Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006497-25.2021.2.00.0000
Requerente: ADRIANO DE FREITAS CARVALHO e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. XLVIII CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NO CARGO DE JUIZ SUBSTITUTO. FALTA DE DIVULGAÇÃO DE ESPELHOS DAS PROVAS SUBJETIVAS. INCIDÊNCIA DA LEI ESTADUAL 1.919/1991. DESCOMPASSO COM A JURISPRUDÊNCIA MAIS RECENTE DO STJ. NECESSIDADE DE PUBLICAÇÃO DOS ESPELHOS DAS AVALIAÇÕES. FIXAÇÃO DE REGIME DE TRANSIÇÃO PARA O CASO CONCRETO. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 23 E 24 DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DETERMINAÇÕES DE OFÍCIO.

1. Pedido de providências no qual se pleiteia a anulação das provas subjetivas realizadas no XLVIII Concurso Público para Ingresso no Cargo de Juiz Substituto do TJRJ, em razão da falta de publicação dos espelhos dessas avaliações.

2. Como o Estado do Rio de Janeiro tem lei específica que impõe a divulgação dos critérios de correção de prova, caberia ao tribunal observá-la e não pode este Conselho afastar sua incidência, sob pena de indevido exercício do controle de constitucionalidade da lei.  

3. A recente jurisprudência do STJ impõe a publicação dos espelhos das provas escritas, antes ou concomitantemente com a divulgação do resultado, a fim de se garantir, a um só tempo, a motivação do ato administrativo e a devida observância aos princípios da publicidade e da ampla defesa.

4. Precedentes deste Conselho que seguiam no sentido da desnecessidade de divulgação dos espelhos das provas subjetivas, ensejando prática administrativa reiterada que ora se declara ilegal.

5.  Necessidade de restabelecimento da legalidade com manutenção da segurança jurídica. Determinação de medidas que instituem regime de transição previsto no artigo 23 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro para o caso concreto, sem a anulação da prova dissertativa realizada, na forma do artigo 24 da mesma lei.

6. Pedido julgado improcedente, com determinações de ofício

7. Fixação de tese em relação ao TJRJ. 

  

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou improcedente o pedido, com determinações ao Tribunal, nos termos do voto do Relator. Ausentes, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal Regional Federal e da Justiça Federal. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário, 19 de outubro de 2021. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Flávia Pessoa, Sidney Madruga, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentaram oralmente: pelos Requerentes, o Advogado Vamário Soares Wanderley de Souza - OAB/PE 33.622; pelo Requerido, o Procurador Carlos da Costa e Silva Filho - OAB/RJ 81.889; pelo Interessado Douglas Miranda Mussi, a Advogada Marilda de Paula Silveira - OAB/DF 33.954; pelos Interessados Mariana Pedrolo Padilha Cardoso e outros, o Advogado Paulo Sergio Ferreira de Barros Filho - OAB/SE 6.139

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Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006497-25.2021.2.00.0000
Requerente: ADRIANO DE FREITAS CARVALHO e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ


 

 

RELATÓRIO  

  


Trata-se de procedimento de controle administrativo, com pedido liminar, proposto por Adriano de Freitas Carvalho e outros em face do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), em razão de supostas irregularidades na condução do XLVIII Concurso Público para Ingresso no Cargo de Juiz Substituto. 

Na petição inicial, alegaram os requerentes que foram aprovados na primeira etapa do certame e convocados para a realização da prova subjetiva, conduzida por comissão do próprio TJRJ. 

Sustentaram, todavia, que, após a finalização da prova escrita, teriam sido surpreendidos pela falta de publicidade e transparência dos critérios adotados pela referida comissão, já que não teriam sido divulgados espelhos, gabaritos, pontuação dos critérios e quesitos de correção das avaliações. 

Afirmaram que essa conduta teria inviabilizado o conhecimento de eventuais erros e a interposição de recursos nas vias administrativa e judicial, bem como afrontado o princípio da motivação e a Resolução CNJ 75/2009. 

