Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0005774-79.2016.2.00.0000
Requerente: RAFAEL CARLSSON GAUDIO CUSTODIO e outros
Requerido: IVAN RICARDO GARISIO SARTORI

 

EMENTA 

 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. JULGAMENTO DE PROCESSOS. EXCESSO DE PRAZO INJUSTIFICADO. NÃO OCORRÊNCIA. INFORMAÇÕES DADAS À IMPRENSA. FALTA FUNCIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPINAR. INVIABILIDADE. CONTROLE DE ATO JUDICIAL. DESCABIMENTO. EXAME DE MATÉRIA JURISDICIONAL. INCOMPETÊNCIA DO CNJ. ART. 103-B, § 4º, DA CF.

1. A adoção de procedimento disciplinar por excesso de prazo injustificado no julgamento dos processos requer a demonstração da efetiva ocorrência de inércia, negligência ou desídia do magistrado em promover o andamento das demandas judiciais sob sua condução jurisdicional.

2. É inviável tomar, isoladamente e por si sós, afirmações genéricas dadas à imprensa como indícios suficientes de falta funcional do magistrado apta à instauração de processo administrativo disciplinar. Para tanto, é necessária a existência de evidentes elementos mínimos amparados em uma realidade fática, e não apenas concernentes a meras opiniões e livre circulação de ideias.

3. A competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não lhe cabendo exercer o controle de ato de conteúdo judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade.

4. Exame de matéria eminentemente jurisdicional não enseja a intervenção do Conselho Nacional de Justiça por força do disposto no art. 103-B, § 4º, da CF.

Reclamação disciplinar arquivada.

 

Z07/S22 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Valtércio de Oliveira (vistor), o Conselho, por maioria, julgou improcedente o pedido e determinou o arquivamento do feito, nos termos do voto do então Relator Conselheiro João Otávio de Noronha. Vencidos os Conselheiros Luciano Frota e Maria Cristiana Ziouva, que julgavam procedente em parte a Reclamação Disciplinar e determinavam a instauração de Processo Administrativo Disciplinar contra o magistrado. Ausentes, circunstancialmente, a Conselheira Ivana Farina Navarrete. Ausente, justificadamente, os Conselheiros Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila e, em razão da vacância dos cargos, o Conselheiro membro de Tribunal de Justiça e Conselheiro magistrado da 1ª instância da Justiça Comum dos Estados. Presidiu o julgamento o Ministro Dias Toffoli. Plenário, 22 de outubro de 2019. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Emmanoel Pereira, Rubens Canuto, Valtércio de Oliveira, Candice Lavocat Galvão Jobim, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Ivana Farina Navarrete, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e André Godinho.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0005774-79.2016.2.00.0000
Requerente: RAFAEL CARLSSON GAUDIO CUSTODIO e outros
Requerido: IVAN RICARDO GARISIO SARTORI

 

RELATÓRIO 

 

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

 

Inicialmente, registro que este relatório, o voto e a ementa, que ora junto aos autos, foram proferidos pelo Ministro João Otávio de Noronha, então Corregedor Nacional de Justiça e relator deste processo, na 272ª Sessão Ordinária, realizada em 22/5/2018, conforme Id. 2780146, nos seguintes termos:

 

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA: 

Trata-se de reclamação disciplinar, com pedido de liminar, formulada por RAFAEL CARLSSON GAUDIO CUSTODIO e OUTROS em desfavor de IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.    

Os requerentes, após descreverem os fatos relacionados ao conhecido episódio “Massacre do Carandiru”, fixam-se nas sessões de julgamento do Tribunal do Júri da comarca de São Paulo realizadas em 8/4/2013, 29/7/2013, 17/2/2014 e 17/3/2014, as quais culminaram na condenação de 74 policiais militares do Estado de São Paulo envolvidos no caso.

Alegando que, interpostos recursos de apelação, o requerido levou dois anos para incluir os processos em pauta e, no julgamento, proferiu voto de anulação da decisão do Tribunal do Júri e de absolvição dos policiais, sustentam o seguinte: ‘Para esse pleito específico, levando em conta todas as suas peculiaridades, a decisão se apoia em critérios jurídicos, no mínimo, questionáveis, ainda mais se lançado olhar sobre a jurisprudência construída pelo magistrado ao longo do tempo’.

Arguem que ‘a presente reclamação não visa tratar de matéria recursal, mas sim de subsídios extrajudiciais: fatos concretos que apontam para a parcialidade do julgador na apreciação da lide’, e consignam:

Diante da profunda relação entre o Desembargador Ivan Sartori e a instituição da qual vieram os réus, recai, na melhor das hipóteses e abusando do benefício da dúvida, forte suspeita de parcialidade no voto proferido. Depreende-se que faltou ao reclamado a isenção necessária a todo magistrado, procrastinando o julgamento do recurso para favorecer os policiais e adotando teses de aplicação incabível em recursos contra decisões do Tribunal do Júri, especialmente quando a decisão dos jurados é manifestamente contrária às provas dos autos (artigo 593, III, d, do Código de Processo Penal).

