Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0006023-54.2021.2.00.0000
Requerente: WHOSEMBERG DE MORAIS FERREIRA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE

 

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ. COMUNICAÇÃO PROCESSSUAL. EXERCÍCIO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. SINDICÂNCIA. IRREGULARIDADES. DISPENSABILIDADE. VACÂNCIA RELATORIA. REDISTRIBUIÇÃO. INCOMPETÊNCIA. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. IMPEDIMENTO. DESEMBARGADORES, RECUSA. PROMOÇÃO POR ANTIGUIDADE. INEXISTÊNCIA. REVISÃO DISCIPLINAR. INTERPRETAÇÃO RAZOÁVEL DAS PROVAS. DESCABIMENTO. IMPROCEDÊNCIA.

 

I.  Não há nulidade quando constatado efetivo exercício do direito de defesa, sem qualquer prejuízo processual relevante decorrente dos mecanismos utilizados pelo órgão correcional local para intimá-lo, tampouco do fato de a Sindicância ter sido instaurada por Portaria da Corregedoria-Geral de Justiça e não do Conselho Superior da Magistratura.

 

II.  Eventuais irregularidades ocorridas na fase de sindicância não tem o condão de contaminar o processo administrativo disciplinar, porquanto a sindicância é espécie de procedimento investigatório preliminar dispensável de natureza inquisitória.

 

III. A decisão de redistribuição de processo administrativo disciplinar em razão da vacância da relatoria não viola o Regimento Interno e se configura medida razoável face ao prazo para conclusão da instrução processual, corroborada, ademais, por decisão do Pleno do Tribunal de origem em Conflito Negativo de Competência, coberta pelo manto da coisa julgada administrativa.

 

IV.  Não havendo confusão entre a natureza das decisões proferidas no procedimento de recusa à promoção por antiguidade e o julgamento de um processo administrativo disciplinar, não há falar em antecipação de entendimento e menos ainda em impedimento dos magistrados que participaram de um e outro julgamentos.

 

V. O CNJ vem consolidando sua jurisprudência no sentido de não perquirir, no julgamento de revisões disciplinares, acerca da correção ou não da deliberação originária a partir da retomada da discussão em si, mas tão somente sob o enfoque das estritas hipóteses de cabimento.

 

VI. O pedido revisional fundado no art. 83, inciso I, do RICNJ, tem como pressuposto a flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento levado a efeito pelo Tribunal, situação não constatada no caso em exame.

 

VII. Os fatos são incontroversos e as condutas foram exaustivamente analisadas pelo Tribunal de origem, o qual, ao valorá-la, entendeu pela procedência das imputações e punibilidade do magistrado, não estando o CNJ autorizado a se imiscuir no juízo valorativo para alterar a conclusão jurídica a que o Tribunal chegou, fundada em razoável interpretação das provas carreadas aos autos.

 

VIII. Inexistência de desproporcionalidade na pena aplicada, que está em harmonia com o conjunto probatório carreado aos autos.

 

IX. Contrariedade à lei ou às evidências dos autos não caracterizada.

 

                            X. Revisão Disciplinar que se julga improcedente.

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello (vistor), o Conselho, por maioria, julgou improcedente o pedido de revisão disciplinar, nos termos do voto do Relator. Vencido, parcialmente, o Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues. Votou a Presidente. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 23 de maio de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson (Relator), Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0006023-54.2021.2.00.0000
Requerente: WHOSEMBERG DE MORAIS FERREIRA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE


 

RELATÓRIO  

Trata-se de REVISÃO DISCIPLINAR (REVDIS) proposta por WHOSEMBERG DE MORAIS FERREIRA contra decisão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ (TJCE), que lhe aplicou a pena de aposentadoria compulsória no julgamento do Processo Administrativo Disciplinar/PAD n. 8502316-71.2017.8.06.0026.

O Requerente aduziu que era titular da Vara Única da Comarca de Beberibe e, em 30 de novembro de 2017, o TJCE instaurou processo administrativo disciplinar no qual foi apurada sua responsabilidade pelos seguintes fatos: i) atrasos na prática de atos processuais; ii) absenteísmo na fiscalização de servidores subordinados; iii) inércia na apuração de crimes; e iv) ausência de realização de sessões do Tribunal do Júri.

Destacou que o PAD 8502316-71.2017.8.06.0026 tramitou por 33 (trinta e três) meses durante os quais esteve afastado cautelarmente do cargo.

O Requerente suscitou as seguintes questões preliminares:

i)                Incompetência absoluta da relatora do PAD, a qual teria atuado de forma ilegal, na medida em que a redistribuição do feito ao seu gabinete em razão da vacância do cargo da desembargadora originariamente sorteada para condução do feito, teria se dado em contrariedade ao disposto nos artigos 46, § 6º e 310 do Regimento interno do TJCE, atraindo a aplicação dos artigos 62  e 564, inciso I, dos Códigos de Processo Civil e Penal, respectivamente, além de representar violação à cláusula constitucional do juiz natural, eivando de nulidade todo o procedimento;

ii)             Impedimento de treze desembargadores que participaram do julgamento do processo administrativo disciplinar, os quais teriam antecipado juízo de desvalor em relação às condutas objeto do PAD 8502316-71.2017.8.06.0026 quando da decisão do processo de promoção por antiguidade, punindo-o, portanto, duas vezes pelos mesmos fatos e violando o princípio da presunção de inocência quando do julgamento do PAD, uma vez que já haviam julgado o magistrado de antemão, o que, por conseguinte, afetaria o quórum de maioria absoluta necessário para sua punição;

iii)  Nulidade da decisão de instauração do processo administrativo disciplinar nº 8502316-71.2017.8.06.0026, porquanto não teria sido regularmente notificado para apresentar seus argumentos de defesa, os quais não chegaram ao conhecimento dos desembargadores antes da Sessão de Julgamento, configurando clara violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, agravada por ordens de desentranhamento de peças processuais sem o devido despacho correspondente.

Sustentou que não houve exame dos argumentos apresentados pela defesa e tampouco da vasta documentação por ele carreada aos autos de origem, que demonstra seu cuidado e comprometimento com a atividade judicante ao longo de sua carreira. Argumentou que, no que se refere à ausência de realização de sessões do Tribunal do Júri, a imputação estaria fulminada pela prescrição, na medida em que a última Sessão noticiada ocorrera em 2009.

Assevera que a Portaria nº 44, de 2016, que instaurou a Sindicância para apuração preliminar das faltas atribuídas a si, não foi expedida pelo Conselho da Magistratura local, em contrariedade ao disposto nos artigos 41 e 336 do Código de Organização Judiciária local.

O Requerente assentou que, no julgamento do PAD 8502316- 71.2017.8.06.0026, não foram considerados os ofícios que noticiaram a falta de recursos humanos e materiais na comarca e os impactos negativos para a prestação jurisdicional. Arguiu a violação do princípio da razoável duração do processo pelo fato de o disciplinar de origem ter tramitado por quase três anos.

Assinalou a ausência de correlação entre as supostas faltas funcionais apontadas pela Corregedoria e as imputações constantes do pedido de abertura do processo disciplinar. Ressaltou que a idoneidade de sua conduta foi comprovada documentalmente, e que não houve prescrição em processos de competência dos Juizados Especiais pois, em verdade, ocorreu o descumprimento de prazos.

O magistrado Whosemberg de Morais Ferreira afirmou que observou a prioridade dos processos envolvendo menores e que, neste particular, a intepretação do relatório de inspeção foi equivocada. De igual forma, assegurou que não violou os deveres impostos aos magistrados e que não havia fundamento para o afastamento cautelar.

Declarou que foram adotadas providências para apurar o extravio de armas e entorpecentes no Fórum da Comarca e que os depoimentos de servidores, advogados e defensora pública atestam sua idoneidade no exercício da função judicante, o que foi igualmente ignorado pelo acórdão ora guerreado.

Disse ser necessária a aplicação proporcional de penalidade administrativa, conforme precedentes do próprio CNJ e votos divergentes apresentados por dois dos desembargadores presentes à sessão de julgamento.

Ao final, requereu a declaração de nulidade do PAD 8502316- 71.2017.8.06.0026 em função da incompetência da relatora e pela insuficiência de quórum. No mérito, defendeu a reforma da decisão do Tribunal diante da contrariedade às provas dos autos e pugnou pela absolvição.

