Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002152-16.2021.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO DOS REGISTRADORES CIVIS DAS PESSOAS NATURAIS DO ESTADO DA BAHIA - ARPEN/BA
Requerido: FUNDO ESPECIAL DE COMPENSACAO - FECOM e outros

 


PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. RESSARCIMENTO DAS CORRESPONDÊNCIAS E COMUNICAÇÕES GRATUITAS NECESSÁRIOS AO EXERCÍCIO DA CIDADANIA. LEI FEDERAL Nº 9.534, DE 1997. COMPENSAÇÃO AOS REGISTRADORES CIVIS DAS PESSOAS NATURAIS PELO CUSTEIO DOS SERVIÇOS. ÔNUS ATRIBUÍDOS AOS ESTADOS E AO DISTRITO FEDERAL. ART. 8º DA LEI FEDERAL Nº 10.169, DE 2000. LEI ESTADUAL N. 12.352, DE 2011. DESCONSTITUIÇÃO DO ATO IMPUGNADO.

1. O Registro Civil das Pessoas Naturais é uma função pública exercida por um particular em nome do Estado, sujeitando sua atuação à fiscalização do Poder Judiciário, que supervisiona suas atividades a fim de garantir o amplo acesso dos usuários a requisito indispensável para o pleno exercício da cidadania. 

2.  A Lei Federal n. 10.169, de 2000, estabeleceu a responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal pelo estabelecimento de forma de compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos por eles praticados.

3. O Conselho Gestor do FECOM não tem competência para suprimir hipótese de ressarcimento fixada por ato normativo hierarquicamente superior publicado pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado da Bahia, previsto em lei estadual e em conformidade com precedentes do CNJ, devendo o ato questionado ser desconstituído. 

4. O ato impugnado reflete na qualidade dos serviços gratuitos prestados aos cidadãos e na realização de comunicações obrigatórias pelos cartórios de registro civil, causando prejuízos no atendimento ao interesse público e afetando diretamente o equilíbrio econômico-financeiro dos registros civis.

5. O FECOM deve aplicar o que determina o § 2º do art. 16 da Lei Estadual, isto é, adequar a renda mínima ao saldo financeiro do fundo, antes de restringir institutos do rol de atos gratuitos passíveis de ressarcimento, para que possa manter a viabilidade econômica das serventias.

6. Pedido de Providências julgado procedente para para declarar a nulidade, com efeitos ex tunc, do Ato Normativo nº 2, de 2020, expedido pelo Conselho Gestor do FECOM/BA, na parte em que exclui os atos de comunicação obrigatória e as anotações realizadas pelos registradores civis de pessoas naturais da compensação dos atos gratuitos.

 

 ACÓRDÃO

Após o voto da Conselheira Vistora, o Conselho, por maioria, julgou procedente o pedido para declarar a nulidade, com efeitos ex tunc, do Ato Normativo nº 2, de 2020, expedido pelo Conselho Gestor do FECOM/BA, na parte em que exclui os atos de comunicação obrigatória e as anotações realizadas pelos registradores civis de pessoas naturais da compensação dos atos gratuitos, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Conselheiros Jane Granzoto, Maria Thereza de Assis Moura e Marcio Luiz Freitas, que julgavam improcedente o pedido. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 10 de junho de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello (Relator). Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público Estadual.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002152-16.2021.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO DOS REGISTRADORES CIVIS DAS PESSOAS NATURAIS DO ESTADO DA BAHIA - ARPEN/BA
Requerido: FUNDO ESPECIAL DE COMPENSACAO - FECOM e outros


RELATÓRIO



Trata-se de Pedido de Providências ajuizado pela Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (ARPEN/BA) contra atos do Conselho Gestor do Fundo Especial de Compensação (FECOM) e do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA). 

A requerente impugna o Ato Normativo n. 2/2020, editado pelo Fundo Especial de Compensação - FECOM, que suprimiu do rol de atos gratuitos passíveis de ressarcimento, os atos de comunicação obrigatória e as anotações realizadas por registradores civis de pessoas naturais.

Defende a competência do Conselho Nacional de Justiça para dirimir a questão em razão da composição do Conselho Gestor do FECOM, formada majoritariamente por membros do Poder Judiciário – 3 representantes indicados pelo TJBA, 3 indicados pelos notários e registradores e 1 representante do sindicato dos servidores do Poder Judiciário.

Argumenta que o Ato Normativo n. 2/2020: a) viola o princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição da República, pois ao editar o ato questionado o Conselho Gestor do FECOM extrapolou as atribuições fixadas nos arts. 19 e 21 da Lei Estadual n.° 12.352/2011; b) afronta o Código de Normas e Procedimentos dos Serviços Notariais e de Registros do Estado da Bahia, notadamente o art. 456, que determina a comunicação ao FECOM dos atos gratuitos e isentos praticados por o oficiais de registro civil das pessoas naturais para fins de ressarcimento; c) afeta ilegitimamente o equilíbrio econômico-financeiro das serventias extrajudiciais, prejudicando a prestação de atividade de interesse público.

Visa a incidência da teoria dos motivos determinantes, uma vez os ressarcimentos das comunicações obrigatórias e anotações foram suspensos em virtude de ausência de previsão legal, não sendo abordado qualquer fundamento relativo a déficit financeiro do fundo, o que torna referido ato nulo de pleno direito.

 Relata que o ressarcimento das comunicações obrigatórias e anotações foi considerado como critério de escolha por muitos delegatários na escolha das serventias, tendo a suspensão gerado impactos negativos, por exemplo, 666 cartórios de registro civil das pessoas naturais vagos e 9 renúncias, situação que o viola o princípio da confiança legítima.

Frisa que os registradores civis não podem ficar submissos ao entendimento de cada gestão do Fundo, posto que o ressarcimento está previsto em lei, comportando-se a suspensão como deliberação temerária, votada de forma não unânime e a despeito de estudo de impacto econômico.

Salienta que possível déficit no FECOM decorre da precipitada alteração legislativa e da ampla necessidade de complementação da renda mínima para todas as especialidades, o que representa 2/3 dos gastos do fundo, não devendo a reposição financeira ocorrer por meio da precarização das atividades essenciais e da preterição da finalidade do fundo (ressarcimento dos atos gratuitos e isentos e complementação da renda mínima dos Registradores Civis das Pessoas Naturais), que tem previsão legal e independe de viabilidade econômica.

Narra que embora tenha alertado o TJBA acerca da redução no percentual destinado ao fundo requerido, visto que a sua arrecadação mensal já é consideravelmente menor do que a sua despesa, o requerido informou que o projeto foi aprovado e que não teve êxito na modulação de medidas para a classe.

Requer a concessão de liminar para suspender o Ato normativo 2/2020, a fim de que o Conselho Gestor do FECOM passe a cumprir o disposto no art. 456 do Código de Normas e Procedimentos dos Serviços Notariais e de Registros do Estado da Bahia, possibilitando o ressarcimento dos atos de comunicações obrigatórias praticadas pelos registradores civis. No mérito, seja julgado procedente o pedido, com a confirmação da liminar requerida.

Intimado, o Fundo Especial de Compensação da Bahia defendeu que o Ato Normativo n. 02/2021 goza de legalidade, não contemplando as comunicações prestadas pelos registradores que não se ajustam ao conceito de atos gratuitos e/ou isentos, motivo pelo qual seu Conselho Gestor revogou o Ato Normativo n. 01/2018.

Afirma que a exclusão definitiva das comunicações do rol dos atos gratuito e isentos está sob o manto da coisa julgada, nos termos do acordo firmado no PCA n. 4006-84.2017, homologado pelo CNJ, que originou a Resolução n. 06/2017.

