Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0010330-85.2020.2.00.0000
Requerente: ALEXANDRE LEVY PERRUCCI
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. PAD EM FACE DE MAGISTRADO. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 35, I, DA LOMAN, E 24 E 25 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. INOBSERVÂNCIA DE DECISÕES DE INSTÂNCIAS SUPERIORES E RECOMENDAÇÕES DA CORREGEDORIA LOCAL. APLICAÇÃO DE PENA DE CENSURA. ART. 83, I, RICNJ. DECISÃO CONTRÁRIA À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. NÃO COMPROVAÇÃO. NULIDADES. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DO TEOR DA ACUSAÇÃO NA PORTARIA INAUGURAL. INOCORRÊNCIA.  PEDIDO REVISIONAL JULGADO IMPROCEDENTE.

1. Pedido de revisão disciplinar em face de Acórdão de Tribunal de Justiça que aplicou ao magistrado a penalidade de censura, por inobservância de decisões de instâncias superiores e recomendações da Corregedoria local.

2. “O procedimento de Revisão Disciplinar comporta conhecimento sempre que cumprido o prazo constitucional para a proposição e indicada, em tese, uma das hipóteses previstas no art. 83 do RICNJ” (RevDis 0001805-51.2019.2.00.0000).

3. No caso vertente, o exame do petitório está adstrito a verificar se o decisum prolatado pelo Órgão Especial do TJSP está amparado em circunstâncias contidas nos autos e não milita em sentido contrário a qualquer elemento apurado.

4. Argui-se ausência de descrição pormenorizada das irregularidades em portaria e julgamento contrário à evidência dos autos.

5. O juiz processado, desde o início da tramitação do feito, teve pleno conhecimento das infrações praticadas e exerceu sobre cada ponto o contraditório e a ampla defesa. A declaração de nulidade de ato processual, outrossim, depende da demonstração de efetivo prejuízo à defesa, hipótese não verificada no caso em apreço.

6. A independência judicial (e seus corolários) – garantia fundamental da magistratura e condição necessária à atuação do juiz – não configura manto de proteção absoluto ou autorização de que o magistrado pode tudo. Há responsabilidades e deveres no exercício de seu mister, in casu, de cumprir decisões de instâncias superiores, notadamente do STJ.

7. Conquanto o magistrado processado sustente que a ordem concedida no Habeas Corpus 499.556/SP pela Sexta Tuma do STJ estava prejudicada, face a prolação da sentença pelo juízo de piso, é forçoso reconhecer que na primeira manifestação após o juiz indicar óbice ao cumprimento, o Ministro relator do HC foi enfático ao dizer que mesmo a sentença constituindo novo título para a prisão, os fundamentos subsistiam, razão pela qual o Acórdão deveria ser cumprido.

8. Reexaminando a conduta do juiz, o contexto fático-probatório e a fundamentação externada pelo Tribunal, não há falar em imprecisão ou desacerto na deliberação do TJSP. A resistência do magistrado em cumprir a ordem emanada no HC 499.5656/SP decorreu de sua convicção jurídica, embora a determinação adviesse de instância superior.

9. Com efeito, refoge à via administrativa averiguar o acerto ou desacerto de decisões judiciais ou servir de instância revisora de atos jurisdicionais. Todavia, o exame dos documentos coligidos ao feito não deixa dúvidas de que a condenação do magistrado não se deu por conta de sua opinião jurídica ou livre convencimento, e sim por sua conduta em inobservar a organicidade do Judiciário e por subverter a hierarquia e o funcionamento que inspiram a estrutura desse Poder.

10. Em relação à inobservância de orientação da Corregedoria local quanto ao cumprimento de determinações de instâncias superiores, o próprio magistrado reconhece a subsistência de orientação nesse sentido em seu interrogatório.

11. As circunstâncias dos autos desautorizam a revisão do julgado do TJSP, porquanto em consonância com o conjunto-probatório que lhe foi apresentado. A evidência dos autos confere sustentáculo à decisão que constatou a recalcitrância do juiz em observar determinações de instâncias superiores, assim como há razoabilidade e proporcionalidade na pena aplicada.

12. Inexistindo flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento levado a efeito pelo Órgão Especial do TJSP, forçoso reconhecer que a pretensão deduzida ostenta nítido viés recursal, o que afasta a necessidade de controle pelo Plenário deste Conselho.

13. A jurisprudência desta Casa é pacífica no sentido de ser defeso ao CNJ realizar novo julgamento da causa quando ausentes os elementos e requisitos do art. 83 do RICNJ.

14. Pedido de revisão disciplinar julgado improcedente.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou improcedente o pedido de revisão disciplinar, nos termos do voto do Relator. Ausente, circunstancialmente, a Conselheira Salise Sanchotene. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 28 de março de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia (Relator) e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentou oralmente pela Requerente, a Advogada Fernanda Valone Esteves - OAB/SP 475.234. Manifestou-se o Subprocurador-Geral da República Alcides Martins.

 

RELATÓRIO 

O EXMO. SENHOR CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA (RELATOR): Trata-se de pedido de Revisão Disciplinar (RevDis) formulado por Alexandre Levy Perrucci, Juiz Titular da Vara Criminal da Comarca de Pindamonhangaba/SP, contra Acórdão prolatado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que, à unanimidade, aplicou ao magistrado a penalidade de censura, por inobservância de decisões de instâncias superiores e recomendações da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (Processo Administrativo Disciplinar 138.950/2019[1]).

Aduz, em síntese, que o julgamento do PAD está eivado de vício, pois:

a)           viola o art. 5º, LV, da Constituição Federal, uma vez que deixou de reconhecer cerceamento ao exercício do direito à ampla defesa, decorrente da ausência de delimitação do teor da acusação na Portaria inaugural (Portaria TJSP 93, de ); e

b)          é contrário à evidência dos autos, pois jamais descumpriu qualquer decisão de ordem superior, muito menos teve intenção de fazê-lo.

Afirma que as decisões questionadas se referem a um único feito, em que adotou procedimento anteriormente recomendado pela CGJ/SP, chancelado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), e com respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).

Requer a procedência do pedido, para que seja anulada a decisão do TJSP. Subsidiariamente, pugna pela adequação da pena, com a substituição da censura por advertência.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo prestou informações sob a Id 4315174. Destacou a análise de todas as questões pelo Órgão Especial do TJSP, defendeu a legalidade do PAD e colacionou ao feito cópia integral do procedimento.

O Ministério Público Federal (MPF), pelo Procurador-Geral da República, manifestou-se pelo indeferimento da revisão e manutenção do decisum (Id 4338756).

O magistrado Alexandre Levy Perrucci apresentou alegações finais sob a Id 4374940.

É o relatório. 

Brasília, data registrada no sistema. 

Mário Goulart Maia       

Conselheiro 



[1] Julgado em: 30 set. 2019 (Id 4205255, fls. 120/148).

 

 

 

VOTO 

O EXMO. SENHOR CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA (RELATOR): Trata-se de pedido de Revisão Disciplinar (RevDis) formulado por Alexandre Levy Perrucci, Juiz Titular da Vara Criminal da Comarca de Pindamonhangaba/SP, contra Acórdão prolatado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que, ao apreciar o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) 138.950/2019, aplicou ao magistrado a penalidade de censura, por inobservância de decisões de instâncias superiores e recomendações da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (CGJ/SP).

Eis a cronologia dos acontecimentos:

 

TJSP

Conhecimento dos fatos pela Administração

16.09.2019 (Id 4205245, fl. 10)

Instauração do PAD 138.950/2019:

27.11.2019 (Id 4205248, fls. 41/45; 4205249, fls. 3/36 )

Portaria do PAD:

Portaria 93, de 17.1.2020 (Id 4205249, fls. 93/113).

Fatos imputados ao juiz:

a) descumprimento de decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos autos do Habeas Corpus 499.556-SP, que acarretou o indevido encarceramento do paciente por mais de cinco meses;

b) descumprimento de orientação da Corregedoria Geral de Justiça quanto ao cumprimento de determinações das instâncias superiores.

Data do julgamento do PAD:

30.9.2020 (Id 4205243)

Pena aplicada (Acórdão):

Censura (Id 4205255, fls. 120/148).

Comunicação ao CNJ sobre o resultado do julgamento (art. 20, § 4º, Res. 135/2011)

02.10.2020 (PP 0007011-46.2019.2.00.0000[1], Id 4205255, fls. 169/175).

Certidão de ausência de  oposição de embargos declaratórios contra o Acórdão do Órgão Especial (trânsito em julgado):

21.10.2020 (Id 4205255, fl. 159)

Protocolo RevDis no CNJ:

28.12.2020

 

Os fatos ensejadores do PAD, como se pode depreender, estão relacionados com o descumprimento de ordem concedida pelo e. Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Habeas Corpus 499.566, de Relatoria do Exmo. Ministro Nefi Cordeiro, assim como recomendações da CGJ/SP, sobre a necessidade de atender ordens emanadas de instâncias superiores.

Em análise das supostas condutas faltosas atribuíveis ao juiz, o Órgão Especial do TJSP acolheu o voto proferido pelo Desembargador João Francisco Moreira Viegas (Relator), para reconhecer, à unanimidade, a violação aos artigos 35, I, da Lei Complementar 35/1979 (LOMAN), e 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional[2] (CEMN), que assim preconizam:

§    LOMAN

Art. 35 - São deveres do magistrado:

I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

§    CEMN

Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável.

Art. 25. Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às consequências que pode provocar.

O Acórdão prolatado pelo TJSP restou ementado nos seguintes termos (Id 4205255, fls. 121/122):

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE JUIZ DE DIREITO POR SUPOSTA VIOLAÇÃO AOS DEVERES FUNCIONAIS PREVISTOS NO ARTIGO 35, INCISO DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL, BEM COMO NOS ARTIGOS 24 E 25 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA.

PRELIMINAR DEFENSIVA DE NULIDADE DA PORTARIA DE INSTAURAÇÃO – Rejeição – Portaria que atende ao comando do artigo 14, § 5º da Resolução 135/2011 do CNJ, uma vez que contém as imputações constantes do acórdão de instauração no qual os fatos em apuração foram suficientemente delineados, permitindo ao requerido exercer o seu direito de defesa.

