Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0008404-06.2019.2.00.0000
Requerente: ELLEN MAGNO GERMANO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - TJMG

 


RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. IMPUGNAÇÃO DE ATO QUE INDEFERIU SUA INSCRIÇÃO PARA PARTICIPAÇÃO EM PROCESSO DE PROMOÇÃO VERTICAL POR SUPOSTA FALHA TÉCNICA NO SISTEMA ELETRÔNICO. INTERESSE MANIFESTAMENTE INDIVIDUAL. INEXISTÊNCIA DE FATO NOVO. NÃO PROVIMENTO 

I – Recurso Administrativo em Procedimento de Controle Administrativo interposto em face da decisão monocrática, que não conheceu do pedido formulado na inicial, haja vista o caráter manifestamente individual da pretensão.

II – A Requerente impugna ato do TJMG que indeferiu sua participação em processo de promoção vertical, regido pelo edital n. 01/2018, por conta de supostas falhas técnicas no sistema eletrônico em que as inscrições foram realizadas.

III - A questão não extrapola o âmbito de interesse meramente individual do peticionante.

IV – Em sede de recurso também não há elemento novo ou razão jurídica capaz de alterar a decisão combatida.

 V – Recurso Administrativo conhecido e desprovido. 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Vistor, o Conselho, por maioria, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Vencido o Conselheiro Mário Goulart Maia, que dava provimento ao recurso e determinava ao TJMG a correção do ato impugnado, estendendo os seus efeitos aos servidores eventualmente eliminados no contexto. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 22 de outubro de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Flávia Pessoa, Sidney Madruga, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal Regional Federal e da Justiça Federal.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0008404-06.2019.2.00.0000
Requerente: ELLEN MAGNO GERMANO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - TJMG


RELATÓRIO

 

Trata-se de Recurso Administrativo interposto por Ellen Magno Germano contra decisão monocrática que arquivou liminarmente Pedido de Providências, sob o fundamento de que a pretensão versa sobre interesse individual.

Em suas razões, a recorrente alegou que o Procedimento de Controle Administrativo é meio hábil para vindicar a correção da falha existente no certame, sem necessidade de instrumentalização de um processo coletivo ou de massa, o que ocasionaria a burocratização do processo.·  

Ao final, pugnou pelo conhecimento e desprovimento do recurso administrativo.

Embora a parte autora tenha opostos embargos de declaração contra a decisão monocrática, o expediente foi recebido como Recurso Administrativo, em homenagem ao princípio da fungibilidade, uma vez que foram observados os requisitos previstos no art. 115, § 2º, do RICNJ.

Intimado, o TJMG, em suas contrarrazões, informou que a Promoção Vertical 2018, objeto do Procedimento de Controle Administrativo, fora homologada pelo Presidente da Corte em 28.01.2020.

Ressaltou que os servidores vitoriosos no certame já se encontram reposicionados, em deferência à autonomia administrativa dos tribunais, conforme as suas condições orçamentárias e financeiras.

É o relatório.


 

Luiz Fernando BANDEIRA de Mello

Conselheiro Relator


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0008404-06.2019.2.00.0000
Requerente: ELLEN MAGNO GERMANO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - TJMG

 


VOTO


Conheço do recurso administrativo interposto, por atender aos requisitos do art. 115 do Regimento Interno. Contudo, não vislumbro razões para modificar a decisão anteriormente proferida.

 

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo, com pedido liminar, formulado por ELLEN MAGNO GERMANO contra o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS – TJMG, por meio do qual impugna ato do TJMG que indeferiu sua participação em processo de promoção vertical, regido pelo edital n. 01/2018, por conta de supostas falhas técnicas no sistema eletrônico em que as inscrições foram realizadas.

Em que pesem as considerações da recorrente, não vejo como acolher a pretensão de reforma da decisão monocrática proferida, que possui o seguinte teor:  

ELLEN MAGNO GERMANO, servidora do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, requer o deferimento de sua inscrição no processo de promoção vertical regido pelo Edital n. 01/2018, pois alega que todos os requisitos exigidos foram preenchidos.

