Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003251-94.2016.2.00.0000
Requerente: GABRIEL CONSIGLIERO LESSA
Requerido: CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E CRIMINAL. INTIMAÇÃO DAS PARTES VIA APLICATIVO WHATSAPP. REGRAS ESTABELECIDAS EM PORTARIA. ADESÃO FACULTATIVA. ARTIGO 19 DA LEI N. 9.099/1995. CRITÉRIOS ORIENTADORES DOS JUIZADOS ESPECIAIS. INFORMALIDADE E CONSENSUALIDADE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. O artigo 2º da Lei n. 9.099/1995 estabelece que o processo dos Juizados será orientado pelos “critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”.

2. O artigo 19 da Lei n. 9.099/1995 prevê a realização de intimações na forma prevista para a citação ou por “qualquer outro meio idôneo de comunicação”.

3. A utilização do aplicativo whatsapp como ferramenta para a realização de intimações das partes que assim optarem não apresenta mácula.

4. Manutenção dos meios convencionais de comunicação às partes que não se manifestarem ou que descumprirem as regras previamente estabelecidas.

5. Procedência do pedido para restabelecer os termos da Portaria que regulamentou o uso do aplicativo whatsapp como ferramenta hábil à realização de intimações no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Comarca de Piracanjuba/GO.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou procedente o pedido para ratificar integralmente a Portaria Conjunta n. 01/2015, do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Piracanjuba/GO e da Ordem dos Advogados do Brasil, nos termos do voto da Relatora. Plenário Virtual, 23 de junho de 2017. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros João Otávio de Noronha, Lelio Bentes, Carlos Levenhagen, Daldice Santana, Gustavo Tadeu Alkmim, Bruno Ronchetti, Fernando Mattos, Carlos Eduardo Dias, Rogério Nascimento, Arnaldo Hossepian, Norberto Campelo, Luiz Cláudio Allemand, Henrique Ávila e Maria Tereza Uille. Não votou a Excelentíssima Conselheira Presidente Cármen Lúcia.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003251-94.2016.2.00.0000
Requerente: GABRIEL CONSIGLIERO LESSA
Requerido: CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS


RELATÓRIO

 

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) instaurado por Gabriel Consigliero Lessa, Juiz de Direito da Comarca de Piracanjuba/GO, por meio do qual impugna decisão proferida pelo Corregedor-Geral da Justiça do Estado de Goiás, Desembargador Gilberto Marques Filho, que não ratificou a Portaria Conjunta n. 01/2015 e determinou a sua revogação.

A Portaria em comento, elaborada em conjunto com a Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de Piracanjuba, dispõe sobre o uso facultativo do aplicativo whatsapp como ferramenta para intimações e comunicações, no âmbito do Juizado Especial Cível e Criminal daquela comarca, às partes que voluntariamente aderirem aos seus termos.

O requerente informa que, além de ser facultativa a adesão à Portaria, era necessária a confirmação do recebimento da mensagem no mesmo dia do envio, caso contrário, a intimação da parte ocorreria pela via convencional.

Assevera o sigilo e a segurança das informações transmitidas por meio de tal aplicativo, conforme preconiza a Lei n. 12.965/2014 (marco civil da internet), a qual obriga as operadoras e mantenedoras desses aplicativos a guardarem sob sigilo dados e registros dos usuários, sob pena de sanções.

Afirma que os recursos tecnológicos são aliados do Poder Judiciário para evitar a morosidade do processo judicial e que, com a aplicação da Portaria Conjunta n. 01/2015, observou-se, de imediato, redução dos custos e do período de trâmite processual. Nessa perspectiva, cita o programa “Redescobrindo os Juizados Especiais”, lançado pela Corregedoria Nacional de Justiça em 2015, que objetiva retomar a ideia de celeridade no âmbito dos juizados especiais, valendo-se do uso da tecnologia.

Relata, ainda, o recebimento de menção honrosa no Prêmio Innovare, em 2015, o que demonstra a viabilidade desse meio de intimação.