MÉRITO – Presença de elementos suficientes para reprovação da conduta do magistrado - Fatos incontroversos - Recusa de cumprimento de decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça que concedeu habeas corpus em favor do paciente, determinando sua soltura – Inobservância de anterior orientação da Corregedoria Geral de Justiça quanto ao cumprimento de determinações das Instâncias Superiores – Afronta aos artigos 35, I da LOMAN, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional - Conduta do Magistrado que implicou em indevido encarceramento do paciente, por quase 6 meses. VIOLAÇÃO AOS DEVERES FUNCIONAIS PREVISTOS NO INCISOS I, DO ARTIGO 35, DA LEI COMPLEMENTAR Nº. 35/79, E AOS ARTIGOS 24 E 25 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL - APLICAÇÃO DA PENA DE CENSURA. 

O Juiz Alexandre Levy Perrucci, em sede de preliminar, alega cerceamento à ampla defesa e ao contraditório, decorrentes da ausência de descrição clara das imputações na Portaria TJSP 83/2020, em violação ao art. 5º, LV, da Constituição Federal e ao art. 14, § 5º, da Resolução CNJ 135/2011.

No mérito, o magistrado argumenta que “acertado ou não em sua conduta, acreditava piamente proceder da forma correta, com motivação estritamente jurisdicional” (Id 4205242).

Pede a procedência da RevDis, para o fim de absolvê-lo dos fatos descritos na Portaria, com fundamento nos arts. 83, I, e 88 do RICNJ. Subsidiariamente, requer a “absolvição com recomendação” ou a substituição da pena de censura pela de advertência.

O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se pela improcedência da RevDis (Id 4338756):

Revisão Disciplinar. Magistrado. Censura.

1. Violação dos deveres previstos no art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, e nos arts. 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

2. Decisão condenatória amparada em elementos constantes nos autos.

3. Contrariedade à lei ou às evidências dos autos não caracterizada. Inexistência de novos fatos ou circunstâncias aptas a ensejar a modificação da condenação do requerente.

[4]. Dosimetria. Atendimento aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e finalidade.

Manifestação pela improcedência do pedido formulado na revisão disciplinar.

Passo ao exame. 

1. PRELIMINARES

1.1. TEMPESTIVIDADE 

De plano, verifico que o pedido revisional é tempestivo e atende aos ditames do Regimento Interno do CNJ (RICNJ), que estabelece:

Art. 82. Poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão.

Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I - quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

[...]

Art. 84 O pedido de revisão de processo disciplinar será apresentado em petição escrita, devidamente fundamentada e com toda a documentação pertinente.

[...]

Art. 88. Julgado procedente o pedido de revisão, o Plenário do CNJ poderá determinar a instauração de processo administrativo disciplinar, alterar a classificação da infração, absolver ou condenar o juiz ou membro de Tribunal, modificar a pena ou anular o processo. (grifo nosso)

O Acórdão contra o qual se insurge o requerente foi prolatado pelo TJSP em sessão realizada no dia 30.09.2020 (Id 4205243) e o pedido de revisão protocolado no CNJ em 28.12.2020.

Portanto, dentro do lapso temporal de um ano previsto no RICNJ e no artigo 103-B, § 4º, V, Constituição Federal.

A inicial e a documentação que a instrui estão em consonância com o previsto no artigo 84 do RICNJ, de modo suficiente a autorizar a instauração do processo de revisão.

Desse modo, conheço do pedido.

1.2. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA: AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DO TEOR DA ACUSAÇÃO NA PORTARIA INAUGURAL 

O magistrado Alexandre Levy Perrucci argui em sua peça que a Portaria TJSP 93/2020 “não proporcionou descrição clara das imputações lançadas contra o magistrado, e tampouco do elemento subjetivo. Há, tão somente, referências esparsas, ora a um dolo pouco caracterizado, ora à imprudência, o que caracterizaria, no máximo, atuação culposa” (Id 4205242, fl. 4).

Sustenta que houve cerceamento à ampla defesa, “uma vez que, em razão da indeterminação da Portaria Inaugural, não foi sequer possível compreender quais condutas do magistrado teriam infringido quais dispositivos legais referidos” (Id 4205242, fl. 5).

O TJSP, por sua vez, defende que não há qualquer nulidade no ato, pois a Portaria contém as imputações constantes do acórdão de instauração no qual os fatos em apuração foram delimitados, permitindo ao processado exercer o pleno direito de defesa.

A alegação não procede.

Em que pese os judiciosos argumentos suscitados pelo Juiz Alexandre Levy Perrucci, a simples leitura da Portaria TJSP 93/2020 e do Acórdão proferido denota que as condutas irregulares atribuíveis ao magistrado foram devidamente delineadas e examinadas pela Corte paulista. Reproduzo os seguintes excertos:

§    Portaria TJSP 93/2020 (Id 4205249, fls. 93/113)

I - Histórico do expediente

De acordo com os autos nº 138950/2019, a apuração preliminar atinente a Alexandre Levy Perrucci, juiz de direito da Vara Criminal da Comarca de Pindamonhangaba, fora iniciada por conta do recebimento na Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo de ofício do Superior Tribunal de Justiça, indicado descumprimento de decisão proferida no Habeas Corpus nº 499.556/SP (fls.13/14). Depois, cópias de expedientes anteriores atinentes ao juiz de direito foram juntadas (fls.64/76; 91/108).

[...]

Entrementes, a defesa prévia fora rejeitada pelo Órgão Especial desta Corte, nos termos do voto do Corregedor Geral da Justiça (fls.410/443), por votação unânime, determinando-se a abertura de procedimento administrativo disciplinar, além da expedição de ofício ao Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo e da realização de correição extraordinária na unidade.

II – Da imputação

A imputação admitida nos autos nº 138950/2019 envolve os seguintes itens: a) descumprimento de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça; b) descumprimento de orientação desta Corregedoria Geral da Justiça.

Nesse contexto, cumpre expor os elementos que ensejaram tal conclusão. [...]

§    Acórdão TJSP PAD 138950/2019 (Id 4205255, fl. 121):

PRELIMINAR DEFENSIVA DE NULIDADE DA PORTARIA DE INSTAURAÇÃO – Rejeição – Portaria que atende ao comando do artigo 14, § 5º da Resolução 135/2011 do CNJ, uma vez que contém as imputações constantes do acórdão de instauração no qual os fatos em apuração foram suficientemente delineados, permitindo ao requerido exercer o seu direito de defesa. 

É indene de dúvidas que o magistrado tinha conhecimento das acusações. A defesa apresentada e o próprio pedido vindicado nestes autos, fundamentado nos dizeres reproduzidos a seguir, afastam quaisquer dúvidas quanto à regularidade da Portaria (Id 4374940, fls. 15/18):

As duas imputações da portaria inaugural - suposto descumprimento de decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Habeas Corpus 499.556-SP e descumprimento de anterior orientação da Corregedoria Geral de Justiça quanto ao cumprimento de determinações das Instâncias Superiores - referem-se à atividade judicante do magistrado, que foi devidamente fundamentada.

Na primeira imputação, no que concerne às consultas, o Requerente fundamentou sua decisão na orientação jurisprudencial do eg. Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a sentença ao manter a prisão cautelar anteriormente decretada altera o título prisional e torna o habeas corpus impetrado anteriormente prejudicado.

[...]

E por fim, na segunda imputação, o Requerente não descumpriu orientação da Corregedoria, que se posicionou pelo imediato cumprimento do acórdão que concedeu habeas corpus, mas apenas aguardou o retorno das consultas realizadas.

[...]

Diante do exposto, é evidente que o Requerente tinha como único objetivo sanar dúvidas e obter confirmações, seja quanto à prejudicialidade da decisão, seja quanto à possibilidade de conflito de competência, que seria facilmente solucionada, caso os órgãos consultados tivessem respondido à consulta.

Um exame da instrução processual também nos permite afirmar que o juiz processado, desde o início da tramitação do feito, teve pleno conhecimento das infrações praticadas e exerceu sobre cada ponto o contraditório e a ampla defesa (citação - Id 4205249, fls. 140/183; defesa prévia - Id 4205250, fls. 1/13; deferimento de todas as provas requeridas - Id 4205250, fl. 37; oitivas - Id 4205254, fls. 78/140; alegações finais - Id 4205255, fls. 43/96).

O MPF também assim se pronunciou nestes autos (Id 4338756, fls. 6/7):

21. A preliminar arguida pelo requerente não merece prosperar.

22. Sobre a instauração do processo administrativo disciplinar, a Resolução CNJ 135/2011 dispõe:

Art. 14. Antes da decisão sobre a instauração do processo pelo colegiada respectivo, a autoridade responsável pela acusação concederá ao magistrado prazo de quinze dias para a defesa prévia, contado da data da entrega da cópia do teor da acusação e das provas existentes.

§5º Determinada a instauração do processo administrativo disciplinar, pela maioria absoluta dos membros do Tribunal ou do respectivo Órgão Especial, o respectivo acórdão será acompanhado de portaria que conterá a imputação dos fatos e a delimitação do teor da acusação, assinada pelo Presidente do Órgão. [grifo MPF]

23. Verifica-se que a portaria de instauração do processo administrativo disciplinar ora sob revisão contém as condutas imputadas ao magistrado e abaliza as infrações a serem apuradas. Vejamos: [...]

Os entendimentos sufragados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) estão nessa direção.

DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ALEGAÇÕES DE OFENSA ÀS GARANTIAS DA AMPLA DEFESA E DO JUIZ NATURAL. 1. Segundo a jurisprudência do STF, não se exige descrição pormenorizada das irregularidades em apuração na portaria de instauração de processo administrativo. 2. A Lei nº 8.112/1990 não prevê a necessidade de comissão permanente para apurar supostas infrações disciplinares praticadas por servidor público federal (art. 149). 3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(RMS 27668 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 23/02/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-047  DIVULG 11-03-2016  PUBLIC 14-03-2016, grifo nosso).