Em que pese a explanação da parte autora acerca dos fatos contra os quais se insurge, a demanda em tela não reúne os requisitos para ser conhecida por este Conselho.

Ao Conselho Nacional de Justiça compete apreciar o controle da legalidade de atos administrativos, observada a configuração de interesse geral e do caráter nacional do questionamento. Não cabe, pois, interferir em toda e qualquer questão administrativa que envolva os tribunais.

Diversos são os precedentes deste Conselho que reafirmam essa compreensão. Nesse sentido, consolidou-se o entendimento de que os pedidos de natureza eminentemente individual não devem ser conhecidos:

Não cabe ao CNJ o exame de pretensões de natureza individual, desprovidas de interesse geral, compreendido este sempre que a questão ultrapassar os interesses subjetivos da parte em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria.

(Enunciado Administrativo n.º 17, de 10.9.2018)

No presente caso, a questão é específica e desprovida de interesse geral, por tratar de indeferimento de inscrição de uma única servidora. O expediente apresenta, assim, pretensão estritamente individual.

Desse modo, forçoso reconhecer que a tutela pretendida escapa à competência institucionalmente atribuída ao Conselho Nacional de Justiça pela Constituição da República.

Ante o exposto, com fundamento no art. 25, inciso X, do Regimento Interno do CNJ, NÃO CONHEÇO dos pedidos formulados e determino o arquivamento do feito.

Prejudicada a análise do pedido liminar.

Intimem-se as partes. 

 

Ao contrário do alegado pelo recorrente, não vislumbro nas razões recursais argumento capaz de modificar a decisão terminativa.

A pretensão da recorrente reveste-se de natureza específica e desprovida de interesse geral, por tratar de indeferimento de inscrição da servidora.

Portanto, o caso concreto se circunscreve a matéria de interesse meramente individual, restando, por consequência, afastada a competência deste órgão de controle para atuar no feito.

Cumpre destacar que a competência do CNJ para controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário fica adstrita às hipóteses que ultrapassem os interesses individuais da parte, em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria.

Desse modo, entendo o recurso ora analisado demonstra o mero inconformismo da recorrente em relação aos fundamentos utilizados na decisão monocrática combatida.

 Como bem ressaltado na decisão impugnada, não é outra a razão da existência do Enunciado Administrativo CNJ nº 17/2018: “Não cabe ao CNJ o exame de pretensões de natureza individual, desprovidas de interesse geral, compreendido este sempre que a questão ultrapassar os interesses subjetivos da parte em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria”. 

Não se vislumbra, no presente caso, qualquer das hipóteses constantes do Enunciado transcrito acima, o que impede o conhecimento da matéria por este Conselho.

Ante o exposto, não tendo o recorrente trazido aos autos nenhum elemento capaz de justificar a modificação do entendimento anteriormente firmado, NEGO PROVIMENTO ao presente recurso e mantenho a decisão monocrática, por seus próprios fundamentos.

É como voto.

Intimem-se as partes.

Luiz Fernando BANDEIRA de Mello

Conselheiro Relator

 

 

VOTO DIVERGENTE

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA: Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) proposto por Ellen Magno Germano, contra ato praticado pela Comissão de Concurso do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), no Procedimento de Promoção Vertical[1] de Servidores (Edital 1/2018).

Aduz, em síntese, que foi desqualificada do certame por inadequação do procedimento adotado no preenchimento de formulário eletrônico constante do Sistema Eletrônico de Informações (SEI/TJMG), apesar de ter encaminhado todos os documentos necessários à participação (Id 3791898).

Ao analisar a questão, concluiu o eminente Relator que “Não cabe ao CNJ o exame de pretensões de natureza individual, desprovidas de interesse geral”.

Negou provimento ao recurso, para manter a decisão que não conheceu do pedido.

 Na 93ª Sessão Virtual, realizada entre os dias 16.9.2021 a 24.9.2021, pedi vista dos autos para melhor exame. Após fazê-lo, peço vênia ao ilustre Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, para divergir.