Pugna pelo indeferimento do pedido de suspensão do Ato Normativo n. 02/2020 ante a impossibilidade de cumprimento do art. 456 do Código de Normas e Procedimentos dos Serviços Notariais e de Registros do Estado da Bahia, com a redação dada pelo Provimento Conjunto CGJ/CCi n. 3/2020, quanto às comunicações, por inexistência de comando legislativo, cabendo a manutenção da revogação do Ato Normativo n. 01/2018.

No ID 4337087, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia afirma que a matéria posta é despida de amparo jurídico capaz de justificar a atuação do CNJ, por inexistir ilegalidade ou afronta aos princípios constitucionais, pois o objeto do feito se refere à impugnação de ato praticado pelo Conselho Gestor da FECOM.

Pontua, ainda, que o FECOM tem natureza jurídica de caráter privado, foi instituído por força da Lei Estadual n. 12.352/2011, com alterações promovidas pela Lei Estadual n. 13.555/16 e tem como principais funções o provimento da gratuidade dos atos praticados pelos registradores civis de pessoas naturais e a compensação financeira às serventias notariais e de registro privatizadas, que não atingirem arrecadação necessária ao funcionamento e renda mínima do delegatário.

Acolhi o pedido de Marcelo de Souza e Souza e Outros ( ID 4343119), José Fabiano Araújo Cardoso e Outros (ID 4430954) e da Associação de Registradores de Imóveis da Bahia (ID 4455370) para ingresso no feito como terceiros interessados.

Em réplica, a ARPEN reiterou os argumentos da exordial, defendendo que o ressarcimento não pode ser suprimido por mero erro administrativo.

Marcelo de Souza, José Fabiano Cardoso e Augusto da Silva Correia, terceiros interessados, pleiteiam o deferimento da medida cautelar para suspender os efeitos do Ato n. 2/2020 da FECOM, repristinando-se os efeitos do Ato n. 1/2018, determinando o devido ressarcimento das comunicações e anotações efetuadas no contexto dos serviços gratuitos e isentos praticados no registro civil de pessoas naturais. Alternativamente, requer que seja determinado ao fundo o recálculo e o redimensionamento do valor da renda mínima, a fim de assegurar o equilíbrio econômico.

É o relatório do suficiente. 

 


 

Luiz Fernando BANDEIRA de Mello
Conselheiro Relator

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002152-16.2021.2.00.0000
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Requerido: FUNDO ESPECIAL DE COMPENSACAO - FECOM e outros

 


VOTO


1. A controvérsia suscitada pela requerente trata do reconhecimento da ilegalidade que estaria a macular o Ato Normativo n. 2, de 2020, editado pelo Fundo Especial de Compensação do Estado da Bahia (Fecom/BA), que suprimiu o ressarcimento das correspondências e comunicações gratuitas e obrigatórias expedidas, via correio, pelos registradores civis das pessoas naturais, conforme estabelecido na Lei Estadual n. 12.352, de 8 de setembro de 2011, da Bahia.

 

2. De início, resolvo questões preliminares importantes para o deslinde do feito.

 

2.1. Rejeito preliminar suscitada pelo TJBA e destaco que a atividade notarial e registral se submete à fiscalização do Poder Judiciário, através da Corregedoria Nacional de Justiça e das Corregedorias estaduais de Justiça, nos termos do art. 236 da Constituição da República Federativa do Brasil e art. 37 da Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994.

 

Sendo o Registro Civil das Pessoas Naturais uma função pública exercida por um particular em nome do Estado, sua atuação sujeita-se à fiscalização do Poder Judiciário, que supervisiona suas atividades a fim de garantir o amplo acesso dos usuários a requisito indispensável para o pleno exercício da cidadania.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a validade de normas estaduais que preveem a destinação de parcela dos emolumentos recebidos pelos notários e registradores a fundos especiais do Poder Judiciário, sob a supervisão do tribunal de justiça local.

Transcrevo recente precedente do Pretório Excelso:


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. REQUERIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. REGISTROS PÚBLICOS. LEI N. 3.929/2013, DO AMAZONAS, PELA QUAL CRIADO O FUNDO DE APOIO AO REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS DO ESTADO DO AMAZONAS – FARPAM. ALEGADA OFENSA AO INC. XXV DO ART. 22, INC. I DO ART. 154, ART. 155 E INC. IV DO ART. 167 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AUSENTE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE REGISTROS PÚBLICOS. RECURSOS QUE COMPÕEM O FUNDO EM EXAME: NATUREZA JURÍDICA DE TAXA. VALIDADE DA DESTINAÇÃO DESSES RECURSOS A FUNDO ESPECIAL. PRECEDENTES. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE. 

(...)

4. São constitucionais as normas estaduais pelas quais preveem a destinação de parcela dos emolumentos recebidos pelos notários e registradores a fundos especiais do Poder Judiciário. Precedentes. 

5. É constitucional a Lei n. 3.929/2013, do Amazonas, pela qual criado o Fundo de Apoio ao Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Amazonas – FARPAM, supervisionado e fiscalizado pela Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Amazonas. 

6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (STF. ADI 5.672. Rel.ª Min.ª CÁRMEN LÚCIA. Pleno. j. em 21 jun. 2021).


Portanto, o Fecom/BA se sujeita à fiscalização e ao controle exercidos pelo Conselho Nacional de Justiça, por ser estritamente vinculado e dependente da atividade notarial e de registro, como já decidido pela Corregedoria Nacional da Justiça em feitos semelhantes.

 

2.2. Da mesma forma que os terceiros interessados, constato que improcedente se mostra o argumento do Fecom/BA de que, em razão do acordo firmado no PCA n. 406- 84.2017, a questão posta estaria sob o manto da coisa jugada administrativa.

Considerando que, após a homologação do acordo celebrado no referido PCA, o Fecom/BA publicou o Ato Normativo n. 1, de 2018, restabelecendo o pagamento das anotações e comunicações voluntariamente, entendo que aquele pacto perdeu seu objeto e não influencia na solução deste feito.

Ademais, o objetivo principal da parte requerente no presente Pedido de Providências é exatamente o restabelecimento dos efeitos do Ato Normativo n. 1, de 2018, a fim de que as correspondências e comunicações gratuitas e obrigatórias expedidas pelos registradores civis das pessoas naturais sejam ressarcidas pelo fundo estadual.

Sob outro prisma, embora a Associação de Registradores de Imóveis da Bahia (Ariba) tenha sido recebida no feito como terceira interessada, entendo que seu pleito ultrapassa os limites dos pedidos iniciais, devendo as situações narradas, em virtude de sua relevância, ser discutidas em procedimento autônomo, diante da necessidade de maior dilação probatória e instauração de contraditório e ampla defesa (id 4455370).

Logo, não há como comparar, nestes autos, a situação dos registradores de pessoas naturais com as demais especialidades sob a ótica de ressarcimento de atos gratuitos, seja em razão da distinção da capacidade financeira, seja da natureza dos atos praticados e manutenção das atividades por repasses.

Enfrentadas as questões acima expostas, adentro a análise do mérito.

 

 

3. De acordo com comando normativo oriundo do art. 8º da Lei n. 10.169 de 2020, os Estados e o Distrito Federal têm obrigação legal de compensar as gratuidades do Registro Civil, nos termos do art. 236 da Constituição Federal.  

Art. 8º Os Estados e o Distrito Federal, no âmbito de sua competência, respeitado o prazo estabelecido no art. 9º desta Lei, estabelecerão forma de compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos, por eles praticados, conforme estabelecido em lei federal. (g. n.) 

O Provimento n. 81, de 6 de dezembro de 2018, da Corregedoria Nacional de Justiça também fixou a necessidade de se compensar os atos gratuitos praticados, bem como de se estabelecer uma renda mínima para os Registradores Civis da Pessoas Naturais. O ato pretende, ao assegurar uma piso remuneratório a esses agentes delegados do Estado, garantir a presença do respectivo serviço registral em toda sede de município e nas sedes distritais dos municípios de significativa extensão territorial.

