Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006230-19.2022.2.00.0000
Requerente: FLAVIO PINELLA HELAEHIL e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP

 


 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. DESIGNAÇÃO DE MAGISTRADOS PARA REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. INCURSÃO EM MATÉRIA RESTRITA AO ÂMBITO DE AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DOS TRIBUNAIS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. PRETENSÃO DE CONDICIONAMENTO DO INTERESSE PÚBLICO À SATISFAÇÃO DE INTERESSES PARTICULARES. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

I – Recurso administrativo interposto contra decisão terminativa que não conheceu do Procedimento de Controle Administrativo.

II – A designação de magistrados de varas não criminais para a realização de audiência de custódia encontra fundamento de validade na Constituição Federal, na Resolução CNJ n. 213/2015, na Resolução TJSP n. 740/2016 e no Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Entendimento do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF).

III – A Resolução CNJ n. 213/2015 prevê que, a critério da Presidência, ouvida a Corregedoria-Geral da Justiça, poderão ser designados juízes auxiliares ou substitutos para a realização das audiências de custódia.

IV – Hipótese plenamente legal de designação dos magistrados para garantia da continuidade da prestação de serviço jurisdicional indisponível, devendo ser reconhecida, para além da autonomia administrativa do Tribunal, a supremacia do interesse público, princípio fundante do Direito Administrativo de matriz constitucional e que, portanto, deve balizar as decisões do gestor público.

V – Excede a competência do CNJ, que estaria adstrita à verificação da compatibilidade dos atos administrativos com o ordenamento jurídico vigente, não podendo imiscuir-se em questões de conveniência e oportunidade da organização judiciária local que não contrariem o princípio da legalidade.

VI – As razões recursais carecem de argumentos capazes de abalar os fundamentos da decisão combatida.

VII – Recurso conhecido e não provido.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 16 de dezembro de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson (Relator), Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006230-19.2022.2.00.0000
Requerente: FLAVIO PINELLA HELAEHIL e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP


 

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de RECURSO ADMINISTRATIVO interposto por FLAVIO PINELLA HELAEHIL e outros, em face da decisão que julgou improcedente o PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTATIVO (PCA) sob exame, com fundamento no artigo 25, inciso X, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça – RICNJ (ID n. 4889034).

O relatório da Decisão monocrática recorrida descreve adequadamente o objeto da controvérsia, como se vê a seguir (ID n. 4885257):

Trata-se de PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO (PCA), com pedido liminar, proposto por FLAVIO PINELLA HELAEHIL e outros, em face de ato praticado pelo Presidente do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (TJSP), que convocou “todos os juízes pertencentes à 03ª Circunscrição Judiciária para a realização das audiências de custódia a partir de 01 de outubro de 2022”. (destaque no original)

Os requerentes alegam que “a designação de juízes de competência exclusiva cível, da fazenda pública, da família e sucessões e infância e juventude para a realização das audiências de custódia viola o princípio da legalidade, [...] pois não há lei que preveja a modificação da competência”.

Afirmam, também que “não se pode argumentar tampouco no sentido de que a extensão das audiências de custódia aos juízes de varas especializadas de outras competências possa ocorrer pela mesma sistemática do plantão judicial, seja ele ordinário ou especial, pois se trata de atividade rotineira e diária criminal e não somente realizada nos períodos de suspensão do expediente forense. A realização das custódias por juízes de competência não criminal é extraordinária e caracteriza acúmulo de função, conforme decidiu o Conselho Nacional de Justiça no Procedimento de Controle Administrativo nº 0006865- 73.2017.2.00.0000”.

Os Requerentes ressaltam que o “Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já disciplinou a competência para a realização das audiências de custódia e editou a Resolução nº 740/2016, que estabelece em seu art. 3º, § 3º que ‘será competente para a organização e realização das audiências de custódia a Vara ou Juízo que possua o Anexo da Polícia Judiciária’, mediante escala de juízes da Circunscrição Judiciária” escala que [...], deve ser realizada entre os juízes competentes para a matéria” (grifos no original).

