Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002928-84.2019.2.00.0000
Requerente: CARLOS EDUARDO DA SILVA CAMILLO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA

 

 

EMENTA

 

 

PROCEDIMENTOS DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA. CORREÇÃO DO USO DO VERNÁCULO POR MEIO DE FÓRMULA MATEMÁTICA EIVADA DE ILEGALIDADE.  VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA PROPORCIONALIDADE. ATUAÇÃO EXCEPCIONAL DO CNJ. POSSIBILIDADE.

1. Procedimentos de controle administrativo em que se questiona a legalidade da segunda etapa de concurso público para o cargo de juiz substituto.

2. Correção do correto uso da língua portuguesa por meio da incidência de duas expressões matemáticas distintas.

3. Fórmula que promove maior desconto na nota dos candidatos com melhor pontuação referente ao conhecimento jurídico, ainda que a quantidade de erros de português seja a mesma.

4. Cabimento de controle excepcional do Conselho Nacional de Justiça, quanto aos critérios de correção de provas, em caso de flagrante ilegalidade. Precedentes.

5. Necessidade de intervenção deste Conselho, haja vista incontestável ofensa aos princípios da isonomia e da proporcionalidade, constatada após a aplicação da fórmula.

6. Procedência dos pedidos para reconhecer nulidade da fórmula matemática empregada.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou procedente o pedido, nos termos do voto da Relatora. Declarou suspeição a então Conselheira Daldice Santana. Plenário Virtual, 30 de agosto de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema Vale, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian e Maria Tereza Uille Gomes. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Daldice Santana (suspeição declarada), Fernando Mattos (então Conselheiro), André Godinho, Henrique Ávila e, em razão da vacância do cargo, o representante da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002928-84.2019.2.00.0000
Requerente: CARLOS EDUARDO DA SILVA CAMILLO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA


 

RELATÓRIO 


Trata-se de Procedimentos de Controle Administrativo, com pedidos de liminar, apresentados por candidatos do Concurso Público para o Cargo de Juiz de Direito Substituto do Estado da Bahia (Edital nº 1/2018), a fim de questionar a fórmula adotada na correção do uso do vernáculo nas provas discursiva e de sentença do referido certame.

PCA nº 0002928-84.2019.2.00.0000 

O caso: o procedimento foi proposto pelo candidato Carlos Eduardo da Silva Camillo, o qual informa que as provas discursivas (P2) e de sentença cível e criminal (P3) do concurso foram realizadas nos dias 29, 30 e 31 de março de 2019.

Afirma que em 26/04/2019 foram divulgadas as notas provisórias da P2, composta por quatro questões, cada uma com valor de 2,5 pontos, totalizando 10,0 pontos.

Aduz que a correção efetuada pela Banca Examinadora teria adotado “fórmula inovadora, incompreensível e incompatível com os concursos para ingresso na Magistratura”, que permitiria descontos ilimitados da pontuação do conteúdo jurídico das questões em decorrência de erros gramaticais.

Descreve que, pelo critério adotado, o número de erros no uso do vernáculo é multiplicado por dois e dividido pelo número de linhas efetivamente escritas. Acrescenta que o resultado obtido é descontado do valor atribuído pelo domínio do conteúdo, resultando na nota final da questão (fórmula “NQi = NCi - 2 × NEi ÷ TLi”).

Explicita que cada questão tinha como valoração, quanto aos aspectos macroestruturais, a pontuação de 2,40 em conhecimento jurídico e de 0,10 em apresentação (legibilidade, respeito às margens e indicação de parágrafos) e estrutura textual (organização das ideias em texto estruturado). Sustenta, portanto, que o conhecimento do vernáculo seria analisado em dois quesitos: na apresentação e estrutura textual (máximo de 0,10) e nos aspectos microestruturais (ortografia, morfossintaxe e propriedade vocabular), com a fórmula explicitada no edital, o que implicaria bis in idem.

Questiona o tempo disponível para a realização das provas, bem como a “incompatibilidade das cadeiras/mesas disponibilizadas”.

Expõe que “os erros de português não foram demonstrados de forma clara aos candidatos” no espelho de correção, pois a banca examinadora somente teria apontado a linha do erro e sua classificação gramatical (ortografia, morfossintaxe e propriedade vocabular), sem indicar a palavra ou expressão, o que teria dificultado a interposição de recurso.

Aduz, ainda, que o edital inaugural não explicitou os nomes dos professores de português que realizariam a correção das questões dissertativas.

O pedido: liminarmente, requer seja declarada a ilegalidade do critério de atribuição da nota relativa ao português (itens 9.8.2.2, alínea “d”, e 9.8.3.1, alínea “d”, do Edital nº 1/2018), com a exclusão dos descontos decorrentes da fórmula aplicada. Subsidiariamente, pede que seja determinada a suspensão do concurso público, até o julgamento final deste feito.

No mérito, pleiteia a confirmação da medida liminar e a limitação dos descontos em 0,1 por questão, referente ao quesito apresentação e estrutura textual.

 

PCA nº 0003003-26.2019.2.00.0000 

O caso: O procedimento foi proposto por Leandro Florêncio Rocha de Araújo e Outros, os quais destacam que os espelhos de correção da prova discursiva do certame foram divulgados em 29/04/2019.

Expõem que houve elevados descontos com a aplicação da fórmula matemática, prevista no item 9.8.2.2 do Edital nº 01/2018 e retificada pelo Edital nº 09/2019.

Alegam que a citada fórmula determina que a pontuação final é obtida a partir da nota do domínio do conteúdo, subtraído o valor decorrente dos erros de português – valor este que será o que se mostrar menor entre a aplicação de dois cálculos: (1) duas vezes o número de erros dividido pelo número de linhas escritas; ou (2) vinte por cento da nota aferida pelo domínio do conteúdo (fórmula “NQi = NCi - 2 × NEi ÷ TLi”, sendo que “se 2 × NEi ÷ TLi > 0,2 × NCi, será considerado, para o cálculo de NQi, 2 × NEi ÷ TLi = 0,2 × NCi”).

Destacam que a citada retificação decorreu do acolhimento de impugnações apresentadas, já que a fórmula originalmente prevista no Edital nº 01/2018 não respeitava qualquer limite de desconto por erros de português.

Salientam que a expressão matemática adotada acarreta um efeito regressivo punitivo sobre os candidatos que erraram menos, ao passo que beneficia os candidatos que erraram mais.

Exemplificam a situação de três candidatos (A, B e C), que teriam tirado a nota 2,5 em uma mesma questão, utilizando 30 linhas, porém com quantitativo de erros diverso (7, 15 e 30). Ressaltam que o candidato que incorreu em 7 erros, teria a incidência da fórmula original, com o desconto de 0,47 ponto; o que efetuou 15 erros teria aplicada a fórmula trazida na retificação, com o desconto de 0,5 ponto; por fim, o que apresentou 30 erros, também teve a incidência da fórmula retificada, com o decote de 0,5 ponto.

Afirmam haver desproporcionalidade, destacando, ainda, que a partir do candidato que errou 9 vezes, não há mais qualquer desconto a título de erro de português, de modo que o candidato que cometesse 100 erros no vernáculo teria o mesmo desconto que o candidato que errasse apenas 8 vezes, desde que fosse a mesma a nota obtida pelo conhecimento jurídico”.

Aduzem que ao duplicar o quociente resultante da divisão do número de erros pelo número de linhas escritas, a fórmula pune duplamente um mesmo equívoco. Ademais, ressaltam que na composição da nota do domínio do conteúdo (2,5 pontos) é possível o desconto de até 0,1 ponto pela estrutura textual, de modo que a incidência da fórmula prevista no item 9.8.2.2 do Edital também configuraria bis in idem.

Entendem que a expressão matemática aplicada é inédita em concursos da magistratura, salientando que fórmula semelhante foi considerada draconiana pelo CNJ nos autos do PCA nº 0010023-05.2018.2.00.0000.

Sustentam, ainda, que a correção efetuada foi “extremamente rigorosa, a ponto de considerar como erros de português situações como ausência de pingos em ‘i’, o ato de riscar uma palavra e continuar na sequência (como constitucional, por exemplo), a realização de citações no formato ‘Art. 20, CF’ (sem a preposição “da” após a vírgula) ou até mesmo o estilo de escrita do candidato”.