Aduziram, ainda, que a irregularidade promovida pelo TJRJ destoaria do entendimento assentado pelos tribunais superiores, que já teriam registrado a necessidade de divulgação do “padrão de resposta esperado para cada questão, a pontuação válida para cada um dos critérios, a nota que lhe foi atribuída em cada um deles e, por fim, a nota global obtida pelo candidato”. 

Nesse contexto, argumentaram que a avaliação feita seria nula e que deveria ser determinada a realização de novas provas subjetivas, uma vez que nem mesmo a apresentação de espelhos após a contestação na via judicial ou administrativa seria capaz de regularizar o concurso, pois feriria o princípio da legalidade. 

Diante de tais fatos, e considerando que as provas de sentença já teriam sido marcadas para os dias 18 e 19/9/2021, pugnaram pela concessão de medida de urgência, para que fosse determinada a suspensão do certame até o julgamento do presente feito. No mérito, requereram fosse declarada a nulidade das provas discursivas, com a determinação de realização de novas provas e divulgação de espelhos com padrão de resposta, pontuação de cada um dos critérios, notas atribuídas e nota global. 

Instada a se manifestar, a corte requerida defendeu a legalidade do certame e consignou que: a) a Resolução CNJ 75/2009 prevê a divulgação do gabarito em apenas duas fases do concurso (prova objetiva e prova de títulos), o que teria sido observado; b) essa regra da resolução teria sido reproduzida no edital do certame e não foi impugnada por nenhum candidato; c) há décadas o concurso tem sido realizado sem divulgação de espelhos das provas subjetivas, sem que isso maculasse o certame; d) foi garantida a “ciência dos termos da correção através da divulgação das notas em sessão pública e posterior vista da prova”; e) os precedentes do CNJ seriam no sentido da desnecessidade de espelho; f) dos 23 requerentes, apenas 1 não compareceu à vista da prova e somente 4 não recorreram (Id. 4463869). 

Na sequência, sobreveio petição dos requerentes, por meio da qual refutaram as alegações do tribunal, reiteraram os argumentos apresentados e afirmaram que os recursos não teriam sido devidamente avaliados (Id. 4466864). 

  Em 8/9/2021, concedi a liminar, para determinar a suspensão do certame até exame de mérito do presente procedimento (Id. 4469560).

No entanto, diante de nova manifestação do tribunal, reconsiderei a decisão liminar, a fim de revogar a ordem de suspensão do concurso, porém com algumas ressalvas necessárias ao seu regular andamento nas fases subsequentes (Id. 4476273).

Publicada tal decisão, foi juntada petição de Mariana Pedrolo Padilha Cardoso e outros, todos aprovados na prova discursiva, por meio da qual defenderam a regularidade do certame, pleitearam a confirmação da liminar de Id. 4476273 e requereram o ingresso na condição de terceiros interessados (Id. 4480216).

Ato contínuo, foram colacionadas as petições de Douglas Miranda Mussi (Id. 4481697), bem como de Luana Cardoso Santana Tavares e outros (Id. 4483264), também aprovados na prova discursiva, em que ratificaram a petição de Id. 4480216 e postularam o ingresso como terceiros interessados.

Os requerentes, por seu turno, acostaram a petição de Id. 4481700, na qual renovaram as razões e pedidos já lançados, bem como asseveraram que, como todas as provas já foram identificadas, a motivação posterior do ato afrontaria os princípios da impessoalidade e da isonomia.

Ao apresentar informações complementares, o TJRJ pleiteou o arquivamento sumário do feito, por suposta inépcia da inicial, preclusão e interesse individual. No mérito, ressaltou, em síntese, que a anulação das provas seria desproporcional e que as circunstâncias que envolvem o certame exigem a fixação de um regime de transição (Id. 4483893).

 É o relatório.


 

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Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006497-25.2021.2.00.0000
Requerente: ADRIANO DE FREITAS CARVALHO e outros
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VOTO  

   


Conforme relatado, a controvérsia suscitada no presente procedimento diz respeito à falta de publicação de espelhos das provas subjetivas realizadas no XLVIII Concurso Público para Ingresso no Cargo de Juiz Substituto, promovido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ).