Sustentam ainda que o requerido, ocupando espaço nos veículos de imprensa e nas redes sociais, emitiu declaração que atinge o decoro que se espera dos membros do Judiciário.

Na linha desses argumentos, a reclamação fundamenta-se em violação do dever de imparcialidade, quebra de decoro, morosidade em julgar e violação do dever de apurar crimes contra os direitos humanos.

Com base em precedentes do CNJ, requerem, em caráter cautelar, o afastamento liminar do reclamado e a instauração de processo administrativo disciplinar, a fim de que sejam aplicadas as penalidades cabíveis.  

Por decisão de 19/12/2016 (Id 2076579), o pedido de liminar foi indeferido.

Instado a se manifestar, o requerido aduz que não cabe, nesta via, nenhuma discussão de questão exclusivamente jurisdicional e que os fatos narrados na reclamação não configuram indícios mínimos de infração disciplinar, razão pela qual requer o arquivamento do presente expediente (Id 2089982).

Nas fls. 57/69 constam votos prolatados pelo requerido e vídeos pertinentes ao caso objeto desta reclamação.

Em petição de 1º/2/2017 (Id 2100690), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e outras, ponderando as informações prestadas pelo reclamado, manifestam-se pelo “regular processamento do feito para a deflagração do processo administrativo disciplinar”.

Em sucessivas petições (Ids 2140801 e 2156955), o requerido encaminha o seguinte: a) decisão do Ministério Público Federal de arquivamento da representação que apurou suposto cometimento de delito em razão das declarações efetuadas em relação ao ‘Massacre do Carandiru; e b) voto proferido no julgamento dos embargos infringentes.”

 

   É, no essencial, o relatório.

 

Z07/S22

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0005774-79.2016.2.00.0000
Requerente: RAFAEL CARLSSON GAUDIO CUSTODIO e outros
Requerido: IVAN RICARDO GARISIO SARTORI

VOTO 

 

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

 

Conforme relatado, o voto a seguir foi proferido pelo Ministro João Otávio de Noronha, então Corregedor Nacional de Justiça e relator deste processo, na 272ª Sessão Ordinária, realizada em 22/5/2018:

 

“O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 

A presente reclamação disciplinar tem por objetivo imputar o descumprimento de deveres funcionais concernentes ao exercício da magistratura ao Desembargador Ivan Ricardo Garisio Sartori, do Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual, ao apreciar recursos de apelação, votou no sentido de anular a sentença condenatória de 74 policiais militares do Estado de São Paulo envolvidos no episódio conhecido como ‘Massacre do Carandiru’. 

Considerando a grande repercussão nacional e internacional do referido caso e o número de requerentes que propuseram a reclamação, é conveniente submetê-la à apreciação do Plenário deste Conselho, e o faço com fundamento no disposto no art. 4º, III, do RICNJ.

Cumpre registrar que não se verifica, no âmbito da segunda instância do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a ocorrência da alegada morosidade no julgamento dos recursos de apelação, situação que afasta a atuação da Corregedoria Nacional de Justiça.

De acordo com o andamento processual disponibilizado no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e com as informações prestadas pelo reclamado, a demora no julgamento dos feitos, ainda que possa ser atribuída à primeira instância, não ocorreu na fase processual dos recursos naquela Corte estadual.

Nada obstante, ressalte-se que a morosidade no julgamento do processo deve ser injustificada, isto é, deve ser excessiva, considerando-se a complexidade e natureza da demanda, a quantidade de partes envolvidas, o grau de congestionamento dos juízos e tribunais.

Sopesados esses aspectos e os elementos informativos constantes dos autos, não se pode concluir que o reclamado, o Desembargador Ivan Sartori, na prolação de seus votos, tenha incorrido em morosidade suscetível de medida administrativa, uma vez que as apelações – Processos n. 0338975-60.1996.8.26.0001 e 0007473-49.2014.8.26.0001 – foram distribuídas em 10/6/2015 e julgadas em 27/9/2016.

Desse modo, não é demais destacar que a adoção de procedimento disciplinar por excesso de prazo injustificado no julgamento dos processos requer a demonstração da efetiva ocorrência de inércia, negligência ou desídia do magistrado em promover o andamento das demandas judiciais sob sua condução jurisdicional.

Assim, a reclamação disciplinar não merece acolhimento quanto a tal matéria.

