Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001023-39.2022.2.00.0000
Requerente: LORENA SOARES SIROTHEAU e outros
Requerido: AIRTON LUÍS CORRÊA GENTIL

 

 

EMENTA 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA ESTRITAMENTE JURISDICIONAL. FATOS QUE NÃO CONSTITUEM INFRAÇÃO DISCIPLINAR. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Não há nos autos indícios que demonstrem a prática de qualquer infração disciplinar ou falta funcional que possam ensejar a instauração de processo administrativo disciplinar.

2. Os argumentos desenvolvidos pela reclamante demonstram insatisfação com o conteúdo de decisão proferida nos autos judiciais.

3. O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

4. Mesmo invocações de error in judicando e error in procedendo não se prestam a desencadear a atividade censória, salvo exceções pontualíssimas das quais se deduza, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida esta, o que também não se verifica na espécie.

5. Recurso administrativo a que se nega provimento.

 


 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 10 de junho de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Mário Goulart Maia. Não votaram o Excelentíssimo Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público Estadual.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001023-39.2022.2.00.0000
Requerente: LORENA SOARES SIROTHEAU e outros
Requerido: AIRTON LUÍS CORRÊA GENTIL


 

RELATÓRIO  

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA:  

Trata-se de Recurso Administrativo interposto por LORENA SOARES SIROTHEAU contra a decisão que determinou o arquivamento da presente Reclamação Disciplinar, formulada em desfavor do Desembargador AIRTON LUIS CORREA GENTIL, do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.

Na peça inicial, a requerente, ora recorrente, alegou que o magistrado estaria praticando atos de “abuso de poder ao deixar de dar cumprimento à própria decisão” como relator dos autos do Agravo de Instrumento nº 4006987-64.2021.8.04.0000 (ID 4625906).

Expôs que o requerido teria homologado acordo firmado, em sede de apelação nos autos do Processo Judicial nº 0636234-53.2014.8.04.0001, entre a requerente, representando o alimentando e filho menor de idade, e a parte adversa da demanda, ora alimentante e genitor da criança.

No entanto, após a homologação e a remessa dos autos ao juízo a quo para execução, afirmou que o executado “procrastina o cumprimento do título executivo judicial por meio de elementos impertinentes para o momento processual da execução, e, surpreendentemente, também pelos membros do Poder Judiciário”. 

Assim, contra decisão proferida pelo juízo de primeiro grau que acolheu parcialmente justificativa apresentada pelo genitor da criança, a executante, ora recorrente, interpôs Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo ativo, cujos autos foram distribuídos ao Desembargador ora reclamado que, por sua vez, deferiu o pedido formulado pela requerente.

Narrou que uma das condutas tidas por violadoras dos deveres da magistratura seria o fato de ter reclamado advertido a recorrente “que nova manifestação desconforme ao rito recursal previsto na norma incidirá nas sanções processuais de litigância de má-fé”, quando peticionou nos autos de referido agravo para informar que o executado não estava cumprindo a decisão judicial (ID 4625906, p.4).

Portanto, afirmou que “tal pronunciamento, por si só, já revela o comportamento nocivo e teratológico do reclamado, porquanto foi este quem já havia concedido a tutela ao alimentando e, subitamente, volta-se contrário à sua própria decisão ao tomar conhecimento que ela estava sendo descumprida”.

Além disso, alegou que “o reclamado tem reiterado seu abuso de poder sob o teratológico comportamento de reabrir vista ao Ministério Público que, por diversas vezes, já se manifestou no mesmíssimo sentido de que o título executivo judicial deve ser cumprido na sua integralidade” (sic).

Ao fim, relatou que o magistrado também teria incorrido em falta funcional ao proferir decisão que não conheceu de agravo interno interposto contra decisão que determinou a oitiva do Ministério Público em decorrência do interesse do menor incapaz, por falta de pressuposto de admissibilidade recursal.  

Requereu a apuração dos fatos narrados, a instauração do competente processo administrativo disciplinar para aplicação da penalidade cabível. 

Foi determinado o arquivamento do presente expediente, com fundamento no art. 8º, I, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (ID 4656726).

Inconformada, a reclamante interpôs recurso administrativo contra a decisão de arquivamento. Nas razões recursais, a recorrente reforça as mesmas alegações expostas na peça inicial. Ao fim, requer “que seja submetido o presente Recurso Administrativo ao Plenário do CNJ para apreciação e consequente instauração de processo administrativo disciplinar” (ID 4674275, p.30).

Intimado (ID 4689970), o Magistrado apresentou contrarrazões (ID 4704640).

É o relatório.

 

Z12

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001023-39.2022.2.00.0000
Requerente: LORENA SOARES SIROTHEAU e outros
Requerido: AIRTON LUÍS CORRÊA GENTIL

 

 

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA: 

O recurso administrativo não merece provimento.

A recorrente insurge-se contra decisão de arquivamento e, por meio do presente recurso, reafirma as teses expostas na inicial, afirmando que (ID 4674275): 

[...] a flagrante restrição ao direito do recorrente de ver garantido os alimentos deferidos em tutela urgente concedida há quase 06 meses ao deferir o efeito ativo ao agravo de instrumento, deixa evidenciada a desobediência do reclamado aos deveres impostos pela Lei Orgânica da Magistratura e caracteriza infração disciplinar a ser apurada e aplicada por esse CNJ por esta via recursal. 

No entanto, razão não assiste à recorrente.