 

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. WRIT IMPETRADO CONTRA ATO DO CNMP. AUSÊNCIA DE OFENSA AO ART. 93, IX, DA CF. DESNECESSIDADE DE DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DOS FATOS A SEREM APURADOS NA PORTARIA DE INSTAURAÇÃO DO PAD. O INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS PROTELATÓRIAS E DESNECESSÁRIAS NÃO CONFIGURACERCEAMENTO DE DEFESA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – A decisão ora atacada não merece reforma, visto que o recorrente não aduz argumentos capazes de afastar as razões nela expendidas. II - Ausência de ofensa ao art. 93, IX, da Constituição Federal – CF, uma vez que houve a devida fundamentação para não se reconhecer a prescrição suscitada. Além disso, segundo constou das informações prestadas, no julgamento de mérito do processo administrativo disciplinar o tema referente ao transcurso do prazo prescricional será novamente apreciado pelo Conselho. III - A portaria impugnada contém os elementos necessários à respectiva defesa, pois traz as postagens na rede social Twitter que, em tese, violariam os deveres funcionais previstos no art. 236, VII e X, da Lei Complementar 75/1993. Desnecessidade de descrição pormenorizada dos fatos a serem apurados na portaria de instauração do processo administrativo disciplinar. IV - O Supremo Tribunal Federal possui entendimento firmado no sentido de que o indeferimento de oitiva de testemunhas protelatórias e desnecessárias em processo administrativo não configura cerceamento de defesa (RMS 24.716/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes; e MS 35.838-AgR/DF, Rel. Min. Roberto Barroso). V – É descabida a pretensão de transformar esta Corte em instância recursal das decisões administrativas tomadas pelos conselhos constitucionais (da Magistratura ou do Ministério Público) no regular exercício das atribuições a ele constitucionalmente estabelecidas (MS 31.199/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia). VI - Ausência de qualquer vício no ato impugnado que pudesse caracterizar ofensa a direito líquido e certo do impetrante, sob nenhum dos aspectos por ele sustentado. VII – O direito líquido e certo, capaz de autorizar o ajuizamento do mandado de segurança, é, tão somente, aquele que concerne a fatos incontroversos, constatáveis de plano, mediante prova literal inequívoca. VIII – Agravo regimental a que se nega provimento.

(MS 38085 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 22/04/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080  DIVULG 27-04-2022  PUBLIC 28-04-2022, grifo nosso)

Pertinente destacar, outrossim, que a declaração de nulidade de ato processual depende da demonstração de efetivo prejuízo à defesa, hipótese não verificada no caso em apreço.

Observe-se que até mesmo em matéria penal, seara em que os direitos e garantias individuais são respeitados ao máximo, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem afastado a alegada nulidade processual quando não demonstrado prejuízo. Nesse sentido, destaco o seguinte julgado:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. DIREITO DE REPERGUNTAS PELO DEFENSOR DO RÉU AOS DEMAIS CORRÉUS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 188 DO CPP. NULIDADE ABSOLUTA. EFETIVO PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. NECESSIDADE. EXCESSO DE PRAZO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. COMPLEXIDADE DA AÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DE INÉRCIA OU DESÍDIA DO PODER JUDICIÁRIO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. I – O art. 188 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 10.792/2003, passou a dispor que, após as perguntas formuladas pelo juiz ao réu, podem as partes, por intermédio do magistrado, requerer esclarecimentos ao acusado. II – O indeferimento de reperguntas pelo defensor de um dos réus aos demais corréus ofende os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e da isonomia, gerando nulidade absoluta. Precedentes. III – Contudo, o entendimento desta Corte também é no sentido de que, para o reconhecimento de eventual nulidade, ainda que absoluta, faz-se necessária a demonstração do efetivo prejuízo, o que não ocorre na espécie. Precedentes. IV – A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que não procede a alegação de excesso de prazo quando a complexidade do feito, as peculiaridades da causa ou a defesa contribuem para eventual dilação do prazo. Precedentes. V – Ordem denegada. HC 116132, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 17/09/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194  DIVULG 02-10-2013  PUBLIC 03-10-2013 – grifo nosso).

A compreensão do STF a respeito de ausência de comprovação de prejuízo em processos administrativos disciplinares segue a mesma orientação. Confira-se:

Agravo regimental em recurso ordinário em mandado de segurança. Alegação de descumprimento de decisão proferida no MS nº 2009.34.00.037833-8. Não ocorrência. Processo disciplinar. Comissão processante. Participação de servidor não estável. Ausência de comprovação de eventual prejuízo. Essencialidade da demonstração de prejuízo concreto para o reconhecimento da nulidade do ato. Princípio do pas de nullité sans grief. Precedentes. Agravo regimental não provido. 1. O Ministro de Estado da Justiça não fica impedido de julgar processo disciplinar em razão de decisão proferida em mandado de segurança impetrado perante o juízo de primeiro grau, uma vez que tal autoridade se submete a jurisdição distinta nessa espécie de demanda. No caso, ademais, o Ministro de Estado julgou o processo disciplinar em decisão publicada em 3/5/11, quando já havia sido denegada a ordem no mandamus em referência e cassada a decisão precária que impedia ao Diretor-Geral do DEPEN, a aplicação de penalidade aos impetrantes. 2. Não há que se falar em nulidade do processo administrativo disciplinar por ausência de estabilidade de membro da comissão que, tendo adquirido estabilidade 15 dias após a instauração da comissão sindicante, não praticou ato de instrução processual antes disso. 3. O reconhecimento de nulidade exige a demonstração de prejuízo, de acordo com o princípio do pas de nullité sans grief, o que não ocorreu na espécie. 4. Agravo regimental não provido. (RMS 35056 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 18/12/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-043  DIVULG 06-03-2018  PUBLIC 07-03-2018 – grifo nosso).

 

NULIDADE – PREJUÍZO – COMPROVAÇÃO – AUSÊNCIA. Ante a ausência de comprovação de prejuízo, não cabe declarar nulidade de processo administrativo disciplinar. DEVIDO PROCESSO LEGAL – DEFESA – VIABILIZAÇÃO. Viabilizada defesa, inexiste ofensa ao devido processo legal. (RMS 31622, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 14/06/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-118  DIVULG 18-06-2021  PUBLIC 21-06-2021 – grifo nosso). 

Diante disso, rejeito a preliminar. Como se nota, inexiste ausência de subsunção dos fatos às imputações dirigidas ao magistrado.

2. MÉRITO 

Antes de adentrar ao exame do mérito da RevDis, tenho por oportuno reafirmar a jurisprudência[3] do Conselho Nacional de Justiça, segundo a qual a Revisão Disciplinar, prevista no Título II, Capítulo III, do Regimento Interno do CNJ não ostenta natureza de recurso administrativo.

As hipóteses de cabimento da RevDis estão delineadas no artigo 83 do RICNJ, que assim estabelece:

Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I - quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

II - quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III - quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.

O Juiz Alexandre Levy Perrucci argumenta que o Acórdão prolatado pelo TJSP é contrário à evidência dos autos, portanto, passível de ser revisto pelo CNJ, com fundamento no artigo 83, I, do RICNJ.

Sustenta que (Id 4205242, fl. 59):

(i)                nunca descumpriu ordem superior, ou sequer teve a intenção de fazê-lo;

(ii)             nunca desrespeitou autoridades hierarquicamente superiores ou desafiou o mérito de suas decisões;  

(iii)          nunca utilizou o instrumento da consulta fundamentada como pretexto para endereçar discordâncias de cunho subjetivo, relacionadas ao mérito das decisões superiores;  

(iv)           nunca acusou o e. Ministro de descumprimento da Constituição da República;  

(v)              nunca ordenou ao TJSP que instaurasse conflito de competência;  

(vi)           nunca teve a intenção de retardar a tramitação do feito. 

Assevera, ainda, que (Id 4205242, fl. 60):

(i)                ante a evidência, apoiada em pacífica jurisprudência do eg. STF, de erro de caráter processual da decisão de soltura, entendeu aplicável o instituto da prejudicialidade de cumprimento, e limitou-se a, fundamentalmente, suscitar questões prejudicais e impeditivas ao cumprimento da ordem, e a buscar a confirmação tais dúvidas junto às instâncias superiores;

(ii)             foi sempre movido por inquietações estritamente jurídicas, atinentes ao exercício da jurisdição, em nada relacionadas ao mérito das decisões, e buscou a correta aplicação do direito, conforme entendimento do eg. STF;

(iii)          ao suscitar e buscar confirmar a possibilidade de conflito de competência, apenas apontou os dispositivos aplicáveis da Constituição Federal, justamente – e tão somente – para apresentar consulta devidamente fundamentada;

(iv)           apenas apontou a possibilidade de conflito de competência, em consulta fundamentada; e

(v)              sempre prezou pela celeridade deste e de todos os feitos sob sua responsabilidade.

Complementarmente, o magistrado aduz que acertado ou não em sua conduta, acreditava proceder da forma correta, com motivação estritamente jurisdicional (Id 4205242).

Desse modo, o exame do petitório está adstrito a verificar se o decisum prolatado pelo Órgão Especial do TJSP está amparado em circunstâncias contidas nos autos e não milita em sentido contrário a qualquer elemento apurado.

Vejamos, uma vez mais, os marcos temporais do PAD em revisão:

 

TJSP

Conhecimento dos fatos pela Administração

16.09.2019 (Id 4205245, fl. 10)

Instauração do PAD 138.950/2019:

27.11.2019 (Id 4205248, fls. 41/45; 4205249, fls. 3/36 )

Portaria PAD:

Portaria 93, de 17.1.2020 (Id 4205249, fls. 93/113).

Fatos imputados ao juiz:

a) descumprimento de decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Habeas Corpus 499.556-SP, que acarretou o indevido encarceramento do paciente por mais de cinco meses;

b) descumprimento de orientação da Corregedoria Geral de Justiça quanto ao cumprimento de determinações das instâncias superiores.

Data do julgamento do PAD:

30.9.2020 (Id 4205243)

Pena aplicada (Acórdão):

Censura (Id 4205255, fls. 120/148).

 

Estabelecidas as bases para o processamento desta RevDis, penso que o pedido formulado não merece ser acolhido.

De plano, registro que a independência judicial (e seus corolários) – garantia fundamental da magistratura e condição necessária à atuação do juiz – não configura manto de proteção absoluto ou autorização de que o magistrado pode tudo. Há responsabilidades e deveres no exercício de seu mister, in casu, de cumprir decisões de instâncias superiores, notadamente do STJ.

A respeito da independência e responsabilidade dos juízes, Mauro Cappelletti[4] ensina que:

A imunidade dos juízes não é, assim, gratuita e necessariamente correlata à sua independência, já que pode existir grau muito alto de imunidade perante as partes, acompanhada de alto grau de ‘responsabilidade’, face ao poder político (e vice-versa); e dita responsabilidade pode chegar ao ponto de ser a ausência total de independência. [...] Impõe-se, portanto, reconhecer a complexidade dos dois conceitos – independência e responsabilidade – se desejamos ver claro nesta matéria.