No que concerne à arguição da falta de decoro do desembargador requerido, bem se pode constatar, mediante a leitura dos votos proferidos quando do julgamento das apelações (Id 2090251 e Id 2090252), que não houve excesso de linguagem por parte do magistrado, o qual, considerando o contexto fático-probatório dos autos e valendo-se de sua independência funcional e do princípio do livre convencimento do juiz, decidiu, fundamentadamente, pela anulação dos julgamentos de primeira instância.

Por outro lado, das manifestações expostas por ambas as partes e dos documentos que também instruem o feito não se extraem elementos mínimos que conduzam à conclusão de que o reclamado, ao emitir declarações nas redes sociais e nos meios de comunicação, tenha faltado com o decoro ou com o dever de ‘manter conduta irrepreensível na vida pública e particular’ – art. 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura.

De igual modo, não se demonstrou nos autos nenhum fato que represente ofensa ao art. 36, III, da LOMAN e aos arts. 12 e 16 do Código de Ética da Magistratura porquanto não se pode negar à imprensa o direito de interpretar informações e de fazer críticas aos atos judiciais; também não se pode nem se deve subtrair ao magistrado o direito de manifestar-se publicamente sobre elas, seja para dirimi-las seja para refutá-las veementemente, tendo em vista os seus também inquestionáveis direitos de resposta e de opinião, que se amparam nos princípios constitucionais da liberdade de expressão e da igualdade de direitos.

É inviável tomar, isoladamente e por si sós, afirmações genéricas dadas à imprensa como indícios suficientes de falta funcional do magistrado apta à instauração de processo administrativo disciplinar. Para tanto, é necessária a existência de evidentes elementos mínimos amparados em uma realidade fática, e não apenas concernentes a meras opiniões e livre circulação de ideias.

A título de ilustração e por envolver resposta do Desembargador Ivan Sartori às críticas da imprensa sobre seu voto proferido no caso ‘Massacre do Carandiru’, confiram-se as conclusões do parecer do Ministério Público Federal de 20/3/2017 emitido na representação formulada pelo Procuradoria da República da 3ª Região contra o requerido (PGR-00075022/2017) e aprovado pelo Vice-Procurador-Geral da República (Id 2140805):

6. Por outro lado, é de se reconhecer que se o periódico tem o direito de expressar sua opinião, tem também o magistrado o direito de delas se defender. Ademais, ao rebater as inúmeras críticas que tem sofrido pelo seu voto, o magistrado também estava exercendo seu direito de resposta, mediante a emissão de sua opinião e de outras críticas envolvendo o caso, amparado que está só pelo princípio da liberdade de expressão, mas também pelo princípio da igualdade de direitos (artigo 5º, caput, CF/88). Ademais, afirmações por ele proferidas são genéricas, não podendo ser caracterizadas como crime. Com efeito, não há ilícito a ser apurado.

7. Por esse motivo, promove o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL o arquivamento da presente representação.

Quanto à arguição de violação do dever de imparcialidade, melhor sorte não socorre os reclamantes.

Outra pretensão não se evidencia na presente reclamação disciplinar senão a de que se examine matéria eminentemente jurisdicional.

É perfeitamente perceptível, pois, o simples descontentamento dos requerentes com atos decisórios, cujo acerto ou desacerto, por não se identificarem com matéria suscetível de controle administrativo pelo CNJ, devem ser submetidos a julgamento na instância competente, por meio de instrumentos processuais próprios.

Aliás, qualquer situação caracterizadora de suspeição ou parcialidade do magistrado imporia à parte interessada oportuna e objetiva arguição em específica petição, bem como o uso dos meios processuais compatíveis com as instâncias competentes do Poder Judiciário.

O Conselho Nacional de Justiça, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir na decisão judicial em questão para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

Dessa forma, não há como acolher a alegação de que o Desembargador Ivan Ricardo Garisio Sartori, ao invocar a tese de legítima defesa, agiu com parcialidade em benefício da Polícia Militar do Estado de São Paulo, situação na qual teriam sido violados o dever do julgador de fundamentar as decisões judiciais e o dever do Estado de apurar crimes contra os direitos humanos.

Ora, a natural insatisfação com determinado provimento judicial não enseja a abertura de processo administrativo disciplinar contra o julgador, porque a prolação de uma decisão judicial, ainda que juridicamente questionável, não pode ser considerada como conduta imprópria do magistrado, já que inerente à independência de sua função jurisdicional, que se traduz, antes de tudo, numa garantia da própria sociedade como um todo.

