Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0002064-41.2022.2.00.0000
Requerente: WALDEMAR CURY MALULY JÚNIOR
Requerido: GUILHERME SANTINI TEODORO

 


EMENTA

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA ESTRITAMENTE JURISDICIONAL. FATOS QUE NÃO CONSTITUEM INFRAÇÃO DISCIPLINAR. RECURSO NÃO PROVIDO. 

1. Não há nos autos indícios que demonstrem a prática de qualquer infração disciplinar ou falta funcional que pudessem ensejar a instauração de processo administrativo disciplinar. 

2. Os argumentos desenvolvidos pelo reclamante demonstram insatisfação com o conteúdo de decisão proferida nos autos judiciais. 

3. O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

4. Mesmo invocações de error in judicando e error in procedendo não se prestam a desencadear a atividade censória, salvo exceções pontualíssimas das quais se deduza, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida esta, o que também não se verifica na espécie 

5. Recurso administrativo a que se nega provimento. 

 


 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 12 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0002064-41.2022.2.00.0000
Requerente: WALDEMAR CURY MALULY JÚNIOR
Requerido: GUILHERME SANTINI TEODORO

 

 

RELATÓRIO  

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA:  

Trata-se de Recurso Administrativo interposto por WALDEMAR CURY MALULY JÚNIOR contra decisão que determinou o arquivamento do presente expediente formulado em desfavor do Magistrado GUILHERME SANTINI TEODORO, Juiz de Direito da 30ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP. 

Na peça inicial alegou-se, em síntese, que o magistrado teria conduzido de forma parcial e suspeita os autos dos seguintes processos judiciais nos quais figura no polo passivo: Cumprimento de Sentença nº 0095621-16.2003.8.26.0100, Execução de Obrigação de Fazer nº 1089987-02.2015.8.26.0100, Medida Cautelar de Arresto nº 1076275-42.2015.8.26.0100 e Embargos à Execução nº 1041692-94.2016.8.26.0100.

O reclamante, ora recorrente, narrou que o reclamado teria julgado os autos dos Embargos à Execução nº 1041692-94.2016.8.26.0100 “de forma contrária a prova produzida nos autos” e que, também, não teria fundamentado ou motivado a sentença proferida, “apresentando apenas uma análise subjetiva dos fatos; sem explicitar; sem demonstrar, as razões de seu convencimento; sem se reportar a todos os fatos e, principalmente, sem analisar as provas apresentadas”. Assim, afirma ter interposto recurso de apelação contra tal decisão, “requerendo-se seja declarada nula a sentença proferida” (ID 4673882, p.6).

Aduziu que o magistrado teria adotado “postura parcial e suspeita, que o levou simplesmente a se olvidar de toda a prova produzida, ou seja, de todo o conjunto probatório, como se o mesmo simplesmente não existisse. Portanto, narra que, ao proferir a mencionada sentença, o reclamado não teria agido com a “necessária acuidade e imparcialidade, simplesmente se olvidando da existência de todas as locações acima aludidas, sendo que em sede de julgamento de Embargos de Declaração, sanou parte da referida omissão, quando se reportou apenas à última locação, mantendo a omissão no que se refere às demais” (p.8).

Afirmou que o reclamado teria agido com “extrema má-vontade” quando da análise das provas juntadas aos autos judiciais pelo ora reclamante, uma vez que “não foi coerente, não foi prudente e não agiu com imparcialidade, apresentando um subjetivismo absurdo” ao considerar em sua decisão “apenas a existência do último contrato de locação, como se existisse apenas essa locação, e como se a mesma tivesse se apresentado somente para fundamentar a impenhorabilidade do imóvel, por se tratar de bem de família” (p.9).

Assim, aduziu que o juiz teria incorrido em erro “uma vez que, em seu artigo 927, inciso IV, o CPC/2015 afirma expressamente que os enunciados das Súmulas do STF, em matéria constitucional, e do STJ, em matéria infraconstitucional, passam a ser de observância obrigatória pelos juízes e pelos tribunais” (p.10).

Além disso, alegou que, nos autos do Cumprimento de Sentença nº 0095621-16.2003.8.26.0100, o magistrado teria rejeitado a impugnação apresentada pelo ora reclamante ao Pedido de Cumprimento de Sentença e determinado a conversão em penhora o arresto sobre imóvel, sendo interposto Agravo de Instrumento contra tal decisão que ainda não foi apreciado.

