ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, deu provimento ao recurso administrativo apresentado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará e, em consequência, julgou improcedente o pedido de revisão disciplinar, mantendo íntegro o acórdão que determinou a aposentadoria compulsória do magistrado. Vencidos os Conselheiros Mário Goulart Maia (Relator), Luiz Fernando Bandeira de Mello, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e Marcello Terto. Votou a Presidente. Lavrará o acórdão o Conselheiro Luis Felipe Salomão. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 29 de novembro de 2022. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia (Relator) e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentaram oralmente: pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, o Juiz Auxiliar da Presidência Emílio de Medeiros Vianna e pelo requerente, o advogado Robson Halley Costa Rodrigues, OAB/CE 27.422.

 

RELATÓRIO

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA (RELATOR): Trata-se de Revisão Disciplinar (RevDis) apresentado por Demétrio de Sousa Pereira – à época dos fatos, juiz de direito auxiliar da Comarca de Santana do Cariri/CE –, em face de acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) que, por maioria de votos, no bojo do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) 8500234-43.2012.8.06.0026[1], aplicou ao requerente a penalidade de aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, em razão da prática de condutas violadoras dos deveres insertos no art. 35[2], I, da LC 35/1979 (LOMAN).

Em 24 de junho de 2021, a então Conselheira Maria Tereza Uille Gomes julgou procedente o pedido revisional para rescindir o julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, tornando sem efeito a pena aplicada ao Juiz Demétrio de Sousa Pereira (Id 4401622) 

Inconformado com a decisão, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará interpôs Recurso Administrativo propugnando pela reforma do decisum (Id 4437531).

Em suas razões recursais, o TJCE entende, em síntese:

i)              impossibilidade de utilização da decisão monocrática para o julgamento do procedimento revisional;

ii)            não cabimento da Revisão Disciplinar como sucedâneo recursal;

iii)          preclusão administrativa – Julgamento da Revisão Disciplinar 000891-26.2015.2.00.0000;

iv)          julgamento conforme a prova dos autos;

v)            higidez e proporcionalidade da pena aplicada;

O requerente apresentou contrarrazões (Id 4601777), no qual pede a manutenção da decisão recorrida.  

É o relatório.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro



[1] Instauração do PAD: 1/11/2012. Julgamento do PAD: 5/2/2015. Trânsito em julgado: 14/5/2015. Id 1794878

[2] Art. 35 - São deveres do magistrado:

 

I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

 

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TJCE. JUIZ DE DIREITO. FAVORECIMENTO DE ADVOGADO. PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. JULGAMENTO EM CONSONÂNCIA COM AS PROVAS PRODUZIDAS. VOTO PELO CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO ADMINISTRATIVO APRESENTADO PELO TRIBUNAL ESTADUAL, COM A MANUTENÇÃO DA PENALIDADE IMPOSTA.

 

VOTO DIVERGENTE

 

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:  

Trata-se de pedido de Revisão Disciplinar apresentado pelo Juiz de Direito Demétrio de Souza Pereira contra acórdão proferido pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará que, ao examinar o Procedimento Administrativo Disciplinar n. 8500234-43.2012.8.06.0026, concluiu pela imposição da pena de aposentadoria compulsória, com proventos proporcionais.

O feito foi julgado procedente, em decisão monocrática exarada pela então Conselheira Maria Tereza Uille Gomes, que entendeu não haver provas de que a conduta do magistrado estaria eivada de vício e, em consequência, revisou a decisão condenatória (Id 4401622).

O recurso administrativo que ora se examina advém de irresignação do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará que, defendendo a existência de elementos suficientemente robustos e aptos a embasar a penalidade imposta, requer a reforma do julgado.

 O eminente Conselheiro Mário Goulart Maia vota pela negativa de provimento ao recurso, mantendo hígida a decisão que julgara procedente a revisão disciplinar.

Peço vênia para divergir.

A revisão disciplinar é admissível “quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ” (art. 83, I, do RICNJ). Tal intervenção, contudo, tem caráter excepcional e somente se justifica quando demonstrada flagrante irregularidade – o que não parece ser a hipótese dos autos. Nesse sentido:

PROCEDIMENTO DE REVISÃO DISCIPLINAR. JUIZ DE DIREITO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR JULGADO PROCEDENTE PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATO GROSSO. PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. PARTICIPAÇÃO EM VENDA DE DECISÕES JUDICIAIS. SUPORTE PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA A MEDIDA APLICADA. PEDIDO DE REVISÃO QUE SE JULGA IMPROCEDENTE.

1. O pedido de revisão disciplinar só pode ser acolhido se apresente alguma das hipóteses previstas nos artigos 82 e 83 do Regimento Interno deste Conselho Nacional de Justiça. Desse modo, a revisão só é cabível quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ (item I do artigo 83/RICNJ); quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos (item II, idem); e, finalmente, quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem (item III, idem).

2. Quando não se consubstanciam quaisquer desses específicos pressupostos, é inarredável a conclusão pela improcedência do pedido. Caso em que a decisão sancionatória promovida pelo tribunal estadual, com aplicação da pena de aposentadoria compulsória do magistrado, se mostra amplamente confortada pela prova dos autos do PAD, ficando evidenciada a congruência de uma com a outra.

3. Pedido de revisão fundamentado no inciso I do art. 83 do RICNJ, sob as alegações de que a pena de aposentadoria compulsória aplicada no PAD processado no tribunal local carecia de mínimo suporte probatório.

4. As provas contidas nos autos não deixam dúvidas acerca da participação do magistrado em tratativas para a venda de suas decisões judiciais. Inobstante a inexistência de prova direta quanto ao recebimento de valor ou mesmo uma conversa do juiz interceptada, é fato que os diálogos captados licitamente por ordem judicial, sem que as partes envolvidas soubessem da interceptação, com riqueza de detalhes e com relação direta e lógica com os atos judiciais emanados pelo juiz, são mais que suficientes para sustentar um édito condenatório em sede administrativa.

5. O art. 239 do Código de Processo Penal autoriza que o julgador se utilize dos indícios, por meio do método indutivo, para concluir a existência de outra(s) circunstância(s). Veja-se que se no processo penal permite-se a utilização lícita dos indícios como meio de prova, com mais razão pode-se adotá-los na esfera administrativa.

6. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é tranquila quanto à utilização de indícios para sustentar uma condenação, quando, frise-se, analisados no conjunto probatório carreado aos autos. Precedentes do STF.

7. Este Conselho Nacional de Justiça tem sido implacável com condutas de magistrados que trocam decisões judiciais por recebimento de qualquer vantagem. Trata-se, em verdade, da forma mais nefasta que um juiz pode se apresentar à sociedade, porquanto é através de suas decisões que os magistrados justificam constitucionalmente os cargos que ocupam e legitimam a prestação jurisdicional e a independência do Poder Judiciário. Precedente do CNJ.

8. Processo de revisão disciplinar que se julga improcedente.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0004761-79.2015.2.00.0000 - Rel. TANIA REGINA SILVA RECKZIEGEL - 327ª Sessão Ordinária - julgado em 23/03/2021).

 

REVISÃO DISCIPLINAR. JUÍZA DE DIREITO. AMAZONAS. DINHEIRO APREENDIDO JUDICIALMENTE. AUSÊNCIA DE DEPÓSITO EM CONTA BANCÁRIA. GUARDA PESSOAL DOS VALORES POR MAIS DE UM ANO. DESOBEDIÊNCIA A INTIMAÇÕES DA CORREGEDORIA LOCAL PARA ESCLARECER O FATO. EXISTÊNCIA DE FALTAS DISCIPLINARES PRETÉRITAS. PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. JULGAMENTO EM CONFORMIDADE COM AS PROVAS PRODUZIDAS. NÃO DEMONSTRADA CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. REVISÃO DISCIPLINAR CONHECIDA, RESSALVADO O ENTENDIMENTO DO RELATOR, PORÉM JULGADA IMPROCEDENTE.

1. O Tribunal de Justiça do Amazonas julgou desrespeitados deveres constantes do Código de Ética da Magistratura (arts. 1º, 10, 11, 14 e 20) por parte de juíza de direito que não depositou em conta bancária oficial valores apreendidos com réu de ação penal, guardando pessoalmente o dinheiro por mais de um ano.

2. Revisão disciplinar proposta com fundamento no art. 83, I, do CNJ se restringe à prova já produzida. Ainda que assim não fosse, a medida se mostra desnecessária no caso, porquanto a requerida exerceu plenamente, na origem, as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa ao juntar documentos, prestar depoimento pessoal e indicar testemunha, ouvida na instrução do feito.

3. Para aplicação da pena de aposentadoria compulsória, considerou-se a gravidade do fato, a ausência de resposta a intimações da Corregedoria local para esclarecimento das circunstâncias e a existência de faltas disciplinares pretéritas por parte da magistrada.

4. O acórdão a ser revisado não apresenta contrariedade à evidência dos autos, constituindo as alegações da requerida mera irresignação com a decisão da Corte de origem. A jurisprudência do CNJ atribui à revisão disciplinar natureza excepcional, não admitindo o procedimento como sucedâneo de recurso. Precedentes.

5. Revisão disciplinar conhecida, ressalvado o entendimento do relator, porém julgada improcedente.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0005243-90.2016.2.00.0000 - Rel. MÁRCIO SCHIEFLER FONTES - 278ª Sessão Ordinária - julgado em 18/09/2018).

 

Segundo consta, no ano de 2009 o magistrado desempenhava suas funções perante a Comarca de Santana de Cariri, CE, na condição de juiz substituto. Atuando na ação penal de nº 2000.02267186-2, prolatou sentença desclassificando crime de homicídio doloso para culposo e absolvendo o réu da imputação. Referida decisão foi proferida em 18 de junho de 2009 (Id 1452988).

 

Inconformado, o órgão ministerial apresentou recurso de apelação em 29.06.2009, ocasião em que os autos foram conclusos ao magistrado. Em 13.07.2009 foi determinada a intimação da parte adversa para ofertar suas razões (Id 1752998, fl. 9).

 

Ao apresentar as contrarrazões, o réu apontou intempestividade na irresignação. Diante disso, o magistrado requereu à secretaria que exarasse certidão, nos seguintes termos:

 

Em face do que foi alegado pela defesa nas suas contrarrazões de apelação sobre intempestividade, diga a Secretaria desde que data o processo estava a disposição do Ministério Público, no seu escaninho, para oferecer recurso. Informe a Secretaria como é a prática de intimação do Ministério Público dos despachos, decisões e sentença judiciais (Id 1752991, mov. 102, fl. 5).


A certidão apresentada noticiava, in verbis:

 

CERTIFICO para os devidos fins, que os autos do Proc. Nº 2000.0226.7181-2, foi colocado na estante onde são colocados os processos destinados a intimação do Ministério Público, logo após a intimação do advogado de defesa, ou seja, no dia 19 de julho de 2009, e desde aquela data, se encontrava a disposição do Ministério Público.

