EMENTA


 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. ART. 122, § 3º DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 643/2018. REGRA DE TRANSIÇÃO QUE ESTABELECEU A POSSIBILIDADE DE O MAGISTRADO TITULAR DE COMARCA “REBAIXADA” CONCORRER À REMOÇÃO, EM APENAS UMA OPORTUNIDADE, PARA UNIDADE JUDICIÁRIA DE ENTRÂNCIA IDÊNTICA À COMARCA DE SUA ATUAL LOTAÇÃO. COMPETÊNCIA DO CNJ PARA EXAMINAR NORMAS DISCIPLINADORAS DA carreira da magistratura e determinar a não aplicação de dispositivos que conflitem com a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DA LOMAN PARA dispor sobre remoção, promoção e acesso a cargos por magistrados. IMPOSSIBILIDADE DE CRIAÇÃO DE NOVOS CRITÉRIOS PARA REMOÇÃO, PROMOÇÃO E ACESSO POR LEI ESTADUAL. SUBVERSÃO DA SISTEMÁTICA E DA ORGANIZAÇÃO DA CARREIRA DA MAGISTRATURA ESTABELECIDAS PELA CF E PELA LOMAN. NORMA QUE AFRONTA O ART. 93, CAPUT E INCISOS DA cf/88 E OS ARTS. 81 E 83 DA LOMAN. RECURSOS PROVIDOS PARA (I) REFORMAR DECISÃO QUE DETERMINAVA O REENQUADRAMENTO FUNCIONAL E REMUNERATÓRIO DOS JUÍZES QUE OPTARAM PELA “REGRESSÃO”; (II) DECLARAR A NULIDADE DOS EDITAIS DE REMOÇÃO gp-tjrn N. 6, 7 E 8/2021; (III) DETERMINAR QUE O TJRN SE ABSTENHA DE EXARAR NOVOS ATOS ADMINISTRATIVOS COM BASE NO ART. 122, § 3º DA LC ESTADUAL N. 643/2018 E (IV) DETERMINAR AO TJRN QUE elabore e encaminhe ao legislativo ANTEPROJETO DE LEI DESTINADO A ADEQUAR SEU CODJ ÀS DISPOSIÇÕES DA CF E DA LOMAN.

1. Cuida-se de recursos administrativos contra decisão monocrática que conheceu em parte os pedidos formulados na exordial deste PCA e que, na parte conhecida, julgou-os parcialmente procedentes, tão somente para determinar que, nas remoções realizadas à luz do § 3º do art. 122 do CODJ/RN, sejam observados o enquadramento remuneratório e funcional inerentes à nova entrância do magistrado. 

2. Regra introduzida no CODJ do Rio Grande do Norte que possibilitou aos magistrados titulares das comarcas “rebaixadas” concorrer à remoção, em apenas uma oportunidade, para unidades judiciárias de entrância idêntica à comarca de sua atual lotação.  

3. No julgamento do Mandado de Segurança n. 26.739/DF, de relatoria do Ministro Dias Toffoli (j. 1º.3.2016), o Supremo assentou ser possível que órgãos autônomos profiram decisões no sentido de afastar a aplicação de determinado ato normativo por vício de inconstitucionalidade, desde que a jurisprudência daquela Corte seja pacífica em reconhecer a inconstitucionalidade da matéria. 

4. A jurisprudência do STF é pacífica quanto à (i) inconstitucionalidade de normas estaduais que disciplinem as matérias próprias do Estatuto da Magistratura em desacordo com a LOMAN, e ainda, quanto a (ii) ser atribuição exclusiva da LOMAN dispor sobre promoção, remoção e acesso de magistrados a cargos.

5.  Ao Conselho Nacional de Justiça é dado examinar normas disciplinadoras da carreira da magistratura e determinar a não aplicação de dispositivos que conflitem com a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Disso decorre ser inerente às atribuições constitucionais do CNJ afastar dispositivos de lei estadual em desacordo com os preceitos da LC 35/1979. Precedentes do STF e do CNJ.

6.  Decisão que julga extra petita. Impossibilidade.

7. A este órgão de controle não é dado invadir matéria reservada à CF e à LOMAN, que são os diplomas habilitados a dispor sobre a estrutura e a movimentação da carreira da magistratura. Uma vez que ambas rejeitam a figura da “regressão funcional”, não poderia o CNJ validá-la, por não possuir competência para relativizar as normas mencionadas alhures (PCA n. 0004448-11.2021.2.00.0000, Relatora Conselheira Candice Lavocat Galvão Jobim, j. 10.9.2021).

8. Em função do caráter nacional que o texto constitucional conferiu à magistratura, compete à Lei Orgânica da Magistratura Nacional dispor sobre remoção, promoção e acesso a cargos por magistrados, uniformizando as regras sobre o assunto.

9. A lei estadual, ao tratar sobre movimentação da carreira da magistratura, há de observar a sistemática e a lógica interna da LOMAN, não lhe sendo possível criar novos critérios de remoção, promoção e acesso. 

10. A movimentação na carreira da magistratura tem como eixo central a entrância, tanto para a promoção, como para a remoção. O art. 93, inciso II da CF, ao dispor expressamente que a promoção se dá de entrância para entrância, adota uma lógica segundo a qual a movimentação é sempre para frente, não sendo admitido, pela própria forma como se desenhou a carreira, o retorno para uma entrância inferior – sob pena de travar-se toda a carreira e prejudicar a progressão dos juízes que se encontram nos estágios iniciais da mesma.  

11. A inovação introduzida pela Lei Complementar Estadual n. 643/2018 cria regra sui generis e desvirtua o instituto da remoção, ao permitir que magistrados sejam movimentados “para baixo”.

12. Como consectário lógico da sistemática de remoção e promoção, a comarca de lotação do magistrado deve, necessariamente, corresponder ao nível no qual ele se encontra na carreira, não sendo possível que o mesmo seja alocado em unidade judiciária não correspondente à entrância por ele ocupada.

13. O art. 122, § 3º do Código de Organização e Divisão Judiciária do Rio Grande do Norte subverteu totalmente a lógica e a sistemática estabelecidas para a carreira da magistratura pelos art. 93, caput e incisos (notadamente o inciso II) da Carta Política e 81 e 83 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

14. Embora não se negue o prejuízo aos juízes cujas comarcas foram reclassificadas, a questão há de ser equacionada de outra forma pelo tribunal recorrido. Isso porque não se admite regra de transição, sobretudo quando criada por lei estadual, que excepcione ou afronte a Carta da República, notadamente quando a disciplina da matéria é reservada a lei complementar federal.

