0000, 0001039-90.2022.2.00.0000, 0001040-75.2022.2.00.0000, 0001041-60.2022.2.00.0000, 0001042-45.2022.2.00.0000, 0001043-30.2022.2.00.0000, 0001044-15.2022.2.00.0000, 0001046-82.2022.2.00.0000, 0001050-22.2022.2.00.0000, 0001051-07.2022.2.00.0000, 0001052-89.2022.2.00.0000, 0001054-59.2022.2.00.0000, 0001056-29.2022.2.00.0000, 0001058-96.2022.2.00.0000, 0001060-66.2022.2.00.0000, 0001062-36.2022.2.00.0000, 0001065-88.2022.2.00.0000, 0001067-58.2022.2.00.0000, 0001068-43.2022.2.00.0000, formuladas contra a Juíza de Direito ISABELLE DA SILVA SCISINIO DIAS, da 2ª Vara Cível do Fórum Regional da Pavuna do Rio de Janeiro – RJ.

Inicialmente, esclareço que, constatado que os recorrentes protocolaram várias Reclamações contra a recorrida, com o mesmo objeto deste feito, tendo todas sido arquivadas pela Corregedoria Nacional, foi determinado no despacho de Id 4653271, a reunião e o apensamento a esta Reclamação Disciplinar dos expedientes acima especificados, para que tenham tramitação conjunta, de modo que a eles seja dado o mesmo tratamento desta reclamação.

Em prosseguimento, os reclamantes alegaram na petição inicial que, na condição de advogados, foram condenados pela magistrada, em diversos processos, como se fossem partes, em litigância de má-fé e solidariedade no pagamento das custas e honorários advocatícios, de forma abusiva e com ofensa ao devido processo legal.

Sustentaram, também, que tal postura configura a suspeição da julgadora. 

Ressaltaram que o Tribunal de Justiça tem dado provimento aos recursos dos requerentes e excluído a condenação dos advogados.

Requereram a apuração dos fatos narrados e a aplicação da penalidade disciplinar cabível.

A Corregedoria Nacional de Justiça determinou o arquivamento dos expedientes, por entender que a matéria em questão é jurisdicional e desborda da atuação correcional (Id 4633537).

Irresignados, os requerentes interpuseram Recursos Administrativos, afirmando que é de rigor a reforma das decisões de arquivamento, uma vez que restou demonstrado o comportamento abusivo e parcial da recorrida.

As contrarrazões foram apresentadas no Id 4686724. 

É o relatório

 

 

 A13/Z08  

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001036-38.2022.2.00.0000
Requerente: LUIZ HENRIQUE SANTOS DA SILVA e outros
Requerido: ISABELLE DA SILVA SCISINIO DIAS

 

 

VOTO  

 

 

A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):    

 

Os Recursos Administrativos não prosperam.

 É que, conforme consignado nas decisões impugnadas, no que concerne à alegação de suposto erro de procedimento e de julgamento por parte da recorrida, que impôs condenação aos advogados como se fossem partes do processo, verifica-se que a questão é jurisdicional e desborda da atuação da Corregedoria Nacional de Justiça. Isso porque eventuais errores in judicando ou in procedendo não são suscetíveis da atuação correcional.

É dizer: a prática de atos processuais, ainda que contrários às regras de direito processual que a parte entenda que devam ser as aplicáveis, deve ser corrigida pelas vias recursais, e não pela via correcional. 

Destarte, “as invocações de erro de procedimento (error in procedendo) e erro de julgamento (error in judicando) impedem a atuação correcional, pois carregadas de conteúdo jurisdicional”. (CNJ – RD – Reclamação Disciplinar – 0000784- 74.2018.2.00.0000 – Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 275ª Sessão ordinária – j. 07/08/2018). 