Defendem haver violação aos princípios da igualdade e da proporcionalidade e asseveram que a divulgação do resultado definitivo da prova discursiva estaria prevista para o dia 23/05/2019, conforme o Edital nº 20/2019.

O pedido: liminarmente, requerem seja determinada a suspensão do concurso. No mérito, pedem o afastamento da fórmula matemática, nas provas discursiva e prática, limitando-se os descontos de português a 0,1 por questão/sentença, relativamente aos aspectos de estrutura textual.

Prevenção: os autos, inicialmente distribuídos ao Conselheiro Valtércio de Oliveira, foram redistribuídos a minha relatoria, após reconhecimento de prevenção decorrente do PCA nº 0002928-84.2019.2.00.0000 (Id’s nº 3623349 e nº 3626303).

 

PCA nº 0003116-77.2019.2.00.0000 

O caso: O procedimento foi proposto por Isadora Balestra Marques e Outros, os quais sustentam que a fórmula aplicada na correção dos erros de português – prevista no item 9.8.2.2 do Edital nº 01/2018, com alterações inseridas pelo Edital nº 09/2019 – fere os princípios da isonomia e da razoabilidade.

Ilustram tal entendimento a partir da situação de dois possíveis candidatos (A e B), sendo A com nota inicial 2,5, 28 linhas e 7 erros e B com nota inicial 1,5, 28 linhas e 14 erros. Destacam que a aplicação da fórmula implica o desconto de 0,5 ponto do candidato A, devido a 7 erros, e de 0,3 ponto do candidato B, em decorrência de 14 erros.

Afirmam haver preponderância da avaliação do uso da língua portuguesa sobre o conhecimento jurídico do candidato.

Destacam que a situação não pode ser resolvida com a retirada da alínea “e” do item 9.8.2.2, que impõe o desconto de até 20% sobre a nota do conhecimento jurídico, pois resultaria na utilização da fórmula original, que foi refutada pelo CNJ nos autos do PCA nº 0010056-92.2018.2.00.0000.

Alegam haver “bis in idem” na correção, já que do total de 2,5 pontos de cada questão, o valor de 0,1 ponto é direcionado para o fator da escrita.

Aduzem que no edital não há indicação dos profissionais responsáveis pela correção gramatical e destacam haver previsão de o resultado definitivo da prova discursiva (P2) ser divulgado em 23/05/2019.

O pedido: liminarmente, requerem seja determinada a suspensão do concurso. No mérito, pedem o afastamento da fórmula matemática, nas provas discursiva e prática, limitando-se os descontos de português a 0,1, quanto aos aspectos de estrutura textual.

Prevenção: os autos, inicialmente distribuídos ao Conselheiro Henrique Ávila, foram redistribuídos a minha relatoria, após reconhecimento de prevenção decorrente do PCA nº 0002928-84.2019.2.00.0000 (Id’s nº 3628337 e 3628625).

 

Informações do TJBA

Após intimação, o Tribunal apresentou manifestação nos três procedimentos (Id nº 3630478 do PCA nº 2928-84; Id nº 3632678 do PCA nº 3003-26; e Id nº 3633576 do PCA nº 3116-77).

Sustenta haver prevenção da Conselheira Cristiana Ziouva, decorrente da relatoria nos PCA’s nº 0010824-18.2018.2.00.0000, 0011107-41.2018.2.00.0000, 0011156-82.2018.2.00.0000, 0011288-42.2018.2.00.0000, 0010681-29.2018.2.00.0000, 0011338-68.2018.2.00.0000, 0011107-41.2018.2.00.0000, 0010922-03.2018.2.00.0000 e 0000015-32.2018.2.00.0000, que versariam sobre o mesmo certame (Concurso Público para o Cargo de Juiz de Direito Substituto do Estado da Bahia – Edital nº 1/2018).

Assevera que a pretensão dos requerentes não apresenta repercussão geral, necessária para ensejar a apreciação da matéria pelo CNJ, consoante o Enunciado nº 17/2018 deste Conselho.

Expõe que o CNJ possui entendimento de que não lhe compete avaliar os critérios de correção das provas de concursos públicos, nem atuar como instância recursal das decisões das bancas examinadoras.

Destaca informações prestadas pelo Cebraspe, empresa contratada para a realização do certame, no sentido de que ao aderirem às normas do concurso, os participantes sujeitaram-se às exigências do edital, ressaltando que as impugnações ao instrumento convocatório devem ser apresentadas no momento oportuno.

Aduz que a fórmula apontada pelo requerente do primeiro procedimento apreciado (autos nº 0002928-84.2019.2.00.0000) não foi a aplicada no certame, tendo em vista que foi considerada ilegal pelo CNJ nos autos do PCA nº 0009868-02.2018.2.00.0000, que tratava do concurso realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE).

Assim, devido ao entendimento adotado no referido PCA nº 9868-02, e após impugnações ao edital inaugural, foi publicada retificação dos itens 9.8.2.2 e 9.8.3.1, por meio do Edital nº 09, de 10/01/2019, a fim de regular “o limite de descontos de português em 20% para as questões discursivas (p2) e 20% os descontos nas sentenças (p3)” (PCA nº 3003-26, Id nº 3633576).

Explicita, então, que o item 9.8.2.2, “d”, do edital, inicialmente “previu que a nota em cada questão (NQi) seria calculada pela fórmula NQi = NCi – 2 x NEi ÷ TLi”. Em sentido conexo, no item 9.8.3.1, ‘d’, foi previsto que a nota em cada sentença (MSi) deveria ser calculada por meio da seguinte fórmula: NSi = NCi – 2 x NEi ÷ TLi”

Acrescenta que com a retificação promovida pelo Edital nº 9/2019, foi incluída a alínea “e” no item 9.8.2.2, a qual estabelece que “se 2 x NEi ÷ TLi > 0,2 x NCi, será considerado, para o cálculo de NQi, 2 x NEi ÷ TLi = 0,2 x NCi” (PCA nº 3003-26, Id nº 3632678) – havendo, ainda, inclusão da alínea “e” no item 9.8.3.1, com retificação equivalente quanto a prova de sentença.

Afirma não proceder as alegações no sentido de que a limitação do desconto de 20% puniu os candidatos que erraram menos e beneficiou os que erraram mais.

Para justificar tal argumento, apresenta tabela que distribui o número de candidatos pela quantidade de erros cometidos (agrupados de 3 em 3 erros) e pela fórmula que foi adotada na correção dos erros de português. Considera, ainda, como candidatos que “erraram menos” os estratos que vão de 0 a 15 erros e como candidatos que “‘erraram mais” os que cometeram entre 16 e 50 erros.

Destaca que não haveria efeito punitivo da fórmula retificada a “todos os candidatos que erraram menos”, pois haveria participantes na citada faixa de erros que tiveram a incidência da fórmula original. Ademais, a segunda fórmula teria incidido tanto sobre candidatos que “erraram menos”, quanto candidatos que “erraram mais”.

Ressalta que os espelhos provisórios de correção indicam detalhadamente onde foram cometidos os erros em ortografia, morfossintaxe e propriedade vocabular cometidos pelos candidatos.

Defende que não foi privilegiada a correção do vernáculo em detrimento do conteúdo jurídico e cita julgado do Supremo Tribunal Federal (RE nº 635.739/AL), destacando que o “estabelecimento de critérios de correção com o intuito de selecionar não só os candidatos que detém conhecimento jurídico, mas também aqueles que detém conhecimento da norma culta escrita”.

Esclarece que a “responsabilidade pela correção da prova é da Comissão Examinadora, que teve os nomes previamente divulgados em edital, conforme prevê a Resolução nº 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça” (PCA nº 3116-77, Id nº 3633576).

 

Decisão liminar

Em 15/05/2019, proferi decisão ressaltando a inocorrência de prevenção da Conselheira Cristiana Ziouva – uma vez que os procedimentos que tramitaram sob sua relatoria já contavam com decisão final na data de autuação dos processos ora apreciados.

