RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. TJRJ. JUÍZA DE DIREITO. SENTENÇA: APARENTE MANIFESTAÇÃO DE PRECONCEITO CONTRA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA.

1 Uso de linguagem aparentemente discriminatória contra pessoas com deficiência em sentença. Questão que parece desbordar a independência funcional (art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional). Potencial prática de ato atentatório à dignidade do cargo, mediante redação de decisão com conteúdo injusta e arbitrariamente discriminatório às pessoas com deficiência (arts. 35, VIII; e 56, II; da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e o 39 do Código de Ética da Magistratura Nacional), e violação dos deveres de urbanidade e cortesia e de observar o consequente dever de uso de linguagem polida e respeitosa (art. 35, IV, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e o art. 22, caput e parágrafo único, do Código de Ética da Magistratura Nacional), e adoção de comportamento que pode refletir preconceito (art. 8º Código de Ética da Magistratura Nacional), e dispensa à parte autora injustificada discriminação (art. 9º do Código de Ética da Magistratura Nacional).

2 Reclamação disciplinar acolhida em parte para determinar a instauração de Processo Administrativo Disciplinar – PAD contra a Juíza de Direito, sem afastamento funções jurisdicionais e administrativas

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, decidiu pela instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor da magistrada, aprovando desde logo a portaria de instauração do PAD, nos termos do voto da Relatora. Declarou suspeição o Presidente Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 28 de maio de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Maria Thereza de Assis Moura, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux (suspeição declarada) e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

 

 

A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora): 

Trata-se de Pedido de Providências proposto por ROSEMARY DE ARAÚJO LAUCAS em face da Juíza de Direito CRISTINA GOMES CAMPOS DE SETA, da 5ª Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro – Regional Méier, e do Desembargador GILBERTO CAMPISTA GUARINO da 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e relator da Apelação n. 0024506-47.2010.8.19.0208.

Narra a requerente que propôs ação de obrigação de fazer a qual foi distribuída ao Juízo da 5ª Vara Cível da Capital, de que titular a primeira requerida. Aduz que a magistrada, ao proferir a sentença do caso, violou os princípios da imparcialidade e da igualdade ao usar de “termos pejorativos para se referir às pessoas com deficiência”, atribuindo-lhes “a alcunha de aproveitadores, incapazes e afirmando que ditos cidadãos se utilizam de um suposta ‘Lei de Gerson’. Da sentença, aduz que interpôs apelação cuja distribuição recaiu ao segundo requerido, desembargador componente da 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o qual não estaria promovendo o impulso razoável do procedimento. Nesse particular, destaca que o apelo foi distribuído no ano de 2017 e que, até o momento, não obteve qualquer ato jurisdicional acerca de sua pretensão, constando apenas meros despachos de expediente “desconexos” e sem o objetivo de promover o julgamento do feito.

Requer a abertura de Procedimento para que sejam apuradas as condutas da Magistrada Cristina Gomes Campos de Seta, por exceder à linguagem e tratar, por sentença, de forma discriminatória as pessoas com deficiência como se aproveitadoras fossem; e a conduta do Desembargador Relator da apelação Cível de n. 0024506-47.2010.8.19.0208, em trâmite perante a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por infração ao art. 235 do Código de Processo Civil.

Notificado, o Desembargador reporta o julgamento da apelação pendente (4191470).

Determinada a apuração da conduta da Juíza de Direito localmente, a Corregedoria-Geral de Justiça instaurou o Procedimento Administrativo 2020-0668117, o qual foi arquivado em 30/9/2020, pela inexistência de “indícios de falta funcional” (4192655).

É determinado o arquivamento deste Pedido de Providências em relação à suposta morosidade no julgamento da Apelação Cível de n. 0024506-47.2010.8.19.0208, pelo Desembargador GILBERTO CAMPISTA GUARINO e a notificação da Juíza de Direito CRISTINA GOMES CAMPOS DE SETA para oferecer defesa.

CRISTINA GOMES CAMPOS DE SETA oferece resposta (4292807). Alega que a matéria é jurisdicional, pelo que não cabe responsabilidade disciplinar, na forma do art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Sustenta que sua manifestação não teve caráter ofensivo a qualquer pessoa com deficiência, “mas apenas retratou reflexões sobre a sociedade e o “modus” como seus membros, em tese, se comportam e interpretam o seu locus no âmbito social, jurídico e político [...]”. Reporta ter um histórico de estudos e escritos sobre igualdade e desigualdade. Pugna pelo arquivamento do feito.