15. Recurso de Aline Daniele Belém Cordeiro Lucas e outros parcialmente provido somente para afastar o reenquadramento remuneratório e funcional determinado pela decisão recorrida.

16. Recurso de Manuela de Alexandria Fernandes Barbosa totalmente provido pra julgar procedente o PCA e (i) declarar a nulidade dos Editais de Remoção GP-TJRN n. 6, 7 e 8 de 2021; (ii) determinar ao TJRN que se abstenha de lançar editais ou praticar atos administrativos com base no art. 122, § 3º da Lei Complementar estadual n. 643/2018, ante a flagrante ofensa ao art. 93, caput e incisos da CF e, ainda, aos arts. 81 e 83 da LOMAN; (iii) determinar ao TJRN que providencie o encaminhamento de anteprojeto de lei à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte com vistas a adequar a norma do Código de Organização e Divisão Judiciária estadual aos dispositivos da Carta Maior e da LOMAN indicados no item anterior.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, decidiu: a) dar parcial provimento ao recurso interposto por Aline Daniele Belém Cordeiro Lucas e outros; b) dar provimento ao recurso administrativo interposto por Manuela de Alexandria Fernandes Barbosa, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 18 de outubro de 2022. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim (Relator), Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

 

RELATÓRIO 

 

Cuidam-se de recursos administrativos contra decisão monocrática que conheceu em parte os pedidos formulados na exordial deste PCA e que, na parte conhecida, julgou-os parcialmente procedentes, tão somente para determinar que, nas remoções realizadas à luz do § 3º do art. 122 do CODJ/RN, sejam observados o enquadramento remuneratório e funcional inerentes à nova entrância do magistrado.  

Este o teor daquele decisum, na parte que interessa: 

 

Conforme relatado, a controvérsia suscitada no presente procedimento diz respeito à remoção dos magistrados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (TJRN) para comarca de entrância inferior à que pertencem, nos termos do art. 122, § 3º, da Lei Complementar Estadual 643/2018 (grifei): 

 

Art. 122. As Comarcas de Açu, Ceará-Mirim, Currais Novos, João Câmara, Macau, Nova Cruz e Pau dos Ferros ficam transformadas em comarcas de entrância intermediária e as Comarcas de Acari, Alexandria, Angicos, Caraúbas, Jardim do Seridó, Jucurutu, Lajes, Luís Gomes, Martins, Patu, Santana do Matos, Santo Antônio, São José do Mipibu, São Miguel, São Paulo do Potengi e Tangará ficam transformadas em comarcas de entrância inicial. 

[...]

§ 2º A reclassificação de entrância não acarreta a regressão funcional, ficando mantida a remuneração correspondente à respectiva entrância, asseguradas a posição na carreira e a permanência na atual lotação.

§ 3º Os magistrados titulares das comarcas a que se refere o caput deste artigo poderão concorrer à remoção, em apenas uma oportunidade, para unidades judiciárias de entrância idêntica à comarca de sua atual lotação.

 

Ao submeter ao plenário do CNJ a liminar concedida nestes autos (Id. 4462181), registrei que a suposta inconstitucionalidade do mencionado dispositivo já foi objeto do PCA 0004630-31.2020.2.00.0000 e que, naquele julgado, este conselho assentou a impossibilidade de se avançar sobre a matéria, porquanto não compreendida entre as suas atribuiçõesconstitucionais. Em relação ao caso concreto (segurança de magistrado), firmou-se o entendimento de que a remoção efetivada deveria ser considerada provisória. Confira-se a ementa do referido procedimento (grifei):

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. REMOÇÃO DE MAGISTRADO POR QUESTÕES DE SEGURANÇA. POSSIBILIDADE EM CARÁTER PROVISÓRIO. NECESSIDADE DE CONTROLE DO ATO ATACADO PARA REGISTRO DA PROVISORIEDADE DA REMOÇÃO EFETIVADA. IMPOSSIBILIDADE DE O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA AVANÇAR SOBRE CRITÉRIO DE REMOÇÃO PREVISTO EM LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. INCIDÊNCIA DA RESOLUÇÃO CNJ 32/2007. INEXISTÊNCIA DE ATRIBUIÇÃO DESTE CONSELHO PARA EXERCER CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEI ESTADUAL. 

(Procedimento de Controle Administrativo 0004630-31.2020.2.00.0000, Redator para o acórdão: Mário Guerreiro, 80ª Sessão Virtual, julgado em 12/02/2021)

 

 

Diversa, contudo, é a questão que se debate neste feito, pois não se está aqui a tratar da possibilidade de os magistrados se removerem com fundamento na regra instituída pela lei estadual, tampouco da

constitucionalidade dessa previsão legal.

O que se examina neste procedimento é o regime jurídico aplicável ao magistrado que se remove definitivamente para entrância inferior, à luz do art. 122, § 3º, do CODJ/RN. Tal questão emerge porque, ao cumprir a aludida permissão legal, o TJRN considera que esse magistrado deve permanecer com a mesma remuneração e idêntica posição na carreira.

Isto é, entende o tribunal que um juiz titular de comarca de entrância final (reclassificada para entrância intermediária), que decide se remover de forma definitiva e voluntária para outra comarca ou vara de entrância intermediária, deve continuar a receber como se ainda fosse titular de uma comarca de entrância final e permanecer figurando na lista de antiguidade dessa entrância final.

Ocorre que não há na lei estadual em análise redação que possa amparar tal entendimento. O que se extrai do § 2º do art. 122 do CODJ/RN é que os magistrados que tiveram sua comarca reclassificada não sofreriam regressão funcional e que seriam mantidas  remuneração correspondente à entrância a que pertenciam, a posição na carreira e a permanência na lotação.

Tais garantias são, sem dúvida, necessárias, pois buscam resguardar a inamovibilidade de que dispõem esses magistrados, sobretudo porque, conquanto a alteração da classificação das comarcas tenha ocorrido dentro da autonomia do tribunal (art. 96, II, “d”, da CRFB), foi alheia à vontade dos juízes afetados. Sendo assim, eles permanecem funcionalmente na entrância final, já que têm o direito de não serem removidos compulsoriamente da unidade jurisdicional em que se encontram.

Situação distinta ocorre, todavia, quando magistrado opta (por vontade própria) por se remover para outra comarca ou vara, exercendo a prerrogativa que lhe assegurou o § 3º do art. 122 do CODJ/RN.