Em caráter subsidiário, solicitou o estabelecimento de simples ajustamento de conduta, a aplicação da pena de advertência ou de censura. Pugnou pelo pagamento retroativo de verbas indenizatórias e remuneratórias extintas com a aposentadoria compulsória e o retorno às atividades judicantes.

Os autos foram inicialmente distribuídos à Conselheira Candice Lavocat Galvão Jobim, que determinou a intimação do TJCE para se manifestar sobre os fatos narrados na inicial e juntar cópia integral do PAD n. 8502316-71.2017.8.06.0026 (ID n. 4442515).

O Tribunal Requerido prestou informações, encartadas ao ID n. 4480390, anexou aos autos cópia integral do PAD (IDs n. 4480391 a 4480416, 4486522 a 4486633, 4487197 a 4487273) e requereu o não conhecimento desta revisional, dada a ausência das hipóteses previstas no art. 83, do RICNJ.

Argumentou, em suma, que o magistrado pretende se valer da Revisão Disciplinar como sucedâneo recursal, e que as matérias por ele suscitadas na presente Revisão Disciplinar já foram trazidas ao Conselho Nacional de Justiça nos autos dos Pedidos de Providência nº 0006162-79.2016.2.00.0000, 0001048-91.2018.2.00.0000, 0000126-79.2022.00.0000 e 0009693-42.2017.2.00.0000, além da Representação por Excesso de Prazo nº 0002071-04.2020.2.00.0000, razão pela qual requer a extinção do feito.

Afasta a preliminar de incompetência da relatora do PAD de origem, informando que a questão foi objeto de Conflito de Competência, julgado pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Ceará no sentido de afirmar a competência da desembargadora Maria do Livramento Alves Magalhães para oficiar nos autos.

Alega que a recusa da promoção do Requerente se deu em estrita observância às normas constitucionais e legais aplicáveis à espécie, bem como a jurisprudência sedimentada no STF no sentido da necessidade de procedimento próprio e decisão fundamentada de 2/3 dos integrantes do Tribunal, não havendo falar em ausência de quórum pela aplicação da pena de aposentadoria compulsória na medida em que 28 dos 41 desembargadores votaram pela sua aposentadoria compulsória.

Conclui pela razoabilidade da decisão proferida pelo Pleno do TJCE e pelo regular andamento dos procedimentos investigativos preparatórios, que revelaram o cometimento de uma série de violações de deveres funcionais pelo Magistrado Requerente, referentes  i) à não realização de sessões do Tribunal do Júri, ii) ao não cumprimento de diligências requeridas por meio de diversas cartas precatórias, iii) a não realização de inspeções anuais, extrajudicial e judicial, iv) a uma reclamação disciplinar proposta pela empresa Higifrigo Processadora Frigorífica LTDA, e v) a achados de Inspeção realizada na Comarca de Beberibe pela Corregedoria-Geral da Justiça.

Requer o não cabimento da Revisão Disciplinar e, no mérito, a improcedência dos pedidos.

Em 9/12/2021, o feito foi redistribuído em razão da vacância do cargo da Conselheira inicialmente sorteada.

Em 11/2/2021, o Subprocurador da República, Dr. Alcides Martins, apresentou peça de razões finais (Manifestação n. 41/2022/GAB/AM), opinando “pela manutenção da penalidade de aposentadoria compulsória imposta ao Juiz Whosemberg de Morais Ferreira, considerando a adequada e escorreita fundamentação da decisão condenatória proferida no Processo Administrativo Disciplinar nº 8502316- 71.8.06.0026, do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará” (ID n. 4613006).

Em prestígio ao princípio do contraditório e da ampla defesa, o Magistrado foi intimado a manifestar-se, a teor do artigo 87, parágrafo único, do RICNJ. Em suas “razões finais” (ID n. 4639225), o magistrado insiste na alegação de violação ao princípio do contraditório e ampla defesa, por não ter sido regularmente intimado a apresentar seus argumentos de defesa, inclusive, com ordem de desentranhamento de peças de forma não fundamentada pelo Corregedor Geral de Justiça local.

Apresenta uma lista de documentos por ele acostados aos autos, os quais teriam sido ignorados pelo Tribunal de origem na decisão do PAD nº 8502316-71.2017.8.06.0026. Sustenta que não houve portaria baixada pelo Conselho da Magistratura local durante a fase de Sindicância, bem como desconsiderados os argumentos apresentados que estariam a demonstrar a impossibilidade de pleno atendimento à demanda processual enfrentada pela Comarca de Beberibe.

Reforça que a tramitação do referido processo administrativo disciplinar por aproximadamente 3 (três) anos, nos quais esteve afastado da magistratura, viola a cláusula constitucional da razoável duração do processo e que, além da carga de trabalho sobre-humana, o magistrado teve que lidar com condições e trabalho absolutamente precárias, as quais foram reiteradamente noticiadas ao Tribunal de Justiça cearense, sem sucesso.

Alega que adotou, incontinenti, as medidas cabíveis para apuração dos fatos imputados ao oficial de justiça que atuava na Comarca, o que demonstra a improcedência da imputação de ausência de supervisão sobre os servidores da unidade judiciária que presidia.

Ao final, reitera os pedidos de reconhecimento de nulidade do PAD em razão da incompetência da desembargadora relatora, do impedimento de 13 (treze) dos desembargadores votantes por terem participado do julgamento de seu processo de recusa.

Aduz, ainda, pedido para que a decisão do PAD nº 8502316-71.2017.8.06.0026 seja reformada, com o consequente arquivamento, seu retorno à atividade judicante e demais consequências funcionais e remuneratórias.

É o relatório. 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0006023-54.2021.2.00.0000
Requerente: WHOSEMBERG DE MORAIS FERREIRA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE

VOTO 

O CONSELHEIRO GIOVANNI OLSSON (Relator):

1. DO CONHECIMENTO  

De início, cumpre registrar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não faz qualquer outra exigência para o conhecimento de revisões disciplinares de juízes e membros de tribunais senão a relativa ao prazo para o início do procedimento revisional. Vejamos: 

CRFB/88 

Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: 

(...) 

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:  

(...) 

V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;  

 

Na mesma linha, assim dispôs o Regimento Interno do CNJ (RICNJ):

Art. 82. Poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão. 

 

Não obstante, o RICNJ estabelece em seu artigo 83 outras hipóteses de admissibilidade da Revisão Disciplinar: 

Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

 

I – quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

 

II – quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

 

III – quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinarem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.  

 

Assim, há que se cumprir um prazo decadencial, de sede constitucional, e preencher, alternativamente, hipóteses de cabimento da medida revisional, exaustivamente elencadas no RICNJ.

No caso, o Requerente observou o referido prazo constitucional de menos de um ano para a proposição da revisão disciplinar, uma vez que o processo disciplinar foi julgado pelo Pleno do TJCE em 27/08/2020, e o acórdão foi publicado no dia 02/09/2020, tendo transitado em julgado no dia 14/09/2020 (Certidão de trânsito em julgado - ID nº 4487273).

Considerando que o presente pedido de revisão disciplinar foi protocolado 06/08/2021, verifica-se que foi atendido o lapso temporal constitucionalmente exigido para a admissão do feito, sem que tenha se operado a decadência do direito de pleitear a desconstituição da decisão proferida pelo órgão censor de origem.

No mais, o Requerente fundamenta o pedido de revisão disciplinar no inciso I do art. 83 do RICNJ, por entender que a decisão do TJCE, que lhe aplicou a pena aposentadoria compulsória, foi proferida em contrariedade a texto expresso de lei porquanto, em suma, dispositivos regimentais e legais que estariam a indicar a incompetência da desembargadora relatora, o impedimento de 13 (treze) dos desembargadores votantes e a consequente ausência do quórum constitucional para sua condenação, a comunicação processual irregular e violações ao contraditório e ampla defesa na fase de Sindicância.

Assevera, ainda, que a decisão seria igualmente contrária à evidência dos autos na medida em que teria ignorado farta documentação por ele carreada aos autos no sentido de demonstrar que eventuais atrasos no exercício da função jurisdicional seriam decorrentes de carga excessiva e condições precárias de trabalho, e que, sempre exerceu diligentemente supervisão sobre seus subordinados.