Outrossim, informo que a prática de intimação do Ministério Público, das decisões, despachos e sentenças se faz com a colocação do “ciente” apenas no dia em que o mesmo retira os autos da prateleira onde ficam destinados ao Ministério Público e, que a rotina de todos os Promotores de Justiça e escolherem os processos na prateleira que entendem mais urgentes. (Id 1752991, mov 102, fl. 6).

 

Após, com base em voto do Ministro Marco Aurélio de Mello, prolatado nos autos do HC 83.255/SP (voto que era apenas paradigma e não se referia ao caso concreto), e considerando a data em que o feito foi colocado no escaninho, o magistrado reconheceu a intempestividade e o trânsito em julgado da sentença (Id 1752991, mov 102, fl. 7).

 

A decisão supracitada foi prolatada em 19 de agosto de 2009 e a intimação pessoal do Ministério Público, recebida pela Promotora Efigênia Coelho Cruz, se deu em 21 de outubro de 2009 (Id 1752991, mov 102, fl. 7). Não houve recurso.

 

Em 30 de outubro de 2009 foi certificado, pela servidora Antônia Joelma Cesar Cabral, o trânsito em jugado da sentença absolutória, haja vista que não foi apresentada pelo órgão ministerial irresignação contra a decisão que decretou a intempestividade da apelação (Id 1752991, mov 102, fl. 8).

 

Esse é o trâmite processual e com base nele a relatora do PAD entendeu que o magistrado agiu com evidente “error in procedendo”, propugnando pela aplicação da pena de censura.

 

Contudo, o voto-vista examinou elementos adicionais, para além do simples trâmite processual, opinando pela pena de aposentadoria compulsória. Essa a posição que se sagrou vencedora.

 

Não vejo razões para discordar da conclusão do acórdão prolatado pelo Tribunal estadual.

 

A decisão monocrática ora atacada consignou que durante a instrução do PAD não foi ouvida nenhuma testemunha do Ministério Público, além de apontar que as testemunhas de defesa abonaram a conduta do magistrado. Olvidou-se, contudo, que o conjunto probatório obtido por meio de depoimentos dos envolvidos em inquérito policial, que apurava a mesma situação, foi considerado como razão de decidir.

 

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, por meio do enunciado n. 591, pacificou o entendimento de que “é permitida a ‘prova emprestada’ no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa”.

 

Deste modo, não há que se falar em ausência de provas ou de documentação de suporte, restando avaliar se esses elementos foram suficientes para justificar a medida punitiva adotada.

O vistor concluiu que havia ligação entre os atos do magistrado e todos os supostos erros ocorridos em secretaria. Consta que o advogado fora intimado da sentença no dia de sua publicação e teria sido ele quem entregou em secretaria a certidão que atestava a intimação do Ministério Público.

Tal alegação é corroborada pelos depoimentos de servidor local e da Promotora de Justiça. Vejamos:

Celso Luiz de Sousa Girão Neto, atual diretor de secretaria da Vara de Santana do Cariri/CE: “QUE, quando da entrega da defesa de JOELMA esta afirmara categoricamente que já havia recebido a CERTIDÂO que explica a praxe de intimações pronta, e que estaria cumprindo apenas a uma determinação do Juiz, à época” (Id 1752926, mov. 58, fl. 1).

Alessandra Magda Ribeiro Monteiro, Promotora de Justiça titular da Comarca de Santana do Cariri/CE “a sentença judicial data de 18/06/2009 fora protocolada em 19/06/2009, e na mesma data o advogado do réu, Dr. Amarilio Pequeno da Silva, que mora na cidade de Juazeiro do Norte, também tomou ciência da decisão, fato que a deixara surpresa, tendo um dos funcionários esclarecido que o advogado ter feito a devolução do processo;

[...]

QUE quer salientar ainda em meados de março e início de abril de 2010 convocou a servidora Pública Municipal Andrea Aguiar, que presta serviço a secretaria da vara, bem como o marido deste o ST Vidal, ex-comandante do destacamento Policial militar desta cidade para informa-los acerca de acumulação de cargos público referente a servidora, oportunidade em que a mesma mencionou que nada tinha a ver com o processo ora em comento dizendo que havia presenciado quando o advogado Amarílio Pequeno havia trazido a certidão questionada pronta, para a Joelma  assinar, dizendo que o Juiz Demétrio tinha pedido para a mesma assinar” (Id 1752926, mov. 58, fls. 2 e 3).

Considerou-se que houve clara intenção de evitar que a Promotoria retirasse os autos em data próxima à disponibilização no escaninho, como demonstra o depoimento das servidoras Andrea Vidal da Costa, técnica ministerial, e Maria Conceição da Silva, servidora pública estadual, respectivamente, in verbis:

Que, quanto ao processo Nº 200.0226.7181/2 que deu ensejo à instauração do presente inquisitorial, mais especificamente quanto a uma suposta certidão falsa emitida pela senhora Antônia Joelma César Cabral se recorda que num certo dia não sabendo se no dia 24 ou 26/06/2009 estava em seu local de trabalho quando ali chegou a servidora Maria da Conceição, dos quadros do Tribunal de Justiça do Estado e pediu a depoente para que se dirigisse até a Secretaria e pagasse os processos com intimação de sentença para o MP, isto em face de haver tentado pegar referidos procedimentos e a servidora Andréia Aguiar da Silva Vidal, servidora pública municipal à disposição do Fórum Judiciário de Santana do Cariri, haver feito referência a um deles que não deveria ser levado ao MP, sugerindo que a depoente fosse pega-los, como de fato o fez, acreditando que pudesse haver um ‘mal estar’ entre as servidoras que costumeiramente levava os processos e, em seguida, obviamente, fez  entrega a Dra. Alessandra, que por sua vez o (s) levou para casa, pois no dia 29/06/2009 recebeu das mãos de um servidor cujo nome não se recorda, mas que era dos que morava no Crato/CE, uma apelação que tratava em torno do processo acima epigrafado. (Id 1752925, mov. 57, fl. 5)

QUE, não se recorda a data precisa mas acredita que talvez tenha sido numa quarta-feira logo após o Dr. Demétrio julgar improcedente a denúncia e absolvição do réu em comento, quando fora pegar os processos que estavam para intimação de sentença para o MP, fora advertida pela servidora Andrea Aguiar, dos quadros da Prefeitura de Santana e à disposição do Fórum local, que não deveria levar o processo acima especificado, alegando que o advogado tinha pedido para a Promotora não visse o processo naquele momento, fato que recuara no sentido de evitar desentendimento com a colega de trabalho, contudo, após raciocinar melhor e se recompor diante do que ouvira se dirigira à sala da promotoria e ali comunicara Andrea Costa (Id 1752926, mov. 58, fl. 5).

O vistor destacou não apenas a necessidade de que o magistrado zelasse pela correta intimação do órgão ministerial – consoante consta do ordenamento jurídico – como também a inovação na praxe da própria unidade judicial, que jamais havia solicitado certidão da secretaria da vara pormenorizando o ato de intimação do Parquet.

Quanto ao posicionamento do Ministério Público estadual em parecer no processo administrativo disciplinar, destaca-se que o posicionamento favorável à pena mais branda não vincula os julgadores.

 

Ademais, de se notar que o incidente de falsidade apresentado contra as servidoras foi extinto, sem o exame meritório, por entender o julgador designado que a via eleita seria inadequada para referido exame (Id 4384557, fls. 6 a 9). Deste modo, não tendo sido sopesado o contexto probatório, a decisão não é capaz de elidir os elementos efetivamente considerados no PAD.

Por fim, no tocante à suposta relação entre o advogado e o réu, que comprovaria o nexo entre as condutas apresentadas, é de se destacar que outro processo disciplinar apurou, com provas bastante expressivas, as relações pessoais entre o causídico e o magistrado, bem como a participação na gestão de empresas, culminando em outra penalidade de aposentadoria compulsória (PAD nº 8500798-51.2014.8.06.0026, vinculado à RevDis 7322-42.2016.2.00.0000, já arquivada e que não alterou o mérito).

Assim, tenho que a alegação de que a decisão seria contrária aos elementos dos autos não se sustenta e que o feito adquire, em verdade, natureza recursal.

Nesse sentido, resgato trecho de voto proferido há alguns anos perante este Conselho Nacional de Justiça, que sintetiza com clareza a hipótese de revisão disciplinar em casos como este:

5. Oportunidade de reafirmar que a atuação do Conselho Nacional de Justiça, em face de procedimentos disciplinares instaurados contra magistrados pelos seus respectivos tribunais, é limitada ao controle da indenidade desses processos, de modo a assegurar-se: (1º) que a independência dos juízes e das juízas não seja arranhada por motivações outras que não sejam relacionadas com o interesse público e com a garantia da efetividade da prestação jurisdicional; e (2º) que o processo administrativo disciplinar se desenrole com a estrita observância das garantias e dos direitos fundamentais dos processados. Todavia, a revisão disciplinar, conforme prevista no Regimento Interno do CNJ, não pode ser confundida com um recurso processual ordinário, pois inexistente a possibilidade de devolução de todas as questões fáticas e jurídicas do caso, como se estivesse o CNJ na atuação de uma segunda instância administrativa.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0007032-66.2012.2.00.0000 - Rel. FLAVIO SIRANGELO - 191ª Sessão Ordinária - julgado em 16/06/2014). 

Na espécie, não é possível modificar a avaliação realizada pelo tribunal de origem no sentido de que a conduta do magistrado feriu os deveres funcionais. O acórdão impugnado está apoiado em elementos válidos e considera o acervo fático-probatório apresentado, consoante demonstram as várias transcrições acima.

Tenho, ainda, que a pena aplicada não desborda da proporcionalidade, visto que a gravidade da conduta está configurada e a reação deve, necessariamente, ser severa.

Ante o exposto, peço vênia ao Conselheiro Relator para dar provimento ao recurso administrativo apresentado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará e, em consequência, julgar improcedente o pedido de revisão disciplinar, mantendo íntegro o acórdão que determinou a aposentadoria compulsória do magistrado.

 É como voto.

 

 

VOTO

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA (RELATOR): Trata-se de Recurso Administrativo contra decisão que julgou procedente o pedido, nos seguintes termos (Id 4401622): 

DECISÃO 

Trata-se de pedido de Revisão Disciplinar (RevDis) apresentado por Demétrio de Sousa Pereira – à época dos fatos, juiz de direito auxiliar da Comarca de Santana do Cariri/CE –, em face de Acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) que, por maioria de votos, no bojo do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) 8500234-43.2012.8.06.0026[1], aplicou ao requerente a penalidade de aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, em razão da prática de condutas violadoras dos deveres insertos no art. 35[2], I, da LC 35/1979 (LOMAN). 