Enfatiza a importância da iniciativa e informa haver sido contatado por interessados na reprodução do projeto em outros âmbitos de atuação, após o destaque no Prêmio Innovare.

Acrescenta que o artigo 19 da Lei n. 9.099/95 prevê a utilização de “qualquer outro meio idôneo de comunicação” e que a interpretação da expressão “meio idôneo” constitui conceito indeterminado, possibilitando ampla significação.

Alega que, “ao não ratificar a Portaria Conjunta e determinar a sua revogação, a decisão em questão vulnerou os princípios da celeridade, simplicidade, informalidade e economia processual, os quais orientam os processos que tramitam nos Juizados Especiais, bem como fez interpretação equivocada do termo “qualquer meio idôneo de comunicação” contido no artigo 19 da Lei nº 9.099/95, em nefasto conformismo aos métodos ortodoxos de comunicação”.

Ao final, pugna pela procedência deste PCA para que o CNJ proceda à revisão da decisão proferida pelo Corregedor-Geral da Justiça do Estado de Goiás, com a consequente ratificação da Portaria Conjunta n. 01/2015.

Instando a manifestar-se, o Corregedor-Geral da Justiça do Estado de Goiás prestou as seguintes informações: (i) a ausência de sanções processuais quando não atendida a intimação torna o sistema ineficaz, pois o jurisdicionado somente confirmará o recebimento quando houver interesse no conteúdo; (ii) houve redução da força de trabalho no juízo, pois a nova sistemática demandou a designação de dois servidores para operacionalizá-la; (iii) a empresa estrangeira (Facebook), controladora do aplicativo whatsapp, vem descumprindo determinações judiciais para que sejam revelados os conteúdos das mensagens, em ofensa à Lei n. 12.965/2014 (marco civil da internet); (iv) há necessidade de regulamentação legal para permitir que um aplicativo controlado por empresa estrangeira seja utilizado como meio de intimações judiciais, o que não ocorre no caso.

Por fim, o Tribunal esclarece não haver oposição aos avanços tecnológicos por parte da Administração, mas sim a observância aos princípios da legalidade, cautela e segurança jurídica na condução de projetos inovadores.

É o relatório.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003251-94.2016.2.00.0000
Requerente: GABRIEL CONSIGLIERO LESSA
Requerido: CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS

 


VOTO

 

O requerente insurge-se contra a decisão proferida pelo Corregedor-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás que não ratificou a Portaria Conjunta n. 01/2015, a qual dispunha sobre a utilização do aplicativo whatsapp como ferramenta para intimações de processos em trâmite no âmbito do Juizado Cível e Criminal de Piracanjuba/GO.

Para facilitar a compreensão dos termos da extensa Portaria, editada pelo Juizado Especial Cível e Criminal de Piracanjuba/GO em conjunto com a Subseção da Ordem dos Advogados da mesma comarca, apresento seu conteúdo de forma sintetizada (ID 1984586):

 

·        Ferramenta: aplicativo whatsapp;

 

·        Imagem constante no aplicativo: arte gráfica do Tribunal, símbolos da República ou outros criados com fim específico para o Juizado Cível e Criminal da Comarca;

 

·        Número telefônico: o juízo utilizará número telefônico exclusivamente para essa finalidade; a parte será contatada pelo número telefônico que indicar;

 

·        Adesão: facultativa, após solicitação expressa. O silêncio implica manutenção dos métodos convencionais de comunicação;

 

·        Público-alvo: partes, membros do Ministério Público, autoridades policiais e integrantes de outros órgãos públicos, após solicitação expressa;

 

·        Dinâmica: serão encaminhadas as manifestações jurisdicionais em forma de imagem, via whatsapp, durante o expediente forense, para o telefone indicado pela parte. Esta será considerada intimada caso responda à mensagem no prazo de 24 horas, ainda que fora do horário de expediente forense. Caso não haja resposta no prazo indicado, haverá intimação convencional;