No mesmo sentido:  

 

Eventual error in procedendo e/ou error in judicando deve ser sanado por meio dos recursos processuais próprios, sendo descabido o uso da reclamação disciplinar.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 761 - Rel. Antônio de Pádua Ribeiro - 12ª Sessão (EXTRAORDINÁRIA) - j. 22/5/2007). 

 

 Do mesmo modo, nos termos exarados nas decisões recorridas, não procede a imputação de atuação parcial da magistrada nos processos patrocinados pelos recorrentes, pois a matéria em questão também é eminentemente jurisdicional e não se insere na competência da Corregedoria Nacional de Justiça. 

Com efeito, se há suspeição dos julgadores, esta deve ser discutida nos instrumentos existentes na legislação e vocacionados a esse desiderato, que, inclusive, permite a produção probatória em determinados casos. 

Apenas depois de reconhecida judicialmente, em sede de Exceção, a eventual suspeição ou o impedimento do magistrado e a sua atuação nessas condições, é que a Corregedoria Nacional de Justiça pode, eventualmente, atuar, porque não é dado ao CNJ substituir-se aos órgãos jurisdicionais para reconhecer a suspeição ou a parcialidade de magistrados.

Exatamente por isso, não há como a Corregedoria Nacional fazer essa análise. Vale rememorar que a parcialidade alegada decorre, justamente, de situações de impedimento ou de suspeição, porque fora delas não existe parcialidade. 

No caso em questão, os representantes não trazem elementos concretos que se afigurem justa causa para a abertura de Processo Disciplinar. 

A irresignação refere-se, portanto, ao exame de matéria eminentemente jurisdicional, que deve ser manejada através de recursos e das exceções previstas em lei, se for o caso. 

Nesse sentido:  

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. PARCIALIDADE E IRREGULARIDADES NÃO DEMONSTRADAS. INCONFORMISMO COM ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. INCOMPETÊNCIA DOS ÓRGÃOS CORRECIONAIS.

1. Os argumentos desenvolvidos pelo reclamante têm natureza estritamente jurisdicional por demonstrarem insatisfação com a manifestação emanada pela desembargadora relatora no seu ofício judicante, o que afasta, a priori, a atuação das corregedorias.

2. O caráter jurisdicional fica mais evidenciado quando se observa que a pretensão do reclamante é promover o CNJ à instância revisora de todo o acervo probatório dos autos, de modo a substituir os órgãos julgadores e declarar, de pronto, a falsidade dos documentos carreados nos autos da ação possessória, o que deve ser exercido por meio dos instrumentos processuais próprios, não servindo o CNJ para tal desiderato.

3. Do mesmo modo, as questões quanto a uma suposta parcialidade de magistrado desafiam meio processual próprio (exceção de suspeição ou impedimento), tornando a via administrativa inadequada para tal fim.

4. Outrossim, verifica-se que, salvo suas impressões pessoais, o requerente não apresenta nenhum elemento concreto indicativo de comportamento ilícito por parte de membro do Poder Judiciário. Não há, portanto, elementos mínimos de prova que deem justa causa ao prosseguimento do expediente.

Pedido de providências arquivado.

(CNJ - PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0003400-51.2020.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 70ª Sessão Virtual - julgado em 31/07/2020).

 

Assim, não há que se falar em alteração das decisões que determinaram o arquivamento dos expedientes. 

Pelo exposto, nego provimento aos Recursos Administrativos nas Reclamações Disciplinares 0001036-38.2022.2.00.0000, 0001037-23.2022.2.00.0000, 0001038-08.2022.2.00.0000, 0001039-90.2022.2.00.0000, 0001040-75.2022.2.00.0000, 0001041-60.2022.2.00.0000, 0001042-45.2022.2.00.0000, 0001043-30.2022.2.00.0000, 0001044-15.2022.2.00.0000, 0001046-82.2022.2.00.0000, 0001050-22.2022.2.00.0000, 0001051-07.2022.2.00.0000, 0001052-89.2022.2.00.0000, 0001054-59.2022.2.00.0000, 0001056-29.2022.2.00.0000, 0001058-96.2022.2.00.0000, 0001060-66.2022.2.00.0000, 0001062-36.2022.2.00.0000, 0001065-88.2022.2.00.0000, 0001067-58.2022.2.00.0000, 0001068-43.2022.2.00.0000. 