Data

Descrição

1.11.2012

Instauração do PAD pelo TJCE

7.11.2012

Portaria 1784/2012 (Id 1771425, fl. 9).

5.2.2015

Julgamento PAD

14.5.2015

Trânsito em julgado

As faltas funcionais atribuíveis ao magistrado remontam ao ano de 2009, quando o juiz atuava na Comarca de Santana de Cariri/CE e era responsável pela condução da Ação Penal 2000.0226.7186-2 (Numeração Única CNJ: 0000079-39.2000.8.06.0162).

A aludida Ação Penal e o PAD/TJCE para o fim do presente feito podem ser assim esquematizados:

Ponto 1: Na AP 2000.0226.7186-2, o MP pretendia a responsabilização do réu Francisco Marcílio Alves da Silva por homicídio doloso praticado contra sua esposa, Maria Vale da Silva, com a finalidade receber seguro de vida da qual era beneficiário direto (simulação de acidente automobilístico).

Ponto 2: Em junho de 2009, o Juiz Demétrio de Sousa Pereira proferiu sentença desclassificando a conduta imputada ao réu (homicídio doloso), absolvendo-o da conduta delitiva correspondente ao tipo homicídio culposo.

Ponto 3: O MP apresentou recurso de apelação e o patrono do réu, contrarrazões. Nestas, o advogado Amarílio Pequeno da Silva argumentou a intempestividade do recurso a partir do julgado proferido pelo Ministro Marco Aurélio, no Habeas Corpus 83.255/STF. 

Ponto 4: Por não ser o magistrado titular da unidade, e diante da alegação de intempestividade do recurso, o juiz Demétrio de Sousa Pereira solicitou à Secretaria da Vara (Antônia Joelma César Cabral) que esclarecesse a praxe de intimação do Ministério Público na unidade e qual havia sido a data efetiva da cientificação do MP acerca da sentença.

Ponto 5: Emissão da certidão pela Diretora de Secretaria e prolação de decisão pela não admissibilidade do recurso de apelação.

Ponto 6: O MP protocolou petição para denunciar suposto esquema criminoso entre as servidoras da unidade jurisdicional (possível manipulação do procedimento intimatório e falsificação de certidão de trânsito em julgado, a favorecer o réu da Ação Penal).

Ponto 7: Promoção de Instauração de inquérito policial (incidente de falsidade de documento). Conclusão: necessidade de apuração e investigação de possíveis crimes conexos praticados. Referência ao magistrado. Possível prática de crime (corrupção passiva).

Ponto 8: Instauração do PAD pelo TJCE para aprofundamento das investigações (2012), com afastamento do magistrado das funções.

Ponto 9: Apresentação de razões finais pelo MP, com sugestão de aplicação de pena de censura ao juiz (Id 1771427).

Ponto 10: Julgamento do PAD, com a condenação por maioria de votos (aposentadoria compulsória).  

O requerente aduz, em síntese, que o processamento e o julgamento do feito estão eivados de vícios, dadas as premissas fáticas e conclusões equivocadas a que chegou o TJCE. Defende:

a)         a inexistência de conteúdo falso na certidão emitida pela secretaria da Vara, que narrava o “modus operandi” do processo de intimação do membro do Ministério Público naquela unidade jurisdicional, circunstância esta ocorrida no bojo da Ação Penal 2000.0226.7181-2[3], em que o MP apresentou Recurso de Apelação com a pecha de intempestividade (origem do PAD);

b)        a presença de erro material de grafia no voto vencido da Relatora, com relação à data de colocação dos autos no escaninho da vara após a prolação da sentença; 

c)         o voto exarado pelo Ministro Marco Aurélio Melo nos autos do HC 83.255, julgado em 5.11.2003 pelo Pleno do STF, como embasamento para concluir pela intempestividade do recurso apresentado pelo Ministério Público; 

d)        a judicialização dos atos investigados no PAD e a impossibilidade de punição em razão do despacho que reconheceu a intempestividade do recurso contra a sentença absolutória; 

e)    A inexistência de conluio com quer que seja.

Liminarmente, pediu a suspensão dos efeitos da decisão do TJCE. No mérito, a confirmação da medida e fosse declarada ilegal a deliberação do Tribunal, diante da inexistência de prática de crimes ou infrações disciplinares.

A medida de urgência foi indeferida pelo então Conselheiro Emmanoel Campelo, pois não identificados os pressupostos para a sua concessão (Id 1762011).

O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará prestou informações sob as Id 1771363 a 1771505 e colacionou aos autos cópia integral do procedimento.

O Ministério Público Federal, pelo Procurador-Geral da República, manifestou-se pela improcedência da revisão e manutenção da decisão do TJCE (Id 1821689).

O requerente apresentou alegações finais sob a Id 3645081.

É o relatório. Decido.

I - Tempestividade

De plano, verifico que o pedido revisional apresentado por Demétrio de Sousa Pereira é tempestivo e atende aos ditames do Regimento Interno do CNJ (RICNJ).

O Acórdão contra o qual se insurge o requerente transitou em julgado em 14 de maio de 2015 (Id 1794878) e o pedido de revisão foi protocolado no CNJ em 27 de julho de 2015.

Portanto, dentro do lapso temporal de um ano previsto no RICNJ e no artigo 103-B, § 4º, V, Constituição Federal.

A inicial e a documentação que a instrui está em consonância com o previsto no artigo 84[4] do RICNJ de modo suficiente a autorizar a instauração do processo de revisão.

Desse modo, conheço da presente RevDis.

II - Mérito

Conforme relatado, os fatos ensejadores da punição ao magistrado remontam ao tempo em que Demétrio de Sousa Pereira atuava no Juízo de Vara Única da Comarca de Santana do Cariri/CE (2009).

A acusação admitida pelo TJCE de instauração do PAD remete à sua atuação nos autos da Ação Penal 2000.0226.7186-2, em que figurava como réu o senhor Francisco Marcílio Alves da Silva, denunciado pelo crime de homicídio doloso contra a sua esposa, vítima de suposto acidente automobilístico simulado pelo réu com o propósito de receber o seguro de vida a que faria jus, cujo patrono era o senhor Amarílio Pequeno da Silva.

As supostas faltas funcionais restaram comprovadas segundo o TJCE com a “comprovação da participação do magistrado na manipulação de expedientes intimatórios, alteração substancial do procedimento processual e a utilização de certidão falsa, isto associado à prolação de decisões em absoluto descompasso com a disciplina legal da matéria, tudo com o indelével intuito de produzir, a fórceps, o trânsito em julgado de sentença absolutória em favor do constituinte do Advogado Amarílio Pequeno da Silva nos autos da Ação Penal n2 2000.0226.7186-2" (Id 1752504).

O Acórdão foi assim ementado (Id 1752504, fls. 2/4):

PROCESSO ADMINIS1RATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO. PROVA QUE INDICA A ATUAÇÃO DO JUIZ PROCESSADO COM DESVIO DOS DEVERES FUNCIONAIS E ÉTICOS EXIGIDOS DA MAGISTRATURA EM SEDE DE AÇÃO CRIMINAL, A REVELAR FATO GRAVE VIOLADOR DO DEVER INSCULPIDO NO ART. 35, INCISO I, DA LOMAN. MANIPULAÇÃO DE EXPEDIENTES INTIMATÓRIOS, ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DO PROCEDIMENTO PROCESSUAL E A UTILIZAÇÃO DE CERTIDÃO FALSA, ISTO ASSOCIADO À PROLAÇÃO DE DECISÕES EM ABSOLUTO DESCOMPASSO COM A DISCIPLINA LEGAL DA MATÉRIA. CONLUIO ENTRE O MAGISTRADO, ADVOGADO DO RÉU EM AÇÃO CRIMINAL E SERVIDORES DO JUÍZO. APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA, COM VENCIMENTOS PROPORCIONAIS AO TEMPO DE SERVIÇO (LC 35/1979, art. 56, II; RES 60/2008-CNJ, art. 7º, II).

1. As circunstâncias verificadas no caso concreto referendam que a atuação do magistrado processado desviou-se dos deveres funcionais e éticos exigidos da magistratura, a revelar fato grave violador do dever insculpido no art. 35, inciso I, da LOMAN.

2. Comprovação da participação do magistrado na manipulação de expedientes intimatórios, alteração substancial do procedimento processual e a utilização de certidão falsa, isto associado à prolação de decisões em absoluto descompasso com a disciplina legal da matéria, tudo com o indelével intuito de produzir, a fórceps, o trânsito em julgado de sentença absolutória em favor do constituinte do Advogado Amarílio Pequeno da Silva nos autos da Ação Penal nº 2000.0226.7186-2.

3. Questões que se densificam no caso concreto diante das conhecidas relações havidas entre o Sr. Amarílio Pequeno, patrono do réu na ação penal encimada, e o Juiz Demétrio de Souza Pereira, ora processado.

4. Inconteste gravidade da conduta do magistrado requerido, avulta proporcional, na espécie, a aplicação da pena de aposentadoria compulsória.

 

O pedido merece ser acolhido.

Antes de adentrar à análise do mérito, tenho por oportuno reafirmar a jurisprudência[5] do Conselho Nacional de Justiça no sentido de que a Revisão Disciplinar, prevista no Título II, Capítulo III, do Regimento Interno do CNJ não ostenta natureza de recurso administrativo, tampouco visa reapreciar, de forma ampla, as provas produzidas na origem.

As hipóteses de cabimento da RevDis estão delineadas no artigo 83 do RICNJ, que assim estabelece:

Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I - quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

II - quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III - quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.

O requerente argumenta que o Acórdão prolatado pelo TJCE é contrário à evidência dos autos, portanto, passível de ser revisto pelo Conselho Nacional de Justiça, com fundamento no artigo 83, I, do RICNJ.

Nesse contexto, o exame do petitório está adstrito a verificar se a decisão prolatada está amparada em circunstâncias contidas nos autos e não milita em sentido contrário a qualquer elemento apurado.

E sob essa perspectiva, extrai-se deste Revisional que toda a celeuma e origem da aplicação da pena pelo TJCE estão diretamente relacionados a um único processo criminal que tramitou na Comarca de Cariri/CE – a Ação Penal 2000.0226.7186-2 (0000079-39.2000.8.06.0162/0).

A cronologia dos fatos na aludida Ação Penal auxilia sobremaneira a visualização, por completo, dos acontecimentos e formação de juízo (Ids 2678661/2910149):

Data

Síntese da Peça Processual

Página (Ação Penal)

02.06.2009

MP – requer a pronúncia do réu Francisco Marcílio Alves por homicídio qualificado – conduzia um veículo que colidiu com uma árvore e a esposa morreu.  Provocou a morte da vítima para receber o prêmio do seguro de vida.