Nesse caso, em que não incide a garantia da inamovibilidade, não há previsão na norma local, tampouco na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), que lhe garanta o benefício de se tornar titular de comarca de entrância inferior com vantagens de entrância superior.

Dessa forma, a única exegese compatível com as normas de regência

é que, por ser definitiva e voluntária, a remoção para entrância inferior com supedâneo no § 3º do art. 122 do CODJ/RN deverá dar ensejo à aplicação de todos os consectários remuneratórios e funcionais inerentes à nova entrância do magistrado.

Sendo assim, em que pese este conselho não possa conhecer o pedido de exame da consticionalidade da norma e os Editais TJRN 6, 7 e 8/2021 não ensejem o controle do CNJ, faz-se necessário determinar que as remoções decorrentes desses editais, que se efetivarem à luz do § 3º do art. 122 do CODJ/RN, impliquem o enquadramento remuneratório e funcional referentes à nova entrância do magistrado.

Por fim, vale registrar que a presente decisão apenas reitera aquela já proferida pelo plenário deste Conselho no julgamento da ratificação da liminar nestes autos concedida, de modo que, em homenagem ao princípio da colegialidade, impõe-se aqui o julgamento monocrático no mesmo sentido então adotado.

Ante o exposto, CONHEÇO EM PARTE OS PEDIDOS e, na parte conhecida, JULGO-OS PARCIALMENTE PROCEDENTES, tão somente para determinar que, nas remoções realizadas à luz do § 3º do art. 122 do CODJ/RN, sejam observados o enquadramento remuneratório e funcional inerentes à nova entrância do magistrado.

Intimem-se.

 

Os recorrentes Aline Daniele Belém Cordeiros Lucas e outros, todos magistrados de entrância final e terceiros interessados no feito, aduzem que deve-se ter em mente que os juízes potencialmente beneficiados pelo dispositivo impugnado foram, em primeiro lugar, diretamente prejudicados pelo rebaixamento das suas comarcas e que a partir daí é que deve ser desenvolvido qualquer raciocínio.

Sustentam que, do ponto de vista funcional, o correto seria realocar o juiz em outra unidade de entrância equivalente ao seu patamar funcional, o que todavia, nem sempre é possível, pois raramente há unidades judiciárias de patamar equivalente imediatamente disponíveis para remoção.

Aduzem que a nova LOJE reduziu de 10 (dez) para somente 3 (três) as comarcas de 3ª entrância no RN e que para mitigar o prejuízo decorrente do rebaixamento da unidade judiciária, o art. 122, § 3º dessa lei estabeleceu regra de transição de caráter excepcional a permitir a “regressão funcional” uma única vez.

A possibilidade de remoção para comarca de entrância inferior só surgiria como compensação a um juiz que viu sua comarca ser subitamente rebaixada por ato discricionário do tribunal, não havendo que se falar em qualquer tipo de voluntariedade.

Prosseguem alegando que a decisão recorrida acarretou o rebaixamento remuneratório, que atenta contra o princípio da irredutibilidade salarial, e ainda fez tábula rasa de todo o interstício funcional durante o qual o magistrado ficou lotado em entrância superior.

Defendem que ou se admite que o juiz concorra à remoção nesses termos deve resguardar seu status funcional e remuneratório ou, no mínimo, o tempo em que este funcionou como juiz de entrância superior deve ser somado ao tempo em que serviu na entrância inferior para fins de antiguidade na carreira e ainda seja, em função disso, permitido que passe a concorrer normalmente em eventuais futuras remoções em igualdade de condições com todos os ocupantes da entrância a qual passou a figurar.

Ao cabo requerem a reforma integral da decisão recorrida para julgar-se improcedente o PCA ou, subsidiariamente, que se assegure aos recorrentes a soma, para os fins de contagem na lista de antiguidade, do período em que estiveram enquadrados como magistrados de instância superior, bem como permitir que possam concorrer em futuras remoções em igualdade de condições com todos os ocupantes da entrância na qual passou a figurar.

Na petição Id 4550238, Manuela de Alexandria Fernandes Barbosa, Juíza de Direito de entrância intermediária do TJRN, requer seu ingresso no feito como terceira interessada.

Na sequência, interpõe o recurso Id 4552002.

A recorrente defende a possibilidade de o CNJ reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Estadual n. 643/2018 que admitiu a “regressão funcional”.

Alega que a movimentação da carreira dos juízes estaduais observa a alternância entre promoção por antiguidade e promoção por merecimento, restringindo a hipótese de precedência de remoção à promoção por merecimento.

Argumenta que a norma impugnada, ao estabelecer que juízes que tiveram suas comarcas reclassificadas podem ser removidos (ainda que uma única vez) para comarca com entrância inferior àquela que se encontram atualmente vinculados, afronta a regra constitucional de movimentação da carreira da magistratura, uma vez que cria situação sui generis e desvirtua o instituto da remoção, ao permitir que vários magistrados sejam movimentados “para baixo”, a despeito da regra de alternância entre promoção por antiguidade e promoção por merecimento.

Pondera que o dispositivo é anômalo e visivelmente incompatível com o art. 93 da Constituição Federal, por regular matéria própria do Estatuto da Magistratura, reservada à lei complementar federal e contrariar a própria estrutura da carreira, plasmada no art. 93, inciso II da CF.

Aduz que a movimentação na carreira da magistratura ocorre para frente, de entrância menor para entrância maior, sendo descabido permitir que um juiz de entrância final se remova para uma comarca de entrância intermediária, por exemplo.

Os requerentes alegam, ainda, que a lei estadual não pode inovar, criando requisitos para o instituto da remoção, desnaturando o instituto e influenciando sobremaneira a movimentação na carreira por parte dos magistrados.

Relativamente à possibilidade de o CNJ afastar o dispositivo atacado, aponta o PCA n. 0007232-29.2019.2.00.0000, que também questionava a constitucionalidade de dispositivo do Código de Organização Judiciária do RN e no qual este Conselho entendeu pela possibilidade de o CNJ examinar normas disciplinadoras da carreira da magistratura e determinar o estrito cumprimento da LOMAN.

In casu, ter-se-ia compreendido que caso o exame da matéria demonstre que o dispositivo da LC estadual é incompatível com a LOMAN, o Conselho ficaria autorizado a afastar o cumprimento da norma sem que sejam exorbitados os limites de atuação do CNJ.

Dito de outra forma, este órgão de controle possuiria, dentre suas atribuições, a de afastar, por maioria absoluta, a incidência de norma que veicule matéria tida por inconstitucional pelo STF e que tenha sido utilizada como base para edição de ato administrativo.