 

No Estado da Bahia, o art. 16 da Lei Estadual n. 12.352, de 2011, prevê como primeira destinação do Fundo Especial de Compensação (Fecom/BA) o provimento da gratuidade dos atos praticados pelos registradores civis de pessoas naturais:

Art. 16. Fica instituído o Fundo Especial de Compensação – FECOM, de caráter privado, com a seguinte destinação:

I – provimento de gratuidade dos atos praticados pelos registradores civis de pessoas naturais; (...)

Nesse contexto, o Fecom/BA tem editado atos normativos que regulamentam o sistema de compensação financeira relativo aos atos gratuitos praticados pelos registradores naturais. 

O Ato Normativo FECOM n. 01, de 2018, enumerou os atos gratuitos praticados pelos Oficiais do Registro Civil, que são compensados por aquele órgão gestor, incluindo entre eles:

XIV – Comunicações consolidadas endereçadas ao INSS, TRE, Junta Militar e IBGE, desde que enviadas de forma tempestiva;

XV – Comunicações enviadas, recebidas e “ex officio”, estando o ressarcimento condicionado, nos dois últimos casos, ao cumprimento, as quais deverão ser enviadas em arquivos individuais. 

Nesta esteira, o art. 456 do Código de Normas e Procedimentos dos Serviços Notariais e de Registros do Estado da Bahia[1], com redação dada pelo Provimento Conjunto CGJ/CCI n. 03, de 2020, incluiu os atos gratuitos e isentos, bem como a relação das correspondências e das comunicações obrigatórias, como atos passíveis de ressarcimento pelo Fecom/BA:

Art. 456. Os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais encaminharão ao FECOM (Fundo Especial de Compensação) os atos gratuitos e isentos por eles praticados, bem como a relação das correspondências e das comunicações obrigatórias enviadas pelos correios, conforme estabelecido na Lein.12.352/2011, para ressarcimento dos mesmos. (g. n.) 

Ocorre que o Ato Normativo n. 1, de 2018, que dava aplicação ao art. 456 do Provimento Conjunto CGJ/CCI n. 3/2020, do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (Código de Normas), foi revogado pelo Ato Normativo n. 2, de 2020, que restringiu as restituições devidas aos registradores civis.

Reside aqui a controvérsia.

Consoante o Fecom/BA, os atos passíveis de ressarcimento seriam, exclusivamente, os que decorrem de gratuidade atribuída por lei federal, de isenção por norma estadual ou, ainda, de imunidade tributária prevista pela Constituição da República. Foram excluídas, portanto, por ausência de expressa disposição em ato normativo, as correspondências e comunicações do rol de atos gratuitos passíveis de ressarcimento. 

Nota-se que a discussão sobre a legalidade se estabelece devido à ausência de lei em sentido estrito com a previsão do ressarcimento, ou, ainda, a ausência do valor dos referidos atos (comunicações obrigatórias e anotações) na tabela de custas anexa à Lei Estadual n. 12.373, de 2011 (tabela VI). Afinal, o art. 456 do Código de Normas e Procedimentos possui natureza regulamentar, ou seja, de ato normativo secundário. 

A situação descrita pelo requerente exige atuação deste órgão de controle com o intuito de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro das serventias extrajudiciais no Estado da Bahia, tendo em vista que a manutenção do quadro descrito poderá causar prejuízos ao interesse público.

A Lei n. 6.015, de 1973, arrola as anotações e comunicações como atos gratuitos, a serem praticados de ofício e compulsoriamente pelos oficiais.:

Art. 106. Sempre que o oficial fizer algum registro ou averbação, deverá, no prazo de cinco dias, anotá-lo nos atos anteriores, com remissões recíprocas, se lançados em seu cartório, ou fará comunicação, com resumo do assento, ao oficial em cujo cartório estiverem os registros primitivos, obedecendo-se sempre à forma prescrita no artigo 98.

Parágrafo único. As comunicações serão feitas mediante cartas relacionadas em protocolo, anotando-se à margem ou sob o ato comunicado, o número de protocolo e ficarão arquivadas no cartório que as receber.

Acerca das anotações e comunicações, razão assiste à parte autora quando, ao descrever a relevância da atividade e o seu nítido caráter de atendimento ao interesse público, descreve o dispêndio de tempo e de recursos necessários à expedição da comunicação (ID n. 4299801). Trata-se de corolário da atividade de registro ou de averbação, cujo ressarcimento é incontroverso. 

O procedimento é dispendioso para as serventias, tendo em vista que, do ponto de vista das serventias que expedem, demandam custos para o envio postal do documento impresso, quando encaminhado por meio físico, ou mesmo custos com a contratação de sistemas que permitam o envio desses documentos eletronicamente. Do ponto de vista das serventias que recebem essas comunicações, o procedimento é ainda mais trabalhoso, tendo em vista que cada comunicado demanda uma anotação nos livros correspondentes aos registros de remissão e, no caso da Bahia onde muitos Registradores receberam acervos sem índice, demanda buscas incansáveis. Nos casos de acervo já digitalizado, a comunicação demanda, após a anotação, a redigitalizarão da folha do livro físico e sua substituição no banco de dados da serventia. Assim sendo, a supressão dos ressarcimentos desses atos realizados gratuitamente (sem cobrança de emolumentos) não retira a obrigação legal de realizar o ato e dedicar significativa parcela do tempo, recursos materiais e humanos para realizar a tarefa no âmbito das serventias, de modo que fica assim caracterizada a patente violação ao equilíbrio econômico-financeiro das serventias extrajudiciais do Estado da Bahia. (id 4299801) 

Desse modo, no caso em concreto, o ato ex officio independe de requerimento de qualquer pessoa ou pagamento de emolumentos, classificando-se, por consequência, como ato gratuito, passível de ressarcimento, nos termos do Código de Normas e Procedimentos dos Serviços Notariais e de Registros do Estado da Bahia. 

Considero, ainda, que a ausência de previsão expressa de tal ressarcimento na Lei Estadual n. 12.373, de 2011, não macula o direito que assiste ao registrador de obter o ressarcimento por ato efetivamente praticado e não cobrado do respectivo destinatário 

Ao examinar o art. 16, I, da Lei Estadual n. 12.352, de 2011, que dispõe sobre a gratuidade dos atos praticados pelos registradores, interpretação adequada é a que admite a retribuição pela prática de atos que imponham dispêndio ao registrador, conforme parecer juntado a estes autos (id 4299997). O fundamento do ressarcimento reside não no ato regulamentar senão na exegese do próprio ato normativo primário, haja vista a natureza indenizatória que tem o ressarcimento a ser realizado em favor do registrador. 

Procedente o raciocínio de que a omissão não pode ser utilizada como fundamento para não ressarcir um ato gratuito decorrente de Lei Federal, visto que sobre tais espécies de ato não pode incidir emolumentos, sob pena de se patrocinar enriquecimento sem causa em prejuízo da atividade do registrador. 

 

No julgamento do PP 6123-58.2011, de relatoria do então Conselheiro Fabiano Silveira, a quem honrosamente sucedi nesta Cadeira, o CNJ recomendou aos Tribunais de Justiça a elaboração de diplomas que contemplem o ressarcimento de todos os atos gratuitos praticados pelas serventias. 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. SINDICATO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (SINOREG-RJ). GRATUIDADE DO REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO, DA CERTIDÃO DE ÓBITO E DEMAIS ATOS REGISTRAIS NECESSÁRIOS AO EXERCÍCIO DA CIDADANIA. LEI FEDERAL Nº 9.534, DE 1997. COMPENSAÇÃO AOS REGISTRADORES CIVIS DAS PESSOAS NATURAIS PELO CUSTEIO DOS SERVIÇOS. ÔNUS ATRIBUÍDOS AOS ESTADOS E AO DISTRITO FEDERAL. ART. 8º DA LEI FEDERAL Nº 10.169, DE 2000. RECOMENDAÇÃO ÀS UNIDADES DA FEDERAÇÃO QUE AINDA NÃO POSSUEM LEGISLAÇÃO SOBRE COMPENSAÇÃO PELOS ATOS GRATUITOS QUE DISCIPLINEM NORMATIVAMENTE A MATÉRIA.