Nesse cenário, requerem o deferimento de tutela de urgência para:

 i) “que as audiências de custódia relacionadas às prisões em flagrante sejam realizadas exclusivamente por juízes de competência criminal, exclusiva ou cumulativa, ou por juízes de outras competências, desde que expressamente concordem em realizá-las”; (grifos no original)

 ii) “a suspensão imediata do ato administrativo editado por Sua Excelência, DD. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, fazendo cessar a convocação de juízes que não tenham competência criminal para realizar as audiências de custódia, salvo aqueles que expressamente concordem em realizá-las”. (grifo no original) 

A Seção de Autuação e Distribuição certificou a retificação do polo ativo deste feito e a ausência de documentos necessários ao peticionamento perante o CNJ (ID n. 4873491). Em 20/9/2022, os mencionados dados formam anexados (ID n. 4873374).

O Presidente do Tribunal Requerido foi intimado a prestar informações, a teor do Despacho ID n. 4873616. Sobrevieram, assim, dados afetos ao objeto deste procedimento (ID n. 4881825).

Em 27/9/2022, os Requerentes manifestaram-se quanto às informações apresentadas pelo TJSP, ressaltando que “não houve qualquer consulta aos juízes de competência Cível ou da Fazenda Pública, que foram, sem sua anuência, compelidos a acumular atribuições privativas de outros cargos, violando o princípio da inamovibilidade” (ID n. 4881893).

Diante da matéria versada no presente feito e considerando as informações prestadas pelo Requerido, foi solicitado parecer técnico do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), nos termos do Despacho ID n. 4882904.

Em 29/9/2022, aquele Departamento manifestou-se conforme peça encartada ao ID n. 4884135.

É o relatório.

Na peça recursal, os Recorrentes, magistrados de entrância final, titulares de varas especializadas, reiteram os argumentos expostos na petição inicial e pugnam pelo conhecimento e provimento do Recurso Administrativo. Pleiteiam, subsidiariamente, a suspensão dos efeitos do ato impugnado até o julgamento definitivo de mérito pelo Plenário. 

Em busca da superação/reforma da decisão monocrática, afirmam, dentre outras assertivas, que:

 a decisão proferida tem como efeito prático imediato compelir os recorrentes ao exercício compulsório da jurisdição criminal, em caráter definitivo, o que, além de configurar ‘atividade extraordinária’ sem contraprestação, tal como reconhecido no julgamento monocrático, ofende normas expressas da Constituição Federal (arts. 5º, II, XXXVII, LXI e LXII, 37, caput e 95, II), da Constituição do Estado de São Paulo (arts. 5º, § 1º, 19, III, 24, § 4º, 1 e 2; 85 e 111), da LOMAN (art. 30), do Código de Processo Penal (art. 310), do Código Judiciário do Estado de São Paulo (art. 28, III), do Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de São Paulo (art. 10) e do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (art. 13, II, “e” e “q”), resultando, portanto, em notória restrição de direito e prerrogativa dos recorrentes”.

 

 

Intimado a manifestar-se quanto aos argumentos recursais, o TJSP reafirmou que, de fato, “a questão escapa da esfera de atuação desse C. CNJ por veicular matéria reservada à autonomia dos Tribunais (art. 96, I, “a”, c/c art. 103-B, §4º, I, ambos da CF)” e que “o ato impugnado não diz respeito à modificação da competência de Varas, remoção de magistrados ou criação de juízo ou tribunal de exceção, mas sim à designação de magistrados, o que, por corolário, pode ser regularmente realizado independentemente de lei, por ato administrativo, não se vislumbrando mácula ao princípio da legalidade ou às garantias constitucionais ou da Magistratura” (ID n. 4915752).

Requereu, por fim, o não provimento do recurso interposto pelos magistrados mantendo-se integralmente o teor da decisão recorrida.