[...]

E, todavia, imunidade e independência devem ser vistas fora do contexto mais vasto dos valores liberais e democráticos que, de modos certamente diferenciados e não sem contestação, são caros à nossa época, e que se afirmaram em nosso sistema constitucional. Um destes preciosos valores, como se disse, é seguramente o da responsabilidade (accountability) de quem exercita o poder público. E isto reforça que o problema da imunidade dos juízes é, mais precisamente, o problema – menos absoluto e mais pragmático – de limites da responsabilidade, vale dizer, um problema de equilíbrio entre o valor de garantia e instrumental da independência, externa e interna, dos juízes, e o valor moderno (mas também antigo, como se viu) do dever democrático de prestar contas.

No caso vertente, os documentos coligidos ao feito revelam que a instauração do PAD pelo TJSP teve origem em comunicação[5] expedida pelo Ministro Nefi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça, noticiando reiterado descumprimento de ordem concedida no Habeas Corpus 499.556, assim como em recomendações da CGJ/SP sobre a necessidade de atender ordens emanadas de instâncias superiores (Ofício n. 080143/2019-CPPE - Id 4205245, fls. 13/17; HC 499.556/SP). 


 

DESPACHO

Trata-se de petição protocolizada por DOUGLAS MACHADO DE OLIVEIRA, na qual requer a expedição de telegrama para o Juízo da Vara Criminal da Comarca de Pindamonhangaba com a determinação de que este cumpra, no prazo de 24 horas, o acórdão proferido nos presentes autos (fl. 159).

[...]

Verifica-se a reiterada negativa do magistrado de piso em cumprir a decisão deste Superior Tribunal, que determinou a soltura do paciente, isto desde 10/6/2019, como comunica a defesa.

Ante o exposto, determino o imediato cumprimento do acórdão de fl. 128, no prazo de 24 horas, como ordem desta Corte. 

Oficie-se à Corregedoria de Justiça do Tribunal local e à Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o envio de cópias da inicial deste writ, do acórdão (relatório e voto de fls. 128-132), petições de fls. 137-140 e 158-161, decisões de fls. 150-151 e 163, bem como das informações prestadas às fls. 167-171, e também deste despacho, para providências cabíveis, ante o reiterado descumprimento de ordem desta Corte Superior. (grifo nosso)

Correspondência análoga também foi encaminhada à Corregedoria Nacional de Justiça – Pedido de Providências 0007011-46.2019.2.00.0000, Id 3752756.

DESPACHO

Cuida-se do Ofício nº 080148/2019-CPPE - STJ que encaminha decisão da lavra do Exmo. Ministro Nefi Cordeiro. Essa decisão noticia a reiterada negativa do magistrado da Vara Criminal da Comarca de Pindamonhangaba em cumprir decisão proferida por sua Excelência. (grifo nosso)

À SPR / SEADI para autuar como Pedido de Providências.

Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça

Os documentos cadastrados sob a Id 4205250 demonstram que em 17.11.2018, Douglas Machado de Oliveira foi preso em flagrante delito no interior do Estado de São Paulo. Na mesma data, teve a prisão em flagrante convertida em prisão preventiva pelo Juiz de Direito Antônio Carlos Lombardi De Souza Pinto (Comarca de Taubaté, Foro Plantão, Vara Plantão, Id 4205250, fl. 73).

Denunciado por suposta infração ao artigo 33, caput, da Lei 11.343/06 (tráfico de drogas), Douglas Machado de Oliveira impetrou o HC 1500728-29.2018.8.26.0618 perante o TJSP, o qual ratificou o decreto de prisão preventiva (Id 4205251, fls. 17/19 – 17.12.2018).

No dia 04.02.2019, foi recebida a denúncia e designada audiência de instrução, debates e julgamento para o dia 25.4.2019 pelo Juiz Alexandre Levy Perrucci, titular do Juízo da Vara Criminal da Comarca de Pindamonhangaba/SP (Id 4205251, fl. 37).

Douglas Machado de Oliveira impetrou então o HC 499.556/SP perante o Superior Tribunal de Justiça (20.3.2019), alegando inexistir fundamentação idônea e atendimento dos requisitos de cautelaridade. O pedido liminar foi indeferido pelo Ministro Nefi Cordeiro, em 26.3.2019.

Paralelamente, a ação penal (AP 1500728-29.2018.8.26.0618) continuou a tramitar na origem. Audiência de instrução, debates e julgamento e sentença realizados em 25.4.2019 (Id 4205251, fls. 74/79).

Contra a sentença proferida pelo Juiz Alexandre Levy Perrucci (25.4.2019), foi interposto o recurso de apelação por Douglas Machado de Oliveira (Id 4205251, fls. 81/93 e Id 4205252, fls. 3/93, de 06.05.2019).

 No dia 21.05.2019, porém, ao apreciar o mérito do HC 499.556/SP, a Sexta Turma do STJ concedeu a ordem “para a soltura do paciente Douglas Machado de Oliveira, com a imposição das medidas cautelares de apresentação a cada 2 meses, proibição de mudança de domicílio sem prévia autorização judicial e proibição de ter contato pessoal com pessoas envolvidas com o tráfico de drogas e outras atividades criminosas; o que não impede a fixação de outras medidas cautelares diversas da prisão, por decisão fundamentada.” (Id 4205252, fl. 8).

Na sequência, em 22.5.2019, o Juiz Alexandre Levy Perrucci acusou ciência da decisão prolatada pelo STJ e proferiu despacho a solicitar à serventia a juntada do Acórdão (HC 499.566/SP), para que fosse verificada eventual prejudicialidade do cumprimento da ordem (Id 4205252, fl. 22).

Vistos.

Ciente da decisão proferida pelo STJ.

Considerando que aparentemente houve o sentenciamento do feito, em abril de 2019, por cautela, providencie a Serventia, com urgência, a juntada do acórdão para que seja verificada eventual prejudicialidade do cumprimento da ordem por motivo superveniente. (grifo nosso)

Pindamonhangaba, 22 de maio de 2019.

Juntado o Acórdão/STJ aos autos da origem (AP 1500728-29.2018.8.26.0618), o magistrado Alexandre Levy Perrucci proferiu decisão para deixar de colocar o réu em liberdade por entender que os motivos de sua prisão estariam fundamentados na sentença penal condenatória. Esta decisão foi proferida em 03.06.2019 (Id 4205252, fls. 27/28).

Vistos.

Com a juntada do V. Acórdão, passo a analisar a prejudicialidade ou não da decisão em razão do sentenciamento do feito, em data anterior, com a modificação do título da prisão.

[...]

Dessa forma, deixo de colocar o réu em liberdade por entender que os motivos de sua prisão estão agora fundamentados na sentença penal condenatória, de fls. 135/140. (grifo nosso)

Em 19.6.2019, nova comunicação do STJ foi expedida ao Juízo da Vara Criminal da Comarca de Pindamonhangaba/SP para ciência do julgamento prolatado pela Corte da Cidadania, em atendimento a pedido formulado pelo paciente (Id 4205252, fl. 48). Despacho publicado em 25.6.2019 (Vide HC 499556/SP – STJ).

Trata-se de pedido formulado por Douglas Machado de Oliveira, em razão de alegado descumprimento, pelo Tribunal de origem, do acórdão de fls. 129-132, assim ementado (fls. 128):

[...]

Após publicado o mencionado acórdão, compreendeu o Tribunal local existir nova decisão a fundamentar a prisão, a impossibilitar a execução da ordem desta Corte (fl. 143): [...]

Embora efetivamente possa a sentença gerar novo título para a prisão, com fundamentos específicos, na espécie permaneceram idênticos os fundamentos: [...]

É apontado como fundamento para prender já ter o réu respondido preso ao processo, o que nada justifica, além da gravidade abstrata do crack e presunção de reiteração sem fundamentos.

Deste modo, o acórdão lançado mantém-se íntegro, sem prejuízo pela sentença em verdade antes lançada, que nada acresce, pelo que desnecessário é novo enfrentamento à validade do decreto de prisão. Deve ser, desde logo, cumprida à inteireza a ordem que substitui as cautelares, como determinado por esta Corte.

Ante o exposto, defiro o pedido, ratificando a concessão do presente habeas corpus nos termos do julgamento proferido em 21/5/2019 pela 6ª Turma deste STJ. (grifo nosso) 

No dia 30.7.2019, mais uma decisão foi proferida pelo Juiz Alexandre Levy Perrucci. Dessa vez, para questionar a novel decisão prolatada pelo Ministro Nefi Cordeiro (Id 4205252, fls. 52/54).

Vistos.

1) Petição de fls. 201: Ciente da nova decisão proferida.

Primeiramente, não há que se falar em descumprimento da decisão anterior, mas sim de prejudicialidade, em razão da substituição do título prisional.

Descumprimento e prejudicialidade possuem natureza jurídica diferente.

[...]

Contra a decisão de prejudicialidade, a defesa apresentou impugnação por mera petição, alegando descumprimento inexistente, o que motivou a decisão monocrática de fls.204/205 que: "defiro o pedido, ratificando a concessão do presente habeas corpus nos termos do julgamento proferido em 21/05/2019 pela 6ª Turma deste STJ".

O controle de legalidade dos atos judiciais, na linha vertical, deve ocorrer de forma mais ampla na linha ascendente e, de forma mais restrita, na linha descendente. Em outras palavras, também cabe ao juiz de direito de primeiro grau controlar a adequação e legalidade dos atos praticados nas instâncias superiores.

O raciocínio acima pode causar certa estranheza em primeira análise, mas evidencia-se diante de situações práticas.

No caso dos autos, o objeto inicial da impetração já havia sido analisado, com o esgotamento da atuação daquele colegiado, com o enfrentamento da prisão em audiência de custódia.

Por decisão fundamentada o MM. Juiz de primeiro grau reconheceu a prejudicialidade, diante do sentenciamento, em data anterior ao próprio julgamento do habeas corpus.

O relator enfrentou a decisão de primeiro grau, monocraticamente, ampliando e modificando a decisão colegiada.

Assim, a nova decisão proferida, em tese:

- modificou o objeto da impetração original, por mera petição nos autos, depois de esgotada a atuação daquele órgão, pois houve modificação do título da prisão, o que causa dúvida a respeito do aspecto formal da impugnação e da competência daquele Tribunal;

- ampliou e alterou, monocraticamente, objeto de decisão colegiada da Turma, sem submeter a modificação a nova apreciação do colegiado;

- suprimiu instância recursal ao apreciar diretamente a decisão de fls.181/182, violando o disposto no artigo 105, inciso I, alínea "c" e no artigo 105, inciso II, alínea "a", ambos da Constituição Federal.