1. A Lei Federal n. 9.534, de 1997, assegurou a gratuidade do pagamento de emolumentos pelo registro civil de nascimento e pelo assento de óbito, bem como, aos reconhecidamente pobres, de emolumentos pelas demais certidões extraídas de cartório de registro civil.

2.  A Lei Federal n. 10.169, de 2000, estabeleceu a responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal pelo estabelecimento de forma de compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos por eles praticados.

3. Pedido de Providências julgado parcialmente procedente para recomendar aos Tribunais de Justiça das Unidades da Federação que ainda não possuem legislação sobre a compensação dos atos gratuitos praticados pelas serventias extrajudiciais ou que não contemplam o ressarcimento de todos os atos em sua integralidade, em decorrência de exigência legal, que elaborarem proposições legislativas visando ao atendimento dos mencionados diplomas normativos. (CNJ. PP 0006123-58.2011.2.00.0000. Rel. Cons. FABIANO SILVEIRA. 188ª Sessão Ordinária. j. em 6 mai. 2014)

 

Assinala-se, desse modo, a similitude existente entre o julgamento do PP 1933-13.2015, no qual o CNJ reconheceu expressamente a violação ao princípio da legalidade de circular do FERJ – TJMA, que excluía a gratuidade expressamente prevista no Código de Normas daquela Corregedoria, com a questão retratada neste Pedido de Providências. 

Resta evidenciado nos autos que o Conselho Gestor do FECOM não tem competência para suprimir hipótese de ressarcimento fixada por ato normativo hierarquicamente superior publicado pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado da Bahia, previsto em lei estadual e em conformidade com precedentes do CNJ, devendo o ato questionado ser anulado. 

O próprio Painel Nacional publicado pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (https://arpenbrasil.org.br/painel-nacional/) demonstra que a maioria dos estados da federação ressarcem todos os atos gratuitos praticados pelos cartórios de registro civil de pessoas naturais. 

Nesse contexto, o substrato probatório demonstra que a supressão ora questionada reflete na qualidade dos serviços gratuitos prestados aos cidadãos e na realização de comunicações obrigatórias pelos cartórios de registro civil, causando prejuízos no atendimento ao interesse público. 

A manutenção do ato impugnado diminuirá a arrecadação, necessária não apenas para o funcionamento da serventia notarial, senão também para fixação da sua renda mínima, nos exatos do art. 16, II, da Lei Estadual 12.352, de 2011, afetando diretamente o equilíbrio econômico-financeiro dos registros civis. 

Pontua-se, ainda, ser responsabilidade dos registradores civis de pessoas naturais, em razão da natureza da delegação, o custeio com estrutura física, manutenção e recursos humanos para garantir a prestação do serviço ao usuário e consequentemente, o direito de acesso à cidadania para a população, sendo necessária a contraprestação quanto ao custo do serviço pelo Poder Público. 

Em sede do PP 1933-13.2015, este órgão de controle estabeleceu: 


A adequada prestação de serviços, que depende da manutenção do equilíbrio econômico/financeiro das serventias extrajudiciais, passa a demandar, de fato, a contrapartida do Poder Público pelos custos dos atos oferecidos gratuitamente aos cidadãos.

 

Os registradores de pessoas naturais comportam-se como relevante instrumento de execução de políticas públicas que confiram cidadania e acesso à população à fruição de serviços públicos elementares. Justo é que o ressarcimento dos atos gratuitos por eles praticados, cuja obrigação se atribui ao Poder Público, seja prioridade entre os demais pagamentos realizados pelo Fecom/BA.

Deve o FECOM, inicialmente, aplicar o que determina o § 2º do art. 16 da Lei Estadual, isto é, adequar a renda mínima ao saldo financeiro do fundo, antes de restringir institutos do rol de atos gratuitos passíveis de ressarcimento, para que possa manter a viabilidade econômica das serventias.

Sugere-se que o TJBA implemente estudos para adequar o repasse das receitas do fundo para outros órgãos, anexar atribuições, a fim de obter alternativas que poderão incrementar a arrecadação e reduzir custos.

Originalmente, elaborei voto julgando parcialmente procedente o feito, com a concessão de efeitos ex nunc, a partir da presente decisão. No entanto, o avanço dos debates no curso da sessão virtual sobre a temática, me fez refletir e evoluir meu posicionamento anterior, para aderir aos fundamentos elencados nos votos convergentes, em parte, lançados pelo Conselheiro Marcello Terto e Silva e pela Conselheira Salise Monteiro Sanchotene, no que diz respeito à concessão de efeitos ex tunc.

 

4. Ante o exposto, julgo procedente este Pedido de Providências para declarar a nulidade, com efeitos ex tunc, do Ato Normativo nº 2, de 2020, expedido pelo Conselho Gestor do FECOM/BA, na parte em que exclui os atos de comunicação obrigatória e as anotações realizadas pelos registradores civis de pessoas naturais da compensação dos atos gratuitos.

 

Prejudicada a análise do pedido liminar.

Remeta-se cópia desta à Corregedoria Nacional de Justiça, a fim de contribuir com o cumprimento da 4ª Diretriz Estratégica que norteará o trabalho das Corregedorias de Justiça em 2022, conforme deliberação tomada no XV Encontro Nacional do Poder Judiciário.

Destaca-se que a 4ª Diretriz Estratégica busca dar efetividade ao Provimento n. 81, de 2018, garantindo a renda mínima e o ressarcimento de atos gratuitos do registro civil para registradores e registradoras de pessoas naturais, com a finalidade de promover o equilíbrio econômico-financeiro dos ofícios da cidadania.

É como voto.

 

Luiz Fernando BANDEIRA de Mello
Conselheiro Relator

 

 


[1] Portaria Conjunta nº 07/2012, editada pela Corregedoria Geral da Justiça e pela Corregedoria das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia

 

 

 

 

VOTO PARCIALMENTE DIVERGENTE

Adoto o relatório do Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho lançado no procedimento em análise.

Pedi vista para melhor analisar as questões suscitadas nos autos e, ao final, peço vênia ao Ilustre Relator para divergir parcialmente de suas conclusões pelos motivos a seguir expostos.

Em relação às preliminares suscitadas nos autos, comungo com os judiciosos argumentos apresentados no voto proferido pelo Eminente Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho para rejeitá-las.

O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) suscitou em suas informações (Id4337088) a preliminar de incompetência deste Conselho para apreciar o pedido formulado pela Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (ARPEN/BA) e de ilegitimidade para figurar no polo passivo deste procedimento.

No tocante à competência deste Conselho para examinar a pretensão da requerente, urge destacar que o caráter privado da atividade notarial e registral não exclui a supervisão do Poder Judiciário realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça ou pelas Corregedorias dos Estados.

Os notários e registradores prestam contas aos Tribunais por exercerem uma parcela da atividade estatal mediante delegação e, conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal[1], os emolumentos pagos pelos usuários configuram taxas, uma vez que são vinculados à prestação de um serviço público, específico e divisível.

Considerando que as contribuições aos fundos especiais geridos pelos notários e registradores têm sua origem em taxas cuja arrecadação é fiscalizada pelo Poder Judiciário, é inarredável concluir que os atos editados pelo Conselho Gestor do Fundo Especial de Compensação (FECOM) relacionados à destinação dos recursos auferidos pelas serventias extrajudiciais estão sujeitos ao controle do Conselho Nacional de Justiça.