A seu turno, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará sustenta o descabimento da presente revisão disciplinar ao argumento de que o Magistrado Requerente teria trazido as questões que sustentam o presente pedido revisional ao CNJ nos Pedidos de Providências nº 0006162-79.2016.2.00.0000, 0001048-91.2018.2.00.0000, 0000126-79.2022.00.0000 e 0009693-42.2017.2.00.0000, além da Representação por Excesso de Prazo nº 0002071-04.2020.2.00.0000.

Passemos à análise das questões preliminares.

2 – PRELIMINARES

2.1 – Suscitadas pelo magistrado:

Muito embora as questões preliminares suscitadas pelo Magistrado Requerente não tenham sido apresentadas exatamente na ordem em que serão enfrentadas, foram organizadas de acordo com o rito processual prescrito pela Resolução CNJ nº 135.

Deste modo, primeiro será apreciada a alegação de violação ao contraditório e ampla defesa em decorrência de mecanismo de comunicação processual considerado inapropriado pelo Magistrado, o que o teria   impedido de gozar do devido processo legal administrativo durante o período de Sindicância.

Depois, serão avaliadas as alegações que se referem ao processamento do PAD propriamente dito, nesta ordem: a alegada incompetência da desembargadora relatora do feito, que o teria eivado de nulidade desde o momento da redistribuição do feito e, por fim, o pretenso impedimento dos desembargadores que atuaram no julgamento de mérito do PAD em razão de participação pretérita na decisão do procedimento de recusa à sua promoção por antiguidade.

O Magistrado alega que, contrariando dispositivos do Código de Organização Judiciária local, a Sindicância instaurada contra si não foi iniciada por portaria do Conselho Superior da Magistratura local, mas pelo próprio Corregedor Geral de Justiça e que, ademais, não foi adequadamente comunicado do andamento das investigações, não podendo apresentar seus argumentos, em expressa violação aos princípios do contraditório e ampla defesa.

                    As alegações não merecem prosperar pelas razões declinadas a seguir.

Em primeiro lugar, quando da instauração do PAD pelo TJCE, as imputações que levaram o Pleno a admitir a viabilidade da pretensão punitiva-disciplinar provinham não somente de um procedimento, mas de um conjunto probatório formado pelos autos principais da Inspeção Judicial nº 8502316-71.2017.8.06.0026, e pelos procedimentos a ele apensados, quais sejam:

i) Reclamação Disciplinar nº 8501728-64.2017.8.06.0026, proposta pela empresa Higifrigo Processadora Frigorífica Ltda,

ii) expedientes relativos à demora/descumprimento de Cartas Precatórias de nº 8500946-57.2017.8.06.0026, 8500357-65.2017.8.06.0026, 8500947-42.2017.8.06.0026 e 8502572-14.2017.8.06.0026,

iii) procedimento nº 8500046-74.2017.8.06.0026, inaugurado por expediente do próprio magistrado consignando a não-realização de inspeções anuais em 2016, e

iv) Sindicância nº 8503643-85.2016.8.06.0026, que tinha por objeto, exclusivamente, a questão relativa à inércia na realização de sessões do Tribunal do Júri e consequente paralisação dos processos, sob a jurisdição do Requerente, relativos a esta matéria de competência.

Foi diante deste robusto caderno probatório que o TJCE decidiu pela viabilidade da pretensão punitiva de natureza administrativo-disciplinar e pelo prosseguimento das investigações em processo disciplinares propriamente dito, de modo que, se vício de ilegalidade houvesse, ele estaria restrito a um dos procedimentos que deu origem ao PAD e não a todos.

Ocorre que, ao tempo da investigação preliminar levada à cabo pela Corregedoria-Geral de Justiça local, vigia, como ainda vige, a Resolução nº 135, de 2011, do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece rito bem mais célere e informal para apuração preliminar das infrações funcionais praticadas por magistrados do que o antigo Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado de Ceará, veiculado pela Lei nº 12.342, do longínquo ano de 1994.

Assim, enquanto o artigo 336 do CODOJECE parecia indicar que, em caso de instauração de sindicância contra magistrado por portaria, esta deveria ser expedida pelo Conselho Superior da Magistratura, a Resolução do Conselho Nacional de Justiça estabelecia que:

Art. 8º (...)

Parágrafo único. Se da apuração em qualquer procedimento ou processo administrativo resultar a verificação de falta ou infração atribuída a magistrado, será determinada, pela autoridade competente, a instauração de sindicância OU proposta, diretamente, ao Tribunal, a instauração de processo administrativo disciplinar, observado, neste caso, o art. 14, caput, desta Resolução. (grifamos)

 

O espírito que animou a edição da Resolução CNJ nº 135, de 2011, foi o de abolir formalidades e liturgias procedimentais que, no âmbito dos Tribunais, se prestavam a gerar um déficit histórico de atuação em matéria administrativo-disciplinar. Deste modo, ao lado da possibilidade de instauração de sindicâncias formais para apuração de malfeitos funcionais por magistrados, a norma abriu a possibilidade de as Corregedorias locais, desde que munidas de elementos de convencimento suficientes acerca da conduta e responsabilidade do juiz, submetê-los diretamente ao órgão colegiado competente para a instauração do processo administrativo disciplinar, que foi o que fez a Corregedoria-Geral de Justiça do Ceará no caso presente.

De fato, no cenário desenhado pela Resolução nº 135, de 2011, do CNJ, a sindicância se consolida como mais um dos procedimentos de investigação preliminar, sendo dotada de caráter inquisitório, preparatório e instrumental, ou seja, não pressupõe o exercício pleno de contraditório. Serve apenas para reunir elementos mínimos da ocorrência da falta funcional e indícios da responsabilidade do magistrado investigado e existe para viabilizar a pretensão punitiva da Administração, sendo, portanto, dispensável desde que tais princípios e objetivos sejam atendidos por outros meios e procedimentos.

O próprio Estado do Ceará editou a Lei nº 16.397, de 2017, que revogou o antigo Código de Organização Judiciária, delegando a condução de procedimentos investigatórios internos à Corregedoria-Geral de Justiça local, senão vejamos:

Art. 41. São ações próprias da Corregedoria-Geral da Justiça:

(...)

VI - realizar sindicâncias e propor a abertura de processos administrativos disciplinares;

 

A natureza dos procedimentos investigativos preliminares anuncia o insucesso da alegação do Magistrado de que, não tendo sido devidamente comunicado dos atos de investigação, teve seu direito de defesa cerceado, sendo alijado do due process of law. Cabe, no entanto, refutar sua alegação com base no que consta dos autos.

Intimado a prestar informações preliminares quanto às alegações constantes da Reclamação Disciplinar proposta pela empresa Higifrigo Processadora Frigorífica Ltda. o juiz Whosemberg de Morais Ferreira apresentou peça intitulada “Esclarecimentos” das fls. 577/582 dos autos originais (ID nº 4480406), sendo-lhe franqueado o direito de apresentar documentos diversos.

Semelhantemente, após a Inspeção levada a efeito na Comarca de Beberibe pela Corregedoria-Geral de Justiça local, o magistrado compareceu a audiência realizada pelos Juízes-Auxiliares, oportunidade em que pode exercer sua defesa pessoal acerca dos achados apontados no Relatório do órgão correcional e apresentou petição nomeada “Defesa Preliminar” (ID nº 4480412).

Ao ser instado acerca da ausência de resposta ou providências para cumprimento de Carta Precatória oriunda da 15ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, o juiz Whosemberg de Morais Ferreira voltou a apresentar “Esclarecimentos” e documentos correlatos (ID nº 4486522).

 Por fim,  ao ser instado a apresentar defesa prévia nos autos principais de Inspeção acerca de todos os fatos que seriam levados a julgamento pelo Pleno do TJCE, o Requerente apresentou nova peça contendo “Esclarecimentos” às fls. 1479 do documento de ID nº 4486526 às fls. 1510 do documento de ID nº 4486527, juntada aos autos no dia 29 de novembro de 2017, um dia antes da sessão na qual ficou assentada a instauração do PAD e seu afastamento cautelar.

Como se vê, foram oferecidas ao Magistrado diversas oportunidades para apresentar seus argumentos de defesa e documentos, as quais, em tempo ou fora de tempo, ele aproveitou, exercendo defesa técnica por meio de advogado legalmente constituído (ID nº 4480412), e pessoal, sendo ouvido pelos Juízes Auxiliares da Corregedoria. Isto em fase investigatória preliminar, na qual o próprio contraditório é diferido para momento posterior, quando instaurado o processo administrativo disciplinar propriamente dito.