É como voto.

 

 

 

 

A13/Z08  

    

   

 

 

 

 

Reclamação Disciplinar nº 0001036-38.2022.2.00.0000  

Recorrentes:  Luiz Henrique Santos da Silva e outro

Recorrida:     Isabelle da Silva Scisinio Dias 

 

 

VOTO DIVERGENTE 

 Trata-se de recursos administrativos interpostos por LUIZ HENRIQUE SANTOS DA SILVA e por WELLINGTON MATOS DOS SANTOS, que objetivam a reforma das decisões que determinaram o arquivamento das Reclamações Disciplinares nºs. 0001036-38.2022.2.00.0000, 0001037-23.2022.2.00.0000, 0001038-08.2022.2.00.0000, 0001039-90.2022.2.00.0000, 0001040-75.2022.2.00.0000, 0001041-60.2022.2.00.0000, 0001042-45.2022.2.00.0000, 0001043-30.2022.2.00.0000, 0001044-15.2022.2.00.0000, 0001046-82.2022.2.00.0000, 0001050-22.2022.2.00.0000, 0001051-07.2022.2.00.0000, 0001052-89.2022.2.00.0000, 0001054-59.2022.2.00.0000, 0001056-29.2022.2.00.0000, 0001058-96.2022.2.00.0000, 0001060-66.2022.2.00.0000, 0001062-36.2022.2.00.0000, 0001065-88.2022.2.00.0000, 0001067-58.2022.2.00.0000, 0001068-43.2022.2.00.0000, formuladas contra a Juíza de Direito ISABELLE DA SILVA SCISINIO DIAS, da 2ª Vara Cível do Fórum Regional da Pavuna do Rio de Janeiro – RJ.

Adoto o relatório lançado pela Eminente Relatora.

No mérito, peço vênia para divergir, uma vez que a magistrada condenou os ora recorrentes, mesmo enquanto advogados, ao pagamento de multa por litigância de má-fé e, solidariamente com a parte autora, ao pagamento de custas e honorários sucumbenciais (Ids 4696355, 4696356, 4696357, 4696358, 4696359, 4696478, 4696360, 4696361, 4696362, 4696363, 4696364, 4696365, 4696466, 4696467, 4696468, 4696469, 4696481, 4696470), em manifesta desconformidade o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.904/1994 - EAOAB) e com o Código de Processo Civil (CPC).

Sem adentrar no mérito sobre se os advogados cometeram ou não a suposta fraude processual, é importante registrar que o art. 133 da Constituição Federal assegura ao advogado a inviolabilidade por seus atos e manifestações no exercício da Função Essencial à Justiça que lhe confere parcela do poder estatal, mesmo enquanto representante de interesses privados.[1]

SÉRGIO CAVALIERI FILHO, aclara essa inviolabilidade, comentando que,            para proporcionar ao advogado as condições necessárias ao pleno exercício de sua profissão, com liberdade, independência e sem receio de desagradar a quem quer que seja, a Constituição (art. 133) lhe assegura inviolabilidade por seus atos e manifestações nos limites da lei”.[2]

Como se pode observar, como medida de equilíbrio dos protagonistas do Sistema de Justiça, assim como ocorre com os membros da Magistratura e do Ministério Público, que respondem tão só perante os seus respectivos órgãos correcionais, a responsabilização do profissional da Advocacia se sujeita exclusivamente ao controle da Ordem dos Advogados do Brasil, na forma da lei que regula a sua profissão (EAOAB).

De resto, inexiste dispositivo constitucional do qual se possa inferir qualquer subordinação da atuação do advogado a qualquer outro órgão de previsão constitucional.