273/280

15.06.2009

Defesa – requer a absolvição do réu – a invasão da pista por um animal foi a causa do acidente que vitimou a vítima

281/287

18.06.2009

O Juiz de Direito Demétrio reconhece a inexistência de crime doloso, desclassifica para culposo e, ao final, absolve com fundamento no 386, III CPP.

O Juiz Demétrio prolata sentença criminal desclassificando o crime imputado ao réu Francisco Marcílio Alves da Silva, por ter causado a morte de sua esposa Maria Vale da Silva, após colisão do veículo em uma árvore, e absolvendo-o da prática de homicídio culposo (Id 2678664 – p.163).

288/294

POSSÍVEL OMISSÃO

A sentença deveria ser publicada e registrada pela escrivã, e dentro de 3 dias após a publicação, dar conhecimento ao Ministério Público, conforme artigos 389 e 390 do CPP.

Exigência da intimação pessoal do Ministério Público – artigo 370, § 4º CPP e artigo 41, inciso IV, da Lei 8.625/93 - Lei Orgânica do MP. (Id 2678664 – p.169).

Não consta da cópia do processo remetido ao CNJ a existência de carimbos às fls. 294v., 295v. e 296v. – cfe. alega o MP pág. 330

 

24.06.2009

De ordem da Promotora de Justiça Dra. Alessandra, a Técnica Ministerial oficiou ao gerente do Banco do Brasil informando que apesar do Sr. Francisco ter sido absolvido a decisão não transitou em julgado e o MP protocolou recurso de apelação na secretaria da Vara – com recibo datado de 29.06.09.

349

26.06.2009

Carimbo do MP/CE – Promotoria de Justiça, com a data Recebidos em 26.06.2009 e o nome da Promotora de Justiça Alessandra Magda Ribeiro Monteiro sem assinatura

295

29.06.2009

MPCE – Promotora Alessandra Magda Ribeiro Monteiro interpõe recurso de apelação (consta na petição a data de 30.06.2009)

296

29.06.2009

MPCE – Promotora apresenta razões de recurso objetivando a reforma da decisão pelo Tribunal para que o réu seja submetido a Júri (consta na petição a data de 30.06.2009)

297/310

29.06.2009

Carimbo da serventia fazendo conclusão do processo ao Juiz de Direito Auxiliar da 1ª Zona Judiciária, ora respondendo pela Comarca.

311

13.07.2009

Juiz Marcelo Wolney despacha determinando intimação do apelado, por seu procurador, para, no prazo de 08 dias, oferecer suas razões (CPP, art. 600)

311

31.07.2009

Advogado requer o não conhecimento do recurso por intempestividade. Argumenta (contrarrazões de apelação) que “como se verifica do espelho do SPROC, desde o dia 19 de junho de 2009 o processo já se encontrava a disposição do MP para oferecimento do recurso, uma vez que esta é a prática das Secretaria de Vara em todo o Estado do Ceará, e portanto, naquele dia começou a fluir o prazo de 05 dias para apresentação de recurso, prazo que terminaria, como de direito terminou no dia 26 de junho de 2009”. Como o recurso foi protocolado em 29 de junho era intempestivo. E transcreve o voto do Ministro Marco Aurélio no HC 83255/SP sobre o termo inicial de prazo recursal para o MP (...)

312/322

03.08.2009

O Juiz auxiliar Demétrio despacha: “em face do que foi alegado pela defesa nas suas contra-razões de apelação sobre intempestividade, diga a Secretaria desde que data o processo estava à disposição do Ministério Público, no seu escaninho, para que pudesse oferecer recurso. Informe como é a prática de intimação do Ministério Público dos despachos, decisões e sentenças judiciais.

325

04.08.2009

CERTIDÃO 1 – A Diretora de Secretaria Antonia Joelma Cesar Cabral certifica que os autos do Proc. nº 2000.0226.7181-2 “foi colocado na estante onde são colocados os processos destinados a intimação do Ministério Público, logo após a intimação do advogado de defesa, ou seja, no dia 19 de julho de 2009, e desde aquela data, se encontrava a disposição do Ministério Público.” Informou que a prática de intimação do MP, das decisões, despachos e sentenças se fazia com a colocação do “ciente” apenas no dia em que o mesmo retirava os autos da prateleira onde ficavam destinados ao Ministério Público, e que a rotina de todos os Promotores de Justiça era escolher os processos na prateleira que entendiam mais urgentes (Id 2678664, fl. 198).

324

19.08.2009

O Juiz auxiliar Demétrio decide que no processo penal deve vigorar o princípio da isonomia entre as partes, de forma que o tratamento dado a um deve ser igual ao outro. Cita que o voto do Ministro Marco Aurélio (citado pela defesa - HC 83255/SP) é elucidativo e vem justamente num momento em que está a exigir de todos os envolvidos no processo agilidade em sua tramitação para não haver perpetuação do processo. A certidão da secretaria atesta o dia em que o processo foi colocado no escaninho da promotora para fins de promover o recurso desejável. Naquela deve-se contar o início do prazo recursal. Reconheceu a intempestividade e o trânsito em julgado, determinando que fosse certificado e intimado o Ministério Público.

325

21.10.2009

CERTIDÃO 2 – A Diretora de Secretaria certifica que intimou pessoalmente a Promotora de Justiça Efigênia Coelho Cruz, do inteiro teor do despacho de fls. 325, conforme ciente aposto acima, em data de 21.10.2009

325

21.10.2009

Consta o ciente com a assinatura do M.P. e a data de 21/10/09 (Id 2678664, fl. 199).

325

30.10.2009

CERTIDÃO 3 – A Diretora de Secretaria Antonia Joelma certifica que a decisão absolutória transitou em julgado em data de 29 de outubro de 2.009 e que não foi interposto tempestivamente recurso contra a mesma. (Id 2678664, fl. 200)

326

24.02.2010

A Diretora de Secretaria informa que recebeu os autos com parecer.

327

24.02.2010

Consta Requerimento formulado pelo MPCE, pela Promotora Alessandra Magda Ribeiro Monteiro, datado de 23.02.2010, com extensa narrativa de que teria sido “criada uma trama que inviabilizou a efetiva atuação do Ministério Público”, em especial, no que tange ao direito de recurso.

Ao final, requereu 6 providências:

a)    Oitiva das servidoras (...) e após, “V. Exa. reconsidere a decisão de fls. 325, uma vez que embasada em certidão falsa, determinando a subida dos autos ao Egrégio Tribunal de Justiça;

b)    Ofício ao Banco do Brasil solicitando informações sobre o prêmio do seguro;

c)    Certidão de comparecimento do juiz Demétrio em Santana no Cariri, nos meses de junho e agosto de 2009;

d)   Certidão dos dias em que o juiz Marcelo Wolney esteve na cidade no mês de junho e agosto de 2009;

e)    Remessa de cópia autenticada da certidão de fls. 324, visando instauração de processo por crime – 301 CP, 138 e 141,II e súmula 714 STF.

f)     Instauração de procedimento administrativo contra Antonia Joelma Cesar Cabral e Andrea Aguiar da Silva Vidal.

328/336

 

Juntada de documentos

337/358

16.03.2010

Despacho do Juiz Substituto Titular Domingos José da Costa. Determinou a autuação de incidente de falsidade em relação a certidão de fls. 324 expedida por Antonia Joelma Cesar Cabral.  A oitiva da parte que produziu o documento e a intimação da servidora Andréa Aguiar da Silva Vidal.

359

17.03.2010

Certidão do Diretor de Secretaria de que desentranhou a petição do MP e documentos, bem como, despacho de fls. 329/358 e 359 e juntou ao incidente processual em apenso.

359v.

01.09.2010

Despacho do Juiz Substituto Matheus Pereira Junior determinando o arquivamento, com baixa.

359v.

Em face dessa sucessão de fatos, o Ministério Público Estadual pediu ao TJCE que se apurasse a conduta do magistrado Demétrio de Sousa Pereira. 

Após a instrução, defendeu, em razões finais, que não poderia o magistrado “desconsiderar a intimação pessoal do MP já efetivada e, em contrapartida, considerar como considerou o início do prazo processual para interposição do recurso pelo membro do Ministério Público, a data em que houve o singelo depósito dos autos numa prateleira localizada na Secretaria da Vara única da comarca de Santana de Cariri” (Id 1771428, fl. 3).

Acrescentou que o “fato de desconsiderar a data da intimação pessoal do MP por parte do judicante representado, considerando ao revés, a data de colocação do processo penal na prateleira da Secretaria denota, estreme de dúvidas, a presença de fortes indícios da prática de manobras desenvolvidas no âmbito daquela Secretaria com o intuito de sonegar à Promotora de Justiça informações sobre o julgamento do processo em alusão e evitar a interposição do recurso cabível” (Id 1771428, fl. 5).

Sugeriu, à vista disso, fosse “reconhecida a existência de infração disciplinar, aplicando-se, de consequência, ao magistrado a pena prevista no inciso II do art. 42 da Lei Complementar Federal 35/1979 – censura” (Id 1771428, fl. 13).

Ao apreciar o conjunto fático-probatório, a Desembargadora Maria Edna Martins (relatora – voto vencido) propôs a aplicação da penalidade de censura ao Juiz Demétrio de Sousa Pereira. O fundamento (Id 1752656):  o duplo erro do magistrado i) considerar intempestivo o recurso apresentado pelo Ministério Público; e ii) considerar como legal a prática da Secretaria (aposta em certidão) de intimar o Ministério Público através da colocação dos autos em escaninho, em detrimento da intimação pessoal.

O voto divergente e condutor do Acórdão proferido pelo Desembargador Francisco Sales Neto em nada se desassemelha. Parte da asserção de: i)notícia” de que fora o próprio causídico (sr. Amarílio Pequeno da Silva) quem entregou em secretaria não apenas os autos da Ação Penal, como a sentença prolatada pelo juiz Demétrio de Sousa Pereira; ii) e do desacerto de o magistrado solicitar certidão da Secretaria da Vara Única da Comarca do Cariri/CE, pormenorizando a praxe de intimação do MP na unidade jurisdicional (Id 1752670).

 

[...]

[...]

Em suma, a falta atribuída ao magistrado e a penalidade aplicada pelo TJCE estão diretamente imbricadas pelo fato de o magistrado não ter procedido à correta prática do ato processual (error in procedendo), consistente na omissão de determinar a intimação pessoal do MP (mediante a entrega dos autos com vista).

Não há nos autos, outrossim, prova de dolo na conduta imputada ao juiz Demétrio de Sousa Pereira, no sentido de beneficiar o réu com a sentença de desclassificação da conduta (homicídio doloso) e absolvição da correspondente conduta delitiva ao tipo penal homicídio culposo.

Primeiro, porque durante a instrução do PAD não foi ouvida nenhuma testemunha pelo Ministério Público. Foram ouvidas três testemunhas de defesa e todas abonaram a conduta do magistrado.