Dessa forma, impossível determinar o pronto cumprimento da decisão lançada, sem antes realizar as devidas consultas.

Primeiramente, ao Tribunal de Justiça de São Paulo, na pessoa do próprio relator sorteado, para deliberação a respeito da supressão de instância e, se o caso, eventual suscitação de conflito positivo de competência para enfrentamento da decisão de fls.181/182, proferida por juiz de primeiro grau.

Após, definida a questão da competência, se fixada em relação ao Superior Tribunal de Justiça, a segunda consulta deverá ser dirigida à 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, diante da significativa ampliação, por decisão monocrática, da decisão colegiada original.

[...]

Dessa forma, remetam-se os autos com urgência ao Tribunal de Justiça, com as providencias de praxe. 

Douglas Machado de Oliveira (paciente HC 499.556/SP) apresentou então outra impugnação ao STJ, alegando descumprimento do Acórdão da Sexta Turma. Renovou, por isso, o cumprimento da ordem.

Examinando a situação (01.08.2019), o Ministro Nefi Cordeiro requisitou informações, com urgência, ao Juízo da Vara Criminal da Comarca de Pindamonhangaba/SP, sobre o cumprimento do que foi decidido no HC 499.566/SP (Id 4205252, fl. 60). Esclarecimentos prestados em 05.08.2019 (Id 4205252, fl. 70),

Diante desse contexto, novo Despacho nos autos do HC 499.556/SP foi prolatado pelo Ministro Nefi Cordeiro (02.09.2019). Dessa vez, para registrar a reiterada negativa do magistrado de piso em cumprir a decisão do Superior Tribunal de Justiça; determinar o imediato cumprimento do acórdão no prazo de 24 horas; e oficiar a Corregedoria de Justiça do TJSP e a Corregedoria Nacional de Justiça, para providências cabíveis. Comunicação expedida em 05.09.2019 (Ofício n. 080142/2019-CPPE, Id 4205252, fl. 93).

Trata-se de petição protocolizada por Douglas Machado de Oliveira, na qual requer a expedição de telegrama para o Juízo da Vara Criminal da Comarca de Pindamonhangaba com a determinação de que este cumpra, no prazo de 24 horas, o acórdão proferido nos presentes autos (fl. 159).

Solicitadas informações ao Juízo de piso à fl. 163, este se manifestou nos seguintes termos (fls. 169-171): [...]

Verifica-se a reiterada negativa do magistrado de piso em cumprir a decisão deste Superior Tribunal, que determinou a soltura do paciente, isto desde 10/6/2019, como comunica a defesa.

Ante o exposto, determino o imediato cumprimento do acórdão de fl. 128, no prazo de 24 horas, como ordem desta Corte.

Oficie-se à Corregedoria de Justiça do Tribunal local e à Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o envio de cópias da inicial deste writ, do acórdão (relatório e voto de fls. 128-132), petições de fls. 137-140 e 158-161, decisões de fls. 150-151 e 163, bem como das informações prestadas às fls. 167-171, e também deste despacho, para providências cabíveis, ante o reiterado descumprimento de ordem desta Corte Superior. (grifo nosso)

Em 06.09.2019, mais uma decisão fora prolatada pelo Juiz Alexandre Levy Perrucci. Nesta, o magistrado reitera seu entendimento de “não se tratar de descumprimento”; anota que suas razões jurídicas já foram apresentadas em decisões anteriores; e assinala que diante das dúvidas por ele suscitadas e não respondidas, não há como realizar o pronto cumprimento da ordem (Id 4205253, fl. 11):

Vistos.

Mais uma vez reitero, não se trata de descumprimento.

As razões jurídicas já foram apresentadas nas decisões anteriores:

1) com a prejudicialidade declarada às fls.181/182, uma vez que o V. Acórdão era omisso quanto ao prévio sentenciamento do feito, implicando na alteração do título da prisão, com novos fundamentos trazidos aos autos na decisão que analisou a prejudicialidade;

2) posterior consulta realizada às fls.206/208, apontando aparentes ilegalidades na decisão monocrática proferida, por ampliação monocrática do julgamento colegiado e enfrentamento direto da decisão de fls.181/182, com supressão de instância, o que tornaria a ordem ilegal.

As dúvidas foram suscitadas e não respondidas, consideradas por este Magistrado como impeditivas do pronto cumprimento da ordem.

Assim, por ora, reporto-me aos termos das decisões anteriores, como impeditivas do pronto cumprimento da ordem que, inicialmente concedida pelo Colegiado com objeto diverso e, smj, indevidamente ampliada pela decisão monocrática consultada.

A questão é de cunho processual, envolvendo controle de legalidade dos atos processuais, no âmbito do controle vertical descendente, com entendimento jurídico manifestado nos autos, de forma que a expedição de ofícios às Corregedorias não altera as dúvidas suscitadas.

A título de exemplo, um juiz criminal deve determinar o cumprimento de liminar concedida por Tribunal de Estado diverso da federação?, ou liminar concedida em expediente com aparente vício de distribuição?, ou ainda, liminar em habeas corpus depois de transitada em julgado a sentença condenatória, fora das hipóteses de revisão criminal?

No meu entender, não cabe a simples negativa do magistrado, mas a consulta prévia, essa deve sim ser admitida, para evitar o cumprimento de decisões ilegais, para que os órgãos competentes melhor esclareçam a legalidade da decisão e, respondendo a dúvida, ratifiquem ou afastem o seu cumprimento.

Claro que a hipótese dos autos retrata aparente ilegalidade menos grosseira do que os exemplos citados acima, mas que justificam a preocupação e formulação de consulta prévia. Anoto, por fim, que o processo encontra-se em grau de recurso, já com manifestação da Procuradoria de Justiça e com voto do MM. Desembargador relator, com vista ao MM. Revisor, conforme consulta realizada nesta data. Intime-se.

Pindamonhangaba, 06 de setembro de 2019.

Complementarmente (09.09.2019), o Juiz Alexandre Levy Perrucci solicitou que fosse providenciada consulta à 6ª Turma do STJ, diante da não suscitação de conflito de competência pelo TJSP (Id 4205253, fl. 14).

Vistos.

Consulta retro: Considerando que o Relator [da apelação] já proferiu voto e, ao que parece, não foi suscitado conflito de competência, providencie-se, com urgência, consulta à 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos termos da decisão de fls. 206/208. (grifo nosso)

Pindamonhangaba, 09 de setembro de 2019.

Nesse ínterim, especificamente no dia 26.9.2019, a 15ª Câmara de Direito Criminal/TJSP concluiu o julgamento da Apelação Criminal, dando parcial provimento ao recurso interposto por Douglas Machado de Oliveira (réu da AP 1500728-29.2018.8.26.0618) redução da pena aplicada de 7 anos de reclusão e 700 dias-multa (sentença Juiz Alexandre Levy Perrucci) para 1 ano e 8 meses de reclusão e 166 dias-multa (Id 4205253, fls. 32/44). Recurso Especial protocolado pelo acusado em 17.10.2019 (Id 4205253, fls. 49/61).

Em 22.11.2019, após redução da pena pelo TJSP e em “cumprimento das decisões proferidas por órgãos de superior instância”, o magistrado Alexandre Levy Perrucci determinou então a expedição de alvará de soltura do clausulado (Id 4205253, fl. 64). Alvará cumprido em 26.11.2019 (Id 4205253, fl. 82).

Vistos.

Ciente do V. Acórdão que reduziu a pena do acusado, mantendo o regime fechado de cumprimento de pena.

Em pesquisas realizadas nesta data, verifico que as consultas formuladas pelo Juízo, em decisão anterior, não foram analisadas pelas instâncias anteriores. Como mencionado anteriormente, em nenhum momento recusei o cumprimento da ordem de liberação, ainda pendente, apenas vislumbrando impeditivos de ordem técnica não reconhecidos e já superados.

Assim, considerando que as consultas restaram prejudicadas;

Considerando a significativa redução de pena e lapso de prisão processual;

Considerando a recente vedação da prisão fundada no simples fato de haver condenação em Segunda Instância;

Considerando que o V. Acórdão não determina a prisão do acusado;

Considerando que não houve o transito em julgado;

Como medida de respeito ao cumprimento das decisões proferidas por órgãos de superior instância, determino a expedição de alvará de soltura clausulado, em obediência ao anteriormente decidido pelo Ministro relator.

Oficie-se, com urgência ao Excelentíssimo Ministro Relator informando o devido cumprimento da decisão de liberação do acusado, com cópia da presente decisão, que também servirá como formal excusa quanto à interpretação das consultas formuladas como ato desrespeitoso e afrontoso à autoridade da instância superior, aproveitando a oportunidade para expressar ao Ministro Nefi Cordeiro que é respeitado e estimado por este Magistrado e constantemente citado em minhas decisões.

Cumpra-se com urgência.

Intime-se.

Pindamonhangaba, 22 de novembro de 2019.

Essas foram as circunstâncias que levaram ao TJSP instaurar o PAD e a condenar o Juiz Alexandre Levy Perrucci por descumprimento de decisão proferida pela Sexta Turma do STJ, nos autos do Habeas Corpus 499.556-SP. 

Sintetizo em tabela os acontecimentos, por entender que a exposição a seguir auxilia sobremaneira a visualização, por completo, da falta funcional cometida, assim como a formação de juízo pelos nobres Conselheiros.

 

Data

Descrição

Id

17.11.2018

Prisão em flagrante de Douglas Machado de Oliveira. Prisão em flagrante convertida em preventiva na mesma data. Comarca de Taubaté, Foro Plantão. Juiz Antônio Carlos Lombardi De Souza Pinto.

Id 4205250, fl. 73

17.12.2018

Ratificação do decreto de prisão preventiva pelo TJSP.

Id 4205251, fls. 17/19

04.02.2019

Recebimento da denúncia e designação de audiência de instrução, debates e julgamento para o dia 25.4.2019, pelo Juízo de Pindamonhangaba/SP. Juiz Alexandre Levy Perrucci.

Id 4205251, fl. 37

20.03.2019

Impetração do HC 499.556/SP por Douglas Machado de Oliveira perante o Superior Tribunal de Justiça.