Ainda que se possa alegar a exiguidade de tempo entre a juntada da defesa prévia e a sessão de julgamento, não há falar em cerceamento de defesa ou desentranhamento de peças essenciais. Ademais, se houve demora para a apresentação da Defesa Prévia, ela não pode ser imputada à Administração, mas ao Magistrado, que sempre esteve alheio aos meios de comunicação adotados pela Corregedoria-Geral de Justiça cearense.

Apesar de intimado pelo e-mail funcional, ele não compareceu à primeira audiência designada para o dia 1º de dezembro de 2016 pelos Juízes Auxiliares, após a Inspeção realizada na Comarca de Beberibe, se fazendo presente apenas na segunda oportunidade, em 6 de dezembro daquele ano (ID nº 4480412).

 De igual modo, apesar de intimado pelo e-mail pessoal, AR e malote digital, o juiz Whosemberg de Morais Ferreira não respondeu ao pedido de informações referente ao não cumprimento ou resposta à Carta Precatória expedida pela 11ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará. A única informação disponível é a de que o referido malote digital foi lido pelo servidor Márcio Antônio Pinho Farias, Diretor de Secretaria.

Não obstante a relutância em se fazer contatado a tempo e modo pelos meios de comunicação comumente utilizados pela Corregedoria-Geral de Justiça cearense para contatar unidades judiciárias e magistrados, a verdade é que o Magistrado exerceu efetivamente seu direito de defesa, de modo que nenhum prejuízo processual relevante a ele adveio dos mecanismos utilizados pelo órgão correcional local para intimá-lo, tampouco do fato de a Sindicância ter sido instaurada por portaria da Corregedoria-Geral de Justiça e não pelo Conselho Superior da Magistratura.

Ainda que ilegalidade ou nulidade houvesse na fase de Sindicância, ela não teria o condão de contaminar o processo administrativo disciplinar que se seguiu, porquanto, como já enfatizado, trata-se de procedimento investigatório preliminar, informal, inquisitório e dispensável, conforme o próprio CNJ já sedimentou em sua jurisprudência:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. MAGISTRADA. SINDICÂNCIA. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DA INVESTIGADA OU DE PROCURADOR. ATOS E PROCEDIMENTOS POSTERIORES. NULIDADE. IMPROCEDÊNCIA.

 

1. A sindicância instaurada para apuração de fatos supostamente ilícitos envolvendo magistrada ostenta caráter exclusivamente investigativo e, como tal, dispensa a participação da investigada ou do respectivo procurador. Sob esse prisma, não gera qualquer nulidade capaz de macular os atos e procedimentos disciplinares posteriormente instaurados contra a magistrada.

 

2. Inaplicáveis os arts. 153 e seguintes da Lei nº 8.112/90 à sindicância instaurada contra Juíza de Direito em Tribunal de Justiça estadual, dado que o procedimento administrativo em apreço não se reveste de caráter punitivo.

 

3. A ausência de participação da investigada ou de seu procurador na sindicância investigativa também não ofende o art. 19, § 2º, da Resolução CNJ nº 30/2007, pois se assegurou o direito de defesa após a conclusão do procedimento, com a concessão de prazo para apresentação de defesa prévia antes da instauração de Processo Administrativo Disciplinar.

 

4. Pedido que se julga improcedente.

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0001454-30.2009.2.00.0000 - Rel. JOÃO ORESTE DALAZEN - 84ª Sessão Ordinária - julgado em 12/05/2009).

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE TRANCAMENTO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. EXCEPCIONALIDADE DA MEDIDA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE SINDICÂNCIA. PROCEDIMENTO MERAMENTE INVESTIGATÓRIO. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

 

1. Insurge-se o recorrente, em seu requerimento inicial, contra ato do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo que deu provimento a recurso administrativo, em sede de reclamação disciplinar, para instauração de Processo Administrativo Disciplinar. Alega o recorrente que a decisão de instauração do PAD padece de nulidade porque suprimiu a necessária fase inquisitorial, sem a produção de provas, o que tornaria a acusação genérica e, por isso, inepta.

 

2. Ao contrário do que afirma o recorrente em suas razões de recurso, não constam dos autos a determinação  e que a Corregedoria devesse instaurar sindicância. Não surpreende que assim o seja porquanto o processo original, objeto do recurso cujo provimento resultou na continuação do processo e consequente instauração de PAD, era uma Reclamação Disciplinar, processo para o qual a sindicância é plenamente dispensável. Provido o recurso, bastaria que o Tribunal desse prosseguimento às investigações, sendo despicienda a instauração de sindicância. Precedentes.

 

3. Assim, apenas a ausência de justa causa ou a falta de provas poderiam dar ensejo ao trancamento liminar de Processo Disciplinar. No caso em tela, não há qualquer desses requisitos. O voto do relator foi proferido com base em farto conjunto probatório, conforme se depreende das manifestações dos desembargadores constantes dos autos. Logo, não há irregularidade que dê ensejo ao trancamento do Processo

Administrativo Disciplinar.

 

4. Recurso conhecido e desprovido.

 

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0006442-26.2011.2.00.0000 - Rel. NEVES AMORIM - 144ª Sessão Ordinária - julgado em 26/03/2012).

 

Ante o exposto, rejeito a preliminar de nulidade dos procedimentos investigatórios preliminares por ausência de portaria do Conselho Superior da Magistratura, inadequação dos meios de comunicação processual e violação aos princípios do contraditório e ampla defesa, porquanto o Magistrado exerceu livremente o direito de ser ouvido, de apresentar petições, esclarecimentos e documentos ainda na fase investigativa, não havendo qualquer indício de violação do disposto na Resolução nº 135 do CNJ no caso, e sem qualquer confusão com o processo administrativo disciplinar nº 8502316- 71.2017.8.06.0026.

                    O Magistrado Requerente alega, ainda, que a Desembargadora Maria do Livramento Alves Magalhães seria absolutamente incompetente para atuar como relatora do PAD, porquanto o feito lhe teria sido redistribuído ilegalmente após o falecimento da desembargadora a quem o disciplinar havia sido inicialmente distribuído e sua substituição temporária pela Juíza Convocada Maria das Graças Almeida de Quental.       

                    A alegação não procede por várias razões.  

                 Em primeiro lugar, diz o §6º do art. 46 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Ceará:

Art. 46.

(...)

§6º. Os juízes convocados participarão das deliberações do Tribunal, à exceção das relativas à promoção, remoção, eleição, indicação, convocação ou de cunho disciplinar a juiz de primeiro grau ou a desembargador, ações penais contra juízes de primeiro grau ou Membros do Ministério Público, bem como as que tratem de organização de unidade judiciária de 1ª ou 2ª instância e demais decisões que, por previsão legal, regimental ou deliberação do Tribunal, apenas devam participar os membros efetivos.

                    Ora, havendo determinação regimental no sentido da impossibilidade de Juiz Convocado atuar em matéria disciplinar envolvendo outro juiz de 1º grau de jurisdição, qual outra providência assistia à Juíza Maria das Graças Almeida de Quental que não a pronta redistribuição do feito? Deixar os autos dormitando em Secretaria até que a vaga deixada pela desembargadora Helena Lúcia Soares viesse a ser preenchida?

A alternativa, defendida pelo Requerente, parece um contrassenso com a sua postura de indignação frente ao tempo de tramitação do processo administrativo disciplinar, a qual foi inclusive objeto da Representação por Excesso de Prazo nº 0002071-04.2020.2.00.0000, trazida ao Conselho Nacional de Justiça.

                    É dizer, se o Magistrado entende que a tramitação do  PAD nº 8502316-71.2017.8.06.0026 ultrapassou os limites da razoável duração do processo, é no mínimo contraditório que pretendesse que os autos permanecessem inertes por meses a fio em razão da vacância do cargo de desembargador ocupado pela relatora original do feito.

Atento à necessidade de manter a marcha de processos de natureza disciplinar, o próprio Conselho Nacional de Justiça emendou seu Regimento Interno em março de 2021 para prever a redistribuição automática de feitos disciplinares no caso de vacância em um dos cargos de Conselheiro por mais de 45 (quarenta e cinco) dias, no § 1º do novo artigo 45-A, circunstância que ocorreu nos autos desta própria Revisão Disciplinar e que não representa qualquer vulneração à cláusula do juiz natural.

