RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. RECLAMAÇÃO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1 - Em consulta ao sistema de informações processuais do Conselho Nacional de Justiça, verifica-se que, no último ano, o requerente formulou dezenas de requerimentos contra membros do Tribunal da Justiça, arquivados pela Corregedoria Nacional de Justiça, por motivos como a ausência de indícios de desvios funcionais ou a falta de elementos mínimos para o prosseguimento do feito.

2 - É manifestamente incabível o reclamo que imputa infrações disciplinares a membros da Corregedoria-Geral e do Tribunal de Justiça, na tentativa de defender tese de suposta injustiça nos processos disciplinares a que o reclamante respondeu e se insurgir imotivadamente contra a pena que lhe foi aplicada.

3 - É inadmissível a instauração de procedimento disciplinar quando inexistentes indícios ou fatos que demonstrem que o magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.  

 4 - Recurso administrativo a que nega provimento.

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Mário Goulart Maia (vistor), o Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 12 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

RELATÓRIO        

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

Cuida-se de recurso administrativo apresentado por LUIZ GUILHERME MARQUES (Id 4702319) contra decisão da minha lavra que determinou o arquivamento sumário de reclamação disciplinar formulada pelo recorrente em desfavor de GILSON SOARES LEMES, Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (porque este rejeitara a impugnação do reclamante à candidatura de um Desembargador a uma vaga no Órgão Especial daquele Tribunal), por ausência de justa causa para a instauração de procedimento disciplinar (Id 4697439).

Sustenta o reclamante que “deve prevalecer o princípio do 'iura novit curia', ou seja, o representado tem o dever de saber que a CF garante a qualquer cidadão questionar nos termos do art. 5º, sendo o caso do peticionante, que apresentou fato grave imputado ao candidato a uma vaga no Órgão Especial, no caso, o Desembargador Agostinho Gomes de Azevedo” e que “tem o peticionante legitimidade para questionar a candidatura acima referida, com base no referido dispositivo constitucional, que suplanta a regra do Regimento Interno do TJMG, o qual não afirma que 'somente' os Desembargadores do TJMG têm legitimidade, podendo-se entender que o dispositivo constitucional não foi arranhado pela regra interna do TJMG.”

Ao final, “requer, por conseguinte, a revisão da análise do caso pelo Pleno para realmente prestigiar-se a cidadania, sob pena de confirmar-se a suspeita de que não estamos vivendo em um Estado Democrático de Direito.”

Em novo petitório (Id 4702872), o recorrente acresce outras questões ao presente expediente, aduzindo que “em complementação à petição inicial, vem acrescentar, respeitosamente, o fato do imputado, ao invés de dar seguimento a um requerimento do peticionante, formulado em 29/10/2021, no sentido de submeter ao Pleno o pedido de revogação do inciso XV do art. 46 da Resolução 355/CGJ/2018, sequer tomou conhecimento do pedido, de tal forma que, se aprovada fosse a revogação desse dispositivo legal, não haveria base para os votaram pela condenação à aposentadoria compulsória do peticionante em 06/04/2022 assim pleitearem.”

Afirma que “a má vontade do imputado para com o peticionante fica evidenciada em todos os requerimentos do peticionante, rejeitando-os liminarmente em uns casos, deixando paralisados, sem andamento em outros e, assim, configura-se o desvio funcional que deve ser apurado através de processo administrativo disciplinar, como deve acontecer com qualquer membro do Judiciário, não podendo isentar-se as autoridades do 2º grau da hierarquia funcional, gerando sua impunidade” e requer a inclusão dessa falta funcional igualmente neste procedimento.

Aduz, ainda, que “igualmente, o peticionante pede que seja considerado um pedido que o peticionante fez em outro procedimento e que sequer foi analisado, ou seja, o fato do imputado ser proprietário de uma loja alugada para a Caixa Econômica Federal em Betim, na Avenida Governador Valadares 445, e, mesmo assim, ter atuado, quando Juiz naquela Comarca, em um processo em que a referida empresa era exequente, assinando o edital de hasta pública anexo.”

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

Em consulta ao sistema de informações processuais do Conselho Nacional de Justiça, verifica-se que, no último ano, o requerente formulou dezenas de requerimentos contra Desembargadores do Tribunal da Justiça do Estado de Minas Gerais, arquivados pela Corregedoria Nacional de Justiça, por motivos como a ausência de indícios de desvios funcionais ou a falta de elementos mínimos para o prosseguimento do feito.