HC 499.556/SP

26.03.2019

Indeferimento da liminar formulada no HC 499.556/SP. Ministro Nefi Cordeiro.

HC 499.556/SP

25.04.2019

Audiência de instrução, debates e julgamento e prolação da sentença

Id 4205251, fls. 74/79

06.05.2019

Interposição de recurso de apelação por Douglas Machado de Oliveira

Id 4205251, fls. 81/93 e Id 4205252, fls. 3/93

21.05.2019

Apreciação do mérito do HC 499.556/SP pela Sexta Turma do STJ. Concessão da ordem para a soltura do paciente Douglas Machado de Oliveira, com a imposição das medidas cautelares.

Id 4205252, fl. 8

22.05.2019

Ciência da decisão prolatada pelo STJ e prolação de despacho pelo Juiz Alexandre Levy Perrucci para solicitar à serventia a juntada do Acórdão (HC 499.566/SP), para verificação de eventual prejudicialidade do cumprimento da ordem.

Id 4205252, fl. 22

03.06.2019

Decisão proferida pelo magistrado Alexandre Levy Perrucci para deixar de colocar o réu em liberdade por entender que os motivos da prisão estariam fundamentados na sentença penal condenatória.

Id 4205252, fls. 27/28

19.06.2019

Nova comunicação do STJ ao Juízo da Vara Criminal da Comarca de Pindamonhangaba/SP para ciência do julgamento prolatado pela Corte da Cidadania.

Id 4205252, fl. 48

30.07.2019

Ciência da comunicação expedida pelo STJ. Nova decisão pelo Juiz Alexandre Levy Perrucci, para questionar a novel decisão prolatada pelo Ministro Nefi Cordeiro. Registra a impossibilidade de determinar o pronto cumprimento da decisão do STJ, sem antes realizar consultas: i) ao TJSP para deliberação a respeito da supressão de instância e eventual suscitação de conflito positivo de competência; ii) à 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, diante da significativa ampliação, por decisão monocrática, da decisão colegiada original.

Id 4205252, fls. 52/54

01.08.2019

Nova petição no HC 499.556/SP. Ministro Nefi Cordeiro requisita informações, com urgência, ao Juízo da Vara Criminal da Comarca de Pindamonhangaba/SP, sobre o cumprimento do que foi decidido no HC 499.566/SP

Id 4205252, fl. 60

05.08.2019

Esclarecimentos prestados pelo Juízo/SP.

Id 4205252, fl. 70

02.09.2019

Despacho Ministro Nefi Cordeiro HC 499.556/SP. Registra a reiterada negativa do magistrado em cumprir a decisão do Superior Tribunal de Justiça; determina o imediato cumprimento do acórdão no prazo de 24 horas; e oficia a Corregedoria de Justiça do TJSP e a Corregedoria Nacional de Justiça, para providências cabíveis.

HC 499.556/SP

05.09.2019

Comunicação expedida às CGJ/SP e CNJ.

- Ofício n. 080143/2019-CPPE - Id 4205245, fls. 13/17.

- Ofício n. 080148/2019-CPPE – Id 3752756 (PP 7011-46)

06.09.2019

Nova decisão prolatada pelo Juiz Alexandre Levy Perrucci. Nesta, o magistrado reitera seu entendimento de “não se tratar de descumprimento”; anota que suas razões jurídicas já foram apresentadas em decisões anteriores; e assinala que diante das dúvidas por ele suscitadas e não respondidas, não há como realizar o pronto cumprimento da ordem

Id 4205253, fl. 11

09.09.2019

O Juiz Alexandre Levy Perrucci solicita a realização de consulta à 6ª Turma do STJ quanto à ampliação do julgado, em face da não suscitação de conflito de competência pelo TJSP.

Id 4205253, fl. 14

26.09.2019

Conclusão do julgamento da Apelação Criminal pela 15ª Câmara de Direito Criminal/TJSP. Parcial provimento ao recurso interposto por Douglas Machado de Oliveira (réu).

Id 4205253, fls. 32/44

17.10.2019

Interposição de Recurso Especial pelo acusado.

Id 4205253, fls. 49/61

22.11.2019

Determinação de expedição de alvará de soltura pelo magistrado Alexandre Levy Perrucci.

Id 4205253, fl. 64

26.11.2019

Cumprimento do alvará de soltura.

Id 4205253, fl. 82

 

Penso que a sucessão de fatos fala por si e carece de maior digressão. Foram mais de 6 (seis) meses entre a concessão da ordem pelo STJ (21.5.2019) e o efetivo cumprimento do decisum (expedição do alvará de soltura).

Conquanto o magistrado sustente que a ordem concedida pelo Superior Tribunal de Justiça estava prejudicada, face a prolação da sentença, certo é que na primeira manifestação após o Juiz Alexandre Levy Perrucci indicar óbice ao cumprimento, o Ministro Nefi Cordeiro foi enfático em dizer que mesmo a sentença constituindo novo título para a prisão, os fundamentos eram idênticos, razão pela qual o Acórdão da Sexta Turma/STJ deveria ser cumprido imediatamente. Recorde-se o Despacho proferido em 25.6.2019 (Vide HC 499556/SP – STJ)

Trata-se de pedido formulado por Douglas Machado de Oliveira, em razão de alegado descumprimento, pelo Tribunal de origem, do acórdão de fls. 129-132, assim ementado (fls. 128):

[...]

Após publicado o mencionado acórdão, compreendeu o Tribunal local existir nova decisão a fundamentar a prisão, a impossibilitar a execução da ordem desta Corte (fl. 143): [...]

Embora efetivamente possa a sentença gerar novo título para a prisão, com fundamentos específicos, na espécie permaneceram idênticos os fundamentos: [...]

É apontado como fundamento para prender já ter o réu respondido preso ao processo, o que nada justifica, além da gravidade abstrata do crack e presunção de reiteração sem fundamentos.

Deste modo, o acórdão lançado mantém-se íntegro, sem prejuízo pela sentença em verdade antes lançada, que nada acresce, pelo que desnecessário é novo enfrentamento à validade do decreto de prisão. Deve ser, desde logo, cumprida à inteireza a ordem que substitui as cautelares, como determinado por esta Corte.

Ante o exposto, defiro o pedido, ratificando a concessão do presente habeas corpus nos termos do julgamento proferido em 21/5/2019 pela 6ª Turma deste STJ. (grifo nosso)

Examinados os autos e o teor das alegações, concluiu o Desembargador Relator do TJSP pela procedência da imputação, o que foi acolhido pelo Órgão Especial do Tribunal. Eis os fundamentos constantes do voto condutor do Acórdão (Id 4205255, fls. 120/148):

 

[...]

O histórico das decisões proferidas pelo Doutor Alexandre Levy Perrucci no Processo nº 1500728-29.2018.8.26.0618 evidenciam, sem qualquer margem de dúvida, o descumprimento, amadurecido e pensado, das ordens do Superior Tribunal de Justiça, pois, ainda que num momento inicial pudessem ser aceitas suas justificativas, o Ministro Relator, em despachos fundamentados, afastou as objeções por ele contrapostas, ordenando a expedição do alvará de soltura em favor do paciente.

Delineado o quadro, inaceitável a justificativa de que tudo não passou de mera consulta de cunho estritamente jurisdicional, pois, como já ressaltei, anteriormente, eventual dúvida inicial foi afastada em duas oportunidades pelo Ministro Nefi Cordeiro.

Nesse ponto, destaco trecho do voto que levou à abertura do processo administrativo disciplinar em análise, porque revela habitualidade do juiz em ignorar, ou pior, desconsiderar as decisões emanadas de Instâncias Superiores:

“Enfim, o que causa espécie, o juiz de direito não cumpriu expressa determinação superior e deixou presa pessoa que há muito tempo, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, deveria estar em liberdade. Em inequívoca inversão de posições, como que a assumir a condição de instância superior, analisa a decisão do Superior Tribunal de Justiça e decide não cumpri-la, tentando transferir o panorama para um controle de adequação e de legalidade que, pelo menos na presente hipótese, não pode ser aceito. Nesse diapasão, o magistrado adota a seguinte fundamentação:

‘O controle de legalidade dos atos judiciais, na linha vertical, deve ocorrer de forma mais ampla na linha ascendente e, de forma mais restrita, na linha descendente. Em outras palavras, também cabe ao juiz de direito de primeiro grau controlar a adequação e legalidade dos atos praticados nas instâncias superiores’ (fls. 15; 50 – grifos nossos).

[...] O panorama impressiona, mas é exatamente isso: o juízo a quo, dentre outras considerações sensivelmente críticas, atribuiu ao ministro do Superior Tribunal de Justiça violação à Constituição Federal. Nas informações prestadas nesta apuração preliminar, indicou que vislumbrava “flagrante ilegalidade na nova decisão” (fls. 79). À evidência, só faltou o magistrado remeter cópias ao órgão correcional atinente ao Ministro” (fls. 423/424).