Ademais, deferi a liminar requerida para suspender o andamento do certame, com a inclusão dos autos na pauta da 47ª Sessão Virtual, para ratificação, na qual foi apresentado pedido de vista regimental pela Presidência deste Conselho (PCA nº 2928-84, Id’s nº 3635274 e nº 3654314; PCA nº 3003-26, Id’s nº 3635275 e nº 3654566; e PCA nº 3116-77, Id’s nº 3635277 e nº 3654568).

 

Informações Complementares do TJBA

Por meio de informações complementares, o Tribunal reitera as manifestações já apresentadas e pede o arquivamento dos autos (PCA nº 2928-84, Id’s nº 3658839 e 3658840; PCA nº 3003-26, Id’s nº 3658828 e 3658829; PCA nº 3116-77, Id’s nº 3658823 e 3658824).

Encaminha, ainda, pronunciamento da Desembargadora Presidente da Comissão Especial de Concurso Público, a qual destaca informação do Cebraspe, no sentido de que, por meio da fórmula utilizada, buscou-se explicitar, já no edital, a forma como seria aferida a utilização correta do idioma oficial, bem como parametrizar a penalização quanto ao uso incorreto do vernáculo pela taxa de erros cometidos e não apenas pelo número absoluto de erros.

Afirma, assim, que “a quantidade de erros cometidos fica ponderada pelo total de linhas escritas, o que permite a seguinte constatação: se dois candidatos têm a mesma nota de conteúdo e, no desenvolvimento dos seus textos, cometeram o mesmo número de erros de português, mas um deles escreveu menos que o outro, aquele que escreveu mais – e, portanto, desenvolveu melhor o tema – será menos penalizado pelos erros de português cometidos que o outro”.

Assevera que a sistemática de aferição manteve a penalização pela taxa de erros cometidos, que passou a ser limitada a 20% da nota obtida, com a retificação inserida pelo Edital nº 09/2019, o qual não teria sido impugnado pelos candidatos.

Aduz que ”o acolhimento do pedido nos moldes formulados pelos impugnantes, qual seja – o afastamento da fórmula questionada, limitando-se os descontos dos erros de português a 0,10 por questão (...) seria o mesmo que se lançar ao oblívio o regramento contido nos artigos 48 e 49 da Resolução nº 75/2009 do CNJ”.

Acrescenta que considerar os erros gramaticais como inseridos nos aspectos de estruturas textuais consistiria em violação ao edital, o qual estabeleceu que “a apresentação textual, a estrutura textual e o desenvolvimento do tema comporão a nota relativa ao domínio do conteúdo (NC), ao passo que o domínio da modalidade escrita, que considerará aspectos de natureza gramatical, como ortografia, morfossintaxe, propriedade vocabular e pontuação, comporão item diverso (NE)”.

 

Memoriais

No PCA nº 3116-77 (Id nº 3649415), os requerentes apresentam memoriais e, considerando o voto divergente lançado pelo Conselheiro André Godinho por ocasião da 47ª Sessão Virtual, no sentido de que a pretensão estaria preclusa (nos termos do art. 4º, parágrafo único, da Resolução CNJ nº 81/2009), aduzem que a fórmula utilizada para a correção do português foi impugnada por vários candidatos, no prazo previsto no edital (item 18.1).

Acrescentam que as respostas aos questionamentos foram divulgadas em 11/01/2019, mesma data em que foi publicada a alteração da fórmula por meio do Edital nº 09/2019, sem que fosse concedido prazo para a impugnação da nova expressão matemática. Assim, não haveria preclusão da matéria.

Sustentam que formula retificada é flagrantemente ilegal “porque implica em descontar uma pontuação maior justamente do candidato que obteve maior nota de conhecimento, o que fere, indubitavelmente, os princípios da isonomia, da proporcionalidade e da razoabilidade”. Assim, entendem que mesmo que houvesse preclusão, seria possível o controle de legalidade por parte do CNJ.

Destacam que nos autos do PCA nº 0010056-92.2018.2.00.0000, o CNJ, por decisão unânime, reconheceu a nulidade de fórmula adotada pelo Cebraspe no concurso do Estado do Ceará. Ressalta que, apesar de o referido procedimento ter sido instaurado somente após a divulgação das notas das provas discursivas, este Conselho não entendeu pela ocorrência de preclusão.

 

Ratificação de liminar

A liminar concedida foi ratificada pelo Plenário na 48ª Sessão Virtual (PCA nº 2928-84, Id nº 3669386; PCA nº 3003-26, Id nº 3669382; e PCA nº 3116-77, Id nº 3669385).


Manifestação do TJBA

Em 18/06/2019, o Tribunal dá ciência da ratificação da medida cautelar e requer a inclusão dos procedimentos na pauta da 293ª Sessão Ordinária, prevista para o dia 25/06/2019, para julgamento (PCA nº 2928-84, Id nº 3669602; PCA nº 3003-26, Id nº 3669596; e PCA nº 3116-77, Id nº 3669600).


Manifestação dos requerentes

Após intimação para se manifestar quanto às informações do Tribunal, o requerente do PCA nº 2928-84 afirma que a fórmula adotada “viola frontalmente a proporcionalidade, dando o mesmo desconto de pontos para quem comete erros diversos”. Junta, ainda, peça processual referente a processo judicial, sem correlação com a matéria debatida (Id nº 3673138).

No PCA nº 3003-26, os candidatos expõem que “não se está adentrando no mérito administrativo, mas sanando a ilegalidade existente no referido ato, preservando-se a idoneidade e legitimidade do concurso”. Reiteram as alegações da petição inicial e questionam a correção de erro alegadamente cometido na prova escrita (Id nº 3680751).

Por fim, os requerentes do PCA nº 3116-77 reafirmam os argumentos apresentados e destacam que a improcedência do pedido poderá “prejudicar demasiadamente o andamento do concurso, visto que, diante da flagrante ilegalidade da fórmula, é muito provável a judicialização do feito por diversos candidatos” (Id nº 3682222).

É o relatório.

 


Conselho Nacional de Justiça


Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002928-84.2019.2.00.0000
Requerente: CARLOS EDUARDO DA SILVA CAMILLO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA




VOTO 

 

 

Nos procedimentos em tela, candidatos do Concurso Público para o Cargo de Juiz de Direito Substituto do Estado da Bahia (Edital nº 1/2018) questionam a correção do uso do vernáculo nas provas discursiva e de sentença do referido certame.

Alegam, em síntese: i) ilegalidade da fórmula matemática empregada na aferição de erros gramaticais; ii) falta de indicação precisa dos equívocos no espelho de correção; iii) existência de bis in idem na correção, considerando a possibilidade de descontos de 0,1 pela apresentação e estrutura textual, além da incidência da expressão matemática na correção de aspectos microestruturais; iv) rigor extremo na correção dos erros gramaticais; e v) ausência de indicação, no edital, dos nomes dos profissionais responsáveis pela correção gramatical.

Preliminarmente, a análise dos autos permite concluir que os procedimentos não tratam de situações eminentemente individuais, mas versam sobre a legalidade de fase de concurso público para a magistratura, havendo repercussão geral apta a ensejar a atuação desse Conselho.

Desse modo, passo a análise do mérito.

 

 

DA ILEGALIDADE DA FÓRMULA MATEMÁTICA PREVISTA NOS ITENS 9.8.2.2 E 9.8.3.1 DO EDITAL Nº 01/2018

 

Os requerentes informam que na aferição do correto emprego da Língua Portuguesa nas provas escritas, a banca examinadora utilizou fórmula matemática ilegal, que puniria mais severamente os candidatos que erraram menos, beneficiando os candidatos que erraram mais.

Verifica-se que o Edital nº 01/2018, que promoveu a abertura do certame em comento, disciplinou a correção das avaliações da segunda etapa, nos seguintes termos (Id nº 3625966, PCA nº 3116-77):

 

“9.8 DOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DAS PROVAS ESCRITAS (P2 E P3)

9.8.1 As provas escritas têm o objetivo de avaliar o conteúdo – conhecimento do tema, a capacidade de expressão na modalidade escrita e o uso das normas do registro formal culto da Língua Portuguesa. O candidato deverá produzir os textos primando pela coerência e pela coesão.

9.8.2 A primeira prova escrita (P2) será do tipo discursiva e compreenderá quatro questões, de até 30 linhas cada, sobre quaisquer dos pontos do programa das disciplinas do concurso constantes no Anexo I deste edital.