Segundo, porque a prova testemunhal não foi suprida por outro tipo de prova documental idônea. A única prova analisável é o inteiro teor da ação penal, até o momento em que o magistrado atuou.

Terceiro, porque ao se manifestar no PAD perante o TJCE, o Ministério Público Estadual reconheceu a existência de infração disciplinar (violação dos artigos 35, I e VII, da LOMAN e arts. 5º e 8º do Código de Ética), por não ter dado cumprimento ao dispositivo legal que confere a prerrogativa de intimação pessoal ao Ministério Público, e requereu a aplicação da penalidade de censura por entender compatível com a conduta ilegal do magistrado, em especial, por ter violado o dispositivo legal que confere ao MP a prerrogativa de intimação pessoal.

Quarto, porque os documentos coligidos ao feito confluem para a compreensão de que o trânsito em julgado da sentença não decorreu da suposta certidão falsa de “fl. 429”, e sim da inércia consciente do Ministério Público, que não recorreu da sentença a qual reconheceu expressamente a intempestividade da apelação e ocasionou a certidão do transito em julgado definitivo (fl. 431).

Quinto, porque a certidão de objeto e pé da Ação Penal e os esclarecimentos solicitados por esta Relatora ao TJCE denotam a não interposição de recurso ou o manejo de qualquer outro instrumento processual pelo Ministério Público contra a sentença prolatada pelo magistrado Demétrio de Sousa Pereira na Ação Penal.

Sexto, porque o incidente de falsidade arguido pelo Ministério Público (2010) em face da Diretora de Secretaria (pessoa que lavrou a certidão supostamente falsa) teve decisão de extinção, sem resolução de mérito, em 30.7.2010 (Id 4384557, fls. 6/9).

Nessa ordem de ideias, quer nos parecer que a única compreensão possível das circunstâncias dos autos é a de que o juiz Demétrio de Sousa Pereira foi punido pela prática de ato jurisdicional (regular exercício da atividade judicante), portanto, no exercício de sua independência funcional e livre convicção, o que não encontra amparo na legislação de regência ou ressonância na jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça.

Neste particular, é digno de nota que ao tempo da prolação da sentença na Ação Penal (2009), havia julgados do Supremo Tribunal Federal a examinar o que se entendia por intimação pessoal, o dies quo e a praxe administrativa assentada nas instituições. É público e notório os incontáveis recursos especiais negados em razão da discussão jurisprudencial a respeito do tema.

Nesse sentido, cite-se o próprio Habeas Corpus 83255/STF utilizado pelo magistrado como fundamento de decidir na Ação Penal 2000.0226.7186-2 (Numeração Única CNJ: 0000079-39.2000.8.06.0162).

DIREITO INSTRUMENTAL - ORGANICIDADE. As balizas normativas instrumentais implicam segurança jurídica, liberdade em sentido maior. Previstas em textos imperativos, hão de ser respeitadas pelas partes, escapando ao critério da disposição. INTIMAÇÃO PESSOAL - CONFIGURAÇÃO. Contrapõe-se à intimação pessoal a intimação ficta, via publicação do ato no jornal oficial, não sendo o mandado judicial a única forma de implementá-la. PROCESSO - TRATAMENTO IGUALITÁRIO DAS PARTES. O tratamento igualitário das partes é a medula do devido processo legal, descabendo, na via interpretativa, afastá-lo, elastecendo prerrogativa constitucionalmente aceitável. RECURSO - PRAZO - NATUREZA. Os prazos recursais são peremptórios. RECURSO - PRAZO - TERMO INICIAL - MINISTÉRIO PÚBLICO. A entrega de processo em setor administrativo do Ministério Público, formalizada a carga pelo servidor, configura intimação direta, pessoal, cabendo tomar a data em que ocorrida como a da ciência da decisão judicial. Imprópria é a prática da colocação do processo em prateleira e a retirada à livre discrição do membro do Ministério Público, oportunidade na qual, de forma juridicamente irrelevante, apõe o "ciente", com a finalidade de, somente então, considerar-se intimado e em curso o prazo recursal. Nova leitura do arcabouço normativo, revisando-se a jurisprudência predominante e observando-se princípios consagradores da paridade de armas.

(HC 83255, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2003, DJ 12-03-2004 PP-00051  EMENT VOL-02143-03 PP-00652 RTJ VOL-00195-03 PP-00966 – Grifo nosso).

A discussão quanto ao tema também foi objeto de debates no Pleno do CNJ, a corroborar a compreensão de que o juiz Demétrio de Sousa Pereira foi sancionado incorretamente pelo entendimento que fez acerca da forma de intimação de membro do Ministério Público, o que, repise-se, não encontra guarida no ordenamento jurídico. Eventual discordância pelo MP com o decisum deveria ser atacado pelos meios e recursos em direito disponíveis.

Trata-se de Pedido de Providências (PP) formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS (MPGO) em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS (TJGO), no qual requer ao Conselho Nacional de Justiça a adoção de medidas para garantir a seus membros a intimação pessoal dos atos processuais.

[...]

A ausência de entrega dos autos com vista, além de constituir violação à prerrogativa legal, tem o condão de prejudicar a atuação do órgão ministerial na defesa dos interesses da sociedade. Conforme registra a documentação juntada pelo requerente (Id 1531477), em face da recusa dos membros do Ministério Público em dar ciência nos acórdãos que lhes são encaminhados durante as sessões de julgamento, o TJGO não efetua a remessa dos autos e certifica o trânsito em julgado da decisão, fato que enseja a perda de prazos processuais para a interposição de recursos.

Dessa forma, a fim de se evitar a ocorrência de danos irreparáveis ou de difícil reparação ao requerente no exercício do seu mister e, por via transversa, à sociedade, afigura-se prudente determinar ao TJGO que efetue a intimação pessoal do MPGO na forma prevista em lei, qual seja, mediante a entrega dos autos com vista.

No que tange ao pedido liminar para devolução dos prazos recursais nos processos em que houve recusa do Ministério Público em apor ciência nos acórdãos encaminhados em desacordo com a lei, não há espaço para deferimento da providência cautelar. A medida influi diretamente em matéria jurisdicional e é estranha à competência deste Conselho.

Ante o exposto, defiro parcialmente o pedido liminar para determinar ao TJGO que promova a intimação pessoal do Ministério Público mediante a entrega dos autos com vista, nos termos prescritos pelo artigo 41, inciso IV, da Lei 8.625/93.

(CNJ - ML – Medida Liminar em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0005394-27.2014.2.00.0000  - Rel. SAULO CASALI BAHIA - 197ª Sessão Ordinária - julgado em 14/10/2014 – Grifo nosso).

Nesse contexto, a par da fundamentação exposta, tenho por presentes os requisitos regimentais insertos no artigo 82 do RICNJ, a autorizar a revisão do julgado proferido pelo TJCE no PAD 8500234-43.2012.8.06.0026, o qual aplicou ao juiz Demétrio de Sousa Pereira a penalidade de aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

A jurisprudência desta Casa é firme no sentido de que a condenação imposta a magistrado pelo “crime de hermenêutica”, em desrespeito à autonomia e à independência funcional asseguradas pelo artigo 41 da LOMAN, autoriza e impõe a intervenção deste Conselho.

EMENTA: REVISÃO DISCIPLINAR. MAGISTRADA. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE CENSURA. DECISÃO CONTRÁRIA A TEXTO EXPRESSO DA LEI OU À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. CRIME DE HERMENÊUTICA. PROCEDÊNCIA. ABSOLVIÇÃO.

1. O caso se amolda ao disposto no inc. I, do art. 83, do Regimento Interno do CNJ, uma vez que a análise dos elementos e circunstâncias dos autos do PAD conduz à conclusão de que a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo foi contrária a texto expresso da lei ou à evidência dos autos.

2. Inexistência de procedimento extravagante ou manifestamente incorreto. Atuação respaldada no livre convencimento motivado. Art. 41, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

3. Punir um magistrado por sua compreensão jurídica implica na maior violência que se pode conferir à sua liberdade e independência judicial – condição essencial em um Estado Democrático de Direito. Equivale àquilo que Rui Barbosa chamou “crime de hermenêutica”, lembrando que a independência no ato de julgar não se dá em proveito individual, mas “em proveito público”.

4. Diante da constatação de que alguém está sofrendo ou está na iminência de sofrer coação ilegal, têm os juízes e os tribunais competência para expedir - de ofício - ordem de habeas corpus, conforme disciplina o § 2º, do art. 654, do CPP. Se poderia fazê-lo por meio de HC, não há que se desconsiderar a possibilidade de agir monocraticamente de forma acautelatória.

5. A valoração dos elementos dos autos em juízo monocrático não teve o condão proceder à valoração dos elementos fáticos-jurídicos do recurso interposto – o que afasta a ofensa ao princípio da colegialidade, pois a ordem de soltura foi concedida, em caráter cautelar, por não mais estarem presentes os requisitos da decretação da prisão preventiva.

6. Ademais, “eventual nulidade da decisão monocrática fica superada com a reapreciação do recurso pelo órgão colegiado” [1].

7. Evidenciada, portanto, a incursão sobre o conteúdo das decisões judiciais proferidas pela magistrada ora requerente.

8. Revisão Disciplinar julgada procedente para absolver a magistrada.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0002474-75.2017.2.00.0000 - Rel. GUSTAVO TADEU ALKMIM - 257ª Sessão Ordinária - julgado em 29/08/2017 – Grifo nosso).

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. APLICAÇÃO DA PENA DE CENSURA A MAGISTRADO EM FACE DE DECISÕES JUDICIAIS PAUTADAS EM CONVICÇÕES PESSOAIS E NO CONVENCIMENTO MOTIVADO. FUNDAMENTAÇÃO NA FORMA DO ARTIGO 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REGULAR ATIVIDADE JURISDICIONAL. DESRESPEITO À AUTONOMIA E À INDEPENDÊNCIA JURISDICIONAL INERENTES AO EXERCÍCIO DA MAGISTRATURA. INFRAÇÃO FUNCIONAL NÃO CARACTERIZADA. PROCEDÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. 

I – A análise pormenorizada do conteúdo das decisões judiciais proferidas pelo Requerente, impugnadas pela via administrativa, traduz entendimento de que a condenação imposta ao Magistrado adentra na análise da sua atividade jurisdicional, em desrespeito à autonomia e à independência funcional asseguradas aos membros da Magistratura, por força do artigo 41 da LOMAN, a autorizar a intervenção deste Conselho, na forma do artigo 83, inciso I, do RICNJ.

II – Ausentes elementos a evidenciar que as decisões jurisdicionais impugnadas tenham sido praticadas com dolo, má-fé, abuso de poder ou movidas por interesses extra processuais, as invocações de erros no agir jurisdicional, seja error in procedendo ou error in iudicando, não se prestam a justificar a aplicação de qualquer penalidade administrativa ao Magistrado Requerente.