Preambularmente, ressalvo meu entendimento quanto à aplicação indistinta de precedentes a casos submetidos a exame. Acredito que os julgados prolatados por esta Casa não são construídos com o fito de vincular julgamentos futuros do Conselho Nacional de Justiça. Cada caso, a meu sentir, deve ser apreciado de maneira única. Os precedentes devem ser observados, e não vinculativos.

A respeito do pensamento jurídico, THEODOR VIEHWEG[2] ensina que:

Quando se forma um catálogo dos topoi admissíveis, produz-se, no desenvolvimento ulterior do pensamento, conforme se pretendia, um vínculo lógico. Todavia, não podemos estendê-lo demasiadamente. Como antes dizíamos (df, supra, III), a constante vinculação ao problema só permite conjuntos de deduções de curto alcance. É preciso que haja a possibilidade de os interromper a qualquer momento à vista do problema. O modo de pensar problemático é esquivo às vinculações.

[...]

Até aqui, os topoi e os catálogos de topoi oferecem um auxílio muito apreciável. Porém o domínio do problema exige flexibilidade e capacidade de alargamento. Também para isso se pode manejar o catálogo de topoi não sistematizado de uma disciplina qualquer. Pois o repertório é elástico. Pode ficar grande ou tornar-se pequeno. Em caso de necessidade, os pontos de vista que até o momento eram admissíveis podem considerar-se expressa ou tacitamente como inaceitáveis. A observação ensina, contudo, que isto é muito mais difícil e raro do que se pode supor, pelo menos em determinados campos. Custa muito trabalho tocar naquilo já fixado. Não obstante, também neste ponto o modo de pensar tópico presta um auxilio muito valioso sob a forma de interpretação. Com ela, abrem-se novas possiblidades de entendimento melhor, sem lesar as antigas. Acontece assim que se mantêm as fixações já efetuadas, submetendo-as a novos pontos de vista, que frequentemente se produzem em uma conexão completamente distinta e tornam possível que se dê às velhas fixações um novo rumo. 

Ao redor dessas topoi[3] é que os institutos de direito vão tomando corpo e se organizando. Podemos exemplificar os topoi de variadas maneiras, entre eles o interesse social e o interesse público. O raciocínio tópico parte de premissas verossímeis que cria um efeito de verdade. Por isto facilita também o consenso. A função dos topoi no Direito é permitir a superação das antinomias. Diante delas utiliza-se dos topoi para conferir aceitabilidade da escolha. Por isso é que podemos dizer, como o faz WARAT, que "através do tópico-retórico aflora o inequívoco caráter político-ideológico da atividade decisória." (apud ANDRADE[4], 1991, p. 203).

A autoridade pode conferir mais ou menos força persuasiva aos topoi. Na Roma Antiga, havia as coleções de regulae com relação ao ius civile romano. Estes formavam catálogos de topoi. As proposições não tinham um propósito sistemático, mas tinham força tópica por terem sido aceitas por homens notáveis, conforme Aristóteles.

Na obra A Natureza do Processo e a Evolução do Direito[5], de BENJAMIN NATHAN CARDOZO, consta que:

(5) [...] Henry Cohen (6) citava como “clássico” o trecho em que Cardozo dizia: “O tribunal não existe para o litigante individual, mas para o corpo indefinido de litigantes, cujas causas estão potencialmente envolvidas na causa específica em exame. Os danos sofridos pelos autores são apenas os símbolos algébricos dos quais o tribunal deve extrair a fórmula de justiça.”

De fato, o CNJ possui a sólida jurisprudência de que as pretensões eminentemente individuais não devem ser conhecidas. Todavia, penso que a ausência de repercussão geral fica bem caracterizada quando a decisão fica adstrita às peculiaridades do caso concreto e o resultado do julgamento não se estende a outras hipóteses.

 A valoração da realidade, mediante a criteriosa apreciação de seus elementos factuais, é o primeiro passo para a justiça, porque esse valor incide sobre relações concretas e da vida – sobre fatos – e não sobre as suas abstrações. Pode-se dizer que, sem o conhecimento integral e ponderado dos fatos de uma questão jurídica, jamais será possível expedir a seu respeito um juízo de justiça, mas apenas uma solução burocrática.