É o relatório.

 

 

 

 

A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora): 

Compete ao Conselho Nacional de Justiça “rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano” (art. 103-B, § 4º, V, da CF).

Há uma dúvida objetiva sobre a aplicabilidade do prazo decadencial de um ano, em relação aos processos arquivados pelos tribunais em fase de investigação. As competências do CNJ e dos tribunais são, em fase de apuração de infrações, sobrepostas (art. 103-B, III, da CF). Além disso, ao estabelecer o prazo decadencial, a Constituição fala nos “processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados” (art. 103-B, V, da CF), dando a entender que as apurações estão excluídas.

No caso concreto, a Corregedoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro instaurou o Procedimento Administrativo n. 2020-0668117, o qual foi arquivado por decisão unipessoal do Corregedor-Geral de Justiça, datada de 30/11/2020 (4192655).

Mesmo que se tenha o prazo decadencial por aplicável, ele não teria transcorrido.

A avaliação feita neste voto é de que a decisão do Corregedor-Geral de Justiça que arquivou o procedimento disciplinar na origem contrariou frontalmente disposições legais e atos normativos deste Conselho acerca da responsabilidade de magistrados. Em consequência, o arquivamento deve ser revisto, pela contrariedade da decisão da origem ao ordenamento jurídico (art. 83, I).

Quanto ao procedimento, tenho que a consequência do acolhimento da revisão deve ser a imediata abertura de procedimento administrativo disciplinar, no seio do Conselho Nacional de Justiça. A prática do CNJ vem sendo a divisão do procedimento de revisão em fases de admissibilidade e julgamento. Essas fases, muito embora previstas no Regimento Interno (arts. 86 e 88), podem ser cumuladas, quando a questão subjacente não requer a produção de provas.

O Regimento Interno separa em fases o procedimento de revisão das decisões disciplinares. Qualquer Conselheiro pode propor a abertura da revisão (art. 86 do RICNJ).

Após a abertura, há previsão de instrução, observado o contraditório e a ampla defesa (art. 87 do RICNJ) e, por fim, o julgamento do procedimento de revisão disciplinar, do qual pode resultar a instauração de processo administrativo disciplinar ou a modificação da conclusão do julgamento anterior (art. 88 do RICNJ).

Como não houve processo administrativo disciplinar na origem, em caso de procedência, a solução seria a abertura de processo administrativo disciplinar.

A prática do Conselho Nacional de Justiça em casos de arquivamento de procedimento disciplinar na origem, pelo Colegiado, antes da abertura do processo administrativo disciplinar, era a Corregedoria Nacional de Justiça trazer a questão ao Pleno, pela via do Pedido de Providências – PP (art. 28 da Resolução n. 135/2011) ou Reclamação Disciplinar – RD. Deliberando o Colegiado do CNJ pela abertura de Revisão Disciplinar – RevDis, essa é distribuição a Conselheiro que, por sua vez, estabelece novo contraditório e traz o tema novamente ao Colegiado. Se o Pleno assim decidir, é então aberto um Processo Administrativo Disciplinar – PAD.

No entanto, esse procedimento foi revisado na RD n. 000273-42.2019.2.00.0000, deliberado na 322ª Sessão Ordinária, em 24/11/2020, chegando-se à conclusão pela instauração direta de Processo Administrativo Disciplinar:

 

“1 Revisão do arquivamento de questão disciplinar, determinado pelo Colegiado do Tribunal (art. 103-B, § 4º, V, da CF). Contrariedade de parte da decisão ao ordenamento jurídico (art. 83, I, do RICNJ). Inexistência de necessidade de produção de provas para deliberação sobre a abertura de processo administrativo disciplinar. Oportunidade de manifestação perante o CNJ devidamente observada. Processo suficientemente maduro para que, desde logo, o CNJ decida entre a manutenção da decisão da origem ou a abertura de processo administrativo disciplinar, cumulando as fases do art. 86 e 88 do RICNJ”.

 

No presente caso, a controvérsia, até o momento, é quanto à interpretação dos fatos e do direito, não se exigindo, para avaliar a instauração do processo administrativo disciplinar, ulterior instrução probatória.