III – Em tais situações, ainda que o entendimento defendido seja considerado equivocado pela instância judicial reformadora, frente à legislação de regência da matéria, é certo que, em regular atuação da atividade jurisdicional, caracterizada por decisões judiciais pautadas na expressão do convencimento motivado do Magistrado, devidamente fundamentada, não há que se falar em infração funcional ou punição administrativa.

IV – Revisão Disciplinar julgada procedente para absolver o Magistrado da pena de censura que lhe foi imposta. (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0004729-35.2019.2.00.0000 - Rel. EMMANOEL PEREIRA - 325ª Sessão Ordinária - julgado em 23/02/2021 – Grifo nosso).

Os entendimentos sufragados pela Suprema Corte não estão em outra direção. Na esteira desse raciocínio, destaco o seguinte julgado:

EMENTA Agravo regimental na petição. Representação criminal por abuso de autoridade formulado em desfavor de membro do Superior Tribunal de Justiça. Manifesto descabimento. Medida formulada com base em interpretações de ordem conjectural a respeito de processo decidido na Corte Superior. Autonomia funcional dos magistrados no exercício do mister jurisdicional, que não podem ser punidos ou prejudicados pelo teor das decisões que proferem (art. 41 da LOMAN). Investigação de magistrado que só pode ser realizada pela própria magistratura (art. 33, parágrafo único, da LOMAN). Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento. 1. Revela-se manifesto o descabimento da presente representação criminal, na medida em que se imputa a prática de crime de responsabilidade por membro do Superior Tribunal de Justiça com base em meras interpretações de ordem conjectural a respeito de processo decidido naquela Corte Superior. 2. Os magistrados gozam de plena liberdade de convicção e autonomia funcional no exercício do mister jurisdicional, sendo certo, ademais, que a própria LOMAN, em seu art. 41, lhes garante o direito de não serem punidos ou prejudicados pelas opiniões que manifestarem ou pelo teor das decisões que proferirem, excetuadas as hipóteses de impropriedade ou excesso de linguagem, o que não é o caso. 3. O Supremo Tribunal já assentou que “o ordenamento jurídico brasileiro, ao estabelecer os princípios da independência e da livre convicção motivada, o que faz em benefício dos jurisdicionados, não admite a glosa ou a impugnação às decisões judiciais que não seja pela via judicial, sob pena da nefasta criminalização da hermenêutica” (Inq nº 4.744-AgR/DF, Primeira Turma, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe de 11/10/19). 4. Há que se ressaltar, ainda, que só pode haver investigação de magistrado pela própria magistratura, consoante se extrai da redação do parágrafo único do art. 33 da LOMAN. 5. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(Pet 8787 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-176  DIVULG 13-07-2020  PUBLIC 14-07-2020 – Grifo nosso).

Desse modo, considerando que as matérias vertidas neste procedimento revisional se encontram devidamente pacificadas no âmbito desta Casa e do STF, restando autorizado o Relator a julgar monocraticamente os pedidos deduzidos na inicial (art. 25, X e XII, do RICNJ), tenho que a rescisão do julgado proferido pelo TJCE é medida que se impõe.

Ante o exposto, julgo procedente o pedido revisional para rescindir o julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, nos termos da fundamentação antecedente, tornando sem efeito a pena aplicada ao Juiz Demétrio de Sousa Pereira.

Intimem-se.

Publique-se nos termos do artigo 140 do RICNJ. Em seguida, arquivem-se os autos, independentemente de nova conclusão.

Brasília, data registrada no sistema. 

Maria Tereza Uille Gomes

Conselheira

Não identifico no Recurso Administrativo fundamentos capazes de modificar a decisão terminativa.

Reafirmo-a por seus próprios fundamentos, especialmente diante da análise detida dos autos e das provas existentes.

Restou comprovada a necessidade de aplicação ao caso do disposto no art. 83, inc. I, do RICNJ, que estabelece como uma das hipóteses de cabimento da Revisão Disciplinar o julgamento do Processo Administrativo Disciplinar contrário à evidência dos autos.

A análise da cronologia dos fatos, apresentada na decisão monocrática, não conduz a outra conclusão senão a de que a atuação do magistrado Demétrio de Sousa Pereira foi exclusivamente jurisdicional, no exercício do seu mister de forma autônoma e independente, tal como lhe assegura o art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).

É a lição do eminente jurista Ricardo Lorenzetti, ao defender a autonomia dos magistrados quanto a sua independência, para adotarem as soluções das demandas, valendo-se assim da técnica hermenêutica:

(...) O que caracterizaria se assim entender-se, tratar-se de tipo inexistente, como positivado pela nossa Constituição a qual se denomina do famigerado crime de hermenêutica. Para bem demonstrar e fundamentar nosso modesto entendimento nos socorremos da lição do juiz da Suprema Corte da Argentina, em seu livro, Teoria da decisão judicial, fundamentos de direito:

Apesar da multiplicidade de concepções e da ambiguidade do termo, os princípios são muito utilizados pelo juiz para resolver o caso; pelo legislador para legislar; pelo jurista para pensar e fundamentar; e para o operador jurídico para atuar. Não são somente perenes em relação ao tempo. A rigor, passam a ter cada vez maior importância. (Ricardo Luís Lorenzetti, Teoria da decisão judicial, fundamentos de Direito. Tradução Bruno Miragem. Editora revista dos tribunais. São Pauo,2004, p.126).

A propósito deste tema, assim registrou jurista italiano Professor Mauro Cappelletti:

(...) Escolha significa discricionariedade, embora não necessariamente arbitrariedade; significa valoração e balanceamento; significa ter presentes os resultados práticos e as implicações morais da própria escolha, significa que devem ser empregados não apenas os argumentos da lógica abstrata, ou talvez os decorrentes da analise linguística puramente formal, mas também e sobretudo aqueles da história e da economia, da política e da ética, da sociologia e da psicologia. E assim o juiz não pode se ocultar, tão facilmente, detrás da fácil defesa da concepção do direito como norma preestabelecida, clara e objetiva, na qual pode basear sua decisão de forma neutra. É envolvida sua responsabilidade pessoal, moral e política, tanto quanto jurídica, sempre que haja no direito abertura para escolhas diversas (Juízes Legisladores. Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Fabris, 1999, p. 33).

Jose Miguel Garcia Medina traz a seguinte reflexão sobre a autonomia e independência do Poder Judiciário:

I.               Poder judiciário: exercício da função jurisdicional no Estado Constitucional Democrático de Direito. Entendemos que a jurisdição é função do Estado, serviço público prestado pelo Poder Judiciário. Tendo em vista que Estado Constitucional Democrático de Direito idealiza e se compromete com objetivos tidos por essenciais, deve a jurisdição ser compreendida como integrante deste esforço ou, mais que isso, realizadora pratica dessa aspiração (cf. comentário aos arts. 1, 2 e 5, caput e inc. XXXV). Diante da evolução da noção de Estado, a concepção de Chiovendada de jurisdição como “função do estado “que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de órgãos público, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva” (Instituições ...cit., vol.2, n.137, p.8) tem sido criticada por parte da doutrina recente.

II.             De modo semelhante, a concepção de Carnelutti, que relaciona a jurisdição á “justa composição da lide”, também é criticada sob o argumento de que a “justa composição” seria realizada somente em parâmetros oferecidos pelo próprio ordenamento, ou, com outras palavras, de que a função do juiz estaria subordinada à do legislador (cf., a respeito, profunda exposição realizada por Eduardo Cambi, jurisdição no processo civil, passim.). Afirma-se, p.ex., que, de acordo com Chiovenda, “ao juiz bastaria aplicar a norma geral criada pelo legislador”, sendo “suficiente relacionar o caso, sem a necessidade da sua compreensão, com a norma geral, cujo conteúdo era claro e indiscutível” (Luiz Guilherme Marinoni, teoria geral do processo, n. 7.1 p.90). de fato, Chiovenda afirmava que, “dizendo-se que a função jurisdicional consiste na atuação da vontade da lei, exclui-se que possamos fazer consistir na determinação ou criação dessa vontade”(instituições ...cit. Vol. I, n. 11,p.60) partia o processualista, no entanto, no pressuposto de que as leis italianas regulariam minuciosamente as relações jurídicas (op. Cit., vol. I, n. 11 , p. 61-62), circunstancia que, se observável a luz do ordenamento jurídico italiano no começo do século passado, não se verifica, atualmente , em sistemas jurídicos como os brasileiros, e deve repetir-se na imensa maioria dos ordenamentos modernos. Parece correto pensar, diante disso, que conceito chiovendiano de jurisdição era jurídico-positivo (isso fica claro na passagem em que o referido autor reconhece que, no direito suíço de sua época, que adotava modelo “mais moderno”, o juiz estaria autorizado a “produzir”, ao contrário do que ocorreria no direito italiano de então). As teorias tradicionais como as de Chiovenda e Carnelutti, assim, não devem ser tidas como erradas, mas devem ser compreendidas a luz dos sistema e modelo de Estado em que foram formuladas. (Constituição Federal comentada: com jurisprudência selecionada do STF e de outros TRIBUNAIS. Jose Miguel Garcia Medina. 5 ed Rev., atual. e ampl: Editora Revista dos tribunais, São Paulo p.504)

Em relação ao questionamento suscitado pelo TJCE em suas razões recursais, de que não seria cabível o julgamento da presente Revisão Disciplinar pela via monocrática, entendo que o art. 25, XII do Regimento Interno do CNJ, confere a este Relator a possibilidade de “deferir monocraticamente pedido em estrita obediência a Enunciado Administrativo ou entendimento firmado pelo CNJ ou pelo Supremo Tribunal Federal”, situação que se coaduna com a verificada nos autos. 

Como demonstrado na decisão monocrática, inexistiam elementos concretos e provas suficientes para ensejar a aplicação da penalidade de aposentadoria compulsória ao magistrado. O que se evidencia dos autos é a punição de um juiz por sua compreensão jurídica em relação à condução do processo judicial que atuava. Como já exaustivamente demonstrado acima.

Por outro lado, apesar de o art. 88 do Regimento Interno do CNJ conduzir para o raciocínio de que o pedido de revisão deve ser julgado pelo Plenário do CNJ, o ordenamento jurídico deve ser interpretado sistemicamente e não apenas de forma isolada e específica. In casu, por se tratar de matéria consolidada no âmbito do CNJ e do STF, inegável a possibilidade de utilização da via monocrática para o julgamento do feito.