De início, afasto a preliminar de arquivamento sumário suscitada pelo tribunal, porquanto não há que se falar em não conhecimento do feito depois de toda a instrução já promovida e das decisões lançadas. Além disso, tratando-se de suposta afronta a regras previstas em lei estadual, com natureza cogente e caráter geral, descabem as teses de preclusão e de interesse individual.

Tampouco merece acolhida a alegação de arquivamento por inépcia da inicial, pois, como se sabe, o controle de atos administrativos do Poder Judiciário deve ser exercido por este Conselho, inclusive, de ofício (art. 103-B, § 4º, II, da CRFB).

Quanto ao mérito, defende o TJRJ que o ato impugnado, consistente em prática adotada há décadas por aquela corte, não seria capaz de macular o certame, porquanto teriam sido garantidas a ciência dos termos da correção e a vista da prova; a Resolução CNJ 75/2009 não exigiria a divulgação de espelhos de prova e os precedentes do CNJ assentariam a desnecessidade de publicação desses espelhos (grifei):

 

“Por outro lado, quando dispõe sobre a segunda etapa do concurso, a Resolução não prevê a divulgação de gabarito ou espelho.

[...]

Merece destaque ainda o fato de que a divulgação do espelho de provas não é o único formato possível a ser utilizado pelas comissões examinadoras, sendo certo que, no caso do concurso em comento, o edital previu aos candidatos a possibilidade de ter ciência dos termos da correção através da divulgação das notas em sessão pública e posterior de vista da prova.

A jurisprudência do E. Conselho Nacional de Justiça já se manifestou diversas vezes sobre a desnecessidade de divulgação do espelho das provas.” (Id. 4463869)

 

Ocorre que, no caso em exame, há uma peculiaridade: é que o Estado do Rio de Janeiro tem lei específica que impõe a divulgação dos critérios de correção de prova.

 Com efeito, o artigo 1º da Lei Estadual 1.919/91 dispõe que "fica toda entidade pública ou privada, responsável pela organização de concursos públicos, obrigada a, no prazo de até 10 (dez) dias, divulgar o gabarito da prova", enquanto o artigo 2º do mesmo diploma legal esclarece que "no gabarito da prova deverão constar as respostas resolvidas de todas as questões com respectiva justificativa". 

Logo, havendo norma especial sobre a matéria e lacuna na Resolução CNJ 75/2009, não há dúvida de que caberia ao tribunal ter observado os preceitos legais e de que não pode este Conselho afastar a incidência da lei, sob pena de indevido exercício do controle de constitucionalidade e de violação à Súmula Vinculante 10[1] (Pedido de Providências 001005340.2018.2.00.0000, Relator: Rubens Canuto, 72ª Sessão Virtual, julgado em 28/08/2020).

É de se ressaltar, ainda, que os mais recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também consignam a necessidade de divulgação dos espelhos de prova, como forma de se assegurar a motivação do ato administrativo (grifei): 

 

 

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA JUIZ DE DIREITO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA ACERCA DOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO UTILIZADOS PARA A CORREÇÃO DA PROVA DE SENTENÇA. VIOLAÇÃO DO ART. 50 DA LEI 9.784/1999 E AOS PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE, TRANSPARÊNCIA E MOTIVAÇÃO. CONCEDO PARCIALMENTE A ORDEM, A FIM DE DETERMINAR NOVA CORREÇÃO DAS PROVAS, SOMENTE QUANTO AOS IMPETRANTES, COM CRITÉRIOS DE CORREÇÃO PREVIAMENTE ESTABELECIDOS, DIVERGINDO DO MINISTRO RELATOR QUE CONCEDIA INTEGRALMENTE A ORDEM.

