Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0000115-79.2022.2.00.0000
Requerente: RILKER RAINER PEREIRA BOTELHO
Requerido: GISLENE RODRIGUES MANSUR

 


 

EMENTA

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO JUDICIAL PROFERIDA EM AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. MATÉRIA DE FUNDO EMINENTEMENTE JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. 

1. Inexistindo, nas razões recursais, qualquer elemento novo capaz de alterar o entendimento adotado, a decisão monocrática combatida deve ser mantida. 

2. Os fatos narrados neste expediente referem-se a exame de matéria eminentemente jurisdicional, relacionada com decisão proferida nos autos da Ações de Busca e Apreensão em Alienação Fiduciária 5181405-37.2021.8.13.0024 e nº 5089431-16.2021.8.13.0024. 

3. O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. 

4. Recurso conhecido, uma vez que tempestivo, mas a que, no mérito, se nega provimento.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 13 de maio de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Mário Goulart Maia. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fernando Bandeira de Mello e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público Estadual.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0000115-79.2022.2.00.0000
Requerente: RILKER RAINER PEREIRA BOTELHO
Requerido: GISLENE RODRIGUES MANSUR


RELATÓRIO


           

Cuida-se de recurso administrativo interposto contra decisão de arquivamento da reclamação disciplinar formulada por RILKER RAINER PEREIRA BOTELHO em face da magistrada GISLENE RODRIGUES MANSUR, Juíza de Direito da 17ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte - MG. 

 

O requerente impugna decisão proferida pela juíza requerida, nos autos dos Processos nº 5181405-37.2021.8.13.0024 e 5089431-16.2021.8.13.0024, defendendo que a liminar deferida está em “desconformidade com a legislação brasileira vigente”.  

 

Alega que, “por se tratar de questão meramente patrimonial, não há justificativa alguma, dentre dos limites da Constituição e do Código de Processo Civil, para que o juízo determine que tais ações corram em segredo de justiça”. 

 

Requereu, ao final, a apuração dos fatos narrados e aplicação da sanção disciplinar cabível. 

 

Em decisão monocrática lançada no ID 4586842, a Corregedoria Nacional de Justiça determinou o arquivamento sumário da presente reclamação disciplinar, nos termos do no art. 8º, I, do RICNJ, por tratar o expediente de matéria exclusivamente jurisdicional, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça. 

 

Alega o recorrente, em suas razões recursais (ID 4607181), que: 

A presente Reclamação Disciplinar, entende ser de suma importância, para deixar frisado que o magistrado Gislene Rodrigues Mansur, da 17ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte - MG, proferiu, em sede liminar nos autos 5181405-37.2021.8.13.0024 e 5089431-16.2021.8.13.0024, decisão em desconformidade com a legislação brasileira vigente. 

[...] 

Por todo exposto, verifica-se a necessidade de construção do entendimento de que não há previsão para que os processos de Busca e Apreensão tramitem em segredo de justiça, tampouco há fundamentação para que ocorra a determinação por liberalidade do juízo. 

[...] 

Ante todo o exposto, requer a este Conselho Nacional de Justiça que a decisão retro seja reformada para que sejam apurados os fatos acima narrados, instaurando-se o competente processo legal administrativo disciplinar para aplicação da penalidade cabível e prevista em lei para a espécie”. 

 

A magistrada recorrida apresentou contrarrazões nos seguintes termos (ID 4633815): 

 

Das razões do recurso, observa-se que o pedido de reforma e, pois, instauração de processo administrativo disciplinar, escuda-se no conteúdo das decisões proferidas por esta Magistrada no âmbito dos processos n. 5181405-37.2021.8.13.0024 e 5089431.16.2021.8.13.0024, sendo de se ressaltar que o reclamante apenas advoga no último deles. Segundo o reclamante, após pesquisa por amostragem, foi constatado que esta e outros Magistrados têm decidido pela imposição do sigilo processual em ações de busca e apreensão intentadas por instituições financeiras, ao fundamento de ser medida necessária para a garantia da efetividade processual. Apontou que, segundo levantamentos, constatou-se haver processos em que, depois do cumprimento da medida liminar, não houve possibilidade de os demandados acessarem os autos devido à imposição do segredo de justiça, fato do qual decorreu o cerceamento do direito de defesa. 

Observa-se, como bem percebido na decisão recorrida, que a pretensão do reclamante é a instauração de processo disciplinar em face desta Magistrada, a fim de tolher-lhe o exercício independente de seu ofício, eis que a questão trazida à apreciação dessa Corregedoria Nacional de Justiça insere-se na esfera de seu livre convencimento motivado. 

Isso porque, a se ver da cópia da decisão que se aponta como fruto da infração disciplinar imputada a esta Magistrada, refere-se ela, sem desbordo, ao exercício exclusivo da atividade jurisdicional. Referida decisão, ainda que sucintamente, encontra-se motivada na real necessidade de se garantir a efetividade processual, sem traço de qualquer abuso ou ilegalidade. 


Por isso, a decisão objeto de atenção nos autos está sujeita apenas ao devido processo legal, devendo, por isso mesmo, ser vergastada por recurso próprio e não dar azo a reclamação perante essa Corregedoria Nacional de Justiça, em franca intimidação a esta Magistrada no exercício lídimo de seu mister. 


Esse traço, inclusive, é aferido da leitura das razões de recurso, nas quais o reclamante deixa claro o seu intento de fazer com que a reclamação ganhe abrangência coletiva, numa tentativa de se alterar o conteúdo de decisões de outros vários Magistrados, como se afere das referências à amostragem e a levantamentos, bem assim a informações genéricas de cerceamento de defesa em processo judicial advindo, segundo o reclamante, da imposição do sigilo processual. Em vez de o reclamante recorrer ao devido processo legal e apresentar recurso para eventual reforma em segundo grau de jurisdição, vem a essa Corregedoria Nacional de Justiça expressar, em verdade, intento de uniformização da jurisprudência sobre o assunto: imposição de sigilo processual nas ações de busca e apreensão intentadas por instituições financeiras até o cumprimento da medida liminar. 