Acrescente-se que o alegado relacionamento do desembargador reclamado com a Polícia Militar e o fato de já ter recebido comendas da citada corporação, a exemplo de tantas outras autoridades, não podem, por si sós, configurar nenhum ilícito administrativo ou penal, mormente se se considerar o caráter institucional de suas relações no exercício da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Ademais, os réus do processo, que tiveram a sentença condenatória anulada, não se confundem com a instituição Polícia Militar.

Registre-se ainda que a discussão sobre a conduta funcional do magistrado, sobretudo quando derivada do ato de julgar, vinculada exclusivamente à função jurisdicional, para que possa ultrapassar os limites do processo judicial e legitimar providência disciplinar no âmbito do CNJ, requer a direta demonstração de fato que configure, material e formalmente, contrariedade às normas relativas ao cumprimento dos deveres afetos à magistratura (art. 35 da LOMAN), hipótese não ocorrente nestes autos.

Assim, verifica-se que os fatos narrados não revelam a existência de elementos que configurem a prática de infração disciplinar pelo requerido, a justificar a atuação desta Corregedoria, devendo-se reiterar que o CNJ tem competência restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não lhe cabendo exercer o controle de ato de conteúdo judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, muito menos para revisá-lo ou suspender os efeitos dele decorrentes.

Disso resulta a conclusão de que, se, por um lado, o Conselho Nacional de Justiça não pode ficar indiferente ao comportamento de nenhum magistrado – juiz ou desembargador – que eventualmente tenha incidido em reprováveis desvios funcionais no desempenho do seu elevado cargo, por outro, seu propósito censório exige objetiva demonstração pela parte interessada da efetiva ocorrência do descumprimento de algum dos preceitos ético-jurídicos concernentes ao exercício da magistratura.

 Não existindo nos autos indícios mínimos nem provas que demonstrem haver o reclamado, Desembargador Ivan Ricardo Garisio Sartori, transgredido as exigências éticas e deveres funcionais no exercício da magistratura, inviabiliza-se a recepção desta reclamação e consequente instauração do processo administrativo disciplinar por falta de qualquer motivação de ordem legal ou regimental.

Reitere-se, por fim, que questões concernentes à matéria eminentemente jurisdicional não se submetem ao exame do CNJ por força do disposto no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

Ante o exposto, voto pelo arquivamento da reclamação disciplinar com base nas razões ora submetidas aos eminentes Conselheiros."

 

É o voto.

 

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Corregedor Nacional de Justiça

 

Z07/S22

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR Nº 0005774-79.2016.2.00.0000

 

Requerente:

Rafael Carlsson Gáudio Custódio e outros 

Requerido:

Ivan Ricardo Garisio Sartori 

Relator originário: Ministro João Otávio de Noronha

 Relator para o acórdão: Ministro Dias Toffoli

 

EMENTA:

 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. EXCESSO DE PRAZO INJUSTIFICADO. DESÍDIA. FALTA FUNCIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. INVIABILIDADE. CONTROLE DE ATO JUDICIAL. DESCABIMENTO. EXAME DE MATÉRIA JURISDICIONAL. INCOMPETÊNCIA DO CNJ. ART. 103-B, § 4º, DA CF. ARQUIVAMENTO.

1. O excesso de prazo que justifica a incidência de penalidade disciplinar deriva de conduta dolosa ou de comportamento desidioso do julgador, situação que não ficou evidenciada nos autos. Na linha dos precedentes deste Conselho, o simples intervalo temporal entre a distribuição de uma ação e o seu julgamento não é critério suficiente para aferir demora na entrega da prestação jurisdicional, a qual pode decorrer da complexidade da demanda, do número de partes e de outras peculiaridades do caso concreto.

2. Nos termos do art. 103-B, § 4º da Constituição Federal de 1988, compete ao CNJ o controle e a supervisão financeira, administrativa e disciplinar dos órgãos do Poder Judiciário, sendo vedado a este Conselho adentrar a seara jurisdicional e alterar o curso de ações judiciais. Eventual inconformismo com o suposto desacerto de atos decisórios deve ser submetido a julgamento nas instâncias competentes, por meio de instrumentos processuais próprios. 

3. In casu, a resposta de magistrado a críticas e acusações não denota mácula às posturas e aos valores tutelados pela LC nº 35/79 (LOMAN), situando-se no âmbito do direito à liberdade de manifestação e expressão.

4. Reclamação disciplinar arquivada.

 

 

 

VOTO-VISTA

 

 

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ): Trata-se de reclamação disciplinar, com pedido de natureza cautelar, proposta pela Associação Direitos Humanos em Rede e outros contra o Desembargador Ivan Ricardo Garisio Sartori, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP).