A legitimidade passiva do TJBA não pode ser afastada.  Nos termos do art. 18 da Lei 12.352, de 8 de setembro de 2011[2], o Tribunal tem competência para instituir normativos e atos administrativos para operacionalização da cobrança das contribuições devidas ao fundo especial, atribuição que denota o elo com o FECOM.

Ademais, é possível extrair do art. 19 da Lei Estadual 12.352/2011[3], o Conselho Gestor do FECOM é composto por servidores do TJBA, vejamos:

Art. 19 - O Fundo Especial de Compensação será administrado por um Conselho Gestor, com a seguinte composição:

I – Revogado;

II - 03 (três) representantes indicados pelo Tribunal de Justiça, sendo 01 (um) da Presidência, 01 (um) da Corregedoria Geral da Justiça e outro da Corregedoria das Comarcas do Interior;

III - 03 (três) representantes indicados pelos notários e registradores; e

IV - 01 (um) representante do sindicato dos servidores do Poder Judiciário do Estado da Bahia.

Desse modo, além de ser um poder-dever do Tribunal supervisionar a atividade notarial e registral, o TJBA possui uma fração do poder decisório na administração dos recursos do fundo especial. Diante destas circunstâncias, fica configurada a possibilidade de o Tribunal ser demandado no presente Pedido de Providências.

O FECOM apontou como questão preliminar prejudicial de mérito o acordo firmado com o PCA 0004006-84.2017.2.00.0000 no qual assumiu o compromisso para publicar nova tabela com valores para ressarcimento de atos gratuitos realizados pelos Cartórios de Registro Civil. Como resultado do ajuste, foi editado o Ato 1, de 2 de julho de 2018 e, na oportunidade, foi prevista a compensação das despesas com correspondências obrigatórias.

Todavia, o Conselho Gestor do FECOM, no uso de suas atribuições legais, editou o Ato 2, de 9 de dezembro de 2020, para revogar o Ato 1/2018 e excluir do ressarcimento aos registradores civis o custo com as comunicações obrigatórias. O pedido formulado neste feito pela ARPEN/BA consiste no restabelecimento do Ato 1/2018.

Como se vê, não há espaço para acolher a alegação de coisa julgada administrativa, porquanto o mérito do PCA 0004006-84.2017.2.00.0000 não foi examinado pelo Plenário deste Conselho e pelo fato do pedido e causa de pedir do citado procedimento não possuir vínculo com o presente Pedido de Providências.

Em relação às questões suscitadas pela Associação de Registradores de Imóveis da Bahia (ARIBA), admitida como terceira interessada no feito, adiro aos fundamentos do voto do Ilustre Relator para não as acolher, haja vista a ausência de liame com o objeto deste PP.

No mérito, renovo o pedido de vênia ao Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho para divergir de sua decisão e julgar improcedente o pedido formulado na inicial.

Não se questiona neste procedimento a necessidade de os registradores civis serem ressarcidos pela prática de atos gratuitos previstos em normas constitucionais e infraconstitucionais. A controvérsia posta nos autos reside em definir a extensão desta compensação e, a meu sentir, deve dirimida à luz do disposto na Lei 10.169, de 29 de dezembro de 2000, bem como na Lei Estadual 12.352, de 8 de setembro de 2011 e na Lei Estadual 12.373, de 22 de dezembro de 2011.

O direito de os registradores civis serem compensados pela prática de atos gratuitos foi expressamente previsto pela Lei 10.169/2000, contudo, a norma geral não elencou o rol dos procedimentos cartorários passíveis ressarcimento ou o modo pelo qual a medida seria efetivada. A lei federal delegou aos Estados e ao Distrito Federal a competência para estabelecer a forma pela qual a prática de atos gratuitos será compensada. Colha-se o disposto no art. 8 da citada lei:

Art. 8º Os Estados e o Distrito Federal, no âmbito de sua competência, respeitado o prazo estabelecido no art. 9º desta Lei, estabelecerão forma de compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos, por eles praticados, conforme estabelecido em lei federal.

Parágrafo único. O disposto no caput não poderá gerar ônus para o Poder Público.

Portanto, a Lei 10.169/2000 respeitou a autonomia dos Estados e do Distrito Federal e deixou a critério da legislação estadual a disciplina da compensação devida aos registradores civis. Tal conduta demonstra que os entes federados podem regulamentar a matéria segundo suas particularidades e que não exigível a uniformidade entre todos os Tribunais.

No Estado da Bahia, a Lei Estadual 12.352/2011 que instituiu o Fundo Especial de Compensação (FECOM) para custear os atos gratuitos praticados pelos registradores civis atribuiu ao Conselho Gestor do FECOM poderes para fixar a compensação financeira devida aos delegatários. Confira-se o disposto no art. 16 da referida lei, com redação dada pela Lei 13.555, de 29 de abril de 2016:

Art. 16 - Fica instituído o Fundo Especial de Compensação - FECOM, de caráter privado, com a seguinte destinação:

I - provimento da gratuidade dos atos praticados pelos registradores civis de pessoas naturais;

II - promover compensação financeira às serventias notariais e de registro privadas que não atingirem arrecadação necessária ao funcionamento e renda mínima do delegatário;

III - custeio das despesas com pessoal dos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais, enquanto não houver a outorga da totalidade dessas unidades extrajudiciais, desde que se verifique a existência da situação orçamentária prevista no § 4º deste artigo.

§1º - Constitui recurso do Fundo Especial de Compensação o percentual correspondente a 23% (vinte e três por cento) do que for cobrado a título de emolumentos.

§2º - Fica assegurada às serventias notariais e de registro privatizadas que não atingirem a arrecadação mínima para a garantia de seu funcionamento a complementação financeira em montante a ser definido pelo Conselho Gestor do Fundo Especial de Compensação, respeitado o saldo financeiro, cujo repasse será realizado pelo FECOM, independentemente do ressarcimento dos atos gratuitos praticados por cada serventia.

§3º - A compensação financeira de que trata o inciso II do caput deste artigo será fixada pelo Conselho Gestor do FECOM.

§4º - As despesas com pessoal tratadas no inciso III do caput do presente artigo serão pagas pelo excedente dos recursos orçamentários do FECOM de cada exercício, ressalvada a hipótese de insuficiência total de recursos.

Por sua vez, a Lei Estadual 12.373/2011 elencou na Tabela VI os atos cartorários praticados pelos registradores civis passíveis de cobrança e, por consequência, de serem ressarcidos nas hipóteses previstas em normas constitucionais e infraconstitucionais, a saber:

 

Nessa senda, os atos editados pelo Conselho Gestor do FECOM para definir a compensação financeira aos registradores civis devem ter como fundamento de validade a Lei Estadual 12.373/2011. Diante disso, não cabe ao referido fundo substituir-se ao legislador ordinário e restringir ou, como ocorreu com o revogado Ato 1/2018, ampliar as hipóteses de atos cartorários sujeitos a compensação.

A revogação do Ato 1/2018 constituiu uma verdadeira correção de rumos e restabeleceu da ordem das coisas, uma vez que a Tabela VI da Lei Estadual 12.373/2011 não prevê a cobrança de emolumentos pelas correspondências expedidas pelos registradores civis. Sob esta circunstância, não haveria amparo jurídico para estender o ressarcimento a causas não previstas pela legislação estadual.

Em minha compreensão, as hipóteses de ressarcimento aos registradores civis devem ser interpretadas restritivamente. Caso a legislação estadual que disciplina a matéria não preveja a cobrança de emolumentos pela expedição de correspondências, inexiste fundamento para a compensação.

Não impressiona a alegação da requerente no sentido de que as correspondências obrigatórias devem ser ressarcidas por serem uma espécie de desdobramento necessário dos atos gratuitos.