Ao fim, requer seja acolhido o recurso para julgar integralmente procedente o pedido inicial.

No documento Id 4595077 tem-se cópia de decisão monocrática proferida pela eminente Ministra Cármen Lúcia no Mandado de Segurança n. 38.537/DF em 12.1.2022. Buscava-se, ali, a concessão da segurança para afastar a possibilidade de aplicação da previsão do art. 122, § 3º da LOJE/RN aos editais de remoção de juízes do TJRN.

Naquela ocasião, a Relatora indeferiu o mandado de segurança e julgou prejudicado o requerimento liminar.

Em 28.3.2022 vieram aos autos as contrarrazões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (Id 4661558).

Os autores do PCA, por sua vez, quedaram silentes.

Por fim, em 2.5.2022 juntou-se aos autos decisão proferida no MS n. 38.357/DF-AgR, em que a Primeira Turma do STF negou provimento ao recurso interposto naqueles autos.

É o relatório.

 

 

 

 

VOTO 

 

I –  PRELIMINAR: DA POSSIBILIDADE DE O CNJ EXAMINAR NORMAS DISCIPLINADORAS DA CARREIRA DA MAGISTRATURA E DETERMINAR A NÃO APLICAÇÃO DE DISPOSITIVOS QUE CONFLITEM COM A CF E A LOMAN.  

 

 

                        Preliminarmente, assento a possibilidade de o Conselho Nacional de Justiça examinar a validade dos Editais n. 6, 7 e 8-GP/TJRN à luz da análise de constitucionalidade do art. 122, § 3º da Lei Complementar Estadual n. 643/2018. 

                        No julgamento da Medida Liminar no Procedimento de Controle Administrativo n. 0007232-29.2019.2.00.0000, a Conselheira Relatora, em posição referendada pelo Plenário desta Casa, assentou o seguinte: 

 

Preliminar: da possibilidade de o CNJ examinar normas disciplinadoras da carreira da magistratura e determinar a não aplicação de dispositivos que conflitem com a LOMAN.

De início, tenho por oportuno consignar que a antinomia suscitada pelos requerentes há de ser analisada à luz da Constituição Federal e das regras previstas na LC 35/1979. Caso o exame da matéria demonstre que o dispositivo da LC estadual é incompatível com a LOMAN, a missão constitucional cominada a este Conselho autoriza o afastamento do cumprimento de norma sem que seja exorbitado os limites de atuação do CNJ.

Dirimir incongruências entre a legislação estadual e a LOMAN não é uma questão inédita no CNJ. Frequentemente o Plenário enfrenta situações como a dos presentes autos e reconhece a ascendência da autoridade deste Conselho sobre a legislação estadual conflitante com a Lei Orgânica da Magistratura.

Nesse sentido, inclusive, é a recente modificação regimental incluída pela Emenda Regimental nº 4, de 12.2.2021:

 

Art. 1º O art. 4º do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, aprovado pela Resolução CNJ no 67/2009, passa a vigorar acrescido do § 3º:

“Art. 4º ..........................................................................................

§ 3º O CNJ, no exercício de suas atribuições, poderá afastar, por maioria absoluta, a incidência de norma que veicule matéria tida por inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal e que tenha sido utilizada como base para a edição de ato administrativo”. (NR) 

Art. 2º Esta Emenda Regimental entra em vigor na data de sua publicação.

 

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não está em outra direção. No julgamento do MS 28.494/MT, a título ilustrativo, a Primeira do Turma do STF firmou orientação no sentido de ser inerente às atribuições constitucionais do CNJ afastar dispositivos de lei estadual em desacordo com os preceitos da LC 35/1979.

 

 

                        Por sua vez, no precedente do STF mencionado retro – qual seja, o Mandado de Segurança n. 28.494/MT - o Relator, eminente Ministro Luiz Fux, examinando situação parecida com aquela que ora se analisa, consignou o seguinte:

 

Inicialmente, não procede a alegação de que o Conselho Nacional de Justiça teria examinado, em abstrato, a constitucionalidade da LC estadual nº 281/2007. A decisão do Conselho Nacional de Justiça foi proferida no exato cumprimento da função que lhe foi atribuída pela Constituição. O órgão examinou a legalidade e constitucionalidade da lista de antiguidade dos magistrados nomeados por meio do Ato nº 515/2003, ato administrativo concreto do TJ/MT.

Cumpre destacar que a legislação do estado do Mato do Grosso referente à fixação de critérios de desempate entre magistrados não pode produzir efeitos retroativos capazes de desconstituir uma lista de antiguidade entre juízes já publicada e em vigor por vários anos, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade das normas e da segurança jurídica na sua dimensão subjetiva densificada pelo princípio da proteção da confiança. Se essa prática fosse admitida, a cada nova lei que modificasse os critérios de desempate, a lista de antiguidade dos magistrados mato-grossenses teria de ser substancialmente alterada, o que, mercê de perigoso sob a ótica do princípio da impessoalidade, cria um estado de perene insegurança entre os magistrados.

Como se os argumentos acima não bastassem, a LOMAN não fixa o critério do tempo de serviço prestado a um determinado estado como critério de desempate entre magistrados. A antiguidade entre magistrados deve ser aferida em razão do tempo no cargo e, no caso de posse no mesmo dia, em observância à classificação no concurso.

O tempo de serviço público prestado no estado de Mato Grosso não pode ser critério de desempate, à medida que isso favorece injustamente o servidor do referido estado, de forma a ameaçar o pacto federativo. Cria-se uma distinção entre brasileiros que é ofensiva à federação. Sob outro enfoque, o tempo de serviço público não pode ser um critério de desempate, pois favorece o serviço público inconstitucionalmente em detrimento da atividade na iniciativa privada.

A legislação estadual não pode modificar matéria de competência de Lei Complementar nacional a tratar da magistratura. Caso isso fosse possível, cada estado-membro da federação teria regras próprias a respeito dos critérios de desempate entre magistrados, esvaziando o animus do constituinte de criar regras para a magistratura de caráter nacional. Nesse cenário, o CNJ tem competência para, ao verificar a existência de normas jurídicas aplicáveis aos magistrados incompatíveis com a LOMAN, fazer valer o texto constitucional e, por conseguinte, a LC nº 35/79.