VOTO-VISTA

No caso dos autos, o espelho da prova de sentença cível informa que o relatório valia 1,0 (um) ponto, a fundamentação correspondia a 7,0 (sete) pontos e o dispositivo a 2,0 (dois) pontos (e-STJ fl. 1.344). Enquanto que o espelho da prova de sentença penal indica que o relatório valia 1,0 (um) ponto, a fundamentação 4,8 (quatro pontos e oito décimos), o dispositivo a 0,9 (nove décimos) e a dosimetria da pena a 3,3 (três pontos e três décimos) (e-STJ fl. 1.343).

Dessa forma, verifica-se que os espelhos apresentados pela banca examinadora não apresentam a motivação para a prática do ato consistente na atribuição de nota ao candidato, porquanto divulgados, apenas, critérios genéricos, desacompanhados do padrão de resposta e das notas a eles atribuídas. Não foram apresentados os critérios utilizados, o padrão de resposta esperado pela banca examinadora, tampouco as notas a serem atribuídas a cada um dos critérios, inviabilizando, portanto, qualquer controle por parte dos candidatos.

Com efeito, vislumbra-se a patente ofensa aos princípios da publicidade e da motivação, além das garantias do contraditório e da ampla defesa, pois alijou-se os candidatos de conhecer os critérios de correção do examinador, obstaculizando a interposição de recurso administrativo, em violação dos artigos 2º, caput e parágrafo único, inciso VII, e 50, incisos I e III, e § 1º, da Lei n. 9.784/1999.”

(RMS 56.639/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, redator para acórdão Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 09/05/2019)

 

 

 

 

“No caso concreto, o Tribunal Regional, após análise dos autos (edital e questões da prova) concluiu que não ficou comprovada a apontada ilegalidade da correção. Ressaltou que ‘os candidatos estavam cientes de que os critérios de correção da prova subjetiva ou mesmo do espelho de correção da prova não seriam divulgados, nos moldes postos no edital’ (fl. 261, e-STJ).

Com efeito, o edital não previa a divulgação de espelho de notas ou critério de correção, seja antes ou depois da realização das provas, o que não é razoável.

Ainda que ao Judiciário seja vedada a incursão no mérito administrativo, isso não lhe faculta manter obscuros os critérios de seleção de seus membros, em clara violação ao princípio da legalidade. Não se trata de reavaliar as respostas dos candidatos, mas, sim, de oportunizar  o direito de defesa, oferecendo-lhes balizas para a elaboração e interposição de recurso. Ademais, os interessados devem ser cientificados do porquê da sua aprovação ou eliminação, segundo parâmetros objetivos e fundamentados.

Diante do exposto, dou provimento parcial ao Recurso em Mandado de Segurança para determinar a recorreção da prova prática de sentença criminal de Matheus Afonso de Abreu, com os critérios de correção.”


(RMS 66.122/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 29/6/2021)

 

A jurisprudência do STJ assenta, outrossim, que essa publicação dos espelhos das provas subjetivas deve ocorrer anterior ou concomitantemente à divulgação do resultado (grifei):

 


“ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROVA DISSERTATIVA. QUESTÃO COM ERRO NO ENUNCIADO. FATO CONSTATADO PELA BANCA EXAMINADORA E PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. ILEGALIDADE. EXISTÊNCIA.

ATUAÇÃO EXCEPCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO NO CONTROLE DE LEGALIDADE. SINTONIA COM A TESE FIRMADA PELO STF NO RE 632.853/CE. ESPELHO DE PROVA. DOCUMENTO QUE DEVE VEICULAR A MOTIVAÇÃO DO ATO DE APROVAÇÃO OU REPROVAÇÃO DO CANDIDATO. NECESSIDADE DE EXISTÊNCIA PRETÉRITA OU CONCOMITANTE À PRATICA DO ATO. IMPOSSIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO EM MOMENTO POSTERIOR. HIPÓTESE EM QUE HOUVE APRESENTAÇÃO A TEMPO E MODO.

INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE.

(...)