Ora, a definição do valor dos emolumentos leva em consideração todos os custos necessários para efetivação do ato cartorário. Nesta linha de raciocínio, o fato de o legislador baiano não ter destacado a expedição de correspondências como ato sujeito à cobrança robustece a tese de que este custo está englobado na taxa definida em lei e que o ressarcimento pretendido pela requerente configuraria bis in idem.

Cumpre registrar que a análise de eventual insuficiência do valor dos emolumentos para cobrir todos os custos obrigatórios dos atos cartorários é questão escapa às atribuições deste Conselho e deve ser apreciada pelas vias legislativas ou judiciais próprias.  

No contexto, não diviso a possibilidade de o Conselho Nacional de Justiça adotar medidas para equalização das receitas dos registradores civis sem o devido respaldo pela legislação estadual que disciplina a matéria.

Outrossim, ainda que fosse ventilada a hipótese de que a ausência de previsão na legislação estadual para cobrança de emolumentos pela expedição de correspondências obrigatórias seja uma omissão legislativa, entendo que o Conselho Nacional de Justiça não tem atribuição constitucional para fazer uma interpretação da lei de modo a criar hipóteses de ressarcimento não previstas pela Lei Estadual 12.373/2011.

É preciso assentar que o controle de legalidade realizado por este Conselho está submetido aos termos das normas constitucionais e infraconstitucionais que conferem validade aos atos administrativos. Nesse passo, a análise de eventual desconformidade da legislação estadual com normas superiores é tarefa reservada ao Estado-Juiz por ser uma atividade tipicamente jurisdicional e não é da alçada do CNJ averiguar o sentido teleológico ou axiológico das leis para colmatar suas lacunas.

Desta feita, há que se concluir que o Ato 2/2020 está em conformidade com a legislação estadual que, repita-se, não prevê a cobrança de emolumentos pela expedição de correspondências obrigatórias, e não caberia ao FECOM disciplinar a questão de modo diverso.

Ante o exposto e renovando o pedido de escusas, divirjo do Eminente Relator para julgar improcedente o pedido formulado na inicial na forma da fundamentação acima.

É como voto.

 

Brasília, data registrada no sistema. 

 

Jane Granzoto

Conselheira



[1] Vide ADI 5133/PR, Relator: Ministro Edson Fachin; ADI 2653/MT, Relator: Ministro Carlos Velloso; ADI 3694/AP, Relator: Ministro Sepúlveda Pertence.

[2] Art. 18 - O Tribunal de Justiça instituirá instrumentos normativos e administrativos para a operacionalização da cobrança da contribuição do FECOM e do percentual destinado à Defensoria Pública.

[3] Disponível em http://www.legislabahia.ba.gov.br/documentos/lei-no-12352-de-08-de-setembro-de-2011. Acesso em 24 de maio de 2022.

 

 

 

 

VOTO CONVERGENTE

 

Adoto o relatório lançado pelo eminente Conselheiro Relator Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, bem como o acompanho quanto à rejeição das preliminares suscitadas e ao reconhecimento da nulidade do Ato Normativo n. 2/2020, editado pelo Conselho Gestor do FECOM.

Quanto aos efeitos da decisão, acompanho o eminente Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, após os ajustes realizados em seu voto. Na esteira do voto apresentado pelo eminente Conselheiro Marcello Terto, entendo que a decisão declaratória de nulidade do ato normativo sob exame deve operar efeitos retroativos (ex tunc).

Como bem lembrou o referido Conselheiro, no campo da teoria das nulidades dos atos administrativos, o ato nulo tem sua validade abalada em suas origens, ou seja, considera-se que o ato já nasceu viciado e, portanto, impassível de gerar efeitos jurídicos válidos.

Embora a jurisprudência do CNJ admita a modulação dos efeitos de suas decisões,[1] penso que tal expediente se justifica apenas excepcionalmente, tal como ocorre na declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (art. 27, da Lei n. 9.868/1999).

Nessa perspectiva, a modulação de efeitos, também nesta esfera administrativa, somente se mostra possível nos casos em que a segurança jurídica ou o interesse social se sobreponham à própria necessidade de se assegurar a normatividade do Direito.

No caso dos autos, não vislumbro razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social aptas a limitar a produção de efeitos da desconstituição Ato Normativo n. 2, de 2020 à data da decisão deste Conselho.

É certo que, a depender do montante do passivo, o pagamento integral dos valores devidos de forma imediata poderá acarretar prejuízos ao funcionamento do FECOM.

Isso, porém, não deve ser óbice para que que os delegatários sejam ressarcidos pelos atos gratuitos já praticados.

Em caso de inviabilidade de ressarcimento imediato de todo o passivo, sugiro, desde já, que as partes possam pactuar a melhor forma de ressarcimento, inclusive mediante encaminhamento ao Núcleo de Mediação e Conciliação (Numec) deste Conselho.

Feitas essas breves considerações, acompanho integralmente o voto do eminente Relator. 

É como voto.

 

 Brasília, 9 de junho de 2022.

 

  

Conselheira Salise Sanchotene

 



[1] V.g.: PP 0001501-62.2013.2.00.0000 - Rel. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi - 31ª Sessão Extraordinária - j. 18/10/2016; PCA 0007428-43.2012.2.00.0000 - Rel. Gilberto Martins - 24ª Sessão (EXTRAORDINÁRIA) - j. 12/12/2014; CONS 0003094-63.2012.2.00.0000 - Rel. Guilherme Calmon Nogueira Da Gama - 184ª Sessão - j. 11/03/2014)

 

Pedido de Providências nº 0002152-16.2021.2.00.0000  

Requerente:  Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia - ARPEN/BA

Requerido: Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) e outro 

 

 

VOTO CONVERGENTE

 

O presente Pedido de Providências (PP) foi proposto pela Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (ARPEN/BA) contra o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) e o Conselho Gestor do Fundo Especial de Compensação (FECOM), com o objetivo de questionar ato normativo que dispõe sobre o ressarcimento dos atos gratuitos realizados pelos registradores civis de pessoas naturais.

Em síntese, questiona-se dispositivo do Ato Normativo nº 02/2020, editado pelo Conselho Gestor do FECOM, que suprimiu do rol de atos gratuitos passíveis de ressarcimento os atos de comunicação obrigatória e as anotações realizadas por registradores civis de pessoas naturais, previsto no anterior regulamento (incisos XIV e XV do Ato Normativo nº 01/2018[1]).

No mais, adoto o relatório lançado pelo e. Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho (relator).

Inicialmente, em relação às preliminares suscitadas, tanto pelo TJBA (Id 4337088) quanto pelo FECOM (Id 4333793), adiro integralmente aos judiciosos argumentos apresentados pelo douto relator para rejeitá-las.

Apenas reforço a tese de que a Constituição Federal, no seu art. 236, § 1º, confere ao Poder Judiciário o dever de controle da atividade extrajudicial (notarial e de registro), por meio das suas Corregedorias, com fim na manutenção da presteza e regularidade do serviço.[2]

Em paralelo, o art. 103-B, § 4º, II, da Constituição Federal reconhece expressamente a competência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para zelar pela observância do seu art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União.[3]

Sendo o Registro Civil das Pessoas Naturais uma função pública exercida por particular em nome do Estado, sua atuação se sujeita à fiscalização do Poder Judiciário, que supervisiona suas atividades a fim de garantir o amplo acesso dos usuários a requisito indispensável para o pleno exercício da cidadania.

Se o Supremo Tribunal Federal reconhece a validade de normas estaduais que preveem a destinação de parcela dos emolumentos recebidos pelos notários e registradores a fundos especiais do Poder Judiciário, sob a supervisão do tribunal de justiça local, não há dúvida de que o FECOM/BA se sujeita à fiscalização e ao controle exercidos pelo Conselho Nacional de Justiça, “por ser estritamente vinculado e dependente da atividade notarial e de registro, como já decidido pela Corregedoria Nacional da Justiça em feitos semelhantes”.