Assim, em nível infraconstitucional, na legislação federal dirigida à Advocacia, ordenam cumulativamente o exercício dessa Função Essencial à Administração da Justiça tanto os dispositivos específicos do EAOAB como os do CPC.

O CPC, seguramente por esse motivo, não confere em momento algum aos magistrados poderes para aplicar sanções aos advogados, deixando claro que os deveres das partes não se confundem com os dos profissionais que lhes representam, ao estabelecer a impossibilidade de aplicação de multa por atentado à dignidade da Justiça ao advogado, de se constranger esse profissional a cumprir decisão no lugar da parte ou de o fazer responder por litigância de má-fé:

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:

 

...

 

§ 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.

 

...

 

§ 8º O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar.

 

...

 

Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente.

 

...

 

Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.

... (grifei).

 

Para fins de responsabilização por dano processual, portanto, em caso de litigância de má-fé, devem ser considerados o autor, o réu ou o interveniente, não se incluindo nesse rol os advogados que os representam em juízo.

Por isso, nos próprios autos do processo em que considerada considera de má-fé ou temerária a atuação profissional, é vedado ao magistrado condenar o advogado da parte às penalidades impostas pelo artigo 81 do CPC, como já pacificado na jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. SUBSCRIÇÃO DE AÇÕES. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. AQUISIÇÃO DE LINHA TELEFÔNICA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CERCEAMENTO DE DEFESA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO ADVOGADO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE.

...

3. As penas por litigância de má-fé, previstas nos artigos 14 e 16 do CPC de 1973, são endereçadas às partes, não podendo ser estendidas ao advogado que atuou na causa, o qual deve ser responsabilizado em ação própria, consoante o artigo 32 da Lei 8.906/1994. Precedentes.

4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 1.590.698/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 11/5/2017.)

 

 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS INTERPOSTOS PELA OAB/SP E PELO AUTOR DA AÇÃO POSSESSÓRIA E SEUS PATRONOS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. DANO PROCESSUAL. INDENIZAÇÃO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. MULTA. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO PROMOVENTE E SEUS ADVOGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AÇÃO PRÓPRIA. ACOLHIMENTO DAS TESES RECURSAIS.

...

6. Em caso de litigância de má-fé (CPC, arts. 17 e 18), descabe a condenação solidária da parte faltosa e de seus procuradores. A conduta processual do patrono da parte é disciplinada pelos arts. 14 do CPC e 32 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - EAOAB (Lei 8.906/94), de maneira que os danos processuais porventura causados pelo advogado, por dolo ou culpa grave, deverão ser aferidos em ação própria.

7. Recurso especial da OAB/SP provido.

8. Recurso especial do autor e seus patronos parcialmente provido.

(REsp n. 1.331.660/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 11/4/2014.)

 

Isso se deve dizer também em relação à condenação dos advogados no pagamento de custas e honorários sucumbenciais, em solidariedade com os clientes.

A magistrada investigada agiu ao completo arrepio da lei, porque os artigos 82, § 2º, 84 e 85 do CPC disciplinam de forma muito clara que a sentença condena apenas a parte vencida, nunca o advogado, a pagar as despesas, aí incluídas as custas, e os honorários de sucumbência ao vencedor:

Art. 82. Salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça, incumbe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título.

 

§ 1º Incumbe ao autor adiantar as despesas relativas a ato cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público, quando sua intervenção ocorrer como fiscal da ordem jurídica.

 

§ 2º A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou.

 

...

 

Art. 84. As despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha.

 

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

A propósito, o e. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformou as sentenças recorridas nos Processos nº 0004243-33.2020.8.19.0211 e nº 0001969-96.2020.8.19.0211, retirando a condenação dos advogados em litigância de má-fé e no pagamento de custas e honorários, conforme se verifica dos acórdãos jungidos aos ids 4696472 e 4696474.