No caso específico deste feito, há de se consignar que a matéria foi objeto de um Conflito Negativo de Competência, julgado pelo Plenário do TJCE, em 18 de junho de 2020 (ID n. 4440576), no qual foi ressaltado que, quando da redistribuição do feito, o gabinete inicialmente responsável pela sua relatoria já estava vago há 4 (quatro) meses, sem perspectiva de sucessão.

Ora, de acordo com a Resolução CNJ nº 135, de 2011, o PAD é procedimento que tem prazo certo para encerramento, de 140 (cento e quarenta) dias, o qual havia transcorrido praticamente por inteiro sem a possibilidade de qualquer impulso.

                    Ademais, mesmo controversa, houve decisão administrativa sobre a matéria, proferida pelo Pleno do TJCE no ano de 2020, a qual o Requerente almeja ser revertida pelo Conselho Nacional de Justiça em sede preliminar de um pedido de revisão disciplinar.

Como é cediço na jurisprudência deste Conselho, sua natureza de órgão central de controle da atividade administrativa dos tribunais é incompatível com a condição de instância recursal ordinária das decisões proferidas pelas cortes estaduais de justiça, como afirmado, por exemplo, no Recurso Administrativo em Pedido de Providências nº 0001407-07.2019.2.00.0000, Rel. Humberto Martins - 55ª Sessão Virtual - julgado em 30/10/2019 e no Processo de Revisão Disciplinar nº 0003262-89.2017.2.00.0000 - Rel. Luiz Fernando Bandeira de Mello - 100ª Sessão Virtual - julgado em 25/02/2022.

                    Assim, afasto a preliminar de nulidade em razão da incompetência absoluta da relatora do PAD nº 8502316-71.2017.8.06.0026 por entender que a matéria está sedimentada pela coisa julgada administrativa, e que as decisões proferidas no âmbito do TJCE, quanto à matéria, não violam as normas regimentais existentes e tampouco o princípio do juiz natural.

                    Por derradeiro, cabe analisar a preliminar relativa ao impedimento de 13 (treze) dos desembargadores que tomaram assento no julgamento do processo disciplinar na origem decorrente da participação dos mesmos julgadores no procedimento de recusa à sua promoção por antiguidade.

                    Em primeiro lugar, é necessário destacar que, muito embora possa haver uma zona de interseção entre os fatos que motivam a rejeição do magistrado mais antigo no processo de promoção por antiguidade e os fatos que ensejam punição na esfera administrativo-disciplinar, o procedimento de recusa à promoção por antiguidade e o processo administrativo disciplinar não se confundem.

 O CNJ reconheceu em algumas ocasiões, admitindo que fatos apurados em processos administrativos disciplinares, sindicâncias e afins podem informar o juízo do Tribunal acerca da vida pregressa do magistrado, podendo ensejar sua recusa, sem que isso represente qualquer bis in idem.

Com efeito, o CNJ consignou que, na promoção por antiguidade, fatos referentes à vida pregressa do magistrado, tenham eles gerado punições na esfera administrativo-disciplinar ou não, devem ser levados em conta.

                    Neste sentido, estão os seguintes precedentes:

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO. CONVOCAÇÃO DA SESSÃO DE PROMOÇÃO DE MAGISTRADO. NULIDADE FORMAL CARACTERIZADA. DECISÃO QUE REJEITOU O PROCEDIMENTO DE RECUSA DO MAGISTRADO PARA ACESSO AO CARGO DE DESEMBARGADOR. IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE PROMOÇÃO PARA A VIDA FUNCIONAL DO MAGISTRADO. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE PARA ANULAR A DECISÃO DO TRIBUNAL, POR EXISTÊNCIA DE VÍCIO FORMAL, A FIM DE QUE SEJA RENOVADO O ATO COM A OBSERVÂNCIA DA REGRA ESTABELECIDA NO REGIMENTO INTERNO.

 

 I – Nulidade da sessão de julgamento de promoção por antiguidade ao cargo de desembargador. Ausência de convocação com a antecedência prevista no regimento interno.

II – Prejuízo na votação uma vez que a situação funcional do magistrado não pode ser observada com a antecedência necessária.

 

III – A promoção dos juízes representa tema sensível. Isso se justifica porque o instante das promoções simboliza o momento em que os integrantes da carreira são julgados por seus méritos e deméritos, por suas características pessoais e profissionais, segundo regras previamente definidas.

 

IV – Aos tribunais, enquanto unidades administrativas comprometidas com os princípios inscritos no art. 37 da CF, compete promover magistrados capacitados e que detenham a vocação necessária ao exercício desse autêntico “sacerdócio civil”, obviamente respeitados os parâmetros traçados nos incisos II e III do art. 93 da Constituição Federal.

 

V – A vida pregressa do magistrado, na qual consta, denúncia recebida por crime de corrupção, a aplicação de diversas penas de advertência e censura, a emissão de cheques sem provisão de fundos, a existência de título protestado, e ações de execução e despejo, devem ser sopesadas para efeito de promoção, mesmo que por antiguidade, pela Corte de Origem.

 

VI – Pedido julgado procedente para anular a decisão do órgão Pleno que promoveu o magistrado, a fim de que seja proferida nova decisão, desta feita observadas as disposições do Regimento Interno e analisada detidamente a situação funcional do candidato.

 

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000489-18.2010.2.00.0000 - Rel. FELIPE LOCKE CAVALCANTI - 123ª Sessão Ordinária - julgado em 29/03/2011)

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA. PROMOÇÃO POR ANTIGUIDADE. RECUSA FUNDAMENTADA.

 

1. Os tribunais, ao desempenharem a função administrativa de movimentar os magistrados verticalmente em suas carreiras, devem somente promover magistrados que detenham capacidade e vocação necessárias ao exercício dessa exigente função pública, podendo recusar a promoção do juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros.

 

2. A instauração de várias Sindicâncias que apuram fatos graves envolvendo o candidato à promoção, associada ao fato de o Juiz reconhecer que não reside na Comarca em que deve exercer suas atividades, amparam objetivamente a decisão fundamentada do Tribunal. Não há ilegalidade a ser controlada pelo CNJ e a ensejar a desconstituição da decisão unânime do Pleno do Tribunal de Justiça.

 

3. Pedido julgado improcedente.

 

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0003873-52.2011.2.00.0000 - Rel. JORGE HÉLIO CHAVES DE OLIVEIRA - 135ª Sessão Ordinária - julgado em 27/09/2011)

 

 

Mesmo o precedente deste Conselho invocado pelo Requerente pode ser interpretado em sentido diametralmente oposto à sua pretensão. É que nos autos do Procedimento de Controle Administrativo nº 0001195-93.2013.2.00.0000, a Requerente, Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT S.A., pretendia ver aplicada, à promoção por antiguidade, as vedações constantes do Parágrafo único do artigo 44 da LOMAN e § 2º do artigo 23 da Resolução CNJ nº 135, que impedem a promoção por merecimento de magistrados apenados disciplinarmente com censura ou remoção compulsória há menos de 1 (um) ano.

Naquele julgamento, o CNJ se absteve de acrescentar à promoção por antiguidade um requisito que não encontrava respaldo em nenhuma previsão legal ou constitucional, mas o fez consignando expressamente na fundamentação do voto da relatora Ministra Maria Cristina Peduzzi que:

É claro que elementos como a vida pregressa do magistrado, eventuais processos e penalidades administrativas devem ser considerados e podem motivar a recusa da promoção, mesmo por antiguidade, desde que pela maioria qualificada do Tribunal. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0001195-93.2013.2.00.0000 - Rel. MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI - 177ª Sessão Ordinária - julgado em 22/10/2013)

 

O entendimento adotado nesta decisão deixa claro que uma coisa é a promoção por antiguidade, regida pelas formalidades constitucionais e legais dos artigos 93, II, “d” da Constituição e art. 80, III, da LOMAN, e outra, totalmente diversa, é o juízo de natureza punitivo-disciplinar que se exerce ao se julgar o processo administrativo disciplinar, cuja decisão pode ter repercussões muito mais drásticas para o magistrado, ensejando, inclusive, seu desligamento em caráter permanente da atividade jurisdicional.