(Primeira Turma, j. 2.9.2014) (grifei) 

 

                   De outro turno, no julgamento do Mandado de Segurança n. 26.739/DF, de relatoria do Ministro Dias Toffoli (j. 1º.3.2016), o Supremo assentou ser possível que órgãos autônomos profiram decisões no sentido de afastar a aplicação de determinado ato normativo por vício de inconstitucionalidade, desde que a jurisprudência daquela Corte seja pacífica em reconhecer a inconstitucionalidade da matéria.

 

                  E nesse ponto, é de se ter em vista que na ADI n. 4.042/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, j. 30.4.2009, o STF decidiu que são inconstitucionais as normas estaduais que disciplinem as matérias próprias do Estatuto da Magistratura em desacordo com a LOMAN, e ainda, que compete à LOMAN dispor sobre promoção, remoção e acesso de magistrados a cargos. 

                Este órgão de controle encontra-se, pois, sobejamente autorizado a examinar a matéria, seja para afastar a aplicabilidade, desde que observados os limites de sua atuação, de dispositivos de lei estadual que contrariem a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, seja para declarar a nulidade de atos administrativos editados com base em diploma normativo estadual inquinado de inconstitucionalidade.  

                     Não desconheço o resultado do julgamento do PCA n. 0004630-31.2020.2.00.0000, também de relatoria do Conselheiro Mário Guerreiro, julgado no Plenário Virtual em 12.2.2021. Ali, debruçando-se de forma igualmente reflexa sobre a constitucionalidade desse mesmo dispositivo (art. 122, § 3º da Lei Complementar Estadual n. 643/2018) em um outro caso que também envolvia remoção, o Plenário entendeu o seguinte:

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. REMOÇÃO DE MAGISTRADO POR QUESTÕES DE SEGURANÇA. POSSIBILIDADE EM CARÁTER PROVISÓRIO. NECESSIDADE DE CONTROLE DO ATO ATACADO PARA REGISTRO DA PROVISORIEDADE DA REMOÇÃO EFETIVADA.  IMPOSSIBILIDADE DE O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA AVANÇAR SOBRE CRITÉRIO DE REMOÇÃO PREVISTO EM LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. INCIDÊNCIA DA RESOLUÇÃO CNJ 32/2007. INEXISTÊNCIA DE ATRIBUIÇÃO DESTE CONSELHO PARA EXERCER CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEI ESTADUAL. 

 

                        Com efeito, o CNJ não possui competência para realizar controle de constitucionalidade de leis estaduais.

                     Contudo, consoante já se demonstrou, o próprio Supremo Tribunal Federal vem flexibilizando tal vedação nas hipóteses em que a jurisprudência daquela Corte seja pacífica ao reconhecer a inconstitucionalidade da matéria, o que me parece, s.m.j., ser a hipótese sob análise. Ademais, repiso o decidido na já mencionada ADI n. 4.042/DF.

                   É em virtude dessas considerações que, com a mais respeitosa vênia, ainda que a temática já tenha sido analisada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, mesmo que por via oblíqua, submeto-a novamente à consideração dos eminentes pares.   

                        Isso porque penso não se justificar a manutenção no ordenamento de atos administrativos manifestamente contrários à Constituição da República e à Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

                                  Superada essa questão formal, passo ao exame da decisão combatida. 

                       

 

II – DO DESACERTO DA DECISÃO RECORRIDA E DA NECESSIDADE DE SUA REFORMA. 

 

                        Com a devida vênia ao meu antecessor e prolator da decisão recorrida, Conselheiro Mário Guerreiro, entendo que o decisum impugnado merece reforma.

                        Primeiramente porque, consoante já demonstrado, é sim possível enfrentar, mesmo que apenas para o caso concreto e sem eficácia erga omnes, a temática da constitucionalidade do art. 122, § 3º da LOJE do Rio Grande do Norte.

                        Em segundo lugar, porque o que se intenta discutir no presente PCA é, sim, a questão da constitucionalidade da regra instituída pela lei estadual e, por consequência, a possibilidade de magistrados se removerem com fundamento nela. Para comprovar, basta que se atente para o teor dos pedidos declinados na exordial, os quais são cristalinos. In verbis: 

 

a)             A suspensão, em caráter liminar, dos Editais n. 6, 7 e 8 – CP/TJRN, referentes à abertura do processo de remoção para juiz de entrância intermediária pelo critério de antiguidade e merecimento, respectivamente para as comarcas de Macau (2ª vara), Apodi (2ª vara) e Nova Cruz (Juizado Especial Civil, Criminal e Fazenda Pública), afastando-se, no caso concreto, por inconstitucionalidade, a aplicação do § 3º, art. 122 da Lei Complementar Estadual n. 643/20118, no ponto em que permite a “regressão” de entrância  no movimentação dos magistrados do Rio Grande do Norte, tudo em virtude de ofensa aos arts. 37 e 93 da Constituição Federal e arts. 81 e 83 da LOMAN.

b)            No mérito, a anulação dos editais em tela e a abertura de novos editais em conformidade com a LOMAN, afastando-se, no caso concreto, por inconstitucionalidade, a aplicação do § 3º, art. 122 da Lei Complementar Estadual n. 643/20118, no ponto em que permite a “regressão” de entrância  no movimentação dos magistrados do Rio Grande do Norte, , tudo em virtude de ofensa aos arts. 37 e 93 da Constituição Federal e arts. 81 e 83 da LOMAN.

 

 

Em verdade, entendo que o Relator anterior, ao conhecer em parte os pedidos e, na parte conhecida, julgá-los parcialmente procedentes para determinar que, nas remoções realizadas à luz do § 3º do art. 122 do CODJ/RN, sejam observados o enquadramento remuneratório e funcional inerentes à nova entrância do magistrado, claramente julgou extra petita.

A questão relativa ao regime jurídico aplicável ao magistrado que se remove definitivamente para entrância inferior, à luz do art. 122, §3 º do CODJ/RN não se encontra compreendida, com a devida vênia, nem na causa de pedir, nem nos pedidos deste procedimento de controle administrativo – em verdade, sequer é abordada. O que os autores pretendem é, nitidamente, o reconhecimento da impossibilidade dessa modalidade peculiar de remoção inserida no CODJ, em virtude de o dispositivo de lei que a sustenta alegadamente violar a Lei Orgânica da Magistratura Nacional e a Constituição da República – não há uma linha sequer sobre adequação de regime jurídico à nova entrância do juiz.