Como a magistrada já teve a oportunidade de oferecer defesa, tenho que o caso se encontra suficientemente maduro para que, desde logo, o CNJ decida entre a manutenção da decisão da origem ou a abertura de processo administrativo disciplinar. Com isso, estou propondo, nesta decisão, a cumulação das fases dos arts. 86 e 88 do RICNJ.

Feitas essas considerações preliminares, passo à análise do caso propriamente dito.

Na sentença do Processo n. 0024506-47.2010.8.19.0208, a Juíza de Direito CRISTINA GOMES CAMPOS DE SETA teria feito o uso de linguagem discriminatória contra pessoas com deficiência.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional estabelece a inviolabilidade judicial pelo conteúdo da decisão. O texto legislativo prevê que, “salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir” (art. 41). Portanto, a responsabilização pelo conteúdo de uma decisão judicial é excepcionalíssima.

No caso concreto, a discussão disciplinar não é afeta à independência jurisdicional. Muito embora isso não seja relevante, a interpretação jurídica da magistrada foi confirmada em grau de apelação e parece ter seu acerto além de maiores discussões.

A questão de relevo disciplinar diz com a linguagem empregada em um trecho da decisão. Esse trecho específico, poderia inclusive ser suprimido, sem alteração do resultado do julgamento. Em seu restante, a sentença é redigida de forma escorreita e com argumentação clara e ilustrada, a revelar a cultura jurídica de sua prolatora.

Portanto, o caso envolve a “impropriedade ou excesso de linguagem”, exceções à inviolabilidade do magistrado quanto ao conteúdo da decisão. A inviolabilidade do art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional não protege a requerida.

Ao redigir decisões, o magistrado deve obediência aos comandos normativos que regem sua conduta. Assim, deve os deveres de urbanidade (art. 35, IV, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional), imparcialidade (arts. 8º e 9º do Código de Ética da Magistratura Nacional), e de cortesia e uso de linguagem polida e respeitosa (art. 22, caput e parágrafo único, do Código de Ética da Magistratura Nacional), e da dignidade, honra e decoro (arts. 35, VIII, e 56, II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e 39 do Código de Ética da Magistratura Nacional), em todas as circunstâncias. Mesmo decidindo sobre condutas da maior gravidade, a polidez deve guiar a redação judicial.

Em suas manifestações, o magistrado deve ser especialmente cauteloso em evitar a injusta ou arbitrária discriminação, como dispõe o art. 39 do Código de Ética da Magistratura Nacional:

 

“Art. 39. É atentatório à dignidade do cargo qualquer ato ou comportamento do magistrado, no exercício profissional, que implique discriminação injusta ou arbitrária de qualquer pessoa ou instituição.”

 

Na mesma linha, aponta o cânone 5.1 dos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial:

 

“5.1 Um juiz deve ser ciente e compreensivo quanto à diversidade na sociedade e às diferenças que surgem de várias fontes, incluindo (mas não limitadas à) raça, cor, sexo, religião, origem nacional, casta, deficiência, idade, estado civil, orientação sexual, status social e econômico e outras causas ('razões indevidas')”.

 

É “dever de um juiz não apenas reconhecer e estar familiarizado com a diversidade cultural, racial e religiosa na sociedade, mas também estar livre de parcialidade ou preconceito baseado em razões irrelevantes” (Nações Unidas (ONU). Escritório Contra Drogas e Crime (Unodc). Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial / Escritório Contra Drogas e Crime; tradução de Marlon da Silva Malha, Ariane Emílio Kloth. – Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2008. § 186).

No caso, está em discussão o seguinte trecho da sentença, o qual aparenta revelar falta de urbanidade em relação ao comportamento da autora e preconceito contra as pessoas com deficiência:

 

“Igualmente, por várias vezes, há o ajuizamento de ações solicitando tratamento diferenciado para pessoas com deficiências, recebimentos de direitos antes dos outros, atendimento diferente em diversos locais, prioritário em bancos, atualmente até mesmo em restaurantes. O processo deve receber tratamento diferenciado, ficar em prateleiras separadas, serem processados na frente dos outros, porque uma das partes é deficiente ou tem doenças. Quando se pretende se beneficiar, as pessoas exigem receber tratamento desigual, mesmo quando não há nada na lei de forma clara, explícita; argumentam-se princípios constitucionais, de proteção integral, da solidariedade etc. para se exigir tratamentos diferenciados que, sequer, às vezes se encontram com previsões legais. Já presenciei, mesmo antes de haver lei neste sentido, mais de dez pessoas exigirem, em determinado restaurante, localizado em local famoso, frequentado por pessoas conhecidas, inclusive Ministros do Supremo, passar na frente de uma fila de restaurante porque uma, apenas uma das pessoas que iria se sentar à mesa, era deficiente, na verdade usava uma muleta para se apoiar. Nesta vara, há vários processos com tratamento diferenciado por força de lei em razão de ser a parte pessoa com deficiência.