Ademais, como é próprio de um órgão colegiado, não obstante o procedimento tenha sido avaliado de forma singular, o Plenário do CNJ reavaliará o decisum, que poderá ser substituído pela decisão da maioria dos membros, se for o caso, conforme disciplina o § 5º, do art. 115, do RICNJ[1]

Como dito, não há nos autos elementos concretos e suficientes para afirmar que o magistrado teria recebido do advogado Amarílio Pequeno da Silva a minuta da sentença prolatada no julgamento da Ação Penal. Ao contrário, o voto divergente e condutor do Acórdão proferido pelo Desembargador Francisco Sales Neto (Id 1752670) se refere à existência de “notícia de que o causídico teria entregado em secretaria não apenas os autos da Ação Penal, como a sentença prolatada pelo juiz.

Outro fato atribuído ao magistrado – e também não comprovado – está relacionado à “notícia” de que a certidão produzida pela secretaria da Vara para confirmação sobre a tempestividade de recurso interposto pelo Ministério Público teria sido levada pronta pelo advogado Amarílio Pequeno da Silva.

Nesse ponto, rememore-se o fato que a certidão – inquinada de falsa pela Promotora de Justiça – foi objeto de incidente de falsidade arguido pelo Ministério Público e devidamente arquivado sem julgamento do mérito, em 30.7.2010 (Id 4384557, fls. 6/9).

Inexistem, portanto, provas de que o juiz Demétrio de Sousa Pereira teria se valido de minuta de sentença e de certidão produzidas por advogado no sentido de beneficiar o réu da Ação Penal.

Os ensinamentos da ilustre Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura[2] demonstram que não pode basear a condenação com base em meros indícios e “notícias”:

Vimos que, em decorrência do cânone da legalidade, o ordenamento jurídico processual penal não suporta a atipicidade da narrativa da conduta. E, por certo, não suporta também que a acusação se faça sem que encontre lastro na prova colhida no inquérito policial ou nas peças de informação. Tanto faz a denúncia narrar fato em tese atípico, como descrever fato que não guarde ressonância para com a prova colhida. Em ambos os casos, haverá ilicitude e, mais do que isso, imoralidade. E tanto a doutrina como a jurisprudência entendem que faltará, na hipótese, justa causa para a ação penal.

É que, para que alguém seja acusado em juízo, faz-se imprescindível que a ocorrência do fato típico esteja evidenciada; que haja, no mínimo, probabilidade (e não mera possibilidade) de que o sujeito incriminado seja seu autor e um mínimo de culpabilidade.

O juízo do possível conduz à suspeita, e é inaproveitável para uma acusação. Para que uma pessoa seja acusada da prática de infração penal, deve despontar não com possível, mas como provável autor do delito. (Grifos nossos).

 No que seja pertinente à relevante questão da justa causa, a Professora Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura assinala que:

(...) Prova induvidosa da ocorrência de um fato delituoso, na hipótese, e prova ou indícios de autoria, apurados em inquérito policial ou nas peças de informação que acompanham a acusação constituem o binômio que dá consistência à iniciativa sancionadora, sem o qual inexiste justa causa para a instauração do processo criminal (Justa Causa para a Ação Penal. São Paulo: RT, 2001, p. 241).

Portanto, podemos com segurança concluir que eventual exorbitância do exercício funcional, por meio de exigência descabida ou ilegal, somente se tipifica como crime quando (e se) o agente atuar com manifesto e induvidoso propósito malsão, intuito perverso ou desonesto. Sem a presença desse elemento anímico, não se há de cogitar da prática de crime, mas de irregularidade operacional que se pode corrigir – e sanar – por via administrativa comum, sem recorrer-se à ultima ratio administrativa.

No mesmo sentido e ampliando a observação, o Professor Nelson Saldanha defendia que:

O ato de julgar não é um arbítrio subjetivo, mas um pronunciamento do próprio ordenamento jurídico interpretado pelo titular de um poder competente. Assim é que o professor Georges Lavau designou o poder do juiz como um pouvoir meta-politique, isto é, um poder superior ao das injunções eventuais e mais vinculado ao direito do que mesmo a lei (Juge et Pouvir Politique, em La Justice, PUF, Paris 1961). E como a ordem jurídica não é um problema de física nem de matemática, o ato de julgar significa, no caso do direito, um modo de compreensão. Mesmo porque, em que pese a tradicional frase “interpretação da lei”, o que se interpreta não é apenas a lei, mas um contexto ou uma porção da ordem, e o que se “aplica”, no fundo, não é bem a lei, mas o Direito, ao qual a lei serve como instrumento de explicitação normativa (O Poder Judiciário e a Interpretação do Direito. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte: 31(30/31): 47-59, 1987/1988).

Palhares Reis leciona que apenas os indícios veementes podem ser reconhecidos como provas na hipótese da conexão com outras provas e elementos. Em sua obra intitulada Processo Administrativo Disciplinar contra Magistrado[3] o ilustre doutrinador discorre sobre o tema:

O indício veemente, somente deve ser aceito como prova indiciária se adequadamente ajustada ao mais das provas existentes nos autos, porque, “tratando-se de prova que requer acurada operação de inteligência, aconselhamos muito cuidado e prudência na sua adoção, uma vez que, por qualquer lapso, se poderá chegar a conclusões totalmente inexatas”.

Poderá dispensar a autenticação, desde que não haja qualquer atitude contrária de outra parte eventualmente participante da investigação ou do próprio Relator.

Assim se posicionou a respeito o STJ:

2. Presumem-se verdadeiros os documentos colacionados pelos autores na inicial quando o réu não arguiu sua falsidade, como na presente hipótese, tornando-se despicienda sua autenticação, q.v., verbi gratia, EREsp n° 450,974/RS e REsp n° 714.460/CE.

O Desembargador Francisco Sales Neto, cujo voto prevaleceu no julgamento do PAD, considerou, ainda, como motivo ensejador de falta disciplinar o fato de o magistrado Demétrio de Sousa Pereira ter requisitado certidão da secretaria por se tratar de “medida processualmente despropositada” e representar “negligência ao texto legal que regula a intimação do Órgão Parquet”, além de “autêntica inovação na praxe da própria unidade judicial”.

Neste particular, convém relembrar que a questão relacionada à necessidade de intimação pessoal dos membros do Ministério Público era controvertida, inclusive no âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal, a teor do que se extrai do Habeas Corpus 83.255/STF.

Como se verifica, apenas “notícias” e o fato de o magistrado não ter procedido à correta prática do ato processual (error in procedendo), conduziram o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará à aplicação da penalidade administrativa capital ao juiz Demétrio de Sousa Pereira.

Justamente por se referirem a meras ilações, impositiva a atuação do CNJ no exercício de sua competência revisional.

Aplicando-se essa lição ao ato judicial de apreciação da inicial de uma ação de improbidade administrativa, merece referência o entendimento do eminente Ministro Benedito Gonçalves, em julgamento que se tornou paradigma no STJ – o Resp. 1.663.430/AP. Nessa decisão, dilucidou-se bem a necessidade da demonstração da verdade da justa causa para o ajuizamento de ação de improbidade administrativa. Veja-se:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FASE PRELIMINAR. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA. 

1. Hipótese em que a inicial imputa ao réu a prática de ato de improbidade administrativa por haver, na condição de Governador, assinado acordo de pagamento parcelado de débitos do Estado, que foi seguido pelo inadimplemento de uma de suas parcelas. 

2. A ação de improbidade deve ser rejeitada após a defesa preliminar quando inexistir ato de improbidade administrativa, de manifesta improcedência da ação ou de inadequação da via, nos termos do § 8o. do art. 17 da Lei no. 8.429/1992. 

3. Para que se processe a ação de improbidade administrativa é preciso que a inicial: (a) descreva adequadamente a ação/omissão capaz de configurar a improbidade administrativa; (b) venha respaldada por indícios suficientes de autoria e materialidade ou acompanhada de razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação, neste momento processual, de qualquer dessas provas (art. 16, § 6o. da Lei n. 8.429/1992). Só assim estará presente a justa causa para o recebimento da ação e improbidade administrativa, que só se processa quando há viabilidade condenatória. 

4. No caso dos autos, as imputações ao recorrido deram-se de forma abstrata, não se evidenciando a justa causa para o recebimento da ação de improbidade. 

5. Recurso especial provido para, desde logo, rejeitar a ação de improbidade (Resp. 1.663.430/AP, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 12/12/2018).

                   Em qualquer ação sancionadora a justa causa é sempre um freio crescentemente indispensável. Um freio ou um filtro, mas de todo modo uma barreira ao ânimo provocador ou ao espírito suscitador de iniciativas punitivas que não se fundem, desde logo, em dados empíricos que demonstrem, de saída, o fato punível e exibam, também de saída, apontamentos confiáveis de quem seja o seu autor. Apontamentos confiáveis e não apenas alusões ou insinuações, sentimentos ou alvitres, ainda que lastreados em convicções íntimas.

O Professor Nelson Saldanha adverte que:

(...) a atenção para com os meandros deste tema dá a medida das responsabilidades do julgador, que está posto entre as armas e a balança, isto é, entre a ordem do poder e a do Direito. As verdades são relativas, tanto no conteúdo das provas (que os ingleses chamam evidence) quanto nas entrelinhas dos códigos. E talvez, quem sabe, as coisas seriam piores se elas fossem absolutas.

No livro Garantismo Processual Penal no Juízo de Ilícitos Administrativos (2021, p. 77), ao analisar “o surgimento da ideia de procedimento punitivo”, o ilustre jurista Napoleão Maia Filho deixou registrado:

[...] que a pena que não resulta da análise das condições do cometimento do ilícito, bem como da personalidade do agente e de outros fatores relevantes, mostra-se intrinsecamente injusta. Nesses casos, pode-se dizer que o julgador não julga, apenas constata a ocorrência de um fato e, exclusivamente com base nessa constatação, aplica a pena que foi antecipadamente determinada pelo elaborador da regra punitiva. [...]

Nesse aspecto, o Conselho Nacional de Justiça já firmou entendimento no sentido de não ser possível a aplicação de qualquer penalidade à magistrados em relação a possíveis erros no agir jurisdicional, seja error in procedendo ou error in judicando, bem como no exercício do livre convencimento motivado (art. 41, da Loman).