A jurisprudência é pacífica nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/ INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. DETERMINAÇÃO DE REGULARIZAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL NÃO ATENDIDA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. PROCESSO EXTINTO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. IRRESIGNAÇÃO DA AUTORA. PLEITO DE CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. INSUFICIÊNCIA FINANCEIRA DA PARTE COMPROVADA. DIVERGÊNCIA NA ASSINATURA CONSTANTE NA PROCURAÇÃO APRESENTADA E NOS DOCUMENTOS PESSOAIS DA AUTORA CONSTATADA. NECESSIDADE DE REGULARIDADE DA REPRESENTAÇÃO. ADEMAIS, A MESMA PROCURAÇÃO ACOMPANHA INÚMERAS DEMANDAS. JUSTIFICÁVEL A EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE PROCURAÇÃO ATUALIZADA COM FIRMA RECONHECIDA. PODER GERAL DE CAUTELA ATRIBUÍDA AO MAGISTRADO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL CONFIRMADO. ADVOGADO CONDENADO AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL QUE PREVÊ QUE AS CUSTAS SERÃO ARCADAS PELAS PARTES DO PROCESSO. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 13ª C. Cível - 0001835-88.2020.8.16.0070 - Cidade Gaúcha - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU VICTOR MARTIM BATSCHKE - J. 11.03.2022)

(TJ-PR - APL: 00018358820208160070 Cidade Gaúcha 0001835-88.2020.8.16.0070 (Acórdão), Relator: Victor Martim Batschke, Data de Julgamento: 11/03/2022, 13ª Câmara Cível, Data de Publicação: 16/03/2022)

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSENTE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU ERRO MATERIAL. REDISCUSSÃO DE MÉRITO QUANTO AO VALOR FIXADO POR DANOS MORAIS. INVIABILIDADE EM SEDE DE DECLARATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SOMENTE O RECORRENTE VENCIDO DEVE SER CONDENADO AO PAGAMENTO DE CUSTAS E HONORÁRIOS DE ADVOGADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 55 DA LEI N. 9.099/95. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DESACOLHIDOS. ( Embargos de Declaração Nº 71008326977, Quarta Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Luis Antonio Behrensdorf Gomes da Silva, Julgado em 27/02/2019).

(TJ-RS - ED: 71008326977 RS, Relator: Luis Antonio Behrensdorf Gomes da Silva, Data de Julgamento: 27/02/2019, Quarta Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 07/03/2019)

 

Ademais, são inequívocas as recomendações deste Conselho Nacional de Justiça aos membros do Poder Judiciário para que se abstenham de ameaçar os advogados com prisão, multa, responsabilização penal ou outras sanções, em razão do descumprimento de decisões judiciais voltadas aos seus clientes:

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. RATIFICAÇÃO DE MEDIDA LIMINAR. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES PARA CONCESSÃO DA MEDIDA. AMEAÇA DE RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DE ADVOGADO PÚBLICO PELA PRÁTICA DE CRIME DE DESOBEDIÊNCIA NA HIPÓTESE DE DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL VOLTADA À ÓRGÃO OU ENTIDADE DO PODER PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. RECOMENDAÇÃO DO PLENÁRIO DO CNJ. PRECEDENTES.

1. São inequívocas as recomendações do Conselho Nacional de Justiça aos membros do Poder Judiciário para que se abstenham de ameaçar os advogados públicos com prisão, multa, responsabilização penal ou outras sanções, em razão do descumprimento de decisões judiciais voltadas aos gestores públicos;

2.  Concessão de medida liminar para determinar à magistrada que se abstenha, de forma imediata, de dirigir ameaça de responsabilização penal à Advogado Público por crime de desobediência, em razão de obrigação imposta em decisão judicial contra órgão ou entidade do Poder Público;

3. Decisão liminar referendada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça.

(CNJ - ML – Medida Liminar em RD - Reclamação Disciplinar - 0009746-23.2017.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 265ª Sessão Ordinária - julgado em 06/02/2018).