Em 26/10/2022, a Associação Paulista de Magistrados (APAMAGIS) veio aos autos para informar que apresentou ao TJSP requerimentos que guardam semelhança com os que aqui se analisa (ID n. 4919824).

Cabe o registro de que a APAMAGIS não requereu o ingresso como terceira interessada, consignando que os dados trazidos visam contribuir com o debate acerca da matéria.

Em 14/11/2022, foi indeferido pedido de suspensão dos efeitos da decisão aqui impugnada, a teor da Decisão encartada ao ID n. 4938182.

Realizadas as intimações, os autos vieram conclusos para análise do Recurso Administrativo.

É o relatório.

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006230-19.2022.2.00.0000
Requerente: FLAVIO PINELLA HELAEHIL e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP

 

VOTO

 

O CONSELHEIRO GIOVANNI OLSSON (Relator):

 

I – DO CONHECIMENTO

Não vislumbro razão para reconsiderar a decisão proferida, mesmo porque os Recorrentes não apresentaram nenhum fundamento ou fato novo capaz de provocar o juízo de retratação do entendimento adotado.

Por outro lado, o Recurso em tela é cabível na espécie na medida em que foi protocolado no quinquídio regimental, motivo pelo qual dele conheço, nos termos do artigo 115, §1º, do RICNJ .

 

II – DO MÉRITO

  

I – DO PEDIDO LIMINAR

 Compulsados os autos, verifica-se que a análise exauriente é perfeitamente possível, podendo o procedimento ser decidido de plano.

 Assim, julgo prejudicado o exame do pedido liminar e passo, desde logo, a analisar o mérito, com fundamento no artigo 25, inciso VII, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ)1.

II – DO MÉRITO

Conforme relatado, os Juízes de Direito das Varas Cíveis e da Fazenda Pública da Comarca de Santo André insurgem-se contra decisão do TJSP que determinou a convocação de todos os magistrados da 3ª Circunscrição Judiciária para a realização de audiências de custódia. Buscam a intervenção do CNJ para anular a referida convocação.

Os Requerentes entendem que a designação de juízes com competência exclusivamente cível, da fazenda pública, da família e sucessões e infância e juventude para a realização das audiências de custódia viola o princípio da legalidade, dada ser atribuição exclusiva dos juízes de varas criminais.

Por sua vez, o Tribunal Requerido defendeu que a demanda não merece acolhimento por parte do CNJ, haja vista que o tema refere-se à prerrogativa constitucional atribuída aos Tribunais para a autogestão. Ressaltou a inexistência de requisitos autorizados da concessão de medida liminar e indicou a presença de periculum in mora inverso.

Afirmou que “a questão não diz respeito à modificação da competência de Varas, mas sim à designação de magistrados, o que, por corolário, pode ser regularmente realizado independentemente de lei, por ato administrativo, não se vislumbrando mácula ao princípio da legalidade”.

Na oportunidade, o Presidente do TJSP asseverou que:

 i) “não há que se falar em nulidade absoluta das audiências de custódia presididas por Juízes de Direito lotados nas Varas Cíveis, de Família, Sucessões ou da Fazenda Pública, pois o ato de designação da Presidência atribui-lhes competência criminal, segundo critérios prévios e objetivos, para exercer o juízo emergencial de custódia, conforme autorizado pelo art. 1º, §2º da Resolução CNJ nº 213/2015”;

ii) “a Lei de Organização Judiciária do Estado de São Paulo (Decreto-lei complementar nº 03/1969) não define a autoridade judiciária competente para a realização das audiências de custódia”;

iii) “o ato impugnado encontra respaldo no art. 96, I, “a” da Carta Federal, bem como no art. 1º, §2º da Resolução CNJ nº 213/2015 e art. 3º, §3º da Resolução TJSP nº 740/2016. A designação de magistrados para a realização de audiências de custódia ou outras atribuições insere-se na esfera de autonomia constitucionalmente conferida aos Tribunais”;