Ademais, com todo o respeito, o que a decisão recorrida fez foi invadir matéria reservada às já mencionadas Constituição Federal e LOMAN, que são os diplomas habilitados a dispor sobre a estrutura e a movimentação da carreira da magistratura. E que, consoante demonstrarei à frente, não admitem a figura da “regressão funcional”, razão pela qual não poderia o CNJ validá-la, por não possuir competência para relativizar as normas mencionadas alhures (PCA n. 0004448-11.2021.2.00.0000, Relatora Conselheira Candice Lavocat Galvão Jobim, j. 10.9.2021).

Feitas essas ponderações, reconsidero a decisão guerreada e passo a analisar o mérito.

 

III – DO MÉRITO.

 

                    A Carta da República, em seu art. 93, caput dispôs que lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal disporá sobre o Estatuto da Magistratura.

E conforme entendimento firme do STF, até a edição desse diploma legislativo, incumbirá exclusivamente à Lei Orgânica da Magistratura Nacional dispor sobre promoção, remoção e acesso de magistrados a cargos.  Disso infere-se não ser dado à lei estadual inovar sobre esses temas, sobretudo para contrariar as disposições da LOMAN e a sistemática estabelecida na mesma.

Nesse sentido, reproduzo trecho do voto proferido pela Ministra Rosa Weber na já mencionada Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.042/DF, a qual versava sobre emenda à Constituição do Estado de Mato Grosso que incluiu requisito para a promoção por merecimento não previsto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional:

 

4. Como bem assentado na medida cautelar deferida na presente ação, o poder constituinte decorrente estadual imiscuiu-se em matéria própria do Estatuto da Magistratura, em violação direta da reserva de lei complementar nacional, de iniciativa desta Suprema Corte, nos termos do art. 93, caput, da Constituição Federal.

Enquanto não editada a referida lei complementar, o entendimento fixado pelos precedentes desta Casa é de que a uniformização do regime jurídico da magistratura permanece sob a regência da Lei Complementar 35/1979, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN. Por todos, confiram-se:

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 82 DA LEI COMPLEMENTAR N. 96/2010 DA PARAÍBA. NORMA SOBRE REMOÇÃO E PROMOÇÃO DE MAGISTRADOS. AFRONTA AO ART. 93 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal reconhece a legitimidade ad causam de associações que representem apenas fração da classe de magistrados “quando a norma objeto de controle abstrato de constitucionalidade referir-se exclusivamente à magistratura de determinado ente da Federação”. 2. Até a edição da lei complementar prevista no caput do art. 93 da Constituição da República, compete exclusivamente à Lei Orgânica da Magistratura dispor sobre a promoção, a remoção e o acesso de magistrados aos cargos. 3. Ao acrescentar a promoção por antiguidade às hipóteses em que a remoção terá prevalência, a lei complementar paraibana contrariou o disposto no art. 81 da LOMAN, segundo o qual, na magistratura de carreira dos Estados-membros, ao provimento inicial e à promoção apenas por merecimento precederá a remoção. 4. Necessidade de convalidação dos atos de ofício praticados por magistrados promovidos ou removidos nos termos da lei impugnada, em observância aos princípios da segurança jurídica e da presunção de constitucionalidade das leis. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente com efeitos ex nunc”. (ADI 4758, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2019, DJe 06/03/2020, destaquei)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ARTIGO 164 DA LEI 12.342/94 DO ESTADO DO CEARÁ – CONDIÇÕES ESTRANHAS À FUNÇÃO JURISDICIONAL PARA DETERMINAR O DESEMPATE NA CLASSIFICAÇÃO PELO CRITÉRIO DE ANTIGUIDADE NA ENTRÂNCIA - ALEGADA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 93 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência assentada no sentido da inconstitucionalidade, por violação ao art. 93 da Constituição Federal, de normas estaduais, legais ou constitucionais, que disciplinem matérias próprias do Estatuto da Magistratura, em desacordo com ele ou em caráter inovador. Neste contexto, a LOMAN não consagrou o disposto no artigo 164 da Lei 12.342, de 28 de julho de 1994, do Estado do Ceará, que estabelece condições estranhas à função jurisdicional para determinar o desempate entre aqueles que estejam concorrendo à promoção por antiguidade. 2. Ação julgada procedente. (ADI 3698, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2019, DJe 15/08/2019, destaquei)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 78, § 1º, INCS. III, IV E V, DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 10/1996. PROMOÇÃO POR ANTIGUIDADE NA MAGISTRARURA TOCANTINENSE. INOBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS ESTABELECIDOS NA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL – LOMAN. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO PÚBLICO NO ESTADO OU DE TEMPO DE SERVIÇO PÚBLICO. CONTRARIEDADE AO ART. 93 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. VALIDADE DA ADOÇÃO DO CRITÉRIO DE IDADE PARA DESEMPATE: PRECEDENTE. CONFIRMAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA PARCIALMENTE À UNANIMIDADE. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 78, § 1º, INCS. III E IV, DA LEI COMPLEMENTAR TOCANTINENSE N. 10/1996”. (ADI 4462, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2016, DJe 14/09/2016)

 

Destaco, ainda, os recentes julgamentos deste Plenário: ADI 6794/CE (rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 01.10.21), ADI 6795/MS (rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 01.10.21), ADI 6796/RO (rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 01.10.21), ADI 6800/BA (de minha relatoria, Tribunal Pleno, DJe 07.10.21), ADI 6802/AC (de minha relatoria, Tribunal Pleno, DJe 07.10.21).

Saliento que os incisos II e III do artigo 93 da Constituição, supratranscritos, estabeleceram os princípios a serem observados pelo Estatuto da Magistratura no que concerne à promoção. Enquanto não editada a referida lei complementar, rege a matéria a LOMAN, cuja disciplina, a ser interpretada à luz da Carta Magna, assim prevê:

 

(...)

 

A disciplina da LOMAN é aplicável a toda a magistratura nacional, de forma a constituir um regime jurídico único. Ademais, a matéria reservada a lei complementar promove um bloqueio de competência quanto à edição de normas estaduais conflitantes”.

                                                          (...)