 

·        Penalidades: o descumprimento dos termos da Portaria por duas vezes, consecutivas ou alternadas, implicará o desligamento do aderente, o qual somente poderá solicitar nova inclusão após o período de 6 meses. Será também desligado o participante que enviar textos, imagens e vídeos com finalidade desvirtuada da contida na Portaria;

 

·        Contagem de prazos: na forma da legislação civil;

 

·        Ressalva: a ferramenta não será utilizada para processos que tramitarem em segredo de justiça;

 

·        Execução: foram destacados dois servidores da serventia para cumprimento dos termos da Portaria;

 

·        Esclarecimentos sobre a Portaria: foi realizada palestra no auditório da Subseção da OAB da comarca para informar sobre o novo procedimento;

 

·        Publicidade: afixação da Portaria no placar do Fórum, na secretaria do Juizado e na sede da Subseção da OAB da Comarca.

 

Antes da análise da Portaria propriamente dita, cabe breve reflexão acerca do relevante papel dos juizados especiais sob a perspectiva da garantia de direitos.

Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais são regidos, no âmbito estadual, pela Lei n. 9.099/95. Nos termos da lei, são critérios orientadores do processo dos Juizados (art. 2º): “oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou transação”.

Não há dúvida de que o objetivo do legislador, ao criar tais juízos com competência para conciliação, processamento e julgamento de causas de menor complexidade, foi o de ampliar o acesso à Justiça, garantindo prestação jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva para o tratamento do conflito apresentado.

Nesse contexto, para causas de menor complexidade, previu-se, igualmente, um processo menos complexo. Não por acaso, os critérios da oralidade, da simplicidade e da informalidade foram eleitos como orientadores dos Juizados. Assim, opções por formas mais simples e desburocratizadas de realizar intimações, como é o caso da intimação via aplicativo whatsapp, longe de representarem ofensa legal, reforçam o microssistema dos Juizados Especiais.

Além disso, a busca da conciliação e da transação, também previstas no artigo 2º da Lei n. 9.099/95, deve nortear não apenas o tratamento do conflito em si, mas também o desenho do procedimento no qual o conflito será tratado. Em outros termos, a consensualidade eleita como critério orientador dos Juizados abrange acordos procedimentais ou negócios processuais.

Quanto aos meios consensuais, o novo Código de Processo Civil apresentou especial destaque para seu emprego, afinando-se ao objetivo já preconizado no âmbito dos juizados especiais desde a edição da Lei n. 9.099, em 1995.

Essa tendência é notada no artigo 191, no qual foi estabelecida permissão para fixação de calendário dos atos processuais, inclusive com dispensa de intimação (§ 2º). Além disso, o novo CPC, no artigo 190, caput, trouxe uma cláusula geral para negócios processuais atípicos (g. n.): “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”. Assim, atualmente, as partes são atuantes não apenas na decisão de seu conflito, mas também na escolha do procedimento para tratá-lo.

A mesma valorização da consensualidade é condizente com os ajustes interinstitucionais promovidos pelo Judiciário. Isso porque o diálogo entre as instituições vem se mostrando imprescindível para o gerenciamento dos processos, sobretudo no cenário de demandas repetitivas. Desse modo, descabe reprimir a iniciativa da edição de Portaria conjunta com a OAB local para promover o interesse comum de realizar intimações de modo mais eficiente.

Acrescente-se que a celeridade na prestação jurisdicional é aspecto que apresenta impacto para além do interesse individual da parte. Na realidade, quando o Poder Judiciário é célere, o cidadão comum passa a acreditar que, caso experimente situação de violação de direitos, poderá recorrer a uma estrutura que efetivamente disponha de condições de promover-lhe a Justiça.

Feitas essas considerações, não vejo outra possibilidade de conclusão para o caso em comento senão a total procedência do pedido.