 

Os reclamantes insurgem-se contra decisões proferidas pelo reclamado nas Apelações n. 0338975-60.1996.8.26.0001/TJ-SP e 0007473-49.2014.8.26.00001/TJ-SP, que culminaram na anulação de sentenças relacionadas ao caso do massacre do Complexo Penitenciário do Carandiru.

 

Afirmam ter havido morosidade no julgamento dos policiais militares que participaram da invasão do Pavilhão 9 da Penitenciária do Carandiru, pois as apelações interpostas nos processos em referência teriam demorado dois anos para inclusão em pauta.

 

Suscitam a parcialidade do Desembargador, que anulou julgamento de júri popular e absolveu setenta e quatro policiais militares pelos crimes cometidos no centro penitenciário e questionam os critérios e fundamentos jurídicos expostos na fundamentação do decisum.

 

Informam, ainda, ter havido proximidade entre o Desembargador e a Polícia Militar durante o período em que foi presidente do TJ/SP, manifestada pela contratação de militares para atuar na segurança do Tribunal e por homenagens concedidas pela corporação ao reclamado, o que indicaria quebra da imparcialidade do magistrado.

 

Relatam ter o Desembargador insinuado em rede social que a imprensa e entidades de direitos humanos receberiam dinheiro do crime organizado, o que também implicaria em violação ao dever de decoro e de imparcialidade na apreciação do caso judicial em debate.

 

Narram, por fim, que, no dia 17.10.2016, o reclamado teria injuriado um dos jornalistas da rádio Jovem Pan com gritos e vocabulário agressivo, em ofensa ao inciso VIII do art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

 

Requerem o afastamento liminar do Desembargador Ivan Ricardo Sartori de suas atividades judicantes, nos termos do parágrafo único do art. 75, c/c inc. III do art. 95 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça e 29 da Lei Orgânica da Magistratura Federal.

 

Ao final, postulam a abertura de processo administrativo disciplinar para apurar os fatos narrados e aplicar as medidas disciplinares previstas no art. 42 da LC nº 35/79, incluída a aposentadoria compulsória do magistrado.

Subsidiariamente, pedem a instauração de sindicância e a abertura de processo administrativo disciplinar.

 

Por decisão de 19.12.2016, o pedido de liminar foi indeferido (id n. 2076579).

 

Conforme certidão (Id 2780144), a reclamação foi levada ao plenário em 22.5.2018, tendo o então Corregedor Nacional – Ministro João Otávio de Noronha - no sentido de julgar improcedente a reclamação, determinando seu arquivamento, pediu vista regimental a então Presidente, Ministra Cármen Lúcia.

 

Trago o feito para continuidade do julgamento e passo a votar no sentido de acompanhar o voto do i. relator, que julgou improcedente a reclamação e determinou o seu arquivamento, com base nos seguintes fundamentos:

 

[...] não se verifica, no âmbito da segunda instância do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a ocorrência da alegada morosidade no julgamento dos recursos de apelação, situação que afasta a atuação da Corregedoria Nacional de Justiça” e “de acordo com o andamento processual disponibilizado no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e com as informações prestadas pelo reclamado, a demora no julgamento dos feitos, ainda que possa ser atribuída à primeira instância, não ocorreu na fase processual dos recursos naquela Corte estadual.

[...]

A título de ilustração e por envolver resposta do Desembargador Ivan Sartori às críticas da imprensa sobre seu voto proferido no caso “Massacre do Carandiru”, confiram-se as conclusões do parecer do Ministério Público Federal de 20/3/2017 emitido na representação formulada pelo Procuradoria da República da 3ª Região contra o requerido (PGR-00075022/2017) e aprovado pelo Vice-Procurador-Geral da República (Id 2140805):

6. Por outro lado, é de se reconhecer que se o periódico tem o direito de expressar sua opinião, tem também o magistrado o direito de delas se defender. Ademais, ao rebater as inúmeras críticas que tem sofrido pelo seu voto, o magistrado também estava exercendo seu direito de resposta, mediante a emissão de sua opinião e de outras críticas envolvendo o caso, amparado que está só pelo princípio da liberdade de expressão, mas também pelo princípio da igualdade de direitos (artigo 5º, caput, CF/88). Ademais, afirmações por ele proferidas são genéricas, não podendo ser caracterizadas como crime. Com efeito, não há ilícito a ser apurado.

7. Por esse motivo, promove o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL o arquivamento da presente representação.

Outra pretensão não se evidencia na presente reclamação disciplinar senão a de que se examine matéria eminentemente jurisdicional. 

É perfeitamente perceptível, pois, o simples descontentamento dos requerentes com atos decisórios, cujo acerto ou desacerto, por não se identificarem com matéria suscetível de controle administrativo pelo CNJ, devem ser submetidos a julgamento na instância competente, por meio de instrumentos processuais próprios.  