iv) “com relação à designação de todos os magistrados da 3ª Circunscrição Judiciária para a realização das audiências de custódia, ressalto que a determinação somente foi exarada após constatada a ausência de participação espontânea dos juízes. Ou seja, inexistindo voluntários naquela Circunscrição para colaborar com a ampliação da escala ou consenso entre os magistrados quanto à realização das audiências, inviável que a Presidência consentisse com o prejuízo à atividade jurisdicional. (grifos no original)

v) a convocação foi dirigida a Juízes de Direito das Circunscrições Judiciárias de Diadema, de Osasco e de Itapecerica da Serra, onde também não houve manifestação espontânea dos magistrados.

Delineado o cenário fático, tem-se que a controvérsia suscitada neste procedimento diz respeito ao exame da decisão exarada pelo Presidente da Corte de Justiça Bandeirante que convocou magistrados de varas não criminais para a realização de audiências de custódia.

Com efeito, a decisão aqui impugnada origina-se de pedido formulado pela Juíza da Vara do Júri e das Execuções Criminais e Corregedora da Polícia Judiciária da Comarca de Santo André para que a Presidência do TJSP lançasse chamamento a todos os juízes da 3ª Circunscrição Judiciária para compor a escala de audiências de custódia referentes à Circunscrição.

Consta do Expediente n. 2016/13232 (ID n. 4873154) que “atualmente as audiências de custódia têm sido realizadas por apenas 3 juízes auxiliares que, em razão da grande demanda de flagrantes, não conseguem prestar efetivo e profícuo auxílio às varas da Comarca”, e que, “desde maio de 2022 as audiências de custódia passaram a ser realizadas por videoconferência, de forma que a inclusão dos demais juízes da Circunscrição na escala das audiências de custódia não importará deslocamento físico nem qualquer contraprestação pecuniária”.

Referido Expediente formalizou a convocação de todos os juízes pertencentes à 3ª Circunscrição Judiciária para a realização das audiências de custódia a partir de 01 de outubro de 2022.

Pois bem.

Preliminarmente, cabe o registro de que, em 2015, o CNJ implementou as audiências de custódia, que consistem na rápida apresentação da pessoa que foi presa a um juiz que analisará, dentre outros aspectos, a legalidade da prisão e a regularidade do flagrante. A realização dessas audiências foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar, em 2015, a ADI 5240 e a ADPF 347.

Nessa toada, foi editada a Resolução CNJ n. 213/2015, a qual determina que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão (art. 1º).

O ato resolutivo define que a autoridade judicial competente é aquela disposta pelas leis de organização judiciária locais, ou, salvo omissão, definida por ato normativo do Tribunal de Justiça, Tribunal de Justiça Militar, Tribunal Regional Federal, Tribunal Regional Eleitoral ou do Superior Tribunal Militar que instituir as audiências de apresentação, incluído o juiz plantonista (art. 1º, § 2º).

A realização de audiência de custódia foi disciplinada pelo Tribunal Requerido por meio da Resolução TJSP n. 740/2016, sendo competente para sua organização e efetivação a Vara ou Juízo que possua Anexo da Polícia Judiciária, mediante escala de juízes da Circunscrição Judiciária (art. 3º, § 3º).

É de se ver que a conjunção desses dispositivos legais fundamentou a decisão administrativa tomada pelo Presidente do TJSP para viabilizar e otimizar a realização daquelas audiências, motivo que nos leva à compreensão de que a argumentação dos Requerentes relativa à ausência de afronta à legalidade, a despeito de judiciosa, não merece prosperar.

Ademais, convém recordar que milita, em favor dos atos administrativos praticados pelo Poder Público, a presunção de que os seus elementos constitutivos satisfazem integralmente os requisitos e condicionantes postos pelo ordenamento jurídico, quais sejam: legalidade e legitimidade.