9.8.2.1 (...)

9.8.2.2 Cada uma das quatro questões da primeira prova escrita (P2) valerá 2,50 pontos, totalizando 10,00 pontos, e será avaliada conforme os critérios a seguir:

a) a apresentação textual, a estrutura textual e o desenvolvimento do tema comporão a nota relativa ao domínio do conteúdo (NCi), cuja pontuação máxima será limitada ao valor de 2,50 pontos, em que i= 1, 2, 3 e 4; b) a avaliação do domínio da modalidade escrita totalizará o número de erros (NEi) do candidato, considerando-se aspectos de natureza gramatical, tais como ortografia, morfossintaxe, propriedade vocabular e pontuação;

c) será desconsiderado, para efeito de avaliação, qualquer fragmento de texto que for escrito fora do local apropriado ou ultrapassar o número máximo de linhas estabelecido;

d) será calculada, então, a nota em cada questão (NQi) pela fórmula NQi = NCi - 2 × Ei ÷ TLi, em que TLi corresponde ao número de linhas efetivamente escritas pelo candidato na resposta à questão proposta;

e) será atribuída nota zero ao texto que obtiver NQi inferior a zero;

f) a nota final na prova escrita discursiva P2 (NFPE2) será calculada por meio da seguinte fórmula: NFPE1 = NQ1 + NQ2 + NQ3 + NQ4;

g) será eliminado o candidato que obtiver NFPE1 < 6,00 pontos


 (...).


 9.8.3 A segunda prova escrita (P3), que ocorrerá em dois dias sucessivos, consistirá na elaboração de duas sentenças, uma de natureza cível e outra de natureza criminal, de até 120 linhas cada, sobre temas jurídicos constantes do programa do concurso constantes no Anexo I deste edital.

9.8.3.1 Cada uma das duas sentenças da segunda prova escrita (P3) valerá 10,00 pontos e a nota nessa segunda prova escrita corresponderá à média aritmética das notas obtidas em cada sentença. Cada sentença será avaliada conforme os critérios a seguir:

a) a apresentação e a estrutura textuais e o desenvolvimento do tema comporão a nota relativa ao domínio do conteúdo (NCi);

b) a avaliação do domínio da modalidade escrita totalizará o número de erros (NEi) do candidato, considerando-se aspectos tais como: ortografia, morfossintaxe, propriedade vocabular e pontuação;

c) será desconsiderado, para efeito de avaliação, qualquer fragmento de texto que for escrito fora do local apropriado ou ultrapassar o número máximo de linhas estabelecido;

d) será calculada, então, a nota em cada sentença (NSi), por meio da seguinte fórmula: NSi = NCi – 2 × NEi ÷ TLi, em que em que TLi corresponde ao número de linhas efetivamente escritas pelo candidato e i = 1 (sentença civil) e 2 (sentença criminal);

e) será atribuída nota zero ao texto que obtiver NSi inferior a zero;

f) será eliminado o candidato que obtiver NSi < 6,00 pontos;

g) a nota final na prova escrita prática de sentença P3 (NPE3) será calculada por meio da seguinte fórmula: NFPE2 = (NS1+ NS2)/2.

9.8.4 A nota final de cada prova escrita variará de 0,00 a 10,00 pontos”.

 

 Após impugnações apresentadas pelos candidatos – e considerando que a referida fórmula era idêntica àquela que foi considerada ilegal pelo CNJ nos autos do PCA nº 0009868-02.2018.2.00.0000 –, o critério de correção foi alterado, por meio da retificação promovida pelo Edital nº 9/2019 (Id nº 3625968, PCA nº 3116-77):

 

 “1 DA RETIFICAÇÃO DO SUBITEM 17.2 DO EDITAL Nº 1 – TJ/BA, DE 26 DE SETEMBRO DE 2018

9.8.2.2 [...]

d) será calculada, então, a nota em cada questão (NQi) pela fórmula NQi = NCi - 2 × NEi ÷ TLi, em que TLi corresponde ao número de linhas efetivamente escritas pelo candidato na resposta à questão proposta;

e) se 2 × NEi ÷ TLi > 0,2 × NCi, será considerado, para o cálculo de NQi, 2 × NEi ÷ TLi = 0,2 × NCi.

f) será atribuída nota zero ao texto que obtiver NQi inferior a zero;

g) a nota final na prova escrita discursiva P2 (NFPE2) será calculada por meio da seguinte fórmula:

NFPE1 = NQ1 + NQ2 + NQ3 + NQ4;

h) será eliminado o candidato que obtiver NFPE1 < 6,00 pontos.

[...]

9.8.3.1 [...]

d) será calculada, então, a nota em cada sentença (NSi), por meio da seguinte fórmula: NSi = NCi – 2 × NEi ÷ TLi, em que em que TLi corresponde ao número de linhas efetivamente escritas pelo candidato e i = 1 (sentença civil) e 2 (sentença criminal);

e) se 2 × NEi ÷ TLi > 0,2 × NCi, será considerado, para o cálculo de NSi, 2 × NEi ÷ TLi = 0,2 × NCi.

f) será atribuída nota zero ao texto que obtiver NSi inferior a zero;

g) será eliminado o candidato que obtiver NSi < 6,00 pontos;

h) a nota final na prova escrita prática de sentença P3 (NPE3) será calculada por meio da seguinte fórmula: NFPE2 = (NS1 + NS2)/2”.

 

 Desse modo, após a alteração, o edital estabeleceu que a pontuação final da questão é obtida por meio da seguinte operação: a nota do domínio do conteúdo menos o valor decorrente dos equívocos gramaticais. Por sua vez, esse valor referente aos erros de português seria o que se mostrasse menor, a partir do uso de duas expressões matemáticas: 1) duas vezes o número de erros dividido pelo número de linhas escritas (que se denominará aqui como “fórmula 1”); e 2) 20% da nota do domínio do conteúdo atribuída ao candidato (que se denominará aqui como “fórmula 2”);

Em outras palavras, a expressão matemática utilizada subdivide-se em duas e aquela que apresentar menor desconto, será utilizada para aferir a nota final da questão.

Como destacado por ocasião da análise da liminar, conclui-se pela improcedência das alegações apresentadas pelo requerente do PCA nº 0002928-84.2019.2.00.0000 no sentido de que a fórmula acarretaria decote ilimitado da pontuação.

Constata-se, ainda, que não foi aplicada exatamente a mesma expressão matemática tratada no PCA nº 0009868-02.2018.2.00.0000 (julgado em conjunto com os PCA’s nº 0010023-05.2018.2.00.0000, nº 0010055-10.2018.2.00.0000, nº 0010056-92.2018.2.00.0000 e nº 0010220-57.2018.2.00.0000), que foi considerada ilegal e draconiana pelo CNJ, por permitir descontos irrestritos em virtude de erros no uso do vernáculo. Isso porque a incidência da “fórmula 2” limitaria o decote de pontos devido a equívocos de português.

Nada obstante, a análise dos autos conduz à conclusão de o critério de correção adotado no concurso do TJBA está igualmente eivado de ilegalidade.

Com feito, em vez de desconsiderar a fórmula declarada ilegal por este Conselho, a banca deliberou por adaptá-la, culminando, todavia, na aplicação de duas expressões matemáticas distintas aos candidatos – a depender da nota do domínio do conteúdo, da quantidade de erros e do total de linhas escritas.

Verifica-se, inclusive, a possibilidade da incidência de fórmulas diversas inclusive em casos de candidatos que tenham a mesma taxa de erros – ou seja, mesma quantidade de erros/linha.