[...]

Quanto à arguição de violação do dever de imparcialidade, melhor sorte não socorre os reclamantes.

Aliás, qualquer situação caracterizadora de suspeição ou parcialidade do magistrado imporia à parte interessada oportuna e objetiva arguição em específica petição, bem como o uso dos meios processuais compatíveis com as instâncias competentes do Poder Judiciário.

[...]

Não existindo nos autos indícios mínimos nem provas que demonstrem haver o reclamado, Desembargador Ivan Ricardo Garisio Sartori, transgredido as exigências éticas e deveres funcionais no exercício da magistratura, inviabiliza-se a recepção desta reclamação e consequente instauração do processo administrativo disciplinar por falta de qualquer motivação de ordem legal ou regimental.

 

No tocante à insatisfação dos reclamantes com os fundamentos jurídicos de que se valeu o reclamado para anular julgamento proferido no caso do Complexo Penitenciário do Carandiru, tal objeto escapa à competência do CNJ, fixada nos termos do § 4º do art. 103-B da Constituição Federal.

 

Este órgão não tem atribuição para interferir em decisões proferidas pelos juízos e tribunais no exercício de sua competência jurisdicional, devendo o reclamante, para tal finalidade, valer-se dos meios judiciais próprios:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO – PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO –   REVISÃO DE MATÉRIA JUDICIAL – INCOMPETÊNCIA. 

1. Nos termos do art. 103-B, §4º da Constituição da República, compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle e supervisão financeira, administrativa e disciplinar dos órgãos do Poder Judiciário. Não cabe, portanto, ao CNJ adentrar a seara jurisdicional, de forma a interferir no curso de ações judiciais.

2. A pretendida revisão de decisão proferida em sede de Reclamação Correicional afetaria inexoravelmente a execução trabalhista, alterando o seu curso. Ademais, o juízo quanto ao acerto da decisão correicional exigiria a análise dos autos da execução, de modo a permitir apurar se, de fato, como alegado, a decisão judicial cassada em sede correicional determinara a realização de diligência jurisdicional legítima no processo de execução.

3. Recurso Administrativo a que se nega provimento.   

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA nº 0006150-02.2015.2.00.0000 - Rel. Lélio Bentes Corrêa - 17ª Sessão Virtualª Sessão - j. 12.08.2016) (Grifei). No mesmo sentido: RA – Recurso Administrativo em PP nº 0002186-98.2015.2.00.0000 - Rel. Nancy Andrighi - 14ª Sessão Virtualª Sessão - j. 07.06.2016 e RA – Recurso Administrativo em PP nº 0003175-41.2014.2.00.0000 - Rel. Deborah Ciocci - 192ª Sessão - j. 05.08.2014).

 

Ficam afastados, portanto, por absoluta incompetência deste Conselho, questionamentos relacionados à conduta dos policiais militares no dia em que cometidos os crimes no Complexo do Carandiru, à interpretação de laudos técnicos juntados aos autos das ações penais e a eventual responsabilização das autoridades e agentes envolvidos na ação militar.

 

Também não cabe a este órgão decidir sobre suposta parcialidade do reclamado no julgamento das Apelações n. 0338975-60.1996.8.26.0001/TJ-SP e 0007473-49.2014.8.26.00001/TJ-SP, porquanto a arguição de suspeição e impedimento de membros do Poder Judiciário deve ser julgada pelos tribunais, conforme as regras de competência fixadas no ordenamento jurídico vigente, e não pelo Conselho Nacional de Justiça. Nesse sentido:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. [...]

1. Nos termos da Constituição Federal, as atribuições do CNJ restringem-se ao controle da atuação administrativo-financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados (art. 103-B), não lhe competindo intervir na regular distribuição de processos no âmbito dos órgãos jurisdicionais, ato norteado pela lei e por normas regulamentares locais, em observância ao princípio do juiz natural, devendo eventual imparcialidade do juízo ser alegada mediante a exceção de impedimento ou de suspeição, na forma da lei processual.

2. Recurso administrativo conhecido e desprovido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP nº 0009698-64.2017.2.00.0000 - Rel. João Otávio de Noronha - 268ª Sessão Ordinária - j. 20/03/2018). (Grifei)

 

Quanto à apontada morosidade no julgamento das apelações, observo que o excesso de prazo que justifica incidência de penalidade disciplinar deriva de conduta dolosa ou de comportamento desidioso do julgador, situação que não ficou evidenciada nos autos.