De todo modo, o CNJ reconheceu que nos procedimentos de recusa são legítimas as fundamentações que tomem em consideração a vida pregressa do magistrado, incluídos fatos sob investigação em processos administrativos disciplinares e mesmo fatos que tenham gerado eventuais punições pretéritas:

RECURSO ADMINISTRATIVO – PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – VETO À PROMOÇÃO DE MAGISTRADO POR ANTIGUIDADE. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 93, II, d, CF. TRIBUNAIS QUE NÃO ESTÃO VINCULADOS SOMENTE A CRITÉRIOS EXCLUSIVAMENTE OBJETIVOS NA ANÁLISE DAS PROMOÇÕES E REMOÇÕES, DEVENDO SER RESGUARDADA A POSSIBILIDADE DE CERTO GRAU DE SUBJETIVIDADE. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

 

1. Recurso administrativo contra decisão que vetou o nome do Requerente para promoção por antiguidade, ante a existência de expediente administrativo disciplinar.

 

2. Segundo a Constituição da República, os magistrados mais antigos não têm direito subjetivo à promoção por antiguidade porquanto podem ser recusados pelo órgão colegiado máximo do Tribunal por meio de voto fundamentado de 2/3 (dois terços) dos seus membros (artigo 93, II, d).

 

3. A jurisprudência deste Conselho orienta ser possível que a vida pregressa e eventuais procedimentos disciplinares em face dos magistrados sejam considerados pelos membros dos Tribunais ao votarem as promoções por antiguidade, desde que observado o quórum qualificado pela Constituição da República.

 

4. Recurso a que se nega provimento

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0009616-62.2019.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN - 69ª Sessão Virtual - julgado em 17/07/2020)

                    Não havendo confusão entre a natureza das decisões proferidas no procedimento de recusa à promoção por antiguidade e o julgamento de um processo administrativo disciplinar, não há falar em antecipação de entendimento e menos ainda em impedimento dos magistrados que participaram de um e outro julgamentos.

Na verdade, considerado o quórum exigido pela Constituição para a recusa do magistrado mais antigo nas promoções por antiguidade (2/3 do órgão colegiado máximo), o reconhecimento do alegado impedimento representaria, por via oblíqua, a inviabilização de qualquer ação disciplinar sobre os mesmos fatos, na medida em que descartados os votos de 2/3 da Corte, seria matematicamente impossível se alcançar a maioria absoluta necessária para a adoção de qualquer decisão de cunho sancionatório contra o magistrado.

                    No caso em tela, ainda vale ressaltar que a irresignação do Magistrado contra o resultado de sua recusa à promoção por antiguidade à 11ª Vara Cível de Fortaleza em razão de possível identidade de objeto com o PAD nº 8502316-71.2017.8.06.0026 foi alvo do PP 0000126-79.2020.2.00.0000, julgado improcedente pelo então Ministro Corregedor Nacional de Justiça, Humberto Martins, em decisão de 3 de agosto de 2020, que não desafiou recurso por parte do Requerente.

                    Por todas as razões aqui declinadas, rejeito também a preliminar relativa ao impedimento de desembargadores que participaram da decisão do procedimento de recusa do Requerente à promoção para a 11ª Vara Cível de Fortaleza para conhecer e julgar o PAD 8502316-71.2017.8.06.0026.

                    O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará suscita como preliminar o fato do objeto desta Revisão Disciplinar se confundir com o objeto dos Pedidos de Providências nº 0006162-79.2016.2.00.0000, 0001048-91.2018.2.00.0000, 0000126-79.2022.00.0000 e 0009693-42.2017.2.00.0000, bem como com o da Representação por Excesso de Prazo nº 0002071-04.2020.2.00.0000.

                    Esta preliminar também não procede.

Muito embora algumas das questões suscitadas nos referidos procedimentos tenham repercussão em algumas das preliminares até aqui analisadas, eles não se confundem com o presente pedido revisional. Vejamos.

                    Os Pedidos de Providências nº 0006162-79.2016.2.00.0000 e 0009693-42.2017.2.00.0000 foram instaurados a partir da comunicação, pelos órgãos correcionais locais, da instauração de Sindicância e Processo Administrativo Disciplinar contra o juiz Whosemberg de Morais Ferreira, respectivamente, em cumprimento ao disposto no artigo 28 da Resolução CNJ nº 135, de 2011. Trata-se, portanto, de providências cotidianas de comunicação e monitoramento da atuação administrativo-disciplinar dos Tribunais pela Corregedoria Nacional de Justiça que não se confundem com o presente pedido revisional.

                    Na Representação por Excesso de Prazo nº 0002071-04.2020.2.00.0000 e no Pedido de Providências nº 0001048-91.2018.2.00.0000, o juiz Requerente impugna a alegada duração excessiva do PAD contra ele instaurado no TJCE, bem como a determinação e duração de seu afastamento cautelar, questões que, embora reproduzidas nesta Revisão Disciplinar, não integram seu mérito, não havendo, portanto, prejudicialidade.

                    No Pedido de Providências nº 0000126-79.2022.00.0000, o Magistrado questiona a identidade de objetos entre o procedimento de recusa à sua candidatura à promoção por antiguidade e o processo administrativo disciplinar, matéria que tem certa pertinência à discussão da última das preliminares suscitadas pelo Requerente, exaustivamente debatida em passagem anterior. 

 

3. DO MÉRITO

A presente revisão disciplinar sustenta-se, no mérito, na alegação de que a decisão do TJCE seria “contrária à evidência dos autos”, nos termos do inciso I do artigo 83 do RICNJ. Isto porque, segundo o Requerente, suas alegações, esclarecimentos e farta coleção probatória teriam sido ignorados pela Corte de origem quando da formação de seu juízo sancionatório.

Com efeito, ao prever a possibilidade de revisão de decisões administrativo-disciplinares dos tribunais pelo órgão de supervisão e controle por ela criado, a Emenda Constitucional n. 45/2004 foi sucinta na disciplina do mecanismo, estabelecendo, tão somente, a existência de prazo decadencial fatal de um ano entre o julgamento e o acionamento do CNJ, conforme a literalidade do inciso V do §4º do artigo 103-B da Constituição.

Coube ao próprio Conselho, ao editar o seu Regimento Interno, dar contornos mais exatos acerca de como se materializaria o comando constitucional. Ao fazê-lo, esta Corte Administrativa inegavelmente abeberou-se da redação do artigo 621 do Código de Processo Penal, que disciplina o instituto da revisão criminal. Daí, o entendimento consolidado no sentido de que a revisão disciplinar, a exemplo do instrumento análogo de natureza processual penal, não é um recurso administrativo ordinário, mas um instrumento autônomo de impugnação da coisa julgada administrativa, sujeito a requisitos próprios e estritos. A respeito, confiram-se os seguintes precedentes:

REVISÃO DISCIPLINAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR JULGADO IMPROCEDENTE. JULGAMENTO CONFORME A PROVA CONTIDA NOS AUTOS. HIPÓTESES DE ADMISSÃO DA REVISÃO DISCIPLINAR PREVISTAS NO ART. 83, DO REGIMENTO INTERNO DESTE CONSELHO. PRETENSÃO DE CUNHO RECURSAL E NÃO REVISIONAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

 

1. Procedimento Administrativo Disciplinar julgado improcedente na origem, que absolveu a magistrada das imputações disciplinares.

 

2. Julgamento que apreciou as provas produzidas ao longo da instrução processual disciplinar, sem que o resultado da deliberação tenha contrariado o texto expresso da lei, a evidência dos autos ou ato normativo do CNJ, conforme previsão do art. 83, I, do Regimento Interno deste Conselho.

 

3. Não configurada nenhuma dessas hipóteses, a improcedência do pedido contido nos autos da revisão disciplinar é medida que se impõe, pois o procedimento é medida autônoma, não se prestando a novo exame de matéria adequadamente avaliada pelo Tribunal. Precedentes.

 

4. Consoante pacífica jurisprudência deste Conselho Nacional de Justiça, o procedimento da revisão disciplinar, considerando sua finalidade constitucional e seus requisitos autorizadores contidos nos arts. 82 e 83 do RICNJ, não tem o condão de realizar novo julgamento da causa, mas sim velar pela correição dos atos procedimentais e da decisão impugnada em confronto com as provas de respectivo suporte.

5. Pedido julgado improcedente.

 

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0005148-60.2016.2.00.0000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 36ª Sessão Virtual - julgado em 28/09/2018).

 

 

“REVISÃO DISCIPLINAR. REMOÇÃO COMPULSÓRIA. CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS NÃO DEMONSTRADA. TENTATIVA DE REDISCUSSÃO E AMPLA REAPRECIAÇÃO DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. IMPROCEDÊNCIA.