Na mesma linha desse entendimento, tem-se a manifestação do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) que, no percuciente parecer lançado nestes autos, concluiu que assiste razão do Requerido (ID n. 4884135).

Com efeito, aquele Departamento especializado enfrentou todos os aspectos do pleito deduzido neste PCA, razão pela qual, em vista da expertise e competência para o exame da matéria, adoto como fundamento deste decisum tudo quanto ali analisado.

Por inteira pertinência transcrevo excerto da fundamentação:

“II – FUNDAMENTAÇÃO

DA PRELIMINAR

DA CONVENIÊNCIA ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL

A partir da análise dos autos e dos argumentos aventados por ambas as partes, verifica-se assistir razão ao TJSP quanto ao não preenchimento das hipóteses de admissibilidade do pedido. Na espécie, incide o disposto no artigo 25, inciso X, do Regimento Interno do CNJ, que prevê o arquivamento liminar do processo quando a matéria for flagrantemente estranha às finalidades do CNJ, bem como a pretensão for manifestamente improcedente, despida de elementos mínimos para sua compreensão ou quando ausente interesse geral.

Isso porque o ato atacado se encontra salvaguardado pela autonomia administrativa do Tribunal requerido, diante do que asseguram a Constituição Federal, a Resolução CNJ nº 213/2015, a Resolução TJSP nº 740/2016 e o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Além disso, excede à competência do CNJ, que estaria adstrita à verificação da compatibilidade dos atos administrativos com o ordenamento jurídico vigente, não podendo imiscuir-se em questões de conveniência e oportunidade da organização judiciária local que não contrariem o princípio da legalidade.

De fato, ao que se verifica da análise dos autos, trata-se de hipótese plenamente legal de designação dos magistrados para garantia da continuidade da prestação de serviço jurisdicional indisponível, devendo ser reconhecida, para além da autonomia administrativa do Tribunal, a supremacia do interesse público, princípio fundante do Direito Administrativo de matriz constitucional e que, portanto, deve balizar as decisões do gestor público.

Nesse sentido é a jurisprudência deste Conselho:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. NORMA REGIMENTAL QUE PREVÊ A DESIGNAÇÃO EXCLUSIVA DE JUÍZES SUBSTITUTOS PARA ATUAÇÃO EM PLANTÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AUTONOMIA DO TRIBUNAL. NÃO OCORRÊNCIA DE OFENSA À RESOLUÇÃO CNJ n. 71/2009. MANUTENÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA PROFERIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. Pretensão de que seja declarado nulo dispositivo do regimento interno de Tribunal de Justiça que prevê a designação exclusiva de juízes substitutos para as escalas de plantões judiciários. Autonomia do Tribunal.

2. A Resolução CNJ n. 71/2009 expressamente faculta aos Tribunais a edição de atos complementares a fim de disciplinarem peculiaridades locais.

3. Não tendo os Recorrentes apresentado fundamentos que pudessem justificar a alteração da decisão monocrática proferida, mantem-se a decisão recorrida.

4. Recurso conhecido e não provido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0006298-76.2016.2.00.0000 - Rel. HENRIQUE DE ALMEIDA ÁVILA - 33ª Sessão Virtual - julgado em 20/04/2018).

Assim, entende-se que a preliminar acima elencada impede o exame do mérito, cumprindo a aplicação do disposto no artigo 25, inciso X, do RICNJ.

DO MÉRITO

Ainda que não fosse acolhida a preliminar suscitada, tampouco no mérito os requerentes possuem razão. Vejamos.

Nos termos do artigo 103-B da Constituição Federal, tem-se que compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, zelar pela observância do artigo 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei.

Pois bem, são princípios expressamente previstos no caput do artigo 37 da Constituição Federal, os seguintes: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Ocorre que, no âmbito do Direito Administrativo, é sabido que existem dois princípios maiores ou magnos, a partir dos quais todos os demais princípios aplicáveis à administração pública se organizam, quais sejam: a supremacia do interesse público sobre o privado e a indisponibilidade do interesse público.