O filósofo polonês ZYGMUNT BAUMAN (1925-2017), criticando os formalismos, inclusive no Direito, previu a queda do legislador, associado à ascensão do intérprete. Com esse prognóstico ele expediu forte oposição a prevalência das leis escritas sobre o sentimento de justiça. Ele profetizou que o mundo moderno, atual e do futuro sofrerá rupturas radicais na sua história. Na opinião do professor BAUMAN, que alguns consideram meios catastróficas, as sociedades do futuro assistirão o inevitável desmonte de concepções sociais que hoje são consideradas perenes, porque, segundo ele explica,

É verdade que o poder da elite educada, sofisticada, sublimada e requintada de proferir juízos estéticos vinculantes, de segregar o meritório do não meritório ou não arte, sempre se expressou em atos de militância visando a julgamentos ou práticas cuja autoridade era questionada. (Legisladores e intérpretes. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro:Zahar, 2010, p. 186).

Para o filosofo polonês, as decisões que hoje os legisladores, as administrações públicas e privadas e os julgadores adotam, a partir de padrões prévios de conduta, já se acham sob contestações poderosas, que tendem a se agravar. As ideias baumanianas tem muitos adeptos, mas poucos são os juristas que as apreciam, talvez porque são ideias que veiculam previsões desalentadoras e pessimistas, que naturalmente não atraem a simpatia dos teóricos das elites. Mas o professor BAUMAN fez um diagnóstico realista ao dizer que

O espectro da vulnerabilidade paira sobre o planeta negativamente globalizado. Estamos todos em perigo, e todos somos perigosos uns para os outros. Há apenas três papeis a desempenhar – perpetradores, vítimas e baixas colaterais – e não há carência de candidatos para o primeiro papel, enquanto as fileiras daqueles destinados ao segundo e ao terceiro crescem interminavelmente. Aqueles de nos que já se encontram na extremidade receptiva da globalização negativa buscam freneticamente fugir e procurar vingança. Os que até foram poupados temem que a sua vez de fazer o mesmo possa chegar – e acabe chegando. (Medo Líquido, Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p.128)

Obra citada: A justiça das coisas, a hermenêutica garantista e os direitos fundamentais. Napoleão Maia Filho e Mário Goulart Maia. Editora curumim, Fortaleza/Ceará , 2021 p.114.

Com a devida vênia, penso não serem essas (pretensões individuais) as circunstâncias dos autos.

Ellen Magno Germano foi eliminada de um concurso público interno por nítido excesso de formalismo, a traduzir a interpretação levada a efeito pela Comissão Examinadora de dispositivos editalícios, aplicáveis a todos os candidatos. Explico.

A candidata em apreço submeteu à Comissão seu pedido de inscrição, com o envio dos documentos exigidos pelo Edital 1/2018. Todavia, o pedido foi negado em razão “do não preenchimento do Quadro I – requisito escolaridade – obrigatório”.

Com efeito, o preenchimento do “Quadro I” é regra objetiva. Entretanto, ao preencher o Quadro II (avaliação de títulos) a servidora consignou ser bacharel em direito (informação que deveria constar do “Quadro I”) e pós-graduada em direito civil e processo civil (Id 3795843).

 

Portanto, a informação perquirida (a substância da coisa) constava do formulário (no Quadro II ao invés do Quadro I), corroborada pelos documentos encaminhados à Comissão.

Pode-se argumentar que o não preenchimento de campos nos moldes do edital impõe a desqualificação do candidato, por inobservância de regra nele prevista.

Porém, penso que tal questão deve ser compatibilizada com os demais quesitos, princípios e objetivos de um concurso.

Os servidores participantes do certame denotam o interesse no processo quando indicam sua inscrição. E a Administração, representada pela Comissão examinadora, a partir do momento que define as condições de promoção na carreira, tem o dever de selecionar os candidatos aptos, isonomicamente.

A vinculação ao instrumento convocatório é garantia do administrador e administrados. Porém, não é o único princípio regente.