 

1. A revisão administrativa se assemelha, em tudo, à revisão criminal, de modo que não se presta para o reexame da matéria decidida anteriormente, uma vez que, por revestir natureza de pedido autônomo com o qual se busca a desconstituição da coisa julgada administrativa, não se trata de recurso nem muito menos o Conselho Nacional de Justiça, em sua missão constitucional, se apresenta como instância recursal dos processos disciplinares.

 

2. Inexistência de desproporcionalidade na pena aplicada, que está em harmonia com o conjunto probatório construído nos autos do processo de origem.

3. Revisão Disciplinar improcedente.”

 

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0004248-72.2019.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN - 55ª Sessão Extraordinária - julgado em 29/7/2020)

 

REVISÃO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DE PENA DE ADVERTÊNCIA PELO TRIBUNAL. CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. NÃO COMPROVAÇÃO. NOVAS PROVAS QUE IMPLICARIAM A MODIFICAÇÃO DO ACÓRDÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. PENA ADEQUADA E PROPORCIONAL. APRESENTAÇÃO DE REVISÃO DISCIPLINAR COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO CNJ. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

 

1. O acórdão prolatado no julgamento do PAD encontra-se em perfeita harmonia com a evidência dos autos, não viola texto expresso de lei, tampouco existem fatos novos que autorizam a modificação do julgado, não configurando hipótese de aplicação do art. 83 do RICNJ.

 

2. A pena de advertência aplicada é adequada, proporcional e razoável, encontrando-se em consonância com a prova dos autos e com os termos do art. 4º da Resolução CNJ n.º 135, de 13 de julho de 2011.

 

3. O requerente se utilizou da excepcional via da revisão disciplinar como sucedâneo de recurso administrativo, o que é incabível de acordo com a jurisprudência pacífica deste Conselho. O Conselho Nacional de Justiça não é instância recursal dos julgamentos realizados pelos tribunais.

 

4. Revisão disciplinar julgada improcedente.

 

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0004590-20.2018.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO BANDEIRA DE MELLO - 358ª Sessão Ordinária - julgado em 18/10/2022).

 

Note-se que, desde que amparada por interpretação razoável das provas contidas nos autos, as decisões dos Tribunais em matéria administrativo-disciplinar não são passíveis de desconstituição pela via da revisão disciplinar.

Ao contrário, quando se refere a decisão “contrária à evidência dos autos”, o Regimento Interno se dirige às excepcionais situações nas quais o juízo do Tribunal de origem está absoluta e irremediavelmente dissociado do conjunto probatório encartado nos autos do processo administrativo disciplinar. Estão, por conseguinte, fora deste escopo, as decisões administrativo-disciplinares que, por exemplo, ponderam os diversos elementos que compõem o caderno de provas, dando a umas mais peso que a outras, atribuindo a um depoimento um valor maior que a uma certidão, ou considerando a evidência trazida por um relatório de inspeção mais importante do que uma carta abonatória de pessoa estranha aos fatos investigados.

Assim, o que cabe averiguar no caso presente não é, como pretende o Requerente, se houve expressa menção a cada cópia de memorando, ofício ou expediente que ele carreou aos autos pelo Tribunal cearense, mas sim, se houve razoável avaliação dos fatos, das provas e documentos contidos nos autos do PAD nº 8502316-71.2017.8.06.0026.

                    No que respeita aos apontamentos constantes da Inspeção realizada pela Corregedoria local, que se referem a um cenário de letargia na atuação jurisdicional do Magistrado Requerente que abrangia praticamente todas as matérias de competência da Vara Única da Comarca de Beberibe, nota-se a constante preocupação de cotejar os elementos de prova produzidos pelo órgão correcional com a versão dos fatos apresentada pelo Requerente.

                    Ao apreciar a prescrição da pretensão punitiva que vinha fulminando em massa processos que tinham por objeto crimes de menor potencial ofensivo, de competência dos Juizados Especiais Criminais, o voto da Relatora do PAD nº 8502316-71.2017.8.06.0026 consigna que:

Em sua defesa, o Promovido reservou as fls. 1.620/1.623 para discorrer acerca dos processos do Juizado Especial Criminal e o que chama mais atenção é justamente que os elementos declinados corroboram os dados colhidos na Inspeção. Em relação aos 21 processos listados pela Corregedoria, nos quais supostamente havia incidido o instituto da prescrição, somente três foram refutados pelo Requerido.

 

[...]

 

A par dessas considerações, denota-se que à exceção dos seguintes processos 0009179-75.2014.8.06.0049, 0009393-66.2014.8.06.0049 e 0009541-77.2014.8.06.0049, outros 18 (dezoito) feitos tiveram a pretensão punitiva do Estado fulminada pela prescrição em razão da paralisação e da falta de impulsionamento das demandas do JECRIM, notadamente pela inexistência de audiências preliminares que não ocorriam pelos mais variados motivos. (ID 4487269)

 

Note-se que a defesa do Magistrado Requerente não foi olvidada, ela apenas foi sopesada com as demais provas dos autos para apontar um estado de crônica ineficiência judicial com relação aos processos de competência dos Juizados Especiais Criminais, porquanto as audiências eram constantemente remarcadas por problemas reiterados de comunicação processual dos serventuários da Vara, sem qualquer gestão ou supervisão.

O mesmo pode-se dizer com relação ao processo de adoção – e, portanto, envolvendo interesses abrigados pelo Estatuto da Criança e Adolescente – que tramitou por 6 (seis) anos até que fosse proferida sentença. Com relação a este fato, o acórdão aponta que:

Impende aclarar que na defesa prévia ofertada às fls. 1.571/1.662, o contestante se limitou a citar, mais precisamente à fl. 1.614, que o processo em referência protocolado no ano de 2010 já estava julgado.

 

[...]

Não houve qualquer refutação ou tentativa de infirmar a constatação de que o feito tramitou durante mais de 6 (seis) anos até o julgamento, mesmo se tratando de ação de adoção, cujo procedimento é dotado de celeridade especial e preferência legal em sua tramitação...(ID 4487270)

 

                    No que se refere às ações coletivas e que envolvem crimes contra a Administração Pública, abrangidos pelas Metas de nivelamento 4 e 6 do CNJ, a decisão do TJCE faz referência à defesa escrita ofertada pelo Magistrado Requerente e até mesmo cita diretamente trecho de sua oitiva, ressaltando que seu principal argumento para a paralisia de alguns feitos diz respeito à existência de litisconsórcio e às dificuldades daí decorrentes para se estabilizar a relação jurídico processual.

O Tribunal apenas entendeu que tais argumentos não justificam a existência de Ações de Improbidade do ano de 2009, as quais já estavam em tramitação há mais de 8 (oito) anos ao tempo da Inspeção sem que tivesse ocorrido sequer a citação dos réus, bem como uma outra, com 11 (onze) anos de tramitação sem início da fase instrutória. Situação de inércia, omissão e desídia que o Tribunal encontrou também na tramitação de Ações Civis Públicas e Crimes contra a Administração Pública, o que ganha contornos de maior gravidade em razão da mobilização nacional promovida pelo CNJ em torno do cumprimento das Metas supramencionadas.

                    Com relação aos achados de Inspeção referentes aos 34 (trinta e quatro) processos criminais analisados por amostra pelos Juízes Auxiliares, pondera o voto da Relatora:

A par dos dados objetivos apontados pela Inspeção, passei a examinar detidamente a defesa do Magistrado, exercida por meio da apresentação de defesa prévia de fls. 1.517/1.662 e das razões finais de fls. 7.765/7.797, e o que chama atenção é que o próprio Promovido, em seu arrazoado, à exceção de 04 (quatro) processos, não logrou êxito em refutar a realidade das outras 30 (trinta) demandas sem o devido andamento. (ID 4487270)

 

No que diz respeito ao quadro geral da jurisdição criminal a cargo da Vara Única da Comarca de Beberibe, as notas conclusivas do voto vencedor também são atentas aos fundamentos de defesa do Requerente, apenas requentados no presente pedido revisional, senão vejamos:

(...) a defesa apresentada pelo Magistrado ratifica integralmente a situação de letargia processual constatada do Relatório Inspecional e reconhece o quadro de ineficiência da Secretaria do Juízo que não conseguia cumprir, ainda que minimamente, as atribuições que incumbiam aos servidores.