Tais princípios, nos parece, foram observados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP na edição do ato administrativo ora atacado, haja vista a fundamentalidade e a imprescindibilidade da realização contínua das audiências de custódia, instituto salvaguardado em âmbito supralegal na Convenção Americana de Direitos Humanos e legal no Código de Processo Penal.

Também, não se verifica na hipótese qualquer violação a legalidade, tal como tentam fazer crer os requerentes, haja vista que tanto a Constituição Federal, como atos normativos do Conselho Nacional de Justiça e do próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP possibilitam à Presidência a reorganização das competências e, no caso, a designação de magistrados, que é o que ocorreu na espécie.

Nos termos do artigo 1º, § 2º, da Resolução CNJ 213/2015, temos que:

§ 2º Entende-se por autoridade judicial competente aquela assim disposta pelas leis de organização judiciária locais, ou, salvo omissão, definida por ato normativo do Tribunal de Justiça, Tribunal de Justiça Militar, Tribunal Regional Federal, Tribunal Regional Eleitoral ou do Superior Tribunal Militar que instituir as audiências de apresentação, incluído o juiz plantonista. (Redação dada pela Resolução nº 268, de 21.11.18).

Por sua vez, o artigo 12 da Resolução TJSP 740/2016, assim dispõe:

Art. 12. A critério da Presidência, ouvida a Corregedoria Geral da Justiça, poderão ser designados juízes auxiliares ou substitutos para a realização das audiências de custódia.

 

Não bastassem essas possibilidades previstas em âmbito normativo, verifica-se que o TJSP levou em consideração para a edição do ato aspectos práticos como o volume de audiências a serem realizadas, a quantidade de magistrados e a sua distribuição, do que se conclui que o ato também está revestido de razoabilidade e proporcionalidade.

É nesse sentido, portanto, que não resta evidente a alegada ilegalidade do ato administrativo do TJSP, o que torna inviável a atuação do Conselho Nacional de Justiça na hipótese.

Além disso, tampouco há que se falar em nulidade dos atos processuais praticados, conforme bem expôs o Tribunal, não apenas porque a designação foi feita segundo critérios prévios e objetivos, assegurando a competência criminal para exercer o juízo emergencial de custódia, mas, também, pela própria natureza jurídica do instituto audiência de custódia.

É que a audiência de custódia não se presta à incursão no mérito da futura ação penal. A análise a ser realizada no seu âmbito diz com a legalidade da detenção e com a eventual prática de maus tratos, a fim de assegurar o direito humano fundamental de incolumidade física e psíquica.

Há também que se asseverar que a necessidade da prisão e seus requisitos podem e devem ser reanalisados a qualquer tempo pelo Juiz competente para julgar a ação penal.

Nesse sentido, importa fazer referência aos seguintes dispositivos do Código de Processo Penal, alterados pelo chamado Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), os quais reafirmam a possibilidade de reanálise a qualquer tempo acerca da necessidade da prisão e da persistência ou não dos seus requisitos cautelares: artigo 312, § 2º; artigo 315, §§ 1º e 2º; e o artigo 316 e seu parágrafo único.

A par do reconhecimento do mérito da medida adotada pelo Tribunal, vale enquanto recomendação ao TJSP que promova contínua orientação aos (às) magistrados(as), a fim de que estejam aptos a atuarem nessas funções quando necessário. Para tanto, destaca-se a importância da atuação da Escola da Magistratura local e da divulgação de farto material produzido por este Conselho no âmbito do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, que resultou em uma coleção de publicações técnicas voltadas especificamente à qualificação da atuação jurisdicional nas audiências de custódia.