Esse inaceitável comportamento, outra vez, vem à tona no interrogatório, que segue abaixo transcrito:

“Eu gostaria só de, realmente, que fosse analisado o que aconteceu, né? Primeiro, dentro da questão jurídica, que na verdade não foi um fato, né, eu não saí, por exemplo, na rua praticando algum ilícito ou alguma conduta, né? É muito difícil você se defender de um ato jurídico que você praticou dentro do seu próprio pensamento jurídico e com a melhor intenção, intenção de contribuir. Conforme as próprias testemunhas falaram, eu sou realmente... eu estou o tempo inteiro buscando melhorar a prestação. A gente trabalha com uma escassez de recursos, a gente tem que aproveitar os atos, a gente tem que prestar a melhor jurisdição possível, mesmo com o pouco que a gente tem. E como foi destacado por algumas testemunhas, eu realmente estou envolvido em estudos, em projetos. Até essa questão da quesitação, que foi mencionada pelo doutor Paciello, de fazer a pergunta: "O jurado absolve o réu?", e ao invés de usar a cédula "sim" e "não", eu uso essa formulação de "absolvo" e "condeno", até inspirado no sistema norteamericano. Isso foi apresentado, depois eu fui convidado pelo Tribunal de Justiça, até pelo diretor do Fórum da Barra Funda, e a gente participou de uma reunião com os responsáveis pelo projeto do Novo Código de Processo Penal. Nós tivemos essa oportunidade de fazer uma reunião na Barra Funda, eu apresentei, dentre essas, outras ideias também, e isso também foi apresentado em uma comissão que foi montada no CNJ, pediram estudos de magistrados, e lendo recentemente um artigo que saiu publicado, parece que o ministro Dias Toffoli, ele não revela a fonte de onde veio, mas a gente, lá em Pindamonhangaba, ficou feliz, achando que é a minha contribuição. Parece que no projeto de lei do Código de Processo Penal está justamente essa questão da alteração da forma de quesitação. Então, na verdade, a ideia é contribuir com a justiça, tentar... Eu já vi, mesmo quando era advogado, antes de ser juiz e depois, durante a magistratura, o nascimento de inúmeros institutos jurídicos que, às vezes, são criados pela prática, pela necessidade. Muitas vezes, a gente vê que a nossa necessidade jurídica de algum instrumento acaba fazendo com que ele nasça. E talvez, assim, eu conversei com o corregedor, talvez, assim, eu tenha usado o processo como um laboratório, como uma forma de experimentar esse instituto, com a melhor das intenções; fazer a consulta para que fosse dirimida uma questão jurídica. Na minha cabeça, por exemplo, eu achava que ia ser muito rápido. Eu falei: "Vou consultar". Até o exemplo que a gente teve, eu cito esse exemplo porque acho que o Brasil parou para acompanhar aquela questão do Moro, do Lula, e eu, especificamente, como já estava estudando, eu acompanhei muito o desdobramento disso no processo lá no CNJ, e que depois foi arquivado e o próprio CNJ fala que o juiz pode excepcionalmente consultar a questão da competência e que não é uma questão de afronta. Isso, na verdade, é uma questão, de repente, de trazer uma questão de competência. Como eu disse, ela é o priori, o juiz incompetente, ele não pode... então, a competência, a fixação da competência é o primeiro ato de qualquer processo, de qualquer ato judicial. E dentro das conversas que eu tive e das orientações que eu tive nos outros processos, eu não imaginei que estaria descumprindo, até porque, até agora, mesmo o corregedor, no outro processo, reconheceu que a minha atuação foi estritamente jurisdicional, com uma recomendação de que eu não afrontasse e, excepcionalmente, formulasse consultas. Então, assim, se aquela atuação foi jurisdicional, por que essa não é jurisdicional, né? Eu acho que nesse ponto, para mim, fica até difícil entender onde eu teria me esquivado da jurisdicionalidade. E depois, na outra consulta que eu formulei para o Supremo, foi arquivada porque era jurisdicional. Quer dizer, então, na verdade, nós temos várias atuações que são jurisdicionais e, no meio, uma que falam: "Não, essa daqui não foi". Então, eu fico até um pouco sem entender, até para conseguir exercer a minha defesa, porque eu não consigo entender por que essa é diferente da outra. Eu acho que a gente poderia até estar discutindo se eu descumpri a recomendação ou não, mas se as decisões são iguais, ou pelo menos parecidas, semelhantes, eu acho que elas não deixam de ser jurisdicionais da mesma forma. Eu não consigo enxergar por que uma é jurisdicional e a outra deixou de ser, onde foi que essa...[...] E a questão do cumprimento das recomendações, que daí é a segunda parte aí, que na verdade a minha interpretação das recomendações, principalmente ao falar que não há pré-jurídico: "Você está dentro da sua possibilidade de decisão, mas não afronte, não enfrente". E na verdade, na outra recomendação fala assim: "Se for o caso, consulte". Então, na verdade, na minha cabeça, eu estava agindo dentro. Eu até falo na minha defesa, por incrível que pareça, de repente, mas realmente eu estava dentro; para mim, eu estava, assim, eu estava acobertado pela possibilidade de decidir de acordo com a minha convicção, na imunidade da jurisdição e dentro das recomendações que eu recebi. Eu não afrontei. Para mim, como eu falei, quem consulta não se coloca em uma posição de embate, e sim, pedindo: "Estou vendo uma situação aqui. Me ajuda, me esclarece, por favor". Então, eu acho que é esse o final. E tirando aquelas questões que eu apontei, principalmente a questão que Vossa Excelência me levantou do trecho, que realmente não está em decisão judicial. Aquela parte que eu menciono um pouco mais incisiva, aquilo não está no processo, não está nos autos que deram origem aqui. Isso foi uma informação reservada à Corregedoria, que o corregedor entendeu, como se diz, como um fato para ser colocado também. Da mesma forma, o próprio acórdão, se houve redução de pena, se não houve redução de pena, se houve mudança de regime, eu acho que foge um pouco da questão administrativa também, mas é isso” (fls. 1150/1153).

É preciso mudar esse cenário, com urgência. O inusitado comportamento do juiz da Comarca de Pindamonhangaba acarretou o indevido encarceramento de um cidadão, por mais de cinco meses.[...] (grifo nosso)

 

Reexaminando a conduta do Juiz Alexandre Levy Perrucci, o contexto fático-probatório e a fundamentação externada pelo TJSP, não me parece que houve imprecisão ou desacerto no julgamento do PAD.

Como se pôde verificar, a resistência do magistrado em cumprir a decisão emanada pelo Ministro Nefi Cordeiro, relator do HC 499.5656/SP, decorreu de sua convicção jurídica, qual seja, de que a ordem concedida era contrária à legislação de regência, embora a determinação adviesse de instância superior.

Com efeito, refoge à via administrativa averiguar o acerto ou desacerto de decisões judiciais ou servir de instância revisora de atos jurisdicionais (Pedido de Providências - Conselheiro - 0001820-25.2016.2.00.0000 - Rel. Carlos Eduardo Dias - 15ª Sessão Virtualª Sessão - j. 21/06/2016; Reclamação Disciplinar - 0000479-27.2017.2.00.0000 - Rel. João Otávio de Noronha - 26ª Sessão Virtualª Sessão - j. 04/10/2017; Pedido de Providências - Conselheiro - 0003754-81.2017.2.00.0000 - Rel. Aloysio Corrêa da Veiga - 28ª Sessão Virtualª Sessão - j. 11/10/2017; Pedido de Providências - Corregedoria - 0007865-40.2019.2.00.0000 - Rel. Humberto Martins - 69ª Sessão Virtual - julgado em 17/07/2020).

Todavia, o exame dos documentos e do Acórdão do TJSP não deixa dúvidas de que a condenação do magistrado não se deu por conta de sua opinião jurídica ou livre convencimento, e sim por sua conduta em inobservar a organicidade do Judiciário e por subverter a hierarquia e o funcionamento que inspiram a estrutura desse Poder.

O fato de o requerente ter para si que a postura adotada era defensável juridicamente (Id 4205255, fl. 143), não significa dizer que, de fato, o é, e enseja a absolvição no PAD. Se assim o fosse, a análise e a valoração dos atos por todos os membros do TJSP (votação unânime) seriam irrelevantes.

Na esteira desse raciocínio, peço vênia para transcrever excerto das razões finais apresentadas pelo MPF (Id 4338756, fls. 14/16):

41. A documentação trazida aos autos confirma, portanto, que o magistrado por três vezes deixou de cumprir a decisão do Superior Tribunal de Justiça, exarada em 21 de maio de 2019 (despachos proferidos em 03/06/2019; 30/07/2019 e 06/09/2019), insistindo na tese da “prejudicialidade da decisão em razão do sentenciamento do feito, em data anterior, com a modificação do titula da prisão”.

[...]

43. Ressalte-se, por fim, que as justificativas apresentadas pelo requerente foram devidamente sopesadas pelo órgão censor local e não se mostraram aptas a descaracterizar a aponta às decisões emanadas pelo Superior Tribunal de Justiça e à recomendação advinda da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, culminando, inclusive, com a indevida privação da liberdade do paciente por cerca de 6 meses.

44. Agindo assim, o requerente infringiu a obrigação imposta no art. 35, 1, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, bem como deixou de observar os deveres éticos dispostos nos artigos 24 e 25, do Código de Épica da Magistratura Nacional.

45. Logo, não merece reparos a decisão da Corte Estadual que entendeu pela culpabilidade do magistrado e pela consequente necessidade de aplicação da sanção administrativa no Processo Administrativo Disciplinar 138.950/2019. (grifo nosso)

Portanto, sem razão o requerente.

Em relação à segunda imputação – inobservância de orientação da Corregedoria Geral de Justiça/TJSP quanto ao cumprimento de determinações de instâncias superiores – penso que o interrogatório acima reproduzido ratifica a existência de recomendação da CGJ/SP. É dizer, o próprio magistrado reconhece a subsistência de orientação nesse sentido.

A deliberação prolatada pelo TJSP é irretocável também neste ponto (Id 4205255, fls. 145/146).

 

O fato torna-se mais grave quando verificamos que, não se trata de conduta isolada do magistrado, pois já alertado pela Corregedoria Geral da Justiça, em outras oportunidades, sobre a necessidade de atender, prontamente, as ordens emanadas das instâncias superiores. Assim, nos processos 191632/2016 e 188070/2016, onde recalcitrou atender o que foi decidido em habeas corpus pelo Supremo Tribunal Federal; também no de nº 0039072-67.2018.8.26.0000, onde deixou de cumprir determinação do Desembargador João Morengui.

Transcrevo, por oportuno, trecho da decisão proferida em 29 de janeiro de 2019, pelo Desembargador Geraldo Pinheiro Franco, na época Corregedor Geral da Justiça:

“Observo que o Magistrado, a conduzir o processo judicial, possui exclusiva responsabilidade pelo cumprimento das determinações provenientes da superior instância, cabível em certas hipóteses, consulta ao prolator da decisão. De toda a sorte, o juiz de direito deve cumpri-las imediatamente, consignando-se que o absoluto respeito as decisões judiciais representa condição primeira para a mantença do Estado Democrático de Direito. Entrementes, pelas razões expostas no parecer, cabível a orientação nele dinamizada” (fls. 75).

A despeito da orientação, continuou o juiz, ora requerido, a atuar de forma totalmente contrária, assumindo posição de confronto com a superior instância, descumprindo suas determinações, mantendo preso quem deveria estar em liberdade.