A magistrada, por sua vez, confessou que, por suspeitar dos processos ajuizados pelos recorrentes, que conteriam idênticas causas de pedir, determinara diligências, na forma do Aviso 93/2011, e, por entender que os resultados apontariam para a ocorrência de fraude processual em todos eles, prolatou 29 sentenças de um total de 40 processos (id 4685639).

Ainda em defesa dos seus atos, a magistrada fez referência a listagem de advogados que vinham sendo investigados pela NUPECOF (Nucleo Permanente de Combate as Fraudes no Sistema dos Juizados Especiais do TJ-RJ), dentre os quais estavam os recorrentes, “nao sendo, portanto, esta, a primeira vez que vemos seus nomes envolvidos em fatos desta natureza” (sic).

Não se desconhece o teor do artigo 41 da Lei Complementar 35/1979[3] nem o entendimento deste Conselho Nacional de Justiça no sentido de que “as invocações de erro de procedimento (error in procedendo) e erro de julgamento (error in judicando) impedem a atuação correcional, pois carregadas de conteúdo jurisdicional”. (CNJ – RD – Reclamação Disciplinar – 0000784- 74.2018.2.00.0000 – Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 275ª Sessão ordinária – j. 07/08/2018).

Por outro lado, em casos excepcionais, onde se extraia, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida, este Conselho Nacional de Justiça admite o processamento disciplinar de magistrado.

O presente caso chama a atenção pelas reiteradas condenações em desfavor dos advogados, em afronta direta não apenas ao devido processo legal, como também às prerrogativas dos advogados, tão caras à defesa da cidadania, o que revela o desejo perigoso e inadequado de justiçamento da parte da magistrada, uma vez que conhecedora das balizas da ordem jurídica para a sua atuação.

Ante a persistência na inobservância das prescrições legais e da jurisprudência pátria, inclusive deste Conselho Nacional de Justiça, é importante que se processe a presente reclamação, com a instauração do devido processo administrativo disciplinar.

Diante do exposto, rogando todas as vênias à e. Corregedora Nacional de Justiça, voto por dar provimento aos recursos administrativos, para reformar as decisões que promoveram o arquivamento das Reclamações Disciplinares 0001036-38.2022.2.00.0000, 0001037-23.2022.2.00.0000, 0001038-08.2022.2.00.0000, 0001039-90.2022.2.00.0000, 0001040-75.2022.2.00.0000, 0001041-60.2022.2.00.0000, 0001042-45.2022.2.00.0000, 0001043-30.2022.2.00.0000, 0001044-15.2022.2.00.0000, 0001046-82.2022.2.00.0000, 0001050-22.2022.2.00.0000, 0001051-07.2022.2.00.0000, 0001052-89.2022.2.00.0000, 0001054-59.2022.2.00.0000, 0001056-29.2022.2.00.0000, 0001058-96.2022.2.00.0000, 0001060-66.2022.2.00.0000, 0001062-36.2022.2.00.0000, 0001065-88.2022.2.00.0000, 0001067-58.2022.2.00.0000, 0001068-43.2022.2.00.0000, e, antes de decidir sobre a instauração de processo administrativo disciplinar, converter o feito em diligência, nos termos do artigo 14, da Resolução nº 135, de 13-7-2011 do CNJ, concedendo prazo de 15 dias à Juíza de Direito ISABELLE DA SILVA SCISINIO DIAS, da 2ª Vara Cível do Fórum Regional da Pavuna do Rio de Janeiro – RJ, para, caso queira, apresentar defesa prévia.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

Conselheiro Marcello Terto 



[1]  Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão nos limites da lei. 

[2] In Programa de Responsabilidade Civil, São Paulo, Malheiros, 3ª edição, revista, aumentada e atualizada. 2002, p. 334.

[3]  Art. 41 - Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.    (Vide ADPF 774)