À luz de todo o exposto, cabe ressaltar que o TJSP ao editar o ato que agora é impugnado na verdade buscou atender a uma finalidade bastante relevante, reconhecendo que as audiências de custódia possuem caráter extraordinário e devem assim ser reconhecidas quando não houver juízes com competência exclusiva para sua realização, porquanto consubstanciam incremento das atividades jurisdicionais ordinariamente desenvolvidas pelos(as) magistrados(as).

Sobre a questão, inclusive, vale ressaltar que o Plenário do Conselho Nacional de Justiça, ao julgar o Procedimento de Controle Administrativo (PCA nº 0006865-73.2017.2.00.0000) assentou que a realização de audiências de custódia não faz parte das atividades ordinárias de magistrados designados, explicitando que:

“Diante das informações trazidas pelo Eg. TJRJ, é incontroverso que a realização das audiências de custódia não faz parte das atividades ordinárias dos Magistrados designados. Não há qualquer ligação entre ambas as atividades de modo que a realização das audiências não os torna preventos para atuar nos feitos em suas varas de origem”.

 

Assim, ainda que não se possa falar em ilegalidade do ato emanado da Presidência do TJSP, consoante já se afirmou, é importante a recomendação ao Tribunal no sentido de que observe a necessidade de promover a qualificação dos(as) magistrados(as) que não possuem competência nata para a realização de audiências de custódia para conduzi-las, assegurando a eficiência da prestação jurisdicional nesse particular. Além disso, recomenda-se que o TJSP considere que a convocação nessas circunstâncias configura atividade extraordinária, buscando-se adotar também as providências relativas à compensação dos(as) magistrados(as) que são previstas para as situações de igual natureza.

III – CONCLUSÃO

Diante do exposto, este Departamento, no uso de suas atribuições previstas na Lei n° 12.106/2009 e no art. 40-A do Regimento Interno deste Conselho (RICNJ) se manifesta no sentido de:

a) em preliminar, determinar o arquivamento liminar do processo com fundamento no artigo 25, inciso X, do RICNJ, considerando se tratar de questão afeta à conveniência administrativa do Tribunal, amparada pelo art. 96, inciso I, letra “a” da Constituição Federal; e,

b) no mérito, desprover o pleito, haja vista a inexistência de ilegalidade por parte do Tribunal, cuja normativa está consonante com a supremacia do interesse público na realização das audiências de custódia, conforme garantido na Convenção Americana de Direitos Humanos, no Código de Processo Penal e na Resolução CNJ nº 213/2015.

É o parecer.” 

 

Nos termos da fundamentação acima colacionada e considerando, sobretudo, a imposição ao órgão julgador que, ao aplicar o ordenamento jurídico, atenda aos fins sociais e às exigências ao bem comum na busca da eficiência e eficácia da prestação jurisdicional, o pedido não merece ser acolhido.

Considerando-se, ainda, que a competência do Conselho Nacional de Justiça para controlar os atos administrativos dos Tribunais há de ser exercida em perfeita harmonia com a autonomia que a Constituição Federal assegura aos órgãos judiciários2 aliado ao fato de não se verificar ilegalidade no ato impugnado, julgo improcedente este Procedimento de Controle Administrativo, com esteio no artigo 25, inciso X, do Regimento Interno do CNJ, mantendo-se hígida a convocação de juízes pertencentes à 3ª Circunscrição Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para a realização de audiências de custódia a partir de 1/10/2022.

Por derradeiro e, como bem enfatizou o DMF, recomenda-se ao TJSP que:

i) promova a contínua qualificação de magistrados “que não possuem competência nata para a realização de audiências de custódia para conduzi-las, assegurando a eficiência da prestação jurisdicional nesse particular”, e

ii) considere que a convocação nessas circunstâncias configura atividade extraordinária, buscando-se adotar medidas para a “compensação dos(as) magistrados(as) que são previstas para as situações de igual natureza”.

[...]

 

1 Art. 25. São atribuições do Relator: [...] VII – proferir decisões monocráticas e votos com proposta de ementa e lavrar acórdão quando cabível.