Em consequência disso, avanço para o mérito e comungo das razões apresentadas pelo e. Relator para “desconstituir o Ato Normativo n. 2, de 2020, expedido pela Fecom/BA”, em razão da sua contrariedade à lei e aos preceitos normativos que fundamentam a necessidade de ressarcimento dos atos notariais e de registro realizados a título gratuito.

Conforme bem explicitado no art. 8º da Lei Federal nº 10.169/2000, em regulamentação do art. 236, § 2º, da Constituição Federal[4], compete aos Estados e ao Distrito Federal estabelecer a forma de compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos, por ele praticados:

Art. 8º Os Estados e o Distrito Federal, no âmbito de sua competência, respeitado o prazo estabelecido no art. 9º desta Lei, estabelecerão forma de compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos, por eles praticados, conforme estabelecido em lei federal.

O Provimento nº 81, de 6 de dezembro de 2018, da Corregedoria Nacional de Justiça, também fixou a necessidade de compensação dos atos gratuitos e de fixação de renda mínima para os Registradores Civis da Pessoas Naturais, como forma de universalizar o serviço de registro civil em todo o território nacional.

Para integração da supramencionada norma, o Estado da Bahia publicou a Lei nº 12.352/2011, cujo art. 16 instituiu o Fundo Especial de Compensação – FECOM, destinado ao ressarcimento dos atos gratuitos praticados pelos registradores civis das pessoas naturais, além de promover a compensação financeira para aquelas serventias consideradas deficitárias.

Para a especificação dos atos objeto de ressarcimento, o Código de Normas e Procedimentos dos Serviços Notariais e de Registros do Estado da Bahia, editado pelo TJBA, na forma do Provimento Conjunto CGJ-CCI nº 03/2020, estabeleceu, no seu art. 456, a necessidade de ressarcimento pelos atos gratuitos, inclusive em relação às correspondências e comunicações obrigatórias:

Art. 456. Os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais encaminharão ao FECOM (Fundo Especial de Compensação) os atos gratuitos e isentos por eles praticados, bem como a relação das correspondências e das comunicações obrigatórias enviadas pelos correios, conforme estabelecido na Leinº12.352/2011, para ressarcimento dos mesmos. (g. nosso)

Observados os normativos acima apresentados, por lhe faltar competência para tanto, descabe ao Conselho Gestor do FECOM alterar ou suprimir parâmetros insertos em normas de hierarquia superior, em especial, na lei estadual e no Código de Normas do próprio TJBA, sob pena de inovar no ordenamento jurídico, incumbência reservada exclusivamente ao legislador constituinte ou constituído.

Ressalte-se que, de acordo com o art. 21 da Lei Estadual nº 12.353/2011[5], o mencionado Conselho se limita: (i) a exercer o controle da execução orçamentária; (ii) a efetuar os pagamentos decorrentes da tratada compensação; e (iii) a elaborar o seu regimento interno, a ser aprovado pelo Tribunal de Justiça.

Ultrapassar esses limites significa violar o princípio da legalidade estrita a que deve se sujeitar os órgãos ou entidades da Administração Pública Direta e Indireta.

Não é a natureza privada conferida ao fundo que permitirá ab-rogar o regime jurídico de direito público a que se submetem os tabelionatos e registros públicos delegados, bem como os órgãos responsáveis pela sua fiscalização, compensação e viabilidade econômico-financeira.

Aliás, muito bem lembrado pelo e. Relator que o este Conselho Nacional de Justiça já decidiu que “a adequada prestação de serviços, que depende da manutenção do equilíbrio econômico/financeiro das serventias extrajudiciais, passa a demandar, de fato, a contrapartida do Poder Público pelos custos dos atos oferecidos gratuitamente aos cidadãos” (PP 1933-13.2015).

Isso se deve ao destacado papel dos registradores de pessoas naturais como base de dados fundamental para a concepção e execução de políticas públicas destinadas à máxima realização da cidadania, através do acesso da população a serviços públicos elementares, desde o seu nascimento até o óbito.

Por esse motivo, peço vênia, para não comungar do entendimento da e. Conselheira Jane Granzoto, no sentido de que “a definição do valor dos emolumentos leva em consideração todos os custos necessários para efetivação do ato cartorário”, uma vez que “o fato de o legislador baiano não ter destacado a expedição de correspondências como ato sujeito à cobrança robustece a tese de que este custo está englobado na taxa definida em lei e que o ressarcimento pretendido pela requerente configuraria bis in idem”.

Afirmo isso porque os emolumentos notariais ou cartorários são fundamentais para a continuidade dos serviços delegados cuja relevância justificou a sua disciplina constitucional, amparada em premissas relacionadas com a natureza pública, o caráter social, a proporcionalidade, o efetivo custo e a adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados (Lei Federal nº 10.169/2000, art. 1º, par. único).

De toda sorte, os emolumentos não se confundem com as despesas decorrentes dos serviços delegados, que naturalmente também correm às expensas do interessado.

Os emolumentos consistem na forma de remuneração legalmente prevista dos atos notariais ou registrais que tabeliães ou oficiais de registro praticarem em decorrência da delegação do Poder Público.

Os tabeliães e oficiais perceberão os emolumentos, diretamente das partes, salvo quando o serviço for estatizado ou o requerente for beneficiário da gratuidade, a exemplo do disposto no art. 45 da Lei nº 8.935/1994.[6]

Emolumentos nada mais são do que taxas cobradas com o objetivo de remunerar o custo de serviços prestados por órgãos de registro. Essa espécie de taxa está sempre atrelada a uma operação específica, ou seja, incide, no caso, sobre cada operação de registro.

As despesas, por sua vez, são todos os demais gastos imprescindíveis para a finalização dos atos notariais ou de registro, compreendendo os gastos efetuados com comunicações e anotações obrigatórias.

De fato, essa distinção é encontrada nos próprios normativos deste Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a exemplo do Provimento nº 73, de 28/06/2018, da Corregedoria Nacional de Justiça, que trata sobre a averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN) e cujo artigo 8º dispõe o seguinte:

Art. 8º Finalizado o procedimento de alteração no assento, o ofício do RCPN no qual se processou a alteração, às expensas da pessoa requerentecomunicará o ato oficialmente aos órgãos expedidores do RG, ICN, CPF e passaporte, bem como ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE).

Descabido, portanto, o entendimento de que a Administração Pública, em especial este Conselho Nacional de Justiça, estaria adstrita ao exercício da interpretação literal da lei, abstendo-se de preencher lacunas das normas superiores, especialmente quando dessa incumbência dependa a sobrevivência dos registros civis das pessoas naturais.

Tal afirmação, além disso, encontra amparo no conteúdo das alterações promovidas pela Lei nº 13.655/2018 no Decreto-Lei nº 4.657/1942 (LINDB), em especial no acréscimo dos artigos 20 a 30, justamente por seu caráter geral, sendo certo que todos os órgãos administrativos com competência na matéria, inclusive judicante, têm o dever de respeitá-los com fidelidade, como forma de contribuir para garantir maior segurança jurídica no âmbito administrativo.

A partir da vigência dos arts. 20[7] e 21[8] da LINDB, por exemplo, deve-se também expor as possíveis externalidades decorrentes das decisões adotadas, sem se prender a valores jurídicos abstratos (no caso, a legalidade estrita), mas considerando posições motivadas relativas à necessidade e adequação da medida imposta pela decisão administrativa.

A partir daí se aprimora o exercício hermenêutico, considerando a interpretação da lei como instrumento de máxima eficácia do ordenamento jurídico e de eficiência dos serviços administrativos, como no caso em exame, sem se prender ao formalismo vetusto que impede o órgão de controle de compreender e garantir o máximo alcance da norma extraída da Constituição Federal e dos atos normativos infraconstitucionais sob análise.