Contudo, quando não lhes interessa tratamento 'diferente', reclamam, porque o tratamento 'diferenciado' se transforma em 'discriminatório'. Ou seja, quando me interessa ser tratado diferente exijo tal tratamento sugerindo a aplicação de princípios genéricos, socorro-me da igualdade material, quero aplicar analogia (leis para bancos passam a ter exigência também em meros restaurantes por analogia, mesmo quando inexistia lei neste sentido, pessoas que afirmam possuir mera deficiência visual, mas não são totalmente cegas, querem que suas sentenças sejam prolatadas antes de outras pessoas, por aplicação de legislação etc.), mas quando não me interessa transformo o 'desigual' ou 'diferente' em discriminação!

Afinal, é a 'Lei de Gérson', ou seja, 'levar vantagem em tudo'? Quando me interessa, exijo tratamento diferenciado, quando não me interessa, exijo ser tratado formalmente igual, não importa se sou ou não diferente, não importa se isto pode ou não prejudicar o outro?”

 

A linguagem empregada não me parece a mais adequada.

A redação parte de uma generalização, da descrição de comportamentos atribuídos a um número indeterminado de pessoas com deficiência. Essa generalização não tem base em prova dos autos, sendo construída a partir da descrição de acontecimentos inespecíficos (“por várias vezes”, “Quando se pretende se beneficiar”, “Já presenciei”, “quando não lhes interessa”).

Não é vedado que o magistrado use a própria observação do mundo para decidir. A legislação permite ao julgador decidir a partir da “observação do que ordinariamente acontece” (art. 335 do CPC vigente por ocasião do ato judicial, art. 375 do CPC atual). Mas o uso da experiência pessoal, a partir de fatos não perfeitamente identificados, é de difícil contestação racional pelas partes, prejudicando o contraditório. Como são observações atribuídos ao grupo a partir de situações inespecíficas e não comprovadas, é impossível contrapor a alegação.

A generalização se liga a um grupo indeterminado de pessoas, criando um estereótipo. Os acontecimentos inespecíficos são associados a uma característica dos agentes – pessoas com deficiência –, como se fosse um comportamento característico. Não se chega ao ponto de afirmar que as pessoas com deficiência sempre agem assim, mas o uso de linguagem iterativa passa ao leitor a ideia de que é um comportamento a ser associado ao grupo.

Por fim, a característica comportamental é altamente pejorativa. Afirma que as pessoas com deficiências buscam vantagens perante órgãos públicos e a sociedade em geral (“solicitando tratamento diferenciado para pessoas com deficiências, recebimentos de direitos antes dos outros, atendimento diferente em diversos locais, prioritário em bancos, atualmente até mesmo em restaurantes” “deve receber tratamento diferenciado, ficar em prateleiras separadas, serem processados na frente dos outros”). O tratamento diferenciado é associado a uma ideia de abuso ou privilégio (“exigem receber tratamento desigual, mesmo quando não há nada na lei de forma clara, explícita”; “argumentam-se princípios constitucionais, de proteção integral, da solidariedade etc. para se exigir tratamentos diferenciados”, “reclamam, porque o tratamento ‘diferenciado’ se transforma em ‘discriminatório’,  'exijo tal tratamento sugerindo a aplicação de princípios genéricos, socorro-me da igualdade material, quero aplicar analogia”, “transformo o ‘desigual’ ou ‘diferente’ em discriminação', 'é a ‘Lei de Gérson’, ou seja, ‘levar vantagem em tudo’?”, “Quando me interessa, exijo tratamento diferenciado, quando não me interessa, exijo ser tratado formalmente igual, não importa se sou ou não diferente, não importa se isto pode ou não prejudicar o outro?”).