6.       No que se refere à questão n. 5 da prova dissertativa, a análise dos pedidos do impetrante denota que se pretende a declaração de sua nulidade aos seguintes fundamentos: (i) o espelho de resposta é totalmente diferenciado daqueles que foram divulgados para as quatro primeiras, em que constaram os fundamentos jurídicos; (ii) no espelho impugnado, a banca examinadora simplesmente dividiu o enunciado, atribuindo a cada critério ou fração certa pontuação sem, contudo, indicar o padrão de resposta desejado; (iii) a publicação dos fundamentos jurídicos que deveriam ser atendidos pelo candidato era de suma importância, sob pena de afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, já que somente ‘com um padrão de argumentos jurídicos o candidato poderia recorrer plenamente na seara administrativa, buscando a elevação da nota’; e (iv) a publicação tardia do padrão de respostas, sobretudo após acionamento do Poder

Judiciário, não supriria a nulidade da questão, na medida em que colocaria em xeque o princípio da impessoalidade.

7.       Na seara de concursos públicos, há etapa sem que as metodologias de avaliação, pela sua própria natureza, abrem margem para que o avaliador se valha de suas impressões, em completo distanciamento da objetividade que se espera nesses eventos. Nesse rol de etapas, citam-se as provas dissertativas e orais. Por essa razão, elas devem se submeter a critérios de avaliação e correção os mais objetivos possíveis, tudo com vistas a evitar contrariedade ao princípio da impessoalidade, materializado na Constituição Federal (art. 37, caput).

8.       E mais. Para que não pairem dúvidas quanto à obediência a referido princípio e quanto aos princípios da motivação dos atos administrativos, do devido processo administrativo recursal, da razoabilidade e proporcionalidade, a banca examinadora do certame, por ocasião da divulgação dos resultados desse tipo de avaliação, deve demonstrar, de forma clara e transparente, que os critérios de avaliação previstos no edital foram devidamente considerados, sob pena de nulidade da avaliação.

9.       A clareza e transparência na utilização dos critérios previstos no edital estão presentes quando a banca examinadora adota conduta consistente na divulgação, a tempo e modo, para fins de publicidade e eventual interposição de recurso pela parte interessada, de cada critério considerado, devidamente acompanhado, no mínimo, do respectivo valor da pontuação ou nota obtida pelo candidato; bem como das razões ou padrões de respostas que as justifiquem. 

10.   As informações constantes dos espelhos de provas subjetivas se referem nada mais nada menos à motivação do ato administrativo, consistente na atribuição de nota ao candidato. Tudo em consonância ao que preconizam os arts. 2º, caput, e 50, § 1º, da Lei n. 9.784/99, que trata do processo administrativo no âmbito federal.

11.   Salvo exceção reconhecida pela jurisprudência deste Tribunal Superior notadamente no que diz respeito à remoção ex ofício de servidor público (RMS 42.696/TO, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 16/12/2014; AgRg no RMS 40.427/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 10/9/2013; REsp 1.331.224/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 26/2/2013) -, referida motivação deve ser apresentada anteriormente ou concomitante à prática do ato administrativo, pois caso se permita a motivação posterior, dar-se-ia ensejo para que fabriquem, forjem ou criem motivações para burlar eventual impugnação ao ato. Nesse sentido, a doutrina especializada (Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 112-113).

(...)

12.   É certo que alguns editais de concursos públicos não preveem os critérios de correção ou, às vezes, embora os prevejam, não estabelecem as notas ou a possibilidade de divulgação dos padrões de respostas que serão atribuídos a cada um desses critérios. Em tese, com suporte na máxima de que ‘o edital faz lei entre as partes’, o candidato nada poderia fazer caso o resultado de sua avaliação fosse divulgado sem a indicação dos critérios ou das notas a eles correspondentes, ou, ainda, dos padrões de respostas esperados pela banca examinadora. Tal pensamento, no entanto, não merece prosperar, pois os editais de concursos públicos não estão acima da Constituição Federal ou das leis que preconizam os princípios da impessoalidade, do devido processo administrativo, da motivação, da razoabilidade e proporcionalidade. Do contrário, estaríamos diante verdadeira subversão da ordem jurídica. Precedente: AgRg no REsp 1.454.645/ RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 15/8/2014.”