A título de exemplo, três candidatos que tenham incorrido em 5 erros, em 30 linhas, mas que tenham obtido notas distintas, teriam a aplicação de fórmulas distintas, resultando, consequentemente, em descontos diferentes:

 

 

CANDIDATO

A

B

C

NOTA CONTEÚDO (NCi)

2,5

2,0

1,5

ERROS (NEi)

5

5

5

LINHAS (TLi)

30

30

30

FÓRMULA 1

(2 x NEi/TLi)

2 x 5/30 = 0,33

2 x 5/30 = 0,33

2 x 5/30 = 0,33

FÓRMULA 2

(0,2 x NCi)

0,2 x 2,5 = 0,5

0,2 x 2,0 = 0,4

0,2 x 1,5 = 0,3

FÓRMULA APLICADA

Fórmula 1

Fórmula 1

Fórmula 2

DESCONTO APLICADO

0,33

0,33

0,3

NOTA FINAL (NQi)

2,17

1,67

1,2


 Tal situação, por si só, demonstra violação ao princípio da isonomia, o qual, além de pautar toda a atuação administrativa, recebe especial destaque no que diz respeito às seleções para ingresso nos quadros da Administração, por se tratar de preceito que justifica a própria existência dos concursos públicos. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello preceitua que:

 

“Os concursos públicos devem dispensar tratamento impessoal e igualitário aos interessados. Sem isto ficariam fraudadas suas finalidades. Logo, são inválidas disposições capazes de desvirtuar a objetividade ou o controle destes certames”[1].

 Observa-se, outrossim, que o intuito da banca examinadora, ao retificar o critério de correção inicial, foi limitar em até 20% os descontos por erro de português.

Não obstante, a segunda fórmula inserida (“0,2 × NCi”) incide sobre a nota do domínio do conteúdo obtida pelo candidato. Desse modo, quanto maior a nota do candidato relativa ao conteúdo jurídico, maior o decote que será efetuado, ainda que a quantidade de erros seja a mesma.

Pode-se considerar três candidatos, com notas pelo domínio de conteúdo igual a 2,5; 2,0; e 1,5 e que efetuaram 10 erros em 30 linhas. Em todos os casos haveria a incidência da “fórmula 2”, resultando no desconto de 0,5; 0,4; e 0,3 ponto, respectivamente.

 

CANDIDATO

D

E

F

NOTA CONTEÚDO (NCi)

2,5

2,0

1,5

ERROS (NEi)

10

10

10

LINHAS (TLi)

30

30

30

FÓRMULA 1

(2 x NEi/TLi)

2 x 10/30 = 0,67

2 x 10/30 = 0,67

2 x 10/30 = 0,67

FÓRMULA 2

(0,2 x NCi)

0,2 x 2,5 = 0,5

0,2 x 2,0 = 0,4

0,2 x 1,5 = 0,3

FÓRMULA APLICADA

Fórmula 2

Fórmula 2

Fórmula 2

DESCONTO APLICADO

0,5

0,4

0,3

NOTA FINAL (NQi)

2,0

1,6

1,2


 Cumpre destacar que nas informações complementares, o TJBA afirma que “a quantidade de erros cometidos fica ponderada pelo total de linhas escritas, o que permite a seguinte constatação: se dois candidatos têm a mesma nota de conteúdo e, no desenvolvimento dos seus textos, cometeram o mesmo número de erros de português, mas um deles escreveu menos que o outro, aquele que escreveu mais – e, portanto, desenvolveu melhor o tema – será menos penalizado pelos erros de português cometidos que o outro” (PCA nº 3116-77, Id nº 3658823).

Em que pese o alegado intuito de “penalizar menos” o candidato que “desenvolveu melhor o tema”, conclui-se que, em verdade, a fórmula matemática resultou em efeito oposto: quanto melhor o desempenho do candidato no que se refere ao conteúdo jurídico da prova, maior o desconto que incide sobre a nota, ainda que tenha incorrido na mesma taxa de erros (ou seja, quantidade de erros/linha).

Desse modo, a incidência da expressão matemática trazida pelo Edital nº 09/2019, ao punir mais severamente candidatos com maior domínio do conteúdo, viola também o princípio da proporcionalidade e contraria a própria essência do concurso público, que é o de selecionar os candidatos mais bem preparados.

Quanto ao ponto, cumpre destacar a seguinte lição de José dos Santos Carvalho Filho: 

“O concurso público é o instrumento que melhor representa o sistema do mérito, porque traduz um certame de que todos podem participar nas mesmas condições, permitindo que sejam escolhidos realmente os melhores candidatos.

Baseia-se o concurso em três postulados fundamentais. O primeiro é o princípio da igualdade, pelo qual se permite que todos os interessados em ingressar no serviço público disputem a vaga em condições idênticas para todos. Depois, o princípio da moralidade administrativa, indicativo de que o concurso veda favorecimentos e perseguições pessoais, bem como situações de nepotismo, em ordem a demonstrar que o real escopo da Administração é o de selecionar os melhores candidatos. Por fim, o princípio da competição, que significa que os candidatos participam de um certame, procurando alçar-se a classificação que os coloque em condições de ingressar no serviço público” [2].

 

A fim de impugnar as alegações no sentido da desproporcionalidade resultante da expressão matemática, o Cebraspe apresentou a seguinte tabela, que distribui o número de candidatos pela quantidade de erros cometidos (agrupados de 3 em 3) e pela fórmula que foi adotada (Id nº 3633017, PCA nº 3003-26):

 

Resultado da equação

2 × NEi ÷

TLi > 0,2 x 

 

agrupamento dos erros de português

 

0 erros

1 a 3

4 a 7

8 a 11

12 a 15

16 a 19

20 a 23

24 a 27

28 a 31

32 a 50

Total

> 0,2 de Nci

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

1

Questão 1

-

6

65

82

58

25

19

6

7

2

270

2

Questão 2

-

2

60

81

31

14

3

2

1

1

195

3

Questão 3

-

3

46

74

44

13

9

1

1

1

192

4

Questão 4

-

16

80

74

39

15

8

2

-

1

235

< 0,2 de Nci

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

5

Questão 1

8

94

45

-

-

-

-

-

-

-

147

6

Questão 2

14

124

84

-

-

-

-

-

-

-

222

7

Questão 3

11

124

90

-

-

-

-

-

-

-

225

8

Questão 4

16

118

47

-

-

-

-

-

-

-

181


 A partir dos dados, a empresa organizadora defende que não haveria irregularidade, pois candidatos em todas as faixas de erros foram afetados pela “fórmula 2”. Ademais, destaca que haveria candidatos nas faixas de erros iniciais – e que portanto, “erraram menos” –, que se submeteram à primeira fórmula, e “não foram atingidos pelo ‘regressivo punitivo’”.

Todavia, como ressaltado por ocasião da análise do pedido liminar, tais informações, além de não refutarem a constatação de que o desconto resultante da aplicação da “fórmula 2” prejudica os candidatos que obtiveram nota maior quanto ao conhecimento jurídico, reforçam a incidência de fórmulas distintas – inclusive entre candidatos que estão na mesma faixa de erros.

Além disso, demonstra outra situação de desproporcionalidade: a partir de 8 erros, todos os candidatos estão submetidos a aplicação da segunda fórmula, que prevê o desconto de 20% da nota obtida pelo candidato. Nisso resulta que candidatos com a mesma nota no domínio do conteúdo terão o mesmo desconto, independente de terem incorrido em 8 ou em 100 erros.

Importante frisar que a limitação de descontos por erros no uso do vernáculo pode implicar que, a partir de certa quantidade de equívocos, incidirá o mesmo decote de pontos. Todavia, não se mostra razoável promover o mesmo desconto para todos os candidatos que apresentem mais de 7 erros.

Impende frisar que apesar de Conselho Nacional de Justiça entender que não lhe compete, como regra, analisar os critérios de correção de provas em concurso público, reconhece a possibilidade excepcional de controle, por parte deste órgão, em casos de ilegalidade inconteste, tal como ocorre no caso em comento. Nesse sentido:

 

“PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MAGISTRATURA DO ESTADO DO PARÁ. PEDIDO DE CORREÇÃO DAS NOTAS ATRIBUÍDAS AOS REQUERENTES, BEM COMO OS SEUS RESPECTIVOS REPOSICIONAMENTOS NO CONCURSO E CONTINUIDADE NO CERTAME. IMPOSSIBILIDADE DE CORREÇÃO DAS PROVAS POR ESTE CONSELHO. AUTONOMIA DA BANCA EXAMINADORA. MATÉRIA DE INTERESSE INDIVIDUAL. PRECEDENTES DESTE CONSELHO. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.
1. Cuida-se de procedimento de controle administrativo em desfavor do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, em relação ao concurso público para o provimento de cargos de Juiz de Direito Substituto daquele Estado.
2. Os Requerentes alegam que há um descompasso entre espelho de correção traçado pela banca organizadora e a nota dos Requerentes, razão pela qual pugnam pela atribuição de novas notas, continuidade nas demais fases do concurso, bem como reclassificação.
3. Este Conselho já firmou o entendimento pela impossibilidade de adentrar no mérito de correção de provas de concurso público, ressalvadas flagrantes ilegalidades da banca examinadora, (PP - 0000416-07.2014.2.00.0000 - Rel. MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI - 183ª Sessão - j. 25/02/2014).
4. Ademais, trata-se também de questão meramente individual, que não resulta, desse modo, na atuação deste Conselho, conforme jurisprudência já consolidada.
 5. Improcedência dos pedidos.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA – Procedimento de Controle Administrativo - Conselheiro - 0000341-31.2015.2.00.0000 - Rel. ROGÉRIO NASCIMENTO - 30ª Sessão Extraordinária - j. 04/10/2016)” (destaques acrescidos).