Ao eliminar candidatos – servidores do próprio Tribunal – por mero equívoco no preenchimento de formulário, sem admitir eventual reconsideração do servidor ou ponderação pela Comissão com vistas a sanear o erro material, desconsidera os princípios da razoabilidade e da igualdade. O proceder também tampouco se mostra condizente com o propósito de um concurso.

Ao escrever sobre proporcionalidade e razoabilidade, Oriana Piske[6] destaca que “O cerne do Direito positivo, como leciona Recaséns Siches, não é permanecer no reino das ideias puras, válidas em si e por si, com abstração de toda aplicação real e situações concretas da vida, mas a sua efetivação. Aliás, outra não é a lição de Miguel Reale quando afirma: ‘Poder-se-á dizer que o Direito nasce do fato e ao fato se destina, obedecendo sempre a certas medidas de valor consubstanciadas na norma’. [...] Recaséns Siches, aponta com brilhantismo a necessidade da observância do princípio da razoabilidade pelo Poder Judiciário. Os ensinamentos do mestre estão sintetizados de forma lapidar no seguinte trecho de sua monumental obra intitulada Nueva Filosofía de la Interpretación del Derecho:

"O juiz, para averiguar qual a norma aplicável ao caso particular submetido à sua jurisdição, não deve deixar-se levar por meros nomes, por etiquetas ou conceitos classificatórios, mas pelo contrário, tem que ver quais são as normas, pertencentes ao ordenamento jurídico positivo a ser aplicado no caso concreto, que ao dirimir o conflito estejam em consonância com os valores albergados e priorizados por este mesmo ordenamento."

Observe-se que a candidata até chegou a apresentar pedido de reconsideração à Comissão, todavia, o pleito indeferido por ausência de previsão no edital (Ids 3795843 e 3791904, fls. 79/91).

 

Nesse viés, extrai-se uma sucessão de atos praticados pela banca que, apoiadas na aplicação literal de texto editalício (formalidade desnecessária à qualificação dos inscritos), excluiu candidatos em potencial, pelo simples fato de praticarem pequena desatenção no preenchimento de formulário. Repise-se, as informações e documentos comprobatórios estavam ali de posse da Comissão.

A preocupação com a lisura do certame não impede a flexibilização de regras. Erros materiais em formulários ocorrem. Mas, havendo a possibilidade de se aferir a informação solicitada (documentos comprobatórios anexados ao formulário) e inexistindo prejuízo ao andamento do certame, não há razões para se proceder à desqualificação. Inexiste prejuízo aos demais participantes e os vícios não interferem no julgamento objetivo dos itens avaliados.

Cumpre registrar, neste ponto, por relevante, que há nos autos informações de que situações idênticas a do presente feito voltaram a ocorrer no bojo do procedimento de promoção realizado no ano de 2019. E, em homenagem aos princípios da boa-fé administrativa, lealdade e probidade, a eliminação dos candidatos por erro cadastral na juntada de documento “requisito – escolaridade” foi reconsiderada.

A Comissão Examinadora do Processo Classificatório da Promoção Vertical 2019 torna pública e dá cumprimento à decisão do Exmo. Desembargador Tiago Pinto, Segundo Vice-Presidente do TJMG e Superintendente da EJEF, exarada no evento de número 4909986 do processo SEI de número 0128051-10.2019.8.13.0395, em cujo dispositivo se lê: “Recebo o pedido de reconsideração da Recorrente, Sra. NEIDE ZAPE DOS SANTOS, Oficial de Apoio C, Matrícula 009402-9, e defiro o conhecimento do seu pedido de inscrição pela Comissão Examinadora da Promoção Vertical, COMPROVE, pois juntou aos autos comprovante do requisito de escolaridade necessário para participar e concorrer ao processo de promoção vertical de 2019, na classe por ela pretendida.”. Em cumprimento à decisão supramencionada, publica-se a seguir Lista Retificada de inscritos, na qual se faz, neste ato, incluir a referida candidata. (grifo nosso)

 