Está evidente que a irresignação constante da peça inicial se refere a exame de matéria estritamente jurisdicional, uma vez que diz respeito a análise do teor das decisões e despachos proferidos pelo Desembargador nos autos do Agravo de Instrumento nº 4006987-64.2021.8.04.0000 e do Agravo Interno nº 0001191-29.2022.8.04.0000.

Nos termos do entendimento do Conselho Nacional de Justiça, é inadmissível a instauração de procedimento disciplinar quando inexistentes indícios ou fatos que demonstrem que o magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.  

Além disso, não cabe à Corregedoria regular a atuação jurisdicional de magistrados, ao passo que se verifica, in casu, que o reclamado proferindo decisões fundamentadas, como é possível observar das peças processuais juntadas pela própria reclamante, ora recorrente.

Assim, somados aos fundamentos da decisão que determinou o arquivamento do feito, acrescentam-se  os argumentos narrados pelo Desembargador Airton Luís Correa Gentil, em sede de contrarrazões (ID 4704640):

[...] Este Juízo preza pelo cumprimento do procedimento recursal previsto no Código de Processo Civil e observância dos prazos. Isso porque a obediência à norma acarreta segurança jurídica e previsibilidade da data de julgamento no qual, segundo precedentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não pode ultrapassar 100 (cem) dias.

Neste sentido, as formalidades do agravo de instrumento encontram-se previstas expressamente nos artigos 1015 a 1020 do Código de Processo Civil tecendo, na hipótese, após a propositura do recurso, análise do pedido de efeito suspensivo com intimação do agravado para apresentar contrarrazões, oitiva do Graduado Órgão do Ministério Público, e, finalmente, deliberação colegiada.

Nesta lógica, após decisão deferindo do pedido de efeito suspensivo e antes da manifestação da parte adversa compareceu o recorrente asseverando descumprimento da medida, momento no qual o pedido foi indeferido.

Apresentadas as contrarrazões recursais, determinei a imediata oitiva do Graduado Órgão do Ministério Público por envolver interesse de incapaz, momento no qual o recorrente interpôs recurso (agravo interno 0001191-29.2022.8.04.0000).

Da análise das razões recursais, neguei seguimento ao agravo interno porquanto de despacho ordinatório não cabe recurso, conforme previsão no art. 1001 do Código de Processo Civil e reiterados precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

Interposto embargos de declaração (processo 0001280-52.2022.8.04.0000) não conheci do recurso porquanto ausente vícios e nítida pretensão de rejulgamento, ocorrendo o trânsito em julgado.

Após promoção ministerial, o recorrente compareceu aos autos, em duas oportunidades, requerendo nova oitiva do Graduado Órgão do Ministério Público ao argumento de pretensa alteração fática, hipótese deferida por este Juízo.

Neste momento, os autos do agravo de instrumento 4006987-64.2021.8.04.0000 encontram-se conclusos ao Graduado Órgão do Ministério Público, conforme solicitação do recorrente, inexistindo abuso de poder e sequer excesso de prazo.

Isso porque este Juízo preza pelo interesse público e a atuação jurisdicional ocorreu no âmbito de sua competência de acordo com o Código de Ritos, inexistindo via de consequência, pelo relato dos fatos acima abuso de poder, error in procedendo e sequer excesso de prazo.

Não se ignora que, travestido de ato jurisdicional, poderia haver abuso de poder, desvio de finalidade ou busca/proteção de interesses escusos.

Contudo, no caso em presença, não há indícios que sinalizem a prática de alguma dessas condutas indevidas.

Com efeito, o Conselho Nacional de Justiça, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das presentes no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. Nesse sentido, vide o seguinte julgado:

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA EMINENTEMENTE JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. 1. A análise dos fatos narrados neste expediente refere-se a exame de matéria eminentemente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça. 2. Com efeito, a correção do alegado equívoco jurídico do magistrado, na condução do processo, deve ser requerida pela via jurisdicional. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. Arquivamento da reclamação disciplinar. (CNJ. Reclamação disciplinar nº 0005027-90.2020.2.00.0000, 77ª Sessão Virtual – Plenário. Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, v.u., j. 20/11/2020).

Mesmo invocações de error in judicando e error in procedendo não se prestam a desencadear a atividade censória, salvo exceções pontualíssimas das quais se deduza, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida esta, o que também não se verifica na espécie.

Aliás, eventual divergência na interpretação ou aplicação da lei não torna o ato judicial, por si só, teratológico, muito menos justifica a intervenção correcional. A propósito:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. DESVIO DE CONDUTA. INEXISTENTE. ABUSO E TERATOLOGIA DAS DECISÕES JUDICIAIS. INSUFICIENTE. ERROR IN PROCEDENDO. JURISDICIONAL. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O liame objetivo entre ato jurisdicional e desvio funcional foi traçado tão somente em relação ao conteúdo de decisões judiciais e na subjetiva convicção de que são abusivas e teratológicas. 2. É necessário que se demonstre concretamente o ato abusivo do magistrado, ou seja uma falha de postura do julgador que se coadune a uma das infrações disciplinares tipificadas no Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN. 3. As invocações de erro de procedimento (error in procedendo) e erro de julgamento (error in judicando) impedem a atuação correcional, pois carregadas de conteúdo jurisdicional. 4. Recurso não provido (CNJ. Reclamação disciplinar nº 0000784-74.2018.2.00.0000, 275ª Sessão Ordinária – Plenário. Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, v.u., j. 07/08/2018).

Dessa forma, deve ser mantida a decisão monocrática de arquivamento, razão pela qual NEGO PROVIMENTO ao recurso.

É como voto.

 

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Corregedora Nacional de Justiça 

Z12