Ademais, como lembra Egon Bockmann Moreira, in Processo Administrativo, Princípios Constitucionais, a Lei nº 9.874/1999 e o Código de Processo Civil/2015, 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 2017, p. 110, o princípio da legalidade não pode ser compreendido numa perspectiva meramente formalista e simplificadora da realidade social, descartando os casos extremos em que a Administração Pública se vê obrigada a estabelecer obrigações por força da necessidade de se preservar bens maiores:

... o princípio da legalidade não significa a operação mecânica de “apenas dar execução à letra da lei”, numa perspectiva simplificadora da realidade social. Mesmo porque seria inviável supor que a lei pudesse antecipar todo o fenômeno social e positivar, em tempo hábil, todas as futuras condutas a serem concretizadas pela Administração Pública. Como adverte Alexandre Santos de Aragão, a lei “não precisa preordenar exaustivamente toda a ação administrativa, bastando para ela fixar os parâmetros básicos que a Administração Pública deve observar ao exercer os poderes a ela conferidos. E, em casos bem extremos, não pode ser descartada a possibilidade de a administração Pública atuar, inclusive restringindo direito e criando obrigações, direta e exclusivamente por força da necessidade de preservar valores e princípios constitucionais”.

Foi o espírito percebido na leitura do acima citado Provimento nº 73, de 28/06/2018, da Corregedoria Nacional de Justiça, quando este Conselho Nacional de Justiça invocou o poder de fiscalização do Registros Civis de Pessoas Naturais (RCPNs), para garantir, no plano normativo e regulamentar, o maior alcance ao sentido de remuneração dos titulares dos serviços registrais e permitir a cobrança dos atos de comunicação aos órgãos de identificação civil, segurança pública, fazendários e eleitorais decorrentes das alterações no registro.

No caso concreto, as condições para a regularização do procedimento de compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos em relação às despesas com comunicações e anotações não previstas na lei estadual que estabeleceu os emolumentos dos RCPNs na Bahia devem seguir os mesmos critérios proporcionais, equânimes e transitórios dispostos no artigo 9º do Provimento nº 73, de 28/06/2018, da Corregedoria Nacional de Justiça, para não prejudicar o interesse geral na sobrevivência dos serviços registrais:

Art. 9º Enquanto não editadas, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, normas específicas relativas aos emolumentos, observadas as diretrizes previstas pela Lei n. 10.169, de 29 de dezembro de 2000, aplicar-se-á às averbações a tabela referente ao valor cobrado na averbação de atos do registro civil.

Nesse contexto, peço as mais respeitosas vênias à divergência e acompanho o Relator, para desconstituir o Ato Normativo n. 2, de 2020, expedido pelo Conselho Gestor do FECOM/BA, na parte que exclui os atos de comunicação obrigatória e as anotações realizadas pelos registradores civis de pessoas naturais para efeito de ressarcimento dos atos gratuitos, objeto do art. 5º do tratado regulamento.

No tocante aos efeitos da decisão, acompanho o e. Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho (relator), após os ajustes por ele realizados em seu voto, e encaminho meu posicionamento pela aplicação de efeito ex tunc à decisão declaratória de nulidade do ato normativo ora questionado.

Explico-me.

Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o defeito de legalidade impõe a declaração de nulidade do ato administrativo “tanto quando inexistam os seus elementos essenciais – competência, finalidade, forma, motivo e objeto – como quando não se apresentem conforme as prescrições paradigmais definidas pela ordem jurídica”. Do contrário, deixar-se-ia de atender à finalidade implícita na norma constitucional que é “a de varrer do mundo jurídico os atos tisnados com os vícios enumerados, e, como princípio, não permitir a sobrevivência de qualquer de seus efeitos (efeito ex tunc)”[9].

A decretação de invalidação deve, dessa forma, alcançar o momento da edição do ato eivado de nulidade, em razão da constatação de vício na sua origem. Alcança o próprio nascedouro do ato tipo por irregular, a justificar o efeito retroativo da decisão de invalidação, pois “fulmina o que já ocorreu, no sentido de que se negam hoje os efeitos de ontem[10].

É conhecido, assim, o princípio pelo qual os atos nulos não se convalidam pelo decurso do tempo.

Logo, se o Ato Normativo n. 2, de 2020, comprometeu o equilíbrio econômico-financeiro, pôs em risco o sustento e a sobrevivência dos CRPNs, violou a competência do TJBA para regulamentar, em sequência, a Lei Estadual nº 12.352/2011, a Lei Federal nº 10.169/2000 e o § 2º do artigo 236 da Constituição Federal; por consequência, rompeu com os paradigmas da ordem jurídica, mostra-se antijurídico e merece ser fulminado no seu nascedouro.

Tal compreensão não nos impede de lembrar, como fez a e. Conselheira Salise Monteiro Sanchotene, que, muito embora a jurisprudência deste CNJ admita excepcionalmente a modulação dos efeitos de suas decisões, em analogia com o art. 27 da Lei n. 9.868/1999), a exemplo do observado nos julgados do PP 0001501-62.2013.2.00.0000 - Rel. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi - 31ª Sessão Extraordinária - j. 18/10/2016, e do PCA 0007428-43.2012.2.00.0000 - Rel. Gilberto Martins - 24ª Sessão (EXTRAORDINÁRIA) - j. 12/12/2014; CONS 0003094-63.2012.2.00.0000 - Rel. Guilherme Calmon Nogueira Da Gama - 184ª Sessão - j. 11/03/2014, o caso concreto não se enquadra nessas excepcionalidades.

Nada obstante, a depender do montante do passivo apurado, nada obsta a solução consensual, de modo que os delegatários sejam ressarcidos pelos atos gratuitos já praticados, de forma parcelada, se for o caso, mediante encaminhamento ao Núcleo de Mediação e Conciliação (Numec) do CNJ.

Diante do exposto, com os acréscimos da fundamentação supra, ACOMPANHO O RELATOR e voto pela INTEGRAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS, para desconstituir, com efeitos ex tunc, o Ato Normativo nº 2, de 2020, expedido pelo Conselho Gestor do FECOM/BA, na parte em que exclui os atos de comunicação obrigatória e as anotações realizadas pelos registradores civis de pessoas naturais da compensação dos atos gratuitos.

 

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Conselheiro Marcello Terto

 

 


[1] Art. 5º Serão ressarcidos os seguintes atos praticados gratuitamente pelo registrador civil: (...) XIV – Comunicações consolidadas endereçadas ao INSS, TRE, Junta Militar e IBGE, desde que enviadas de forma tempestiva; XV – Comunicações enviadas, recebidas e ex officio, estando o ressarcimento condicionado, nos dois últimos casos, ao cumprimento, as quais deverão ser enviadas em arquivos individuais.

[2] Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

[3] Art. 103-B ... § 4º. Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: ... II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; ....

[4] Art. 236. ... § 2º. Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

[5] Art. 21 – Ao Conselho Gestor cabe: I – exercer o controle da execução orçamentária-financeira do Fundo Especial de Compensação – FECOM; II – efetuar os pagamentos a cargo do Fundo Especial de Compensação, provendo os correspondentes registros contábeis e prestações de contas; e III – elaborar o seu regimento interno, a ser aprovado pelo Tribunal de Justiça.

[6]  Art. 45. São gratuitos os assentos do registro civil de nascimento e o de óbito, bem como a primeira certidão respectiva.  § 1º Para os reconhecidamente pobres não serão cobrados emolumentos pelas certidões a que se refere este artigo. § 2º É proibida a inserção nas certidões de que trata o § 1º deste artigo de expressões que indiquem condição de pobreza ou semelhantes.

[7] Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.

[8] Art. 21.  A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.

Parágrafo único.  A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses geraisnão se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.

[9] in Curso de Direito Administrativo, 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 222,

[10] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, São Paulo, Malheiros, 25. ed., 2008.