 

A despeito do argumento ventilado nas manifestações do Juiz e durante a instrução do feito, no sentido de que havia um déficit de servidores para a grande demanda processual existente na Unidade, associada à rotatividade decorrente do fato de que muitos funcionários da Secretaria eram cedidos pela Prefeitura Municipal de Beberibe, não há como acolher o descaso total implementado na Unidade. A desídia do Magistrado na condução da Vara que estava sob a sua jurisdição está amplamente comprovada. (ID 4487270)

 

Como se vê, as condutas do Requerente foram exaustivamente analisadas pelos desembargadores, os quais, ao valorá-las, entenderam, por maioria, serem passíveis da mais severa repreensão prevista na LOMAN, o que desvela a gravidade da situação evidenciada nos autos.

A procedência da imputação relativa à não realização de inspeções periódicas na cadeia pública local, em descumprimento ao comando da Lei de Execução Penal, também está escorada em prova testemunhal colacionada ao voto da relatora, assim como a situação de completo desmando e paralisia dos processos inspecionados que envolviam interesse de idosos, sequer refutada pelo Requerente no processo de origem.

Quanto à ausência de resposta/cumprimento de cartas precatórias, o acórdão do TJCE concluiu, após colacionar trechos dos depoimentos do Magistrado e seu Diretor de Secretaria a respeito das rotinas de recebimento e tramitação de solicitações que chegavam à Vara de forma eletrônica, oriundas de outros Juízos e mesmo da própria Corregedoria local, que:

O que se depreende dos depoimentos é que o Magistrado não despendia a mínima preocupação em fiscalizar o serviço desempenhado por seu subordinado, que por longo tempo exerceu o cargo comissionado de Diretor de Secretaria, de modo que nem mesmo os malotes digitais oriundos da Casa Censora desta Corte Alencarina eram objeto de zelo no cumprimento e nas respectivas respostas (ID n. 4487270)

 

Como bem ponderou o Tribunal, o Magistrado Requerente não exatamente refuta o estado de coisas constatado pela Corregedoria-Geral de Justiça cearense, mas sustenta sua defesa no processo administrativo disciplinar de origem “em dois fundamentos, quais sejam, no grande acervo processual em trâmite na Vara, que à época da realização da inspeção, malgrado a inconsistência dos números cadastrados no sistema, totalizava a faixa média de 7.000 (sete mil) processos, e na baixa qualidade de servidores com aptidão técnica para impulsionar os expedientes da Secretaria” (ID n. 4487269).

 Com algumas variações, estes são os argumentos que o Requerente reproduz perante este Conselho em sede revisional, o que não é cabível, como afirmado à saciedade pela jurisprudência do CNJ.

O que se percebe é que o Magistrado pretende dar à revisão disciplinar tratamento de recurso ordinário com efeito devolutivo amplo.

Essa dinâmica argumentativa se reproduz quanto à imputação de abandono da jurisdição nos casos de crimes dolosos contra a vida, evidenciado pela não realização de uma sessão do Tribunal do Júri sequer entre 2009 e 2017, ou seja, 8 (oito) anos.

O TJCE não ignorou as conhecidas alegações de excesso de carga de trabalho, falta de infraestrutura adequada para a prestação jurisdicional e os reiterados expedientes encaminhados pelo Requerente à Presidência do Tribunal local solicitando auxílio para a realização de sessões do Tribunal do Júri. O Pleno apenas não as considerou suficientes para elidir a responsabilidade do Magistrado pelo quadro geral evidenciado pela Inspeção, que identificou, em 12 (doze) dos 27 (vinte e sete) processos de competência do Tribunal do Júri inspecionados, preclusão da sentença de pronúncia há anos, sem qualquer movimentação posterior.

Por fim, há a imputação de negligência do magistrado na supervisão dos seus subordinados, que para além dos reflexos negativos à prestação jurisdicional já comentados, teria resultado no prejuízo à investigação de crime de tráfico de drogas na Comarca. O material entorpecente que estava sob custódia do Judiciário local teria sido trocado em um esquema de tráfico descoberto fortuitamente pela polícia civil de Beberibe.

A referida troca foi constatada in loco pela autoridade policial, na presença do magistrado Requerente e seu Diretor de Secretaria. Na mesma ocasião, eles combinaram uma estratégia de flagrante esperado para tentar surpreender os responsáveis pelo delito. A estratégia, contudo, não teve êxito na medida em que o magistrado devolveu os suspeitos, que eram servidores cedidos à Justiça pelo Município, à prefeitura local, e o seu Diretor de Secretaria incinerou o gesso que substituíra a pasta de cocaína, contrariando orientação expressa da autoridade policial local. A ação desastrada do magistrado não foi considerada completamente esclarecida pela sua alegação de ter determinado abertura de inquérito para apuração dos fatos.

O mesmo se passou com o desparecimento de arma de fogo que estava apreendida e que foi apropriada e extraviada por oficial de justiça vinculado à Vara e outra simplesmente furtada do gabinete do Diretor de Secretaria, limitando-se o magistrado a determinar a abertura de inquérito policial para apurar o desaparecimento dos artefatos, minimizando a importância das ocorrências em seus depoimentos perante o órgão correcional e o próprio Tribunal de Justiça.

Nesse cenário, em que provas e argumentos de defesa foram avaliados e debatidos à exaustão pelo Tribunal de origem, não poderia este Conselho se imiscuir no juízo valorativo exercido pelo TJCE para alterar a conclusão jurídica a que chegou, fundada em razoável interpretação dos fatos e da lei.

O mesmo se diga da dosimetria da pena, minuciosamente enfrentada no acórdão do TJCE, não havendo elementos que permitam a revisão do entendimento nos estreitos limites de cognição próprios deste instrumento revisional.

Conclui-se, assim, que a decisão do TJCE não foi proferida em contrariedade à evidência dos autos, é proporcional e adequada, bem como não surgiram fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem sua modificação.

 

4. CONCLUSÃO

Ante o exposto, conheço da presente Revisão Disciplinar e julgo-a IMPROCEDENTE.

Comuniquem-se as partes. Após, arquivem-se.

Brasília, data registrada no sistema. 

 

Conselheiro GIOVANNI OLSSON

Relator

 

VOTO DIVERGENTE

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ. INTERPRETAÇÃO RAZOÁVEL DAS PROVAS. IMPROCEDÊNCIA. DIVERGÊNCIA QUANTO À CONDUTA PENALIZÁVEL. MAGISTRADO QUE SE EXIME POR UMA DÉCADA DE REALIZAR JULGAMENTOS PELO TRIBUNAL DO JÚRI É PASSÍVEL, POR SI SÓ, DE SANÇÃO ADMINISTRATIVA.

 

O EXMO. SENHOR CONSELHEIRO MARCOS VINÍCIUS JARDIM:

Adoto o relatório lançado pelo Conselheiro Giovanni Olsson. Peço vênia, contudo, para apresentar parcial divergência ao voto de Sua Excelência, nos termos a seguir expostos.

Como bem indicado pelo Conselheiro Bandeira de Mello ao mencionar o feito em tela, é notória a questão da desestrutura local à época dos fatos processados, tanto que poucas semanas após o afastamento do magistrado, foi instalada uma nova vara na localidade, o que, inclusive era uma reivindicação reiterada do Revisionado ao Tribunal.

Assim, penso que esse e os outros fatos apontados como motivo para o sancionamento do juiz foram infirmados pela defesa.

Porém, sigo o entendimento de que é insuperável o fato de que, durante quase uma década, não ter sido realizada - na vara titularizada pelo requerente - qualquer sessão de julgamento de processos afeitos ao Tribunal do Júri. E entendo que esse motivo, por si só, é suficiente para penalização administrativa do julgador.

Dispositivo

Ante o exposto, apresento este respeitoso VOTO PARCIALMENTE DIVERGENTE, no sentido de ACOMPANHAR o relator quanto ao sancionamento cominado, fazendo-o exclusivamente em relação ao fato de magistrado ter se eximido, por quase uma década, de realizar, na vara sob sua responsabilidade, julgamentos pelo rito do Tribunal do Júri.

ACOLHO, porém, a tese da defesa, no sentido de julgar improcedente a condenação em relação aos demais fatos processados.

É o voto

Brasília, 25 de maio de 2023.

 

Conselheiro Marcos Vinícius Jardim