Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0005595-72.2021.2.00.0000
Requerente: IVAELIO MENDES DE ALENCAR
Requerido: JURACI DE SOUZA SANTOS JUNIOR

 


EMENTA: 


RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA EMINENTEMENTE JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. RECURSO ADMINISTRATIVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. A análise dos fatos narrados neste expediente refere-se a exame de matéria eminentemente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

2. Com efeito, a correção do alegado equívoco jurídico do magistrado, na condução do processo, deve ser requerida pela via jurisdicional. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das atribuições previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

3. Recurso administrativo a que se nega provimento.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 8 de outubro de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Flávia Pessoa, Sidney Madruga, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal Regional Federal e da Justiça Federal.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0005595-72.2021.2.00.0000
Requerente: IVAELIO MENDES DE ALENCAR
Requerido: JURACI DE SOUZA SANTOS JUNIOR


RELATÓRIO

A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora): 

Cuida-se de Recurso Administrativo apresentado por IVÃELIO MENDES ALENCAR contra a decisão proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça que determinou o arquivamento sumário deste expediente, ao fundamento de não ser possível a revisão de ato jurisdicional (Id. 4427817).

O recorrente alega que, “em que pese a amplitude da argumentação exordial (incluindo-se pedido de declaração de nulidade dos atos praticados, possível suspeição, abordagem sobre a inocência dos clientes), cumpre destacar que o ponto nodal da via manejada foi somente o de ver apurada as atuações do em. Juiz Reclamado, ora Recorrido, na presidência de alguns processos, haja vista a inobservância, em tese, aos deveres funcionais dos juízes, entre eles o da devida prestação jurisdicional”.

Salienta que “é perceptível que não houve respeito à celeridade que o judiciário condutor, na pessoa do Recorrido, deveria imprimir aos processos, especialmente nos feitos com réus presos. Assim, a atuação do Recorrido é de absoluto menosprezo ao acusado e sua defesa técnica, dado o extremo tratamento de desigualdade”.

Reclama que “o postulado da defesa de produção antecipada de provas relevantes e urgentes somente foi apreciado depois do lapso temporal de 03 (três) meses. Ou seja, passaram mais de 44 (quarenta e quatro) vezes o dobro do lapso de tempo que o Recorrido precisou para apreciar e decidir a busca e apreensão, inclusive, resultando na perda do seu objeto”.

Afirma, também, que, “No que atine ao Processo nº 0625817-43.2021.8.06.0000, Habeas Corpus em favor de José Horlandio Dantas Moreira (ID 4427045), a Corte Estadual estabeleceu o prazo de 10 (dez) dias para oferecimento das informações (ID 4427054). No entanto, estas foram ofertadas fora do prazo (ID 4427063). Desta forma, ocorreu o descumprimento dos deveres funcionais insculpidos nos arts. 236 e 237 do Provimento nº 02/2021, da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Ceará”.

Ressalta que, “observando-se de maneira exegética as informações prestadas pelo Recorrido para instrução do Habeas Corpus impetrado em favor de José Horlandio Dantas Moreira, além do descumprimento aos deveres funcionais estabelecidos nos arts. 236, 237 e 239 do muitas vezes mencionado Provimento nº 02/2021, ainda aproveitou aquele momento para apresentar uma defesa transversa, transmutando aquele momento para o exercício de sua autodefesa, contudo de forma prévia, nas exceção de suspeição oposta em seu desfavor”.

Aduz que, “na exceção da suspeição dirimida no Processo nº 0010236-18.2021.8.06.0071, o Reclamado usou de adjetivação excessiva em sua decisão, cuja situação pode até sugerir possível parcialidade subjetiva (ID #######). Verbi gratia, nas palavras e expressões a seguir: 'surpresa', 'engenhosa invocação de suspeição', 'que pouco criteriosamente correlacionam ética, imparcialidade, tempestividade e celeridade'. Ora, até soa a ideia de que o mecanismo jurídico em referência não pudesse ser manejado pela defesa em seu desfavor ou, então, que não passa de apetrecho morto da lei processual”.

Salienta que, “[...] no que diz respeito ao Processo nº 0010388-66.2021.8.06.0071, Exceção de Incompetência do Juízo (ID 4427065), embora sua conclusão tenha ocorrido em 18.06.2021 (ID 4427167), aliado à circunstância de todos os acusados encontrarem-se lançados na prisão, somente sobreveio decisão depois de passados 01 (um) mês e 11 (onze) dias, pois decidido no dia 29.07.2021”.

Requer a reapreciação do feito.

Intimado para apresentar contrarrazões, o magistrado JURACY DE SOUZA SANTOS JUNIOR o não provimento do recurso.

É o relatório.  

 

A12/Z08 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0005595-72.2021.2.00.0000
Requerente: IVAELIO MENDES DE ALENCAR
Requerido: JURACI DE SOUZA SANTOS JUNIOR

 


VOTO


         A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora): 

 

Após análise das razões recursais, subsiste a conclusão de que a pretensão do recorrente se direciona à revisão de atos de natureza estritamente jurisdicional, sem repercussão disciplinar. 