Enfim, o que ressalta de toda a prova é a reiteração permanente do juiz Alexandre Levy em descumprir decisões superiores, em afronta à Sexta Turma do STJ e ao Corregedor Geral da Justiça a pretexto do livre convencimento motivado, da persuasão racional e da defesa de teses acadêmicas. Fatos e circunstâncias que em nada são abalados, ou afastados, pelo reconhecimento do esforço de Sua Excelência para a boa condução da unidade judiciária sob sua responsabilidade, pois mero cumprimento de um dever, o que também ocorre em relação a celeridade nos julgamentos e a boa imagem. (grifo nosso)

 

Conclui-se, pois, que as circunstâncias dos autos desautorizam a revisão do julgado do TJSP, porquanto em consonância com o conjunto-probatório que lhe foi apresentado.

A evidência dos autos confere sustentáculo à decisão que constatou a recalcitrância do Juiz Alexandre Levy Perrucci em observar determinações de instâncias superiores, assim como há razoabilidade e proporcionalidade na pena aplicada (censura).

A jurisprudência desta Casa é pacífica no sentido de ser defeso ao CNJ realizar novo julgamento da causa quando ausentes os elementos e requisitos do art. 83 do RICNJ.

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. HIPÓTESE DE CABIMENTO. ARTIGO 83 DO REGIMENTO INTERNO DO CNJ. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE ÀS EVIDÊNCIAS DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. CONSIDERAÇÃO DE DESPROPORCIONALIDADE NA FIXAÇÃO DA PENA DE CENSURA. IMPROCEDÊNCIA.

1. O entendimento recente do Plenário deste Conselho acerca do conhecimento da Revisão Disciplinar é no sentido da necessidade de analisar apenas o prazo constitucional de um ano e a indicação, em tese, feita pela parte, de umas das hipóteses previstas no artigo 83 do Regimento Interno do CNJ.

2. Verifica-se que não houve nulidades praticadas pelo e. TJSP na condução da investigação preliminar que pudessem contaminar o PAD. Ademais, a própria requerente confirma que, após a instauração do Processo Administrativo Disciplinar, exerceu seu direito de ampla defesa nos atos de apresentar defesa prévia, arrolar testemunhas, juntar documentos, participar do interrogatório e ofertar razões finais, sem demonstrar qualquer tipo de prejuízo à sua defesa.

3. A aplicação da penalidade de censura não depende de uma penalidade anterior. Sua ocorrência está prevista em duas hipóteses: na reiteração de condutas negligentes no cumprimento dos deveres do cargo e nos procedimentos incorretos.

4. In casu, houve reiteração no descumprimento dos deveres de cortesia e de tratar com urbanidade as partes, os advogados e os servidores. Foram listados vários casos de tratamento descortês da magistrada para a comprovar sua reiteração de sua conduta. Além disso, os vários atos praticados pela requerente foram graves demais para merecer uma pena de advertência.

5. A decisão do TJSP apresentou exaustiva motivação, observou a gravidade dos fatos, cumpriu todos os preceitos legais, bem como aplicou a pena adequada.

6. A pretensão deduzida é meramente recursal, com o intuito de o CNJ reavaliar o julgamento realizado pelo e. TJSP. No entanto, a jurisprudência deste Conselho é no sentido de não admitir RevDis como sucedâneo recursal.

7. Aplicação de pena disciplinar adequada e proporcional à gravidade dos fatos apurados. Revisão Disciplinar conhecida. Pedidos julgados improcedentes.(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0005852-68.2019.2.00.0000 - Rel. MARCOS VINÍCIUS JARDIM RODRIGUES - 68ª Sessão Virtual - julgado em 01/07/2020, grifo nosso).

 

REVISÃO DISCIPLINAR. DECISÃO QUE APLICOU À MAGISTRADA A PENA DE REMOÇÃO COMPULSÓRIA.  CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS NÃO DEMONSTRADA. PROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA. IMPROCEDÊNCIA.

I.  O procedimento de Revisão Disciplinar comporta conhecimento sempre que cumprido o prazo constitucional para a proposição e indicada, em tese, uma das hipóteses previstas no art. 83 do RICNJ.

II. O CNJ vem consolidando sua jurisprudência no sentido de não perquirir, no julgamento de revisões disciplinares, acerca da correção ou não da deliberação originária a partir da retomada da discussão em si, mas tão somente sob o enfoque das estritas hipóteses de cabimento.

III. O pedido revisional fundado no art. 83, inciso I, do RICNJ, tem como pressuposto a flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento levado a efeito pelo Tribunal, situação não constatada no caso em exame.

IV. Os fatos são incontroversos e as condutas foram exaustivamente analisadas pelos Desembargadores, os quais, ao valorá-la, entenderam por sua subsunção às vedações legais, não estando o CNJ autorizado a se imiscuir no juízo valorativo para alterar a conclusão jurídica a que o Tribunal chegou, fundada em razoável interpretação.

V. A pena de remoção compulsória é a indicada quando se tornar insustentável a permanência do magistrado na Comarca de origem em razão do comprometimento de sua imagem perante a comunidade jurídica e local.

VI. Inexistência de desproporcionalidade na pena aplicada, que está em harmonia com o conjunto probatório carreado aos autos.

VII. Revisão Disciplinar que se julga improcedente. (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0001805-51.2019.2.00.0000 - Rel. FLÁVIA PESSOA - 57ª Sessão Extraordinária - julgado em 08/09/2020, grifo nosso).

 

REVISÃO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DE PENA DE CENSURA PELO TRIBUNAL. CONTRARIEDADE COM A EVIDÊNCIA DOS AUTOS. NÃO COMPROVAÇÃO. NULIDADES. NÃO COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. APRESENTAÇÃO DE REVISÃO DISCIPLINAR COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO CNJ. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. O magistrado foi punido com a pena de censura pelo TRT da 2ª Região por ter enviado uma mensagem, endereçada a todos os juízes participantes de um grupo de discussão da AMATRA-SP, referindo-se ao Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho com frases ofensivas, jocosas e de baixo calão.

2. Os elementos contidos nos autos do PAD são robustos em demonstrar a autoria e a materialidade da infração disciplinar cometida pelo magistrado.

3. Conforme demonstrado no acórdão prolatado, não há falar em violação ao princípio constitucional do sigilo de correspondência e das comunicações (art. 5º, XII da CF/88).

4. O acórdão prolatado no julgamento do PAD encontra-se em perfeita harmonia com a evidência dos autos, não configurando hipótese de aplicação do art. 83 do RICNJ.

5. Não foi constatada a ocorrência de irregularidade processual e/ou nulidade no julgamento do PAD, tampouco a comprovação de qualquer prejuízo.

6. O reconhecimento da nulidade exige a comprovação do prejuízo, de acordo com o princípio do pas de nullité sans grief, o que não ocorreu na espécie.

7. O requerente utilizou a excepcional via da revisão disciplinar como sucedâneo de recurso administrativo, o que é incabível de acordo com a jurisprudência pacífica deste Conselho.

8. O Conselho Nacional de Justiça não é instância recursal ordinária dos julgamentos de natureza disciplinar realizados pelos tribunais.

9. Revisão disciplinar julgada improcedente.(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0003262-89.2017.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO BANDEIRA DE MELLO - 100ª Sessão Virtual - julgado em 25/02/2022, grifo nosso).

3. CONCLUSÃO

O julgamento proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Processo Administrativo Disciplinar 138.950/2019 analisou detidamente as condutas atribuíveis ao Juiz Alexandre Levy Perrucci, bem como a violação aos artigos 35, I, da LOMAN, e 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional, pelo magistrado.

Concluiu a Corte paulista, à unanimidade, pela necessidade de aplicar a penalidade de censura ao juiz, pois comprovadas as faltas funcionais indicadas na Portaria inaugural, quais sejam, (a) descumprimento de decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos autos do Habeas Corpus 499.556-SP; e (b) descumprimento de orientação da Corregedoria Geral de Justiça quanto ao cumprimento de determinações das instâncias superiores.

Assim, inexistindo flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento levado a efeito pelo Órgão Especial do TJSP, pode-se afirmar que a pretensão deduzida neste feito ostenta nítido viés recursal, o que afasta a necessidade de controle pelo Plenário deste Conselho, segundo os julgados do CNJ.

Ante o exposto, julgo improcedente o pedido de revisão disciplinar.

É como voto.

Intimem-se. Em seguida, arquivem-se independentemente de nova conclusão.

Brasília, data registrada no sistema. 

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro



[1] [...]

Assim, depreende-se que a questão foi adequadamente tratada, sendo satisfatórios os esclarecimentos prestados sobre o julgamento do processo administrativo contra o que torna desnecessária a atuação da Corregedoria Nacional de Justiça no caso em comento.

Ante o exposto, em observância ao art. 28, Parágrafo Único, e art. 19, primeira parte, ambos do Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça, arquive-se o presente expediente, com baixa. (Id 4205255, fl. 175.

[2] Resolução CNJ 60, de 19 set. 2008. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/127.

[3] REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO. ARQUIVAMENTO DE SINDICÂNCIA. REANÁLISE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRETENSÃO RECURSAL. FALTA DE PREVISÃO REGIMENTAL. IMPROCEDÊNCIA. 1. A requerente, ao pleitear a revisão da decisão, apresentou apenas o relato que já fora apreciado pelo Órgão Pleno do Tribunal por ocasião do julgamento da Sindicância nº 3/2012, e não demonstrou, em sua alegação, que as provas dos autos estão em sentido contrário à decisão de arquivamento, de modo que a presente Revisão é, claramente, usada como sucedâneo recursal. 2. Esta Corte tem entendimento sedimentado no sentido de que a Revisão Disciplinar não possui natureza recursal. Ao contrário, trata-se de procedimento administrativo autônomo, cujos requisitos estão expressamente elencados no art. 83 do Regimento Interno deste Conselho. 3. A revisão disciplinar não se presta para reexame da matéria objeto de anterior análise e decisão anterior pelo Tribunal censor, não podendo a parte, por meio do processo revisional, retomar a discussão da causa em si, especificamente acerca da correção ou não da deliberação originária. É possível a reapreciação do acervo probante em situação semelhante à da revisão criminal. Cabe o controle da legalidade do procedimento disciplinar, o que também não foi demonstrado no caso sob exame. 4. Revisão Disciplinar julgada improcedente. (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0003374-97.2013.2.00.0000 - Rel. GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA - 182ª Sessão - j. 11/02/2014, grifo nosso).

[4] CAPPELLETTI, Mauro. Juízes irresponsáveis. Editora Fabris: 1989, p. 32-33.

[5] Ofício n. 080148/2019-CPPE, de 5 set. 2019. Id 3752757, PP 0007011-46.2019.2.00.0000.