 

 

(RMS 49.896/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 02/05/2017)

 

Sendo assim, mostra-se imprescindível a divulgação dos espelhos de prova, pois se trata de medida que tem o condão de garantir, a um só tempo, a motivação do ato administrativo, o cumprimento da lei local e a devida observância aos princípios da publicidade e da ampla defesa.

  Não se pode desconsiderar, entretanto, que, até o presente momento, os precedentes deste Conselho realmente caminharam no sentido da desnecessidade de divulgação dos espelhos das avaliações escritas em razão da ausência de previsão na Resolução CNJ 75/2009. Nesse sentido, por exemplo, cito os seguintes precedentes: Recurso Administrativo em Procedimento de Controle Administrativo 0004003-61.2019.2.00.0000, Relator: Márcio Schiefler Fontes, 52ª Sessão Virtual, julgado em 20/9/2019; Recurso Administrativo em Procedimento de Controle Administrativo 0001121-29.2019.2.00.0000, Relator: Arnaldo Hossepian, 47ª Sessão Virtual, julgado em 31/5/2019 e Recurso Administrativo em Procedimento de Controle Administrativo 0007173-12.2017.2.00.0000, Relator: Valtércio de Oliveira, 272ª Sessão Ordinária, julgado em 22/5/2018. 

Nessa perspectiva, afigura-se imprescindível o estabelecimento de regime de transição para o cumprimento das diretrizes traçadas pela Lei Estadual 1.919/91 e pela recente jurisprudência do STJ, que seja proporcional, equânime, eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais, como exige a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (artigo 23). 

Em suma, há que se restabelecer a legalidade com o máximo possível de segurança jurídica no momento em que se altera prática administrativa reiterada, ainda que ilegal. Isso se dá por meio da preservação de atos eventualmente praticados com alguma irregularidade (segurança jurídica), acompanhada pela determinação de ajustamento prospectivo da conduta pela autoridade administrativa (legalidade). É o que se extrai dos artigos 23 e 24 da citada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (grifei):

 

“Art. 23.  A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.

 

Art. 24.  A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.         

Parágrafo único.  Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.

 

Dessa forma, à luz dos regramentos que este Conselho tem o dever de observar, da previsão legal incidente sobre os concursos do Estado do Rio de Janeiro e do atual cenário que permeia o caso, afigura-se possível o prosseguimento do certame, com ressalvas referentes à atual etapa do concurso e às fases subsequentes, a fim de se garantir a observância da lei prospectivamente.  

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO de anulação das provas, porém, de ofício, confirmo a liminar concedida em 12/9/2021 (Id. 4476273), a fim de permitir o prosseguimento do XLVIII Concurso Público para Ingresso no Cargo de Juiz Substituto, promovido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com determinação das seguintes medidas: 


a)        efetiva divulgação do espelho da prova subjetiva realizada em 11/07/2021;

b)        reabertura dos prazos para vista da referida prova e para apresentação de recurso pelos candidatos;

c)    divulgação dos espelhos das provas subjetivas que serão realizadas nas etapas subsequentes do concurso, sempre anteriormente ou concomitantemente à divulgação de seu resultado; e

 d)   respeito à antecedência mínima de 15 dias para a convocação dos aprovados para realização das provas escritas (artigo 50[2] da Resolução CNJ 75/2009).

 

Consigno, ainda, que a tese fixada neste procedimento é a de que o TJRJ, em todos os concursos públicos que realizar (magistratura, servidores e extrajudicial), deve divulgar os espelhos de prova na forma da Lei Estadual 1.919/91.

 

É como voto.

Brasília, data registrada em sistema.

 

Conselheiro MÁRIO GUERREIRO,

Relator.



[1] Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

[2] Art. 50. Com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, o presidente da Comissão de Concurso convocará, por edital, os candidatos aprovados para realizar as provas escritas em dia, hora e local determinados, nos termos do edital.