 

Com efeito, as Apelações n. 0338975-60.1996.8.26.0001 e 0007473-49.2014.8.26.0001 foram distribuídas em 10.6.2015 e julgadas em 27.9.2016.  Caso de tamanha complexidade, que envolve dezenas de réus, exige tempo estendido de estudo dos autos e, se morosidade houve até que o processo chegasse à anulação da sentença de 1º grau pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ela não decorreu da atuação do Desembargador no julgamento das apelações, mas da tramitação das ações nas instâncias inferiores, que data do ano de 1992, quando o procedimento teve início na Justiça Militar.

 

Ademais, simples intervalo temporal entre a distribuição de uma ação e o seu julgamento não é critério suficiente para aferir demora na entrega da prestação jurisdicional:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM REPRESENTAÇÃO POR EXCESSO DE PRAZO. TEMPO DE TRAMITAÇÃO DO PROCESSO. INSUFICIENTE COMO PARÂMETRO ÚNICO DE MOROSIDADE. PROCESSO MULTITUDINÁRIO E COMPLEXO. AUSÊNCIA DE MOROSIDADE INJUSTIFICADA. PRETERIÇÃO DOLOSA DE PARTES. NÃO DEMONSTRADA. DETERMINAÇÃO DE REUNIÃO DE PROCESSOS. MATÉRIA JURISDICIONAL. NÃO DEMONSTRADA CONDUTA DESIDIOSA DO MAGISTRADO. RECURSO DESPROVIDO.

1. A verificação da regularidade do trâmite processual para efeito correcional demanda a apuração analítica do processo, que não está adstrita a uma mera análise aritmética do tempo de distribuição do processo. Há de se ter em conta as peculiaridades do caso concreto, como a complexidade da demanda e o número de partes.

[...]

4. Ausência de infringência aos deveres funcionais decorrente de vontade ou inércia de magistrado.

5. Recurso administrativo desprovido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em REP - Representação por Excesso de Prazo - 0004617-37.2017.2.00.0000 - Rel. João Otávio de Noronha - 267ª Sessão Ordinária - j. 06.03.2018). (Grifei)

 

Ressalte-se, ainda, que a relação do reclamado com a Polícia Militar do Estado de São Paulo, evidenciada nos autos por condecorações e homenagens, não evidenciam, de per si, parcialidade do julgador no exercício de suas funções jurisdicionais.

 

Para implicar o comprometimento do magistrado em julgamentos de ações judiciais, é necessária a comprovação de influência indevida das relações institucionais entre Poder Judiciário e Polícia Militar sobre a orientação firmada em decisões judiciais, o que também não foi demonstrado nesta reclamação disciplinar.

 

Analiso, por fim, a declaração de que o reclamado teria ofendido um dos jornalistas da rádio Jovem Pan e violado o dever previsto no inciso VIII do art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

 

No vídeo apresentado como meio de prova da infração, a Rádio Jovem Pan recebe ligação do Desembargador para ouvi-lo sobre diversas alegações feitas nos meios de comunicação a respeito do julgamento das Apelações n. 0338975-60.1996.8.26.0001 e 0007473-49.2014.8.26.0001, que culminou na anulação de sentenças relacionadas ao caso do massacre do Complexo Penitenciário do Carandiru.

 

Na sequência, o magistrado relata ter sido alvo de críticas contundentes e até ofensivas pelo fato de ter decidido o processo em sentido contrário às expectativas de alguns segmentos da sociedade civil. 

 

Em seguida, reprova a atuação de jornalista da Jovem Pan, momento em que se inicia acirrada discussão, até que o sinal da ligação é interrompido.

 

Minutos depois, em outra ligação, o Desembargador declara considerar deplorável o jornalismo de alguns profissionais da aludida rádio e expressa indignação com ofensas que teria recebido em ocasião anterior.

 

Após intervenção de jornalista para refutar os argumentos do Desembargador, o sinal de ligação novamente é perdido.

 

A infração disciplinar correspondente à violação do dever prescrito no inciso VIII do art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional manifesta-se por conduta de membro do Poder Judiciário que se afasta do equilíbrio, da compostura e do senso de moral e ética, com desrespeito à função judicante e de maneira a contribuir para o descrédito do Poder Judiciário.

 

No caso vertente, a resposta do magistrado às críticas e acusações do jornalista não denota mácula às posturas e aos valores tutelados pela LOMAN, os quais orientam o exercício da judicatura e a disciplina judiciária, situando-se nos limites da razoabilidade e do direito à liberdade de manifestação e expressão.

 

Conclui-se, portanto, que a conduta noticiada nos autos não configura violação ao disposto no art. 35, VIII, da LOMAN e não se presta a embasar a procedência da reclamação disciplinar, a qual deve ser instruída com elementos que revelem efetiva infração aos deveres e condutas prescritas na legislação de regência, sob pena de se banalizar a cominação de sanções disciplinares e infundir descrédito injustificado sobre a magistratura nacional.