Não se presta a isso o nobre Conselho Nacional de Justiça, vocacionado, constitucionalmente, ao controle da atuação administrativa e financeira dos Tribunais e do cumprimento dos deveres funcionais pelos juízes. Não lhe compete atuação jurisdicional de segundo grau, inclusive, de uniformização da jurisprudência.” 

 

É o relatório. 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0000115-79.2022.2.00.0000
Requerente: RILKER RAINER PEREIRA BOTELHO
Requerido: GISLENE RODRIGUES MANSUR

 


VOTO

 

Tempestivo o recurso interposto, passo a apreciar suas razões. 

 

De saída, observo que a parte recorrente não trouxe qualquer razão jurídica ou fato novo capaz de infirmar a decisão monocrática terminativa.  

 

Ao contrário, apenas ratifica as alegações expostas na petição inicial, impugnando, uma vez mais, a decisão liminar proferida pela juíza requerida, nos autos dos Processos n.º 5181405-37.2021.8.13.0024 e nº 5089431-16.2021.8.13.0024, 17ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte – MG, arguindo que “não se pode fechar os olhos para o comportamento do magistrado diante da desconformidade da decisão com a legislação vigente”. 

 

Ora, toda a matéria aqui levantada envolve o inconformismo do recorrente com o teor de decisão judicial, cuja apreciação sobre o acerto ou desacerto escapa, como já disse, da competência da Corregedoria Nacional de Justiça. 

 

Nesse cenário, repiso que não é atribuição deste órgão censório reconhecer nulidades processuais ou reformar decisões proferidas com amparo no livre convencimento motivado do julgador, como ocorreu no caso dos autos, ainda que possam parecer, no entender da recorrente, descumprir comandos legais. 

 

Vale dizer, erros judiciais, assim entendidos aqueles que envolvem questões de natureza jurisdicional e são relacionados com o processo em que proferida a decisão impugnada, não configuram infração administrativa passível de punição, salvo se demonstrada desídia, dolo, abuso de poder ou desvio de finalidade, o que, como já se disse, não ficou demonstrado na hipótese vertente. 

 

Confiram-se, quanto ao tema, os seguintes julgados deste Conselho Nacional de Justiça: 

 

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA. NÃO DEMONSTRADO ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. ART. 8º, INCISO I, DO REGIMENTO INTERNO DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA.  

 

1. Exame de matéria eminentemente jurisdicional. Impossibilidade de análise do acerto ou desacerto das decisões jurídicas pela via correcional. 

 

2. Em âmbito administrativo-disciplinar, é necessário que se leve em conta o caso concreto e o elemento subjetivo da conduta do magistrado para verificação da existência de indícios de desvio de conduta na prática de ato jurisdicional, o que não se verifica neste caso.  

 

3. O art. 8º, inciso I, do Regimento Interno da Corregedoria Nacional de Justiça exige o arquivamento sumário das reclamações que, entre outras, se apresentem manifestamente improcedentes. 

 

4. Não há justa causa ou razoabilidade para instauração de procedimento administrativo disciplinar.   

 

5. Ausência de infringência aos deveres funcionais ou de conduta ilícita da magistrada.  

 

Recurso administrativo improvido. 

 

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0008092-30.2019.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 62ª Sessão Virtual - julgado em 27/03/2020) 

 

  

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. NATUREZA ESTRITAMENTE JURISDICIONAL DA DEMANDA. INCABÍVEL A INTERVENÇÃO DO ÓRGÃO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS DEVERES DO MAGISTRADO. RECLAMAÇAO DISCIPLINAR DESPROVIDA DE FUNDAMENTO DE FATO. ART. 8ª, INCISO I, DO RICNJ. RECURSO NÃO PROVIDO. 

 

1. O arrazoado recursal refere-se a matéria de natureza estritamente jurisdicional, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça. 

 

2. Hipótese em que os reclamantes atribuem às decisões judiciais que lhes foram desfavoráveis viés administrativo-disciplinar, sem demonstrar irregularidade ou infração praticada pelo reclamado. 

 

3. A ausência de justa causa exige o arquivamento da reclamação nos termos do disposto no artigo 8º, inciso I, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça. 

 

4. Recurso administrativo a que se nega provimento.  

 

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0005262-57.2020.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 82ª Sessão Virtual - julgado em 19/03/2021). 

 

Assim, é de se reconhecer que o recorrente não comprovou a existência de infração funcional capaz de autorizar a intervenção excepcional da Corregedoria Nacional de Justiça, estando ausentes indícios de irregularidade ou infração disciplinar capazes de ensejar a necessária justa causa motivadora da instauração de processo administrativo disciplinar, tratando-se o inconformismo apresentado de matéria exclusivamente jurisdicional. 

 

Ressalto, por fim, a título de informação, que o recorrente protocolou, neste Conselho Nacional de Justiça, outras 7 (sete) reclamações disciplinares com a mesma causa de pedir e pedido, alterando somente o magistrado no polo passivo da demanda, que, da mesma forma, foram arquivadas monocraticamente por esta Corregedoria, nos termos do fundamento da decisão ora combatida. 

 

Ante o exposto, conheço do recurso administrativo e, no mérito, nego-lhe provimento. 

 

É como voto 

 

Brasília, data registrada no sistema.  

 

 

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Corregedora Nacional de Justiça 

A39/Z11