Nesse sentido, foram arquivadas sumariamente a RD 0002555-48.2022.2.00.0000, a RD 0002497-45.2022.2.00.0000, a RD  0001916-30.2022.2.00.0000, a RD 0007614-51.2021.2.00.0000, a RD 0007507-07.2021.2.00.0000, a RD 0005673-66.2021.2.00.0000 e a RD 0005550-68.2021.2.00.0000, todas por ausência de indícios de infração disciplinar e pela falta de justa causa para a instauração de PAD; a RD 0001111-77.2022.2.00.0000 e o PP 0006222-76.2021.2.00.0000, pela vedação ao exame de matéria jurisdicional pela Corregedoria Nacional de Justiça; a RD 0009264-36.2021.2.00.0000, diante da impossibilidade de revisão de decisão tomada por órgão colegiado de Tribunal, em sede de Processo Administrativo Disciplinar; e a RD 0007359-93.2021.2.00.0000, pelo não cabimento de revisão, pelo CNJ, de decisão ou ato interlocutório praticado por Corregedor-Geral de Justiça na condução de investigações ou apurações de infrações disciplinares.

No presente expediente, insurge-se o recorrente contra a decisão do Desembargador Gilson Soares Lemes, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que não conheceu, por ilegitimidade ativa e por perda de objeto, da impugnação do reclamante à candidatura de um Desembargador a uma vaga no Órgão Especial daquele Tribunal, além de outros fatos apontados no precluso petitório juntado no Id 4702872.

Anoto ser este mais um reclamo do requerente tentando imputar infrações disciplinares a membro da Corregedoria-Geral e do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o que, explicitamente, pelo que se deflui da juntada de documentos pelo próprio requerente, nestes autos, são voltados a defender tese de suposta injustiça nos processos disciplinares a que respondeu, o que denota, em tese, desvio de finalidade em mais este reclamo. 

Com efeito, ao fim e a cabo, este é apenas mais uma das tentativas de o requerente se insurgir imotivadamente contra a grave pena que lhe foi aplicada.

Assim, da análise dos autos, não se verifica a existência de indícios mínimos da prática de infração disciplinar ou desvio funcional pelo reclamado, não se inferindo a viabilidade de adoção de qualquer providência no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça (art. 103-B, § 4°, da CF/88). 

Decerto, nos termos do entendimento do Conselho Nacional de Justiça, é inadmissível a instauração de procedimento disciplinar quando inexistentes indícios ou fatos que demonstrem que o magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.  

Os procedimentos disciplinares não podem ter prosseguimento em hipóteses circunscritas a simples ilações, referências genéricas, conjecturas pessoais, pois a instauração de PAD pressupõe que as imputações tenham sido respaldadas por provas ou indícios que evidenciem a prática de condutas ilícitas por parte do magistrado.  

No presente caso, ao que se extrai da própria letra da reclamação formulada, não há indícios que demonstrem que o magistrado reclamado tenha descumprido seus deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.

Com efeito, não há justa causa ou razoabilidade para instauração de procedimento administrativo disciplinar.

A propósito, a demonstração de justa causa é requisito essencial para a instauração de PAD, conforme reiterada jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça:   

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA. NÃO DEMONSTRADO ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. ART. 8º, INCISO I, DO REGIMENTO INTERNO DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. 1. Exame de matéria eminentemente jurisdicional. Impossibilidade de análise do acerto ou desacerto das decisões jurídicas pela via correcional. 2. Em âmbito administrativo-disciplinar, é necessário que se leve em conta o caso concreto e o elemento subjetivo da conduta do magistrado para verificação da existência de indícios de desvio de conduta na prática de ato jurisdicional, o que não se verifica neste caso. 3. O art. 8º, inciso I, do Regimento Interno da Corregedoria Nacional de Justiça exige o arquivamento sumário das reclamações que, entre outras, se apresentem manifestamente improcedentes. 4. Não há justa causa ou razoabilidade para instauração de procedimento administrativo disciplinar. 5. Ausência de infringência aos deveres funcionais ou de conduta ilícita da magistrada. Recurso administrativo improvido.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0008092-30.2019.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 62ª Sessão Virtual - julgado em 27/3/2020)  

Dessa forma, há que se manter o arquivamento da presente reclamação disciplinar.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo. 

É o voto.