Ao fim, requereu a apuração dos fatos narrados, a instauração do competente processo administrativo disciplinar para aplicação da penalidade cabível e que (p.15):

(2) (...) seja intimado o EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO - GUILHERME SANTINI TEODORO – DA 30ª VARA CÍVEL - FORO CENTRAL CIVEL - COMARCA DE SÃO PAULO, para que, dentro do prazo improrrogável, de 48 (quarenta e oito) horas contadas da referida intimação, se afaste de todos os processos acima indicados, a saber: (i) Ação de Execução de Obrigação de Fazer (Processo nº 1089987.02.2015.8.26.0100); (ii) Embargos à Execução (Processo nº 1041692- 94.2016.8.26.0100); (iii) Pedido de Cumprimento de Sentença (Processo n° 0095621-16.2003.8.26.0100) e (iv) Medida Cautelar Preparatória de Arresto (Processo nº 1076275-42.2015.8.26.0100), os quais deverão ser distribuídos de forma imediata para outro Magistrado, com o necessário pedido de urgência que a situação necessita;

(3) caso assim não entenda o EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO - GUILHERME SANTINI TEODORO – DA 30ª VARA CÍVEL - FORO CENTRAL CIVEL - COMARCA DE SÃO PAULO, que seja determinado em caráter liminar, o afastamento compulsório do mesmo, conforme requerido acima, de todos os processos acima; 

Foi determinado o arquivamento do presente expediente, com fundamento no art. 8º, I, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (ID 4690855).

Inconformado, o reclamante interpôs recurso administrativo contra a decisão de arquivamento. Nas razões recursais, o reclamante, ora recorrente, reforça as alegações contidas na peça inicial e afirma que, durante a condução do Processo Judicial, o reclamado “se olvidou da prova produzida e de todo o conjunto probatório, como se o mesmo simplesmente não existisse, e o fez de modo a causar prejuízo ao Recorrente, pois resta flagrante a conduta cometida, a embasar não uma exceção de suspeição ou impedimento, mas sim apuração de conduta funcional a ser feita perante esse CNJ” (ID 4698242, p.5).

Ao final, requer que seja o recurso administrativo conhecido, acolhido e totalmente provido, afastando o arquivamento que fora determinado para que sejam apurados os fatos narrados contidos na inicial, a fim de que seja instaurado processo administrativo disciplinar em desfavor do reclamado para aplicação da penalidade cabível. Liminarmente, requer (ID 4698242, p.7):

[...] o normal prosseguimento deste Expediente, e em caráter liminar, determinar o afastamento do EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO - GUILHERME SANTINI TEODORO – DA 30ª VARA CÍVEL - FORO CENTRAL CIVEL - COMARCA DE SÃO PAULO, da condução dos seguintes processos: (i) Ação de Execução de Obrigação de Fazer (Processo nº 1089987.02.2015.8.26.0100); (ii) Embargos à Execução (Processo nº 1041692-94.2016.8.26.0100); (iii) Pedido de Cumprimento de Sentença (Processo n° 0095621- 16.2003.8.26.0100) e (iv) Medida Cautelar Preparatória de Arresto (Processo nº 1076275-42.2015.8.26.0100), os quais deverão ser distribuídos de forma imediata para outro Magistrado, com o necessário pedido de urgência que a situação necessita; 

O pedido liminar foi indeferido, pois inadmissível a interferência na jurisdição e, na sequência, o reclamado foi intimado para apresentação de contrarrazões (ID 4716522).

É o relatório.

A46/Z12


 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0002064-41.2022.2.00.0000
Requerente: WALDEMAR CURY MALULY JÚNIOR
Requerido: GUILHERME SANTINI TEODORO

 


 VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA: 

O recurso administrativo não merece provimento.

O recorrente insurge-se contra decisão de arquivamento e, por meio do presente recurso reafirma as teses expostas na inicial, afirmando que, durante a condução do Processo Judicial, o reclamado “se olvidou da prova produzida e de todo o conjunto probatório, como se o mesmo simplesmente não existisse, e o fez de modo a causar prejuízo ao Recorrente, pois resta flagrante a conduta cometida, a embasar não uma exceção de suspeição ou impedimento, mas sim apuração de conduta funcional a ser feita perante esse CNJ” (ID 4698242, p.5).