2 CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004873-48.2015.2.00.0000 - Rel. LELIO BENTES CORRÊA - 13ª Sessão Virtual - julgado em 24/05/2016.

 

 

Nos termos em que apresentado, o Recurso não merece prosperar.

Da leitura atenta à peça recursal constata-se que os Recorrentes repisam as alegações que foram exaustivamente refutadas na Decisão impugnada, deixando de apresentar elemento capaz de desabonar ou afastar argumentos fundamentadores da monocrática, a qual adotou, na íntegra, o entendimento esposado pelo DMF, unidade especializada na estrutura do CNJ para o trato da matéria sub examine.

 

Os Magistrados Recorrentes, persistem na tese de que a medida administrativa adotada pelo TJSP fere dispositivos normativos, usurpa a competência da Assembleia Legislativa, do Órgão Especial do próprio Tribunal, além de ferir entendimento da Procuradoria-Geral de Justiça, tal como foi aduzido na peça exordial deste PCA. Referida tese foi adequadamente enfrentada e refutada pelo DMF ao analisar o pleito formulado.

 Consignam, também, que a autonomia administrativa dos tribunais encontra limites, não podendo contrariar legislação, tampouco “sacrificar as garantias essenciais ao exercício da judicatura”.

Nessa toada, almejam invalidar o ato administrativo exarado pelo TJSP, sob o argumento de que “a designação, sem prazo determinado, de juízes de competência exclusiva cível, da fazenda pública, da família e sucessões e infância e juventude para a realização das audiências de custódia viola o princípio da legalidade, bem como a garantia da inamovibilidade, pois ato administrativo não constitui meio válido para ampliar, suprimir e transferir competência definida em lei.” (grifos no original). 

Ocorre que, conforme aduzido pelo DMF, verifica-se no caso concreto, “hipótese plenamente legal de designação dos magistrados para garantia da continuidade da prestação de serviço jurisdicional indisponível, devendo ser reconhecida, para além da autonomia administrativa do Tribunal, a supremacia do interesse público, princípio fundante do Direito Administrativo de matriz constitucional e que, portanto, deve balizar as decisões do gestor público”. 

Além disso, sem embargo da plausibilidade da demanda dos Magistrados Requerentes, tem-se que a Resolução CNJ n. 213/2015 possibilita à Presidência, ouvida a Corregedoria-Geral da Justiça, designar juízes auxiliares ou substitutos para a realização das audiências de custódia, a teor do que dispõe o artigo 1º, § 2º daquele ato resolutivo.

Por outro lado, não se olvida o fato de que a intervenção do CNJ está adstrita à verificação da compatibilidade dos atos administrativos com o ordenamento jurídico vigente, não podendo imiscuir-se em questões de conveniência e oportunidade da organização judiciária local que não contrariem o princípio da legalidade.

Nessa ordem de ideias, considerando a ausência de submissão de novos fatos e razões diversas, capazes de infirmar os fundamentos da Decisão monocrática, mantenho-a integralmente.

Por todo o exposto, conheço do Recurso e, no mérito, nego-lhe provimento.

É como voto. 

Após as comunicações de praxe, arquivem-se. 

À Secretaria Processual para as providências.  

Brasília-DF, data registrada no sistema.

 

Conselheiro GIOVANNI OLSSON

Relator 

 

 



[1] Art. 115. A autoridade judiciária ou o interessado que se considerar prejudicado por decisão do Presidente, do Corregedor Nacional de Justiça ou do Relator poderá, no prazo de cinco (5) dias, contados da sua intimação, interpor recurso administrativo ao Plenário do CNJ. § 1º São recorríveis apenas as decisões monocráticas terminativas de que manifestamente resultar ou puder resultar restrição de direito ou prerrogativa, determinação de conduta ou anulação de ato ou decisão, nos casos de processo disciplinar, reclamação disciplinar, representação por excesso de prazo, procedimento de controle administrativo ou pedido de providências.