Conforme consta na decisão impugnada, toda a irresignação do requerente busca, ao fim, o reconhecimento da parcialidade e, em consequência, a suspeição do magistrado, matéria eminentemente jurisdicional e não afeta ao Conselho Nacional de Justiça.

O recorrente insiste em sustentar a parcialidade do magistrado, afirmando a existência de ofensas aos deveres funcionais por indevida prestação jurisdicional.

No entanto, as alegações da parte não comprovam atitude indevida do magistrado em relação à defesa técnica.

Conforme ressaltado na decisão impugnada, em relação à discrepância de tempo no exame de pedidos da acusação e da defesa, constata-se que os requerimentos formulados eram de natureza bem diferente — a acusação tratava de prisão e liberdade provisória e a defesa objetivava produzir provas antes mesmo do início da Ação Penal —, o que bem justifica a diversidade de ritmos no exame da questão. O próprio reclamante, ademais, noticia que o magistrado reclamado estava em férias quando foi formulado o pedido de produção antecipada de provas, requerimento esse que tem grau de prioridade diferente dos pedidos de prisão e de liberdade.

Quanto aos afirmados comentários “tendenciosos” alegadamente lançados pelo representado ao afastar a sua suspeição, não se constata excesso de linguagem apto a desencadear atuação disciplinar. Esse o texto objurgado:

A despeito da surpresa com que recebe este magistrado a engenhosa invocação de suspeição, a criatividade interpretativa que subjaz aos argumentos que o sustentam (que pouco criteriosamente correlacionam ética, imparcialidade, tempestividade e celeridade) não atinge grau de teratologia impeditivo de processamento e apreciação, pelo que reservo-me a expor o óbvio: não me reconheço suspeito, por não me alinhar ex ante a qualquer propósito absolutório ou condenatório, em primeiro lugar, e, contrapondo-me mais diretamente à questão invocada, por não estar imbuído de qualquer intento de prejudicar o adequado exercício do direito à produção probatória enquanto consectário dos direitos fundamentais ao contraditório e à ampla defesa.

 

Embora o reclamante remarque que esse exórdio caracteriza falta de parcialidade, também essa questão desborda da seara disciplinar e deve ser tratada através dos instrumentos vocacionados a tanto.

Quanto à insurgência relacionada às informações prestadas em Habeas Corpus que, no entender do reclamante, devem se limitar aos “informes do trâmite processual”, não é assim. As informações devem ser as mais completas possíveis e é dever do magistrado levar ao conhecimento da instância superior — que está afastada na realidade da causa — todos os elementos de que dispuser para a perfeita compreensão dos elementos que estribam a decisão atacada e tudo mais que for útil para o panorama completo da situação posta, mesmo quando prejudiciais a uma das partes.

No mais, o reclamante alega que, no primeiro Habeas Corpus, as informações foram prestadas fora dos dez dias fixados pela instância superior, mas não demonstra qual o atraso. Além disso, não houve reclamação desencadeada pelo relator do writ, que é a autoridade requisitante das informações e legitimada a solicitar providências correcionais por eventual mora.

No segundo HC, igualmente não há ilegalidade constatável. Embora o magistrado tenha redigido as informações em 6/4/2021, elas só foram protocoladas em 12/4/2021 e dentro do prazo estabelecido pela instância superior.

 Com efeito, o que se verifica, neste caso, é a tentativa de trazer para o âmbito disciplinar questões que devem ser solvidas no ambiente processual e nos incidentes e recursos colocados à disposição das partes pela legislação processual.

Assim, como consignado na decisão recorrida, em tais casos deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, como efetivamente ocorreu, não podendo o órgão censor intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade.

Ora, a utilização de via correcional para solucionar ato jurisdicional, contra o qual a lei processual previu o recurso cabível, é expediente que não deve ser admitido, em respeito à independência funcional do magistrado. Do contrário, inviabilizaria o exercício do seu munus público, livre de qualquer pressão ou de interferência externa.

Com efeito, a solução de eventual equívoco incorrido pelo julgador na condução do processo deve ser buscada na jurisdição e não pela via correcional, que se restringe, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, "ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura". 

Nesse sentido: 

“RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. DESVIO DE CONDUTA DO MAGISTRADO. NÃO OCORRÊNCIA. MATÉRIA JURISDICIONAL.

1. Não se verificam elementos probatórios mínimos de falta funcional da magistrada que justifiquem a instauração de procedimento disciplinar no âmbito desta Corregedoria.

2. Conforme assentado na decisão de arquivamento, nota-se que a irresignação do reclamante se refere a exame de matéria eminentemente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

3. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

Recurso administrativo improvido.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0009249-38.2019.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 70ª Sessão Virtual - julgado em 31/07/2020)

 

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.   

É como voto.    

    

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA  

Corregedora Nacional de Justiça  

A12/Z08