A Comissão Examinadora do Processo Classificatório da Promoção Vertical 2019 torna pública e dá cumprimento à decisão do Exmo. Desembargador Tiago Pinto, Segundo Vice-Presidente do TJMG e Superintendente da EJEF, que analisando os requerimentos do servidor Josué Silva Aragão (processo SEI 0137547-05.2019.8.13.0024) e da servidora Tânia Cristina da Silva (processo SEI de número 0132578-26.2019.8.13.0000), exarou, respectivamente, a decisão n° 8060 (evento SEI 5332143) e a decisão n° 8061 (evento SEI 5332173), cujo excerto transcreve-se: “Os pedidos supramencionados guardam proporção analógica com a questão já deferida e devem ser avaliados pelo setor competente, ficando deferida a pretensão neles contida, se por causa de outras não se levantar óbice, ou seja, se a pretensão, afastada a hipótese do erro existente, cumprir e conformar-se às exigências próprias demandadas para elevação na carreira. Sugere-se a comunicação à Superintendência Administrativa do TJMG, máxime para que nomeie comissão para avaliar a dimensão e a situação de outros servidores eventualmente envolvidos neste contexto, harmonizando-os com o princípio da boa-fé administrativa, ajustando a sua conduta administrativa aos princípios administrativos da eticidade, lealdade e probidade”. (Grifo nosso)

 Nessa ordem de ideias, penso que assiste razão à requerente e aos demais candidatos porventura atingidos pela decisão extremamente formalista da Comissão do concurso de promoção vertical de servidores, regido pelo Edital 1/2018.

O princípio da efetividade garante o direito fundamental à tutela executiva, que consiste na ‘exigência de um sistema completo de tutela executiva, no qual existiam meios executivos capazes de proporcionar pronta e integral satisfação a qualquer direito merecedor de tutela executiva’.

Esse posicionamento é reforçado pela compreensão atual do chamado ‘princípio da inafastabilidade’, que, conforme célebre lição de KAZUO WATANABE, deve ser entendido não como garantia formal, uma garantia pura e simplesmente “bater às portas do Poder Judiciário”, mas, sim, como uma garantia de ‘acesso à ordem jurídica justa’, consubstanciada em uma prestação jurisdicional tempestiva, adequada, eficiente e efetiva. ‘O direito à sentença deve ser visto como direito ao provimento e aos meios executivos capazes de dar efetividade ao direito substancial, o que significa o direito à efetividade em sentido estrito’. Também se pode retirar o direito fundamental à efetividade desse princípio constitucional, do qual seria corolário. (DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Bahia: JusPODIVM, 2015. 17ª Edição, ampliada, p. 113).

Oportuno registrar que a atual fase do concurso (em fase adiantada ou mesmo encerrado) tampouco constitui fundamento apto a afastar a atuação do CNJ.  Há que se prestigiar o princípio da primazia do mérito (art. 4º CPC), do Código Fux, sendo ele o introdutor, no nosso sistema processual atual, dessa importante e necessária orientação quanto aos julgamentos.

A nova sistemática processual inaugurada com o advento do CPC/2015 privilegia expressamente o princípio da primazia no julgamento de mérito. Logo, a extinção do processo sem resolução do mérito é medida anômala que não se corrobora a efetividade da tutela jurisdicional (art. 4º, CPC/2015).

Como afirma MÁRCIO OLIVEIRA, em comentários ao CPC, o princípio da primazia do mérito traz a orientação de que a atividade jurisdicional deve-se orientar pela atividade satisfativa dos direitos discutidos em juízo, esclarecendo que:

"A legislação processual civil resolveu deixar de lado o cientificismo e a questão processual e passou a trazer elementos mais consentâneos com a realidade, pois é óbvio que a pessoa que procura a justiça quer ver a sua pretensão resolvida, mesmo que a decisão judicial lhe seja desfavorável. Dessa forma, a satisfatividade deve ser tão essencial quanto a preocupação com a demora do processo, até mesmo porque ambas estão umbilicalmente ligadas, já que a demora processual compromete a efetividade do direito material a ser eventualmente reconhecido que pode ser prejudicado ao final."