O projeto inovador apresentado pelo magistrado requerente encontra-se absolutamente alinhado com os princípios que regem a atuação no âmbito dos juizados especiais, de modo que, sob qualquer ótica que se perquira, ele não apresenta vícios.

Desde a edição da Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006, a qual dispôs sobre a informatização do processo judicial, passou-se a admitir a inovação tecnológica como relevante aliada do Poder Judiciário. Nessa esteira, o próprio Conselho Nacional de Justiça também regulamentou o uso do processo eletrônico por meio da Resolução n. 185, de 18 de dezembro de 2013.

Ocorre que, mesmo nos processos com trâmite integral em meio digital, as comunicações das partes pelo método convencional ainda não foram totalmente suprimidas. Vale dizer: a informatização dos processos não fez desaparecer as comunicações processuais por meio de oficial de justiça ou correio, a despeito de posteriormente serem digitalizadas e acostadas aos autos eletrônicos.

E é sobre esse aspecto que versa o projeto elaborado pelo magistrado requerente: a garantia da celeridade da comunicação mediante uso de ferramenta tecnológica gratuita difundida em diversas camadas sociais.

A intimação via aplicativo whatsaspp foi oferecida como ferramenta facultativa, sem imposição alguma às partes. Sua utilização foi idealizada para a realização de intimações e não de citações. Além disso, a Portaria em comento preocupou-se em detalhar toda a dinâmica para o uso do aplicativo, estabelecendo regras e também penalidades para o caso de descumprimento.

Diferentemente do alegado pelo Tribunal requerido, a Portaria não extrapolou os limites regulamentares, pois apenas previu o uso de uma ferramenta de comunicação de atos processuais, entre tantas outras possíveis.

É o que preconiza o artigo 19 da Lei n. 9.099/95 (g. n.):

 

“Art. 19. As intimações serão feitas na forma prevista para citação, ou por qualquer outro meio idôneo de comunicação.”

 

Nota-se que a utilização da tecnologia ainda não era uma realidade no ano de 1995, como é nos dias atuais. Ainda assim, o legislador teve o cuidado de prever em cláusula aberta a utilização de “qualquer meio idôneo” no âmbito dos juizados. Nessa linha, o emprego do aplicativo apresenta perfeita representação do que a lei admite.

Quanto ao controle do conteúdo compartilhado, os casos concretos envolvendo o descumprimento de decisões judiciais por parte da empresa Facebook, proprietária do aplicativo whatsapp, em nada impactam seu uso para a finalidade pretendida nestes autos. É que a discussão circundante da relação whatsapp-Judiciário refere-se ao acesso por terceiros ao conteúdo das mensagens, não envolvendo os próprios interlocutores.

Nos casos dos autos, o diálogo será realizado entre o juízo e a parte, de modo que todo o conteúdo poderá ser acessado. Além do mais, a comunicação feita via whatsapp é posteriormente certificada nos autos, na forma da legislação vigente.

O destaque de dois servidores para cumprimento dos termos da Portaria também não merece reparos, pois de forma alguma reduz a força de trabalho da unidade. Isso porque as atividades por eles desenvolvidas, agora via aplicativo no celular, seriam praticadas em meio físico. Houve apenas modificação da forma empregada para o cumprimento das atividades cartorárias, com substituição do meio físico pelo digital[1].

Diante do exposto, julgo PROCEDENTE o pedido formulado para ratificar integralmente a Portaria Conjunta n. 01/2015, do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Piracanjuba/GO e da Ordem dos Advogados do Brasil (ID 1984586).

 

É como voto.

 

 

Conselheira DALDICE SANTANA

Relatora

 



[1] Recorde-se a edição da Resolução n. 227/2016, do CNJ, por meio da qual foi regulamentado o teletrabalho no âmbito do Poder Judiciário. A edição do ato normativo reforça a inexistência de prejuízo à unidade quando da utilização do meio eletrônico para a realização das tarefas, ainda que os servidores não estejam fisicamente na unidade.

 

 

Brasília, 2017-06-26.