 

*****

 

“RECURSO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA. CONCURSO PÚBLICO PARA OUTORGA DE DELEGAÇÕES DE SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. PROVA ESCRITA E PRÁTICA. CORREÇÃO. RECURSO. BANCA EXAMINADORA. REEXAME POR INSTÂNCIA SUPERIOR. RESOLUÇÃO CNJ 81. REGRAS EDITALÍCIAS. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO.

1. Procedimento de controle administrativo contra atos praticados por tribunal durante a correção de prova escrita e prática de concurso público para outorga de delegações de serventias extrajudiciais.

2. Não compete ao CNJ o reconhecimento de situações subjetivas individuais, bem como substituir-se à banca examinadora nos critérios de correção e atribuição de notas de provas, salvo em caso de erro grosseiro ou de ilegalidade, hipótese não verificada no caso em comento (Precedentes).

3. (...)

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0006542-73.2014.2.00.0000 - Rel. SAULO CASALI BAHIA - 202ª Sessão Ordináriaª Sessão - j. 03/02/2015)” (destaques acrescidos).

 

Ademais, não se verifica a existência de preclusão, que pudesse afastar o controle deste Conselho quanto à regularidade do concurso.

Primeiramente, verifica-se que a ofensa aos princípios da isonomia e da proporcionalidade só restou constatada após a aplicação da fórmula. No ponto, destaca-se, inclusive, que a situação é análoga aquela discutida nos autos do PCA nº 0009868-02.2018.2.00.0000, em que o Conselho Nacional de Justiça exerceu o controle de legalidade com relação à expressão matemática empregada no concurso do TJCE, afastando expressamente a ocorrência de preclusão.

Confira-se, a propósito, o seguinte trecho do voto do Relator do citado processo, o Conselheiro Luciano Frota, que foi acolhido por unanimidade pelo Plenário na 283ª Sessão Ordinária (ocorrida em 11/12/2018):

 “Conforme relatado, os Requerentes impugnam questões afetas à realização da segunda etapa do Concurso Público para provimento de vagas para o cargo de Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado de Ceará, regido pelo Edital n. 1/2018.

A controvérsia instaurada pode ser sintetizada em 5 (cinco) diferentes teses: 

i) adoção de fórmula matemática gravosa, desproporcional e ilegal para apuração da nota em cada uma das provas que compõem a segunda etapa do certame;

(...)

Nesse contexto, entendo que a intervenção deste Conselho é perfeitamente cabível, haja vista a flagrante ofensa aos princípios da legalidade, razoabilidade e finalidade, que causou efetivo prejuízo aos candidatos, só constatado com a aplicação concreta da fórmula, afastando terminantemente o argumento de preclusão. Esse é o entendimento que vem sendo consagrado no âmbito desta Casa: 

‘CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS. I - Competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça para controlar e supervisionar financeira, administrativa e disciplinarmente todos os órgãos do Poder Judiciário, com exceção do Supremo Tribunal Federal. Inteligência dos arts. 102, I, 'r' e 103-B, §4º, da Constituição Federal. II - CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS DOS TRIBUNAIS. Possibilidade de controle da constitucionalidade, legalidade do ato administrativo discricionário e fiel observância aos princípios e preceitos do art. 37 do texto constitucional. III - Possibilidade de controle do ato administrativo discricionário nas hipóteses de desvio de poder ou de finalidade e pela teoria dos motivos determinantes. IV - ATOS NORMATIVOS DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR QUE ALTERAROU HORÁRIO DE EXPEDIENTE DOS SERVIDORES PÚBLICOS OCUPANTES DE CARGOS DE PROVIMENTO EFETIVO. Regulamentação por atos administrativos discricionários dentro dos parâmetros fixados pela Lei nº 8.112/90. V - INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE OU ILEGALIDADE. VI – NÃO COMPROVAÇÃO DE FERIMENTO AO INTERESSE PÚBLICO OU A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. O Ministério Público Federal não apresentou provas ou meros indícios de ferimento ao princípio da eficiência pelas alterações administrativas realizadas (precedentes do CNJ, PCA 77, PCA 79, PCA 80, PCA 81, PCA 82 e PCA 83). VII - PEDIDO CONHECIDO, PORÉM INDEFERIDO. 

(...)

Em regra, será defeso ao Conselho Nacional de Justiça apreciar o mérito do ato administrativo dos demais órgãos do Poder Judiciário, cabendo-lhe unicamente examiná-lo sob fundamentos fáticos e jurídicos do ato, e o fim perseguido seja legal, concluindo que o Poder Judiciário - e na presente hipótese, podemos estender a conclusão ao Conselho Nacional de Justiça - deve exercer somente o juízo de verificação de exatidão do exercício de oportunidade perante a legalidade (Droit administratif. Paris: Presses Universitaries de France, 1973, p. 320). 

A revisão da atuação administrativa dos membros ou órgãos dos tribunais, exercida pelo Conselho Nacional de Justiça, deverá, igualmente, verificar a realidade dos fatos e também a coerência lógica da decisão discricionária com os fatos. Se ausente a coerência, a decisão estará viciada por infringência ao ordenamento jurídico e, mais especificamente, ao princípio da proibição da arbitrariedade dos poderes públicos, que impede o extravasamento dos limites razoáveis da discricionariedade, evitando que esta se converta em causa de decisões desprovidas de justificação fática e, conseqüentemente, arbitrárias, pois o exame da legalidade e moralidade, além do aspecto formal, compreende também a análise dos fatos levados em conta pela autoridade que editou o ato administrativo (RENÊ CHAPUS, Droit administratif general. 6. ed. Paris: Montchrestien, 1992, t. 1, p. 775). Em conclusão, nos atos administrativos discricionários expedidos pelo Poder Judiciário, a opção conveniente e oportuna deve ser feita constitucional, legal e moralmente pelos membros ou órgãos dos tribunais, respeitados os princípios e preceitos do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, ou seja, é na legalidade e na moralidade que a oportunidade do ato administrativo deve ser apreciada pelo Conselho Nacional de Justiça. 

(...).’ (PCA n. 74, Relator Cons. Alexandre de Moraes, 3ª Sessão Extraordinária, j. 28/3/2006) (grifei) 

 

‘RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO. EDITAL DE ABERTURA DE INSCRIÇÕES PARA SELEÇÃO DE SERVIDORES PARA ATUAREM NO CEJUSC. FUNÇÃO GRATIFICADA. IMPOSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DO CNJ NO MÉRITO ADMINISTRATIVO DE ATO PRATICADO. AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS. RECURSO CONHECIDO, PORÉM NÃO PROVIDO. 
1. Recurso Administrativo em Procedimento de Controle Administrativo (PCA) contra ato praticado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE), consubstanciado no Edital 79/2017 – SGP, que tornou pública a abertura de inscrições para seleção de servidores para atuarem como conciliadores nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) daquele Tribunal.
 

2. A atuação do Tribunal Pernambucano se insere, a toda evidência, no conceito de ato discricionário, devendo os Tribunais, nos estritos limites legais, apreciar o caso concreto, segundo os critérios de conveniência e oportunidade, cujo binômio corresponde ao mérito administrativo. 