Portanto, a partir de observações pessoais de fatos não especificados, a magistrada construiu um estereótipo pejorativo das pessoas com deficiência.

Estão presentes indicativos de que, ao prolatar a sentença nos autos do processo n. 0024506-47.2010.8.19.0208, em 24/2/2016, a magistrada aparentemente praticou ato atentatório à dignidade do cargo, visto que redigiu a decisão com conteúdo injusta e arbitrariamente discriminatório às pessoas com deficiência, violando os arts. 35, VIII, e  56, II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e o art. 39 do Código de Ética da Magistratura Nacional, deixou de tratar a parte autora com urbanidade e cortesia, e de observar o consequente dever de uso de linguagem polida e respeitosa, transgredindo o art. 35, IV, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e o art. 22, caput e parágrafo único, do Código de Ética da Magistratura Nacional, e adotou comportamento que pode refletir preconceito, infringindo o art. 8º Código de Ética da Magistratura Nacional, e dispensou à parte autora injustificada discriminação, violando o art. 9º do Código de Ética da Magistratura Nacional.

Assim, deve ser instaurado o competente processo administrativo, para o aprofundamento das apurações.

Tendo em vista que os fatos não são recentes, não vislumbro a necessidade de instauração de afastamento do magistrado durante o processo.

Ante o exposto, acolho em parte a reclamação disciplinar, para determinar a instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor da Juíza de Direito CRISTINA GOMES CAMPOS DE SETA, da 5ª Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro – Regional Méier, tendo em vista indicativos de que, ao prolatar a sentença nos autos do processo n. 0024506-47.2010.8.19.0208, em 24/2/2016, praticou ato atentatório à dignidade do cargo, visto que redigiu a decisão com conteúdo injusta e arbitrariamente discriminatório às pessoas com deficiência (arts. 35, VIII; e 56, II; da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e 39 do Código de Ética da Magistratura Nacional), violou os deveres de urbanidade (art. 35, IV, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional), imparcialidade (art. 9º do Código de Ética da Magistratura Nacional), e de cortesia e uso de linguagem polida e respeitosa (art. 22, caput e parágrafo único, do Código de Ética da Magistratura Nacional), usando linguagem aparentemente discriminatória contra pessoas com deficiência na redação da decisão.

 

 

PORTARIA N.  , DE DE DE 2021.

Instaura processo administrativo disciplinar em desfavor de magistrada

 

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, usando das atribuições previstas nos arts. 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça;

CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para processar investigações contra magistrados independentemente da atuação das corregedorias e tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI no  4.638/DF;

CONSIDERANDO o disposto no § 5º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135/2011, e as disposições pertinentes da Lei Complementar n.  35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784/99, e do Regimento Interno do CNJ;

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento das Reclamação Disciplinar n. 0005893-98.2020.2.00.0000, durante XXª Sessão Virtual, realizada no dia  de de 2021;

RESOLVE:

Art. 1º Instaurar, sem afastamento do cargo de magistrado, processo administrativo disciplinar em desfavor da Juíza de Direito CRISTINA GOMES CAMPOS DE SETA, vinculada ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), tendo em vista indicativos de que, ao prolatar a sentença nos autos do processo n. 0024506-47.2010.8.19.0208, em 24/2/2016, aparentemente praticou ato atentatório à dignidade do cargo, visto que redigiu a decisão com conteúdo injusta e arbitrariamente discriminatório às pessoas com deficiência, violando o art. 35, VIII, o art. 56, II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e o art. 39 do Código de Ética da Magistratura Nacional,  deixou de tratar a parte autora com urbanidade e cortesia, e de observar o consequente dever de uso de linguagem polida e respeitosa, violando o art. 35, IV, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e o art. 22, caput e parágrafo único, do Código de Ética da Magistratura Nacional, e adotou comportamento que pode refletir preconceito, violando o art. 8º Código de Ética da Magistratura Nacional, e dispensou à parte autora injustificada discriminação, violando o 9º do Código de Ética da Magistratura Nacional.

Art. 2º Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da abertura de processo administrativo disciplinar objeto desta Portaria, sem afastamento do magistrado de suas funções jurisdicionais e administrativas.

Art. 3º Determinar a livre distribuição do processo administrativo disciplinar entre os Conselheiros, nos termos do art. 74 do RICNJ.

Ministro Luiz Fux