 

Quanto à disciplina por Constituição Estadual, confira-se o seguinte precedente:

 

“DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 28, DE 25 DE JUNHO DE 2002, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 156 DA CONSTITUCIONAL ESTADUAL, ESTABELECENDO NORMAS SOBRE FORMA DE VOTAÇÃO NA RECUSA DE PROMOÇÃO DO JUIZ MAIS ANTIGO, PROVIDÊNCIAS A SEREM TOMADAS, APÓS A RECUSA, PUBLICIDADE DAS SESSÕES ADMINISTRATIVAS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, MOTIVAÇÃO DOS VOTOS NELES PROFERIDOS, E PUBLICAÇÃO DO INTEIRO TEOR NO ÓRGÃO OFICIAL DE IMPRENSA. ALEGAÇÃO DE QUE A NOVA REDAÇÃO IMPLICA VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 93, "CAPUT", E INCISOS II, "d", E X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CONFLITANDO, AINDA, COM NORMAS, POR ESTA RECEBIDAS, DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. MEDIDA CAUTELAR. 1. Em face da orientação seguida, pelo S.T.F., na elaboração do Projeto de Estatuto da Magistratura Nacional e em vários precedentes jurisdicionais, quando admitiu que a matéria fosse tratada, conforme o âmbito de incidência, em Lei de Organização Judiciária e em Regimento Interno de Tribunais, é de se concluir que não aceita, sob o aspecto formal, a interferência da Constituição Estadual em questões como as tratadas nas normas impugnadas. 2. A não ser assim, estará escancarada a possibilidade de o Poder Judiciário não ser considerado como de âmbito nacional, assim como a Magistratura que o integra, em detrimento do que visado pela Constituição Federal. Tudo em face da grande disparidade que poderá resultar de textos aprovados nas muitas unidades da Federação. 3. Se, em alguns Estados e Tribunais, não houverem sido implantadas ou acatadas, em Leis de Organização Judiciária ou em Regimentos Internos, normas auto-aplicáveis da Constituição Federal, como as que regulam a motivação das decisões administrativas, inclusive disciplinares, e, por isso mesmo, o caráter não secreto da respectiva votação, caberá aos eventuais prejudicados a via própria do controle difuso de constitucionalidade ou de legalidade. 4. E nem se exclui, de pronto, a possibilidade de Ações Diretas de Inconstitucionalidade por omissão. 5. Medida Cautelar deferida, para se suspender a eficácia da Emenda Constitucional nº 28, de 25 de junho de 2002, do Estado do Riode Janeiro”. (ADI 2700 MC, Relator(a): SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 17/10/2002, DJ 07/03/2003, destaquei)

 

(grifei)

 

                     Também o Conselho Nacional de Justiça conta com diversos precedentes assentando competir à Lei Orgânica da Magistratura Nacional dispor sobre remoção, promoção e acesso a cargos por magistrados, uniformizando as regras sobre o assunto – isso até mesmo em função do caráter nacional que o texto constitucional conferiu à magistratura.

Da mesma forma, entende o Conselho que a lei estadual, ao tratar sobre movimentação da carreira da magistratura, há de observar a sistemática e a lógica interna da LOMAN, não lhe sendo possível criar novos critérios de remoção, promoção e acesso.

Nesse sentido, confira-se:

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. RATIFICAÇÃO DE LIMINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. MAGISTRATURA. CARREIRA. PROCEDIMENTOS DE REMOÇÃO. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL. MODIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. LOMAN. LIMINAR DEFERIDA.

1.Procedimento de controle administrativo contra dispositivo da novel Lei de Organização Judiciária do Estado (Lei Complementar 643, de 21.12.2018) que disciplinou a movimentação na carreira da magistratura do Estado.

2.As regras para promoção, remoção e acesso dos juízes aos cargos foram estabelecidas pela LOMAN e devem ser observados rigorosamente. 

3.Em que pese o TJRN argumentar que a lei estadual alinha-se aos preceitos da LOMAN e que procedeu à tal modificação em respeito à antiguidade na carreira, é imperioso reconhecer que, ao menos em exame perfunctório, a implementação da condição de que a remoção “somente considerar-se-á realizada quando o provimento da unidade judicial for efetivado por magistrado de comarca distinta daquela de onde surgiu a vaga” não encontra ressonância na legislação de regência.

4.Os critérios delimitados pela LOMAN são aplicáveis à magistratura estadual nacional e, na ausência de previsão legal ou constitucional, refoge à legislação estadual inovar nesta seara. 

5.O periculum in mora está devidamente caracterizado com a abertura de procedimentos de remoção, através dos Editais 3, 4 e 5/2021 (Ids 4382406). A reversão de sucessivas remoções, na hipótese de procedência do PCA, pode ocasionar transtornos à prestação jurisdicional e aos magistrados beneficiários desses atos.

6.Liminar deferida para determinar ao TJRN que se abstenha de avançar com os procedimentos de remoção a envolver a aplicação do art. 80 da LC 643/2018 antes da decisão de mérito deste procedimento.

(CNJ - ML – Medida Liminar em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0007232-29.2019.2.00.0000 - Rel. MARIA TEREZA UILLE GOMES - 89ª Sessão Virtual - julgado em 25.6.2021).

                       

RECURSO ADMINISTRATIVO. MAGISTRATURA ESTADUAL MOVIMENTAÇÃO NA CARREIRA. ARTIGO 81 DA LOMAN. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 643/2018. REMOÇÃO. PROVIMENTO INICIAL. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE.

Lei local que prevê o provimento originário de vagas recém-criadas e ainda não providas, que se dará por remoção. Observância à sistemática e à lógica interna da LOMAN.  Movimentação na carreira da magistratura que tem como eixo central a entrância. Precedência da remoção ao primeiro provimento de uma nova unidade judiciária, ofertando-se a vaga recém-criada aos já integrantes da entrância, seja ela qual for. Precedentes deste Conselho. Recurso administrativo a que se dá provimento.(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000711-68.2019.2.00.0000 - Rel. EMMANOEL PEREIRA - 304ª Sessão Ordinária - julgado em 18.2.2020) (grifei)

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO. PROVIMENTO DE CARGOS VAGOS DE JUIZ DE DIREITO. REGRAS DE MOVIMENTAÇÃO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA DOS ESTADOS. PRECEDÊNCIA DA REMOÇÃO SOBRE A PROMOÇÃO POR ANTIGUIDADE. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 81 DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.

I – O artigo 81 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN estabelece expressamente que, na Magistratura de carreira dos Estados, a remoção precederá ao provimento inicial e à promoção por merecimento.

II – Sendo defeso à lei estadual complementar a LOMAN a fim de especificar novos critérios de movimentação dos magistrados estaduais na carreira, aplica-se o artigo 81 da referida Lei Orgânica e, por consequência, resta vedada a precedência da remoção sobre a promoção por antiguidade.  

III – Desde 2016, o Conselho Nacional de Justiça sedimentou sua jurisprudência, alinhado à do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a ordem a ser observada para o provimento de cargos de juiz na magistratura de carreira dos Estados deve ser a seguinte: 1) promoção por antiguidade; 2) remoção; 3) promoção por merecimento e 4) provimento inicial.