3. Consoante entendimento pacífico deste Conselho, de ordinário não é dado ao CNJ estabelecer ou revisar atos decorrentes da administração dos Tribunais, sobretudo quando tais atos se fundamentarem em discricionariedade conferida por texto constitucional ou legal, caso em que sua atuação se restringe à verificação da legalidade e regularidade jurídica dos atos da administração judiciária. 

4. A escolha de servidores para o exercício da função gratificada de conciliador nos CEJUSCs do TJPE se encontra em conformidade com a legislação aplicável e com os princípios que regem a atuação da Administração Pública. 

5. Inexistência de fato novo ou de elementos capazes de infirmar os fundamentos que lastreiam a decisão impugnada. 

6. Recurso conhecido, ao qual porém se nega provimento.’ (PCA n. 0006107-94.2017.2.00.0000, Relator Cons. Márcio Schiefler Fontes, 273ª Sessão Ordinária, j. 5.6.2018) (grifei)

De todo o exposto, concluo pela ilegalidade e irrazoabilidade da fórmula prevista nos subitens 9.8.2.2, “d” e 9.8.3.1, “d”, do Edital n. 1/2018, utilizada para o cálculo de cada questão da prova P2 e de cada sentença da prova P3, que impõe a redução ilimitada de escores de conteúdo jurídico em razão de erros de ortografia, morfossintaxe e propriedade vocabular, razão pela qual reconheço sua nulidade” (destaques acrescidos).

 

Ademais, como ressaltado pelo Conselheiro Márcio Schiefler, por ocasião da análise da medida liminar, eventual preclusão não pode obstar a regular atuação do CNJ, quando há fortes elementos a evidenciar ilegalidade da fórmula adotada, sob pena de se negar vigência dispositivos constitucionais que regulam as funções deste Conselho.

Considerando, portanto, a possibilidade de atuação deste Conselho e a existência de grave ilegalidade na fórmula adotada no certame, impõe-se a procedência do pedido, no ponto, com o reconhecimento da nulidade da expressão matemática questionada.

Como decorrência da segurança jurídica, mostra-se aconselhável a manutenção das provas já realizadas, desconsiderando-se os descontos decorrentes da fórmula nula.

Entendo recomendável, no caso, a correção das provas adotando os mesmos parâmetros propostos pelo CNJ nos autos do PCA nº 0009868-02.2018.2.00.0000, quais sejam:

 

“Uma vez nulificada a fórmula, vislumbro ser possível a manutenção das notas alcançadas na prova escrita P2 – discursiva,  em razão da avaliação do conteúdo jurídico sem desequilibrar o tripé de avaliação previsto na Resolução CNJ n. 75, até porque não se dissocia da compreensão jurídica a avaliação acerca do correto uso do idioma oficial e da capacidade de exposição, como, a rigor, sempre ocorreu nos concursos para ingresso na Magistratura, realizados pelo Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos – CEBRASPE [Tribunal de Justiça dos Estados do Amazonas, Paraíba, Maranhão, Bahia, Pará, Ceará (em 2011), Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Acre, Piauí] ou não. 

A solução preserva as notas anteriormente divulgadas e já submetidas ao crivo recursal e repara o prejuízo sofrido pelos candidatos que tiveram sua pontuação ilegal, injusta e ilimitadamente descontada pela fórmula draconiana inserida no Edital do Concurso cearense. 

Dessa forma, a nota de cada questão discursiva (NQ) será aquela relativa ao domínio de conteúdo (NC), apurada antes dos descontos promovidos pela aplicação da fórmula, eventualmente majorada em razão do deferimento de recursos. 

A propósito, na correção da prova escrita P3 (prova de sentença), a Comissão Examinadora deverá ater-se aos termos do item 9.8.1 do Edital, aferindo o conteúdo considerando todos os seus componentes: o conhecimento do tema, a capacidade de expressão na modalidade escrita e o uso das normas do registro formal culto da Língua Portuguesa”. 

 

Desse modo, as notas das questões discursivas (P2) devem ser aquelas relativas ao domínio de conteúdo (NC), conferida antes dos descontos decorrentes da fórmula, considerando-se eventualmente majoração decorrente de recursos dos candidatos.

Na correção das provas de sentença (P3), por sua vez, a Comissão Examinadora deve se abster de utilizar a expressão matemática reputada ilegal e avaliar o conteúdo considerando todos os itens descritos no item 9.8.1 do Edital nº 01/2018 (e no art. 48, parágrafo único, da Resolução CNJ nº 75/2009) – quais sejam, o conhecimento do tema, a capacidade de expressão na modalidade escrita e o uso das normas do registro formal culto da Língua Portuguesa.

 

 

DA FALTA DE INDICAÇÃO PRECISA DOS ERROS NO ESPELHO DE CORREÇÃO

 

O requerente do PCA nº 2928-84 sustenta, também, que haveria irregularidade na correção das provas, considerando a ausência de indicação precisa dos equívocos gramaticais no espelho de correção.

Não obstante, entendo que a referida alegação não merece prosperar.

Quanto ao ponto, o TJBA noticiou que o espelho provisório discrimina de forma clara e específica os erros cometidos, acrescentando que “resta clara a divisão de marcação de erros em ortografia, morfossintaxe e propriedade vocabular por linha específica é informação suficiente para interposição de recurso”.

No mesmo sentido, o próprio requerente destaca que a banca examinadora apontou a linha de cada erro, bem como sua classificação gramatical (ortografia, morfossintaxe e propriedade vocabular).

Outrossim, verifica-se que este Conselho tem decisões reconhecendo a desnecessidade de divulgação dos critérios de correção da prova subjetiva, ou mesmo do espelho de correção da prova:

 

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO. DIVULGAÇÃO DE CRITÉRIOS PARA CORREÇÃO DE PROVAS. DESNECESSIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Trata-se de Recurso Administrativo em sede de Procedimento de Controle Administrativo interposto contra decisão monocrática que julgou improcedente pedido de divulgação de critérios para correção de provas de sentença em concurso para magistratura federal.

2. O Conselho Nacional de Justiça já se manifestou pela desnecessidade de divulgação dos critérios de correção da prova subjetiva, ou mesmo do espelho de correção da prova, como pretende o recorrente, por via transversa. Precedentes do STF e STJ. Recurso Administrativo que se conhece, e a que se nega provimento.

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0007693-45.2012.2.00.0000 - Rel. NEY JOSÉ DE FREITAS - 173ª Sessão Ordinária - j. 06/08/2013)” (destaques acrescidos)..

 

 

*****

 

“RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONCURSO PÚBLICO PARA JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO DO TRF DA 3ª REGIÃO. PROVA SUBJETIVA. DETALHAMENTO DA CORREÇÃO. DESNECESSIDADE. OBSERVÂNCIA DOS PARÂMTEROS ESTABELECIDOS NA RESOLUÇÃO Nº 75 DO CNJ. AUSÊNCIA DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PERANTE A BANCA EXAMINADORA. - A pretensão do candidato é de que se explique, detalhadamente, porque o mesmo não obteve a nota máxima em cada questão da prova discursiva. Ora, nem mesmo no ensino fundamental ou na graduação se pode exigir tal conduta daquele que corrige a prova, pensar de forma diversa seria impor que o corretor explique que um erro gráfico foi descontado, uma vírgula foi mal colocada, que determinado artigo foi ignorado, ou mesmo que a fundamentação exposta tenha atingido fração “x” do que considera como resposta correta. - Caberia ao candidato, nesse ponto, expor por meio recursal sua insatisfação com a correção que fora realizada, demonstrando que as respostas por ele utilizadas merecem valoração maior do que a conferida pela banca examinadora. - Percebe-se, da exposição dos fatos feita pelo Tribunal requerido, que não houve falta de motivação por parte da administração que realizou o concurso público. Pelo contrário, pode-se dizer que o TRF da 3ª Região agiu da forma mais transparente possível, visto ter adotado critérios objetivos e pré-estabelecidos no edital – conhecimento sobre o tema, raciocínio lógico, vinculação ao tema proposto, utilização correta do idioma oficial, capacidade de exposição –, em conformidade com o que dispõe o art. 48 da Resolução n.º 75/2009, do CNJ. - O Conselho Nacional de Justiça, já se manifestou pela desnecessidade de divulgação dos critérios de correção da prova subjetiva, ou mesmo do espelho de correção da prova, como pretende o recorrente, por via transversa. Precedentes do STF e STJ. – (...) (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0006218-25.2010.2.00.0000 - Rel. JEFFERSON LUIS KRAVCHYCHYN - 115ª Sessão - j. 19/10/2010)” (destaques acrescidos).