Observa-se, portanto, nos dizeres da Eminente Ministra Maria Thereza de Assis Moura, que:

[...]. Mesmo invocações de error in judicando e error in procedendo não se prestam a desencadear a atividade censória, salvo exceções pontualíssimas das quais se deduza, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida esta, o que também não se verifica na espécie. [...][4]

Aliás, não é outro o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal quando se trata de garantias a magistrados relacionadas ao exercício da atividade judicante. Vejamos:

Agravo regimental na petição. Representação criminal por abuso de autoridade formulado em desfavor de membro do Superior Tribunal de Justiça. Manifesto descabimento. Medida formulada com base em interpretações de ordem conjectural a respeito de processo decidido na Corte Superior. Autonomia funcional dos magistrados no exercício do mister jurisdicional, que não podem ser punidos ou prejudicados pelo teor das decisões que proferem (art. 41 da LOMAN). Investigação de magistrado que só pode ser realizada pela própria magistratura (art. 33, parágrafo único, da LOMAN). Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento. 1. Revela-se manifesto o descabimento da presente representação criminal, na medida em que se imputa a prática de crime de responsabilidade por membro do Superior Tribunal de Justiça com base em meras interpretações de ordem conjectural a respeito de processo decidido naquela Corte Superior. 2. Os magistrados gozam de plena liberdade de convicção e autonomia funcional no exercício do mister jurisdicional, sendo certo, ademais, que a própria LOMAN, em seu art. 41, lhes garante o direito de não serem punidos ou prejudicados pelas opiniões que manifestarem ou pelo teor das decisões que proferirem, excetuadas as hipóteses de impropriedade ou excesso de linguagem, o que não é o caso. 3. O Supremo Tribunal já assentou que “o ordenamento jurídico brasileiro, ao estabelecer os princípios da independência e da livre convicção motivada, o que faz em benefício dos jurisdicionados, não admite a glosa ou a impugnação às decisões judiciais que não seja pela via judicial, sob pena da nefasta criminalização da hermenêutica” (Inq nº 4.744-AgR/DF, Primeira Turma, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe de 11/10/19). 4. Há que se ressaltar, ainda, que só pode haver investigação de magistrado pela própria magistratura, consoante se extrai da redação do parágrafo único do art. 33 da LOMAN. 5. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(Pet 8787 AgR, Relator (a): DIAS TOFFOLI (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 13-07-2020 PUBLIC 14-07-2020 – Grifos nossos).

No que tange à afirmação feita pelo TJCE de que a presente Revisão Disciplinar foi utilizada como sucedâneo recursal, esse ponto foi adequadamente enfrentado na decisão objurgada, quando da apreciação do cabimento do procedimento revisional.

O conhecimento da Revisão Disciplinar está adstrito às hipóteses constantes do art. 83, do Regimento Interno do CNJ. Identificada a ocorrência de julgamento contrário à evidência dos autos e observado o prazo decadencial para ingresso[5], o CNJ deve rever o julgamento realizado pelo Tribunal, podendo “determinar a instauração de processo administrativo disciplinar, alterar a classificação da infração, absolver ou condenar o juiz ou membro de Tribunal, modificar a pena ou anular o processo”[6].

Quanto à alegação do eg. TJ do Ceará de que ao juiz não é dado afastar-se das dicções legais para proferir a decisão que melhor se ajuste ao caso concreto, penso ser oportuno relembrar que esta proposição vigorou nos termos do apogeu do legalismo, de todo superado nos dias de hoje. O jurista Napoleão Maia Filho, baseando-se em ensinamentos de grandes mestres da Ciência do Direito, escreveu o seguinte:

Recorde-se que, ao imputar ao pensamento legalista estatal esses efeitos, a opinião do Professor BOBBIO é a de que o positivismo transformou os julgadores em órgãos formais estatais ou em autênticos funcionários do Estado, subordinados ao seu poder legislativo.

Essa exacerbação positivista, como dizia o saudoso Professor Paulo Bonavides (1925-2020), foi a causa mais próxima da derrocada do pensamento jurídico criativo. Esse foi o tempo em que os melhores juristas aderiram firmemente, tanto os escritores, como os docentes e os magistrados, como observa o Professor KARL ENGISCH (1899-1990), à opinião de que deveria ser possível estabelecer uma clareza e segurança jurídicas absolutas através de normas rigorosamente elaboradas e especialmente garantir uma absoluta univocidade a todas as decisões judiciais e todos os atos administrativos (Introdução ao Pensamento Jurídico. Tradução de J. Baptista Machado. Lisboa: Gulbenkian, 1965, p. 170).

O pensamento jurídico positivista – é do Professor KARL ENGISCH a observação – levou o modelo judicial correspondente a estabelecer insustentáveis proibições de interpretar a lei, conduzindo até à exclusão da possibilidade de graduação das penas, por exemplo, o que fazia do juiz um escravo da lei, como era hábito se repetir.   

Penso que, numa época em que se assiste à consolidação definitiva dos princípios e dos valores do Direito, seria um retrocesso inominável se o juiz não pudesse interpretar as regras jurídicas, para formar a sua convicção sobre as questões que deve decidir. Quando se quer impor que o juiz expresse somente o que já está na letra da regra, não se está apenas subordinando-o ao legislador, mas na verdade se está impedindo o julgador de fazer a justiça do caso concreto.

A Professora Maria Helena Diniz associa a necessidade da interpretação das regras legais à inevitável lacunosidade do Direito, ensinando que nem o legislador mais previdente esgotará a previsão dos fatos da vida social. Eis a sua lição, na qual ensina que a aplicação das leis se oriente pela equidade:

O art. 5o. (da LICC, hoje LINDB) está a consagrar a equidade como elemento de adaptação e integração da norma ao caso concreto. A equidade apresenta-se como a capacidade que a norma tem de atenuar o seu rigor, adaptando-se ao caso sub judice. Nesta sua função, a equidade não pretende quebrar a norma, mas amoldá-la às circunstâncias sócio valorativas do fato concreto, no instante de sua aplicação (Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro Interpretada. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 158).

O ilustre jurista luso-angolano Professor JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO apóia essa poderosa orientação, dizendo que a solução por equidade, que resulta da interpretação judicial das regras postas, é a que mais se aproxima da pulsante realidade do caso jurídico controverso e posto sob julgamento judicial. Para esse doutrinador, a equidade é uma qualidade conspícua e própria de todo julgamento judicial e não somente uma técnica de preenchimento de lacunas. Eis o seu magistério:

A solução pela equidade é a solução de harmonia com as circunstâncias do caso concreto, e não com quaisquer injunções, mesmo indirectas, do sistema jurídico. (...). A equidade não está necessariamente vinculada à matéria de integração das lacunas do sistema jurídico. Pode a equidade funcionar também quando há norma, quando se permite para certos casos a substituição da determinação legal por um ajuste equitativo, ou uma aplicação da norma que se adeque às circunstâncias do caso concreto (O Direito: Introdução e Teoria Geral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, p. 394).

Na opinião do Professor RUBENS LIMONGI FRANÇA (1927-1999), a discrição interpretativa que a lei processual atribuiu ao juiz tem explicação no inescondível sentimento de que o ordenamento jurídico (ou qualquer dos seus desdobramentos) não se mostra pleno, sempre carecendo de concretização no nível imediato das disputas que o juiz é chamado a resolver, ou seja, no drama concreto de aplicação aos casos judiciais correntes, isto é, na hora de o juiz elaborar a sua decisão.

Sem essa atividade, a decisão judicial poderia descambar para materializar atos de pura lógica judicial ou talvez de pura ciência, reprimindo ou frustrando a finalidade da jurisdição, que se resume em realizar a justiça, como lembra o referido tratadista:

Cumpre, portanto, não perder jamais de vista a realidade sócio-jurídica e não permitir que a tentação de um silogismo ou de uma generalização tecnicamente exatos, comprometa a finalidade da regra, qual seja, a consecução da justiça (Teoria e Prática dos Princípios Gerais de Direito. São Paulo: RT, 1963, p. 45).

Outro questionamento trazido pelo recorrente, refere-se à ocorrência de preclusão administrativa. Segundo o Tribunal, “a questão examinada neste expediente já foi proposta em sede de Revisão Disciplinar n. º 0000891-26.2015.2.00.0000, arquivada mediante decisão monocrática exarada pelo Conselheiro Relator Emmanoel Campelo”. Após consulta aos autos do processo referido, verifica-se que o então relator proferiu a seguinte decisão:

DECISÃO

Vistos, etc.

Considerando que restou configurado o desinteresse processual, pois a parte autora não atendeu os despachos anteriores (Id 1617072 e Id 1700520), extinga-se o feito, sem julgamento do mérito.

Determino o arquivamento dos autos após as intimações de praxe.

Brasília, data registrada no sistema

Conselheiro Emmanoel Campelo

Relator

De clareza solar que não houve análise do mérito do procedimento, ante o desinteresse processual do requerente naquela oportunidade. Todavia, consoante consignado no tópico “tempestividade” da decisão monocrática ora questionada, o Acórdão contra o qual se insurge o requerente transitou em julgado em 14 de maio de 2015 (Id 1794878) e o pedido de revisão foi protocolado no CNJ em 27 de julho de 2015.

Por essas razões e pelos demais fundamentos constantes do decisum questionado, tenho que as alegações suscitadas pelo recorrente são incapazes de infirmar a decisão terminativa.

Este julgamento oportuniza a reflexão de que as condenações, quaisquer que sejam elas, nunca podem resultar de juízos ligeiros ou superficiais, baseados em impressões ou alvitres. Remonta aos juristas clássicos do Direito Romano a máxima de que nas causas penais deve o julgador proceder da maneira mais comedida possível, o que ensejou a parêmia de que nos casos duvidosos é melhor que o juiz absolva do que condene o réu.

Essas duas orientações remetem a que não é cabível a condenação de ninguém, seja qual for a imputação, se não dispõe o julgador de elementos que lhe forneçam a mais absoluta certeza quanto à ocorrência dos fatos (materialidade) e à sua inequívoca autoria.

A expansão do pensamento punitivista deve ser refreada, em favor da maior virtude da jurisdição, que é a de fazer a justiça do caso concreto, o que se obtém pela observância criteriosa de todas as garantias em favor do imputado, evitando-se a presunção de culpa ou a de dar por comprovada uma situação infracional que foi apenas alegada.   

Ante o exposto, nego provimento ao recurso e mantenho hígida a decisão que julgou procedente o pedido.

É como voto.

Intimem-se.

Publique-se nos termos do artigo 140 do RICNJ. Em seguida, arquivem-se independentemente de nova conclusão.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro

 



[1] Art. 115. A autoridade judiciária ou o interessado que se considerar prejudicado por decisão do Presidente, do Corregedor Nacional de Justiça ou do Relator poderá, no prazo de cinco (5) dias, contados da sua intimação, interpor recurso administrativo ao Plenário do CNJ.

[...]

§ 5º A decisão final do colegiado substitui a decisão recorrida para todos os efeitos.

[2] Moura, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa causa para a Ação Penal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. p. 222.

[3] Reis, Palhares. Processo Administrativo Disciplinar contra Magistrado. Brasília: Ed. Consulex, 2014. p. 347 e 350.

[4] Excerto extraído do voto proferido na Reclamação Disciplinar nº 0003099-36.2022.2.00.0000, julgada na 109ª Sessão Virtual do CNJ, realizada entre os dias 4 e 12/8/2022.

[5] Art. 103-B, § 4º, inc. V, da Constituição Federal.

[6] Art. 88, RICNJ.