No entanto, em que pese o seu inconformismo, razão não assiste ao recorrente.

Da leitura da inicial e das razões recursais, extrai-se que o principal ponto de irresignação do ora recorrente refere-se à decisão judicial proferida pelo Magistrado Guilherme Santini Teodoro nos autos dos Embargos à Execução nº 1041692-94.2016.8.26.0100. Alegou-se sua parcialidade, uma vez que teria julgado o feito em suposta contrariedade às provas produzidas nos autos judiciais. 

Ocorre que, nos termos do entendimento do Conselho Nacional de Justiça, é inadmissível a instauração de procedimento disciplinar quando inexistentes indícios ou fatos que demonstrem que o magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.  

Além disso, não cabe à Corregedoria regular a atuação jurisdicional de magistrados, ao passo que se verifica, in casu, que o reclamado agiu no legítimo exercício de sua função, proferindo decisão de acordo com seu convencimento devidamente motivado, como pode ser verificado neste expediente.

Não se ignora que travestido de ato jurisdicional, poderia haver abuso de poder, desvio de finalidade ou busca/proteção de interesses escusos.

Contudo, no caso em presença, não há indícios que sinalizem a prática de alguma dessas condutas indevidas.

Ao que se tem, sem demonstrar a efetiva ocorrência de desvio funcional, o reclamamte insurge-se contra decisões judiciais, alegando suposta parcialidade, a fim de que o magistrado seja afastado da condução dos seguintes processos judiciais nos quais figura no polo passivo: Cumprimento de Sentença nº 0095621-16.2003.8.26.0100, Execução de Obrigação de Fazer nº 1089987-02.2015.8.26.0100, Medida Cautelar de Arresto nº 1076275-42.2015.8.26.0100 e Embargos à Execução nº 1041692-94.2016.8.26.0100.

Com efeito, as questões relativas à eventual parcialidade de magistrado  devem ser sanadas por meio das exceções de suspeição ou impedimento, não se destinando a representação disciplinar a tal desiderato. Nesse sentido, vide o seguinte julgado:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. IMPUGNAÇÃO DE ATO JUDICIAL. NÃO CABIMENTO.  RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1 - O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. 2 - As questões relativas à eventual parcialidade de magistrado possuem via própria e prevista na legislação processual, devendo ser sanadas por meio das exceções de suspeição ou impedimento, não se destinando a via administrativa a tal desiderato. 3 - Recurso administrativo a que nega provimento (CNJ. Reclamação Disciplinar nº 0000091-85.2021.2.00.0000, 87ª Sessão Virtual – Plenário. Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, v.u., j. 28/05/2021). 

Além disso, quanto a afirmação de que o magistrado “incorreu em erro” (ID 4673882, p.10), consigna-se que, mesmo invocações de error in judicando e error in procedendo não se prestam a desencadear a atividade censória, salvo exceções pontualíssimas das quais se deduza, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida esta, o que também não se verifica na espécie.

Eventual divergência na interpretação ou aplicação da lei não torna o ato judicial, por si só, teratológico, muito menos justifica a intervenção correcional. À propósito:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. DESVIO DE CONDUTA. INEXISTENTE. ABUSO E TERATOLOGIA DAS DECISÕES JUDICIAIS. INSUFICIENTE. ERROR IN PROCEDENDO. JURISDICIONAL. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O liame objetivo entre ato jurisdicional e desvio funcional foi traçado tão somente em relação ao conteúdo de decisões judiciais e na subjetiva convicção de que são abusivas e teratológicas. 2. É necessário que se demonstre concretamente o ato abusivo do magistrado, ou seja uma falha de postura do julgador que se coadune a uma das infrações disciplinares tipificadas no Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN. 3. As invocações de erro de procedimento (error in procedendo) e erro de julgamento (error in judicando) impedem a atuação correcional, pois carregadas de conteúdo jurisdicional. 4. Recurso não provido (CNJ. Reclamação disciplinar nº 0000784-74.2018.2.00.0000, 275ª Sessão Ordinária – Plenário. Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, v.u., j. 07/08/2018).

Dessa forma, deve ser mantida a decisão de arquivamento, considerando que não há elementos mínimos que demonstrem ter o magistrado descumprido seus deveres funcionais ou  normas éticas da magistratura.   

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

É como voto.

 

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Corregedora Nacional de Justiça 

A46/Z12