 

OUTRAS IRREGULARIDADES ALEGADAS PELOS CANDIDATOS

 

Constata-se que os requerentes alegam, ainda, a existência de outras irregularidades, concernentes à correção do uso do vernáculo nas provas escritas, quais sejam: i) existência de bis in idem na correção, considerando a possibilidade de descontos de 0,1 pela apresentação e estrutura textual, além da incidência da expressão matemática na correção de aspectos microestruturais; ii) rigor extremo na correção dos erros gramaticais; e iii) ausência de indicação, no edital, dos nomes dos profissionais responsáveis pela correção gramatical.

Contudo, entendo que os referidos argumentos ficam prejudicados com o reconhecimento da nulidade da fórmula, e a consequente desconsideração dos descontos decorrentes da correção dos erros gramaticais.

 

 

DISPOSITIVO

 

 

Por essas razões, julgo procedente os pedidos apresentados nos Procedimentos de Controle Administrativo nº 0002928-84.2019.2.00.0000, 0003003-26.2019.2.00.0000 e 0003116-77.2019.2.00.0000, para reconhecer a nulidade da fórmula prevista nos subitens 9.8.2.2, “d” e “e”, e 9.8.3.1, “d” e “e”, do Edital nº 01/2018, alterado pelo Edital nº 09/2019, determinando ao Tribunal requerido que:

i) recalcule a pontuação dos candidatos que participaram da segunda etapa do certame, de modo que a nota de cada uma das questões da prova discursiva (P2) será aquela relativa ao domínio de conteúdo, apurada antes dos descontos decorrentes da aplicação da fórmula e eventualmente majorada em razão do deferimento de recursos;

ii) reclassifique os candidatos habilitados na prova escrita P2 (discursiva) e corrija a prova escrita P3 (prova de sentença), com base nos critérios estabelecidos no item 9.8.1 do Edital nº 01/2018; 

iii) promova a divulgação do resultado final na prova escrita P2 (discursiva) e dê seguimento às etapas subsequentes do concurso, nos termos estabelecidos no instrumento convocatório.

É o voto.

 

 

Conselheira IRACEMA VALE

Relatora

 

 

 

 



[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 26ª ed., São Paulo: Melheiros, 2008.

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 23ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.



VOTO DIVERGENTE

 

Adoto, na íntegra, o bem lançado relatório firmado pela eminente Conselheira Relatora.

Todavia, uma vez mais, tal qual registrado quando do julgamento da ratificação da liminar anteriormente deferida nestes autos, peço vênia a sua Excelência para, divergindo do encaminhamento proposto, votar no sentido da improcedência dos pedidos formulados.  

Mesmo tendo ficado vencido naquela oportunidade, reafirmo o entendimento de que a alteração da norma originalmente prevista no edital, e não impugnada em momento oportuno pelas partes, afronta o posicionamento sedimentado neste Conselho Nacional no que diz respeito ao prazo para impugnação das normas balizadoras dos concursos públicos.

A própria relatora afirma expressamente que “após impugnações apresentadas pelos candidatos – e considerando que a referida fórmula era idêntica àquela que foi considerada ilegal pelo CNJ nos autos do PCA nº 0009868-02.2018.2.00.0000 –, o critério de correção foi alterado, por meio da retificação promovida pelo Edital nº 9/2019”. E contra as novas regras, de modo mais específico no que diz respeito aos critérios de correção da prova escrita estabelecidos nos itens 9.8.2.2 e 9.8.3.1 do Edital nº 9, de 10 de janeiro de 2019, não houve nenhuma impugnação no momento oportuno, vindo os Requerentes buscar a atuação deste Conselho Nacional, tão-somente após a divulgação das notas provisórias obtidas nas provas discursivas, pretender tratamento diferenciado em detrimento dos demais participantes do certame. 

Como cediço, o edital, nos concursos públicos, é elaborado para todo e qualquer interessado em participar do certame, tornando, desde o momento de sua publicação, explícitas as normas que norteiam o relacionamento entre a Administração e os candidatos.

Este Conselho Nacional por diversas vezes já ratificou o entendimento de que, nos termos do art. 4º, parágrafo único da Resolução n. 81/2009, o Edital somente poderá ser impugnado no prazo de 15 (quinze) dias de sua primeira publicação, sob pena de preclusão. Nesse sentido, dentre outros, os seguintes precedentes: PP 0010154-77.2018, Rel. Humberto Martins, 290ª sessão, j. 7/05/2019, PCA 0001111-87.2016, Rel. Carlos Levenhagen, 18ª Sessão Virtual, j. 30/08/2016, PCA 0003750-44.2017, Rel. Bruno Ronchetti, 25ª Sessão Virtual, j. 15/09/2017.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal tem posicionamento consolidado no sentido de que afronta os princípios da segurança jurídica e supremacia do interesse público sobre o privado, bem como o dever de boa-fé, permitir aos candidatos eventual manipulação das regras do certame, escolhendo o momento que lhe for mais favorável para questionar as normas dispostas e que são aplicadas a todos de forma igualitária. A vinculação ao instrumento convocatório é regra que se impõe a todos os candidatos, senão vejamos:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CONCURSO PARA A MAGISTRATURA DO ESTADO DO PIAUÍ. CRITÉRIOS DE CONVOCAÇÃO PARA AS PROVAS ORAIS. ALTERAÇÃO DO EDITAL NO CURSO DO PROCESSO DE SELEÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. O Conselho Nacional de Justiça tem legitimidade para fiscalizar, inclusive de ofício, os atos administrativos praticados por órgãos do Poder Judiciário (MS 26.163, rel. min. Carmem Lúcia, DJe 04.09.2008). 2. Após a publicação do edital e no curso do certame, só se admite a alteração das regras do concurso se houver modificação na legislação que disciplina a respectiva carreira. Precedentes. (RE 318.106, rel. min. Ellen Gracie, DJ 18.11.2005). 3. No caso, a alteração das regras do concurso teria sido motivada por suposta ambiguidade de norma do edital acerca de critérios de classificação para a prova oral. Ficou evidenciado, contudo, que o critério de escolha dos candidatos que deveriam ser convocados para as provas orais do concurso para a magistratura do Estado do Piauí já estava claramente delimitado quando da publicação do Edital nº 1/2007. 4. A pretensão de alteração das regras do edital é medida que afronta o princípio da moralidade e da impessoalidade, pois não se pode permitir que haja, no curso de determinado processo de seleção, ainda que de forma velada, escolha direcionada dos candidatos habilitados às provas orais, especialmente quando já concluída a fase das provas escritas subjetivas e divulgadas as notas provisórias de todos os candidatos. 5. Ordem denegada. (MS 27160, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2008, DJe-043 DIVULG 05-03-2009 PUBLIC 06-03-2009 EMENT VOL-02351-02 PP-00285 RSJADV maio, 2009, p. 41-46 – sem grifos no original)  

 

Uma vez mais cumpre assinalar que, em atenção ao princípio da impessoalidade, norte para o presente caso, e nos termos do precedente acima, neste momento do certame promovido pelo TJBA, quando já divulgadas as notas provisórias da provas escritas, eventual alteração nas fórmulas e nova correção das provas já aplicadas, com a atribuição de novas notas, poderá ensejar o favorecimento e o prejuízo de concorrentes perfeitamente identificáveis. Tão situação, por si só, reforça a extemporaneidade da medida pleiteada pelos requerentes, sendo forçoso concluir pela preclusão da matéria e, consequentemente, pelo não conhecimento dos presentes procedimentos de controle administrativo.

Ante o exposto, pedindo respeitosas vênias à Relatora, VOTO no sentido da improcedência dos pedidos, determinando o arquivamento dos presentes procedimentos de controle administrativo, permitindo, desde logo, a continuidade do concurso nos termos e prazos dispostos no Edital, com a divulgação do resultado definitivo das provas discursivas.

 

Conselheiro André Godinho

 

 

Brasília, 2019-09-04.