 É o que também nos ensina o mestre FRANCESCO CARNELUTTI (1879-1965), em sua obra Como se faz um Processo, Edijur 2018, São Paulo, p. 18, quanto à celeridade em detrimento da qualidade:  

Quando ouvimos dizer que a justiça deve ser rápida, temos aí uma formula que se deve tomar com benefício de inventário; o clisé dos chamados, que promete a toda discussão do balanço da justiça que esta terá um desenvolvimento rápido e seguro, mostra um problema análogo ao da quadratura do círculo. Infelizmente, a justiça, se é segura não é rápida, e se é rápida não é segura. É preciso ter a coragem de dizer, por sua vez, também do processo: quem vai devagar, vai bem e vai longe. Esta verdade transcende, inclusive, da própria palavra processo, a qual alude a um desenvolvimento gradual no tempo: proceder quer dizer, aproximadamente, dar um passo depois do outro. 

O PCA foi protocolado ao tempo do certame (divulgação da lista preliminar TJMG: 21.8.2019; indeferimento do pedido de reconsideração TJMG: 2.10.2019; indeferimento recurso TJMG: 14.10.2019; distribuição do PCA/CNJ: 28.10.2019) e, segundo manifestação de unidade do TJMG, “da comparação entre o número de classificados e o número de vagas disponibilizadas, ao que parece, sobraram 42 vagas destinadas aos postulantes à classe B do cargo de oficial de apoio judicial do quadro da Justiça de 1ª Instância do TJMG, que foram apontadas no Edital, mas não foram aproveitadas por nenhum candidato” (Id 4481243).

MANIFESTAÇÃO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR 2º VICE-PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, SUPERINTENDENTE DA EJEF

Atendendo a determinação contida no DESPACHO EJEF/DIRDEP/GEDAC Nº 5399502 / 2021, encaminho as respostas aos questionamentos:

1 - Conforme apontamento de vagas no certame da Promoção Vertical de 2018 (anexo), publicado no Dje de 28/08/2019, foram disponibilizadas 183 vagas para os candidatos do cargo de oficial de apoio judicial pretendentes à classe B, do quadro da Justiça de 1ª instância do TJMG, cargo e classe pretendida pela servidora Ellen Magno Germano.

2 - Conforme classificação final da PV 2018 (anexo), publicada no Dje de 13/12/2019, 141 candidatos ao cargo de oficial de apoio judicial classe B tiveram suas inscrições conhecidas, e todos eles foram classificados dentro das vagas.

3 - Do que se infere da comparação entre o número de classificados e o número de vagas disponibilizadas, ao que parece, sobraram 42 vagas destinadas aos postulantes à classe B do cargo de oficial de apoio judicial do quadro da Justiça de 1ª Instância do TJMG, que foram apontadas no Edital, mas não foram aproveitadas por nenhum candidato.

Encaminho também os arquivos das planilhas com informações sobre o resultado e o Aditamento de vagas.

Estamos a disposição para quaisquer outras informações

Com essas considerações, peço vênia ao ilustre Relator para dar provimento ao recurso e determinar ao TJMG a correção do ato impugnado, estendendo os seus efeitos aos servidores eventualmente eliminados neste contexto.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro



[1] Art. 27. Promoção vertical é a passagem do servidor, classificado em processo de avaliação de potencialidades dentro do número de vagas ofertadas em edital, ao padrão inicial da classe subsequente na carreira do quadro de pessoal a que pertencer, observados os seguintes posicionamentos: [...] (Id 3795843).

[2] VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência, Trad. De Tércio Sampaio Ferraz Jr. Editora Universidade de Brasília: 1979, p. 41-42.

[3] Tópica vem da palavra topoi, que vem de topos, que significa lugar comum.

[4] ANDRADE, Christiano José de. Hermenêutica jurídica no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991

[5] CARDOZO, Benjamin Nathan. A natureza do processo e a evolução do direito, Trad. De Leda Boechat Rodrigues. Editora Nacional de Direito Ltda.: 1956, III.

[6] https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2011/proporcionalidade-e-razoabilidade-criterios-de-inteleccao-e-aplicacao-do-direito-juiza-oriana-piske