 

Ante o exposto, acompanho o voto do i. Relator para julgar improcedente a reclamação disciplinar e determinar o seu arquivamento.

 

É como voto.


VOTO DIVERGENTE

 

 

Peço vênia ao eminente Corregedor Nacional de Justiça para apresentar divergência parcial ao seu judicioso voto, mais especificamente no tocante à análise do ato infracional, apontado na inicial, de manifestação ofensiva, cometida pelo magistrado reclamado, à honra dos autores em sua página nas redes sociais.

O Relator propõe o arquivamento da Reclamação Disciplinar por entender que não há nos autos indícios mínimos de transgressão ética e dos devedores funcionais por parte do magistrado.

Com todas as vênias, faço uma leitura dos autos diversa daquela apresentada pelo eminente Corregedor.

A presente Reclamação Disciplinar foi apresentada por várias entidades de defesa dos direitos humanos e de representantes da classe dos jornalistas contra o Desembargador do TJSP Ivan Ricardo Garisio Sartori, alegando, dentre outros fatos, que o reclamado, em sua página nas redes sociais, teria afirmado que “as organizações de defesa de direitos humanos e setores da imprensa”, que reagiram criticamente ao seu voto no conhecido “Caso Carandiru”, estariam ligados ao crime organizado.

Em suas informações, o Desembargador reclamado admitiu textualmente a veracidade da acusação que lhe foi imputada pelos autores, e assim o fez, de forma expressa, conforme trecho a seguir transcrito:

Outrossim, o que escrevi na rede social, em página de minha responsabilidade, de forma sóbria, por sinal, reflete nada menos do que meu pensamento.

Continuo refletindo se dentre as chamadas organizações de direitos humanos ou em certo setor da imprensa não existiriam pessoas ligadas ao crime organizado, diante da reação orquestrada à decisão que proferi, resvalando para o campo pessoal.(...)

Como cidadão tenho sim o direito à livre manifestação, assim como a imprensa tem o direito de informar livremente, assim como as tais organizações o de se manifestar livremente.

É a democracia.

Não podem, então, os representantes pretender coibir esse direito que eles tanto defendem a seu favor, valendo os princípios democráticos apenas para eles.

Certo é que me defendi como pude, inclusive na condição de cidadão, valendo-me dos meios precários à disposição, mesmo porque a Lei de Imprensa acabou sepultada pelo STF e, com ela, o sagrado direito à defesa pública, efetiva e imediata da honra.” (ID 2089982)

 

À toda evidência, a conduta do reclamado afronta o disposto nos artigos 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, que assim prescrevem:

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.

 

Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções”.

 

E aqui acresço, porque também afrontado, o que dispõe o inciso VIII do art. 35 da LOMAN:

         Art. 35. São deveres do magistrado:

         VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

 

A utilização de redes sociais pelo magistrado para atacar pessoas e entidades não governamentais, acusando-as, ou fazendo insinuações diretas, de estarem recebendo dinheiro de organizações criminosas, não se revela atitude compatível com o decoro e com a dignidade da função de magistrado.

Não é demais lembrar que o Plenário deste Conselho tem decidido pela abertura de Processo Administrativo Disciplinar em situações similares, e até, a meu juízo, de menor potencial lesivo (trago como exemplo a RD 0007001-70.2017.2.00.0000, apenas para ilustrar).

A questão que aqui se coloca é manifestamente grave, eis que o magistrado reclamado acusou publicamente, sem qualquer evidência probatória, entidades de defesa de direitos humanos e setores da imprensa de estarem sendo financiados pelo crime organizado.

A liberdade de expressão, invocada pelo reclamado para justificar a sua conduta, não obstante tratar-se de direito fundamental que deve ser assegurado a todos, inclusive aos magistrados, encontra seus limites na própria Constituição, não podendo servir de salvo-conduto para ataques desmedidos e sem provas à honra de pessoas físicas ou jurídicas, também protegida pelo art. 5º da Constituição Federal.

Há, portanto, evidências de contrariedade aos preceitos éticos estabelecidos pelo Código de Ética da Magistratura e ao art. 35 da LOMAN, o que torna imperiosa a abertura de Processo Administrativo Disciplinar.

Desse modo, julgo procedente em parte a presente Reclamação Disciplinar e determino a instauração de Processo Administrativo Disciplinar contra o magistrado Ivan Ricardo Garisio Sartori, para apuração de infração ético-disciplinar, configurada por sua manifestação acusatória, proferida em rede social, no sentido de que entidades de defesa de direitos humanos e setores da imprensa estariam vinculados ao crime organizado.

É como voto.

 

LUCIANO FROTA

Conselheiro