IV – Os Editais EDT-MAG n. 942019, 952019, 962019 e 972019, que tornavam públicos processos de remoção, são incompatíveis com a ordem de provimento fixada pelo artigo 81 da LOMAN e assentada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça.

V – Procedimento que se julga procedente, com determinações.

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0008682-07.2019.2.00.0000 - Rel. FLÁVIA PESSOA - 68ª Sessão Virtual - julgado em 1º.7.2020) (grifei)

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. MAGISTRADOS. LISTA DE ANTIGUIDADE. DESEMPATE. TEMPO DE SERVIÇO PÚBLICO NO ESTADO DE MINAS GERAIS. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 59/2001. INCOMPATIBILIDADE COM A LOMAN. AFASTAMENTO DO CRITÉRIO. COMPETÊNCIA DO CNJ. PRECEDENTE DO STF.

1. Pretensão de afastamento de critério que considera o tempo de serviço público estadual para desempate da ordem de antiguidade dos magistrados.

2. É incompatível com a LOMAN e atentatório ao pacto federativo a adoção do tempo de serviço público prestado a determinado estado como fator desempate na lista de antiguidade dos magistrados (STF, MS28494). 

3. A regras para promoção, remoção e acesso aos cargos de juízes estabelecidas pela Lei Complementar 35/79 conferem uniformidade à carreira da magistratura e não podem ser modificadas pela legislação estadual. Na presença de antinomias, compete ao Conselho Nacional de Justiça fazer valer o texto da LOMAN. Precedente (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004958-10.2010.2.00.0000 - Rel. Milton Augusto de Brito Nobre - 124ª Sessão - j. 12/04/2011). 

4. Pedido julgado procedente.

(CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0004609-65.2014.2.00.0000 - Rel. FERNANDO MATTOS - 10ª Sessão Virtual - julgado em 12.4.2016) (grifei)

                       

                     Dito isso, incumbe analisar a compatibilidade do art. 122, § 3º da Lei Complementar Estadual n. 643/2018 com os artigos da Constituição da República e da Lei Orgânica da Magistratura Nacional que regem o tema.  

                        Repiso o teor da norma impugnada:

 

Art. 122. As Comarcas de Açu, Ceará-Mirim, Currais Novos, João Câmara, Macau, Nova Cruz e Pau dos Ferros ficam transformadas em comarcas de entrância intermediária e as Comarcas de Acari, Alexandria, Angicos, Caraúbas, Jardim do Seridó, Jucurutu, Lajes, Luís Gomes, Martins, Patu, Santana do Matos, Santo Antônio, São José do Mipibu, São Miguel, São Paulo do Potengi e Tangará ficam transformadas em comarcas de entrância inicial.

 

§ 1º Os cargos de Juiz de Direito que se encontram providos nas Comarcas a que se refere o caput deste artigo serão reclassificados como de entrância intermediária ou inicial, conforme o caso, à medida que forem ficando vagos.

 

§ 2º A reclassificação de entrância não acarreta a regressão funcional, ficando mantida a remuneração correspondente à respectiva entrância, asseguradas a posição na carreira e a permanência na atual lotação.

 

§ 3º Os magistrados titulares das comarcas a que se refere o caput deste artigo poderão concorrer à remoção, em apenas uma oportunidade, para unidades judiciárias de entrância idêntica à comarca de sua atual lotação. 

 

                     Como se nota, o art. 122, § 3º do CODJ/RN criou a possibilidade de os magistrados titulares das comarcas “rebaixadas” concorrerem à remoção, uma única vez, para unidades judiciárias de entrância idêntica à comarca de sua atual lotação, as quais não correspondem, contudo, a seu nível atual na carreira.

Dessa maneira, os juízes de entrância intermediária lotados em comarcas reclassificadas como de entrância inicial podem concorrer à remoção para uma comarca de entrância intermediária ou, uma única vez, à remoção para uma comarca de entrância inicial.

De igual forma, os juízes de entrância final lotados em comarcas reclassificadas como de entrância intermediária podem concorrer à remoção para uma comarca de entrância final ou, uma única vez, à remoção para uma comarca de entrância intermediária.

Resta saber se há compatibilidade entre a regra instituída e o art. 93, caput e incisos (notadamente o inciso II) da CF, bem como com os arts. 81 e 83 da LOMAN.

Nesse aspecto, note-se que a movimentação na carreira da magistratura tem como eixo central a entrância, tanto para a promoção, como para a remoção.

O art. 93, inciso II da CF, ao dispor expressamente que a promoção se dá de entrância para entrância, adota uma lógica segundo a qual a movimentação é sempre para frente, não sendo admitido, pela própria forma como se desenhou a carreira, o retorno para uma entrância inferior – sob pena de travar-se toda a carreira e prejudicar a progressão dos juízes que se encontram nos estágios iniciais da mesma.

Não à toa, dispôs-se que a movimentação da carreira dos juízes estaduais observa a alternância entre promoção por antiguidade e promoção por merecimento, restringindo a hipótese de precedência de remoção à promoção por merecimento (art. 81, caput da LOMAN).

Assiste razão à recorrente quando aduz que a inovação introduzida pela Lei Complementar Estadual n. 643/2018 cria regra sui generis e desvirtua o instituto da remoção, ao permitir que magistrados sejam movimentados “para baixo”.

A remoção é, por definição, forma horizontal de movimentação na carreira. Remoção se dá somente dentro da mesma entrância. A forma de movimentação na qual o magistrado muda de entrância se chama promoção (PCA n. 0002225-61.2016.2.00.0000, Relatora Conselheira Daldice Santana, j.22.8.2018).

Como consectário lógico da sistemática de remoção e promoção, a comarca de lotação do magistrado deve, necessariamente, corresponder ao nível no qual ele se encontra na carreira.

De forma oblíqua, o que a norma contestada possibilitou é uma espécie de “promoção” – já que há deslocamento para comarca de entrância distinta daquela ocupada pelo juiz – por meio da remoção, instituto que absolutamente não se destina a esse propósito.

Não fosse o bastante, a norma impugnada criou uma espécie de promoção às avessas, a qual, ao invés de possibilitar a ascensão, como é próprio do instituto, possibilitou a regressão, a movimentação para uma comarca de entrância inferior, cujo nível o magistrado já ultrapassou na sua atividade profissional.

Ora, o que o art. 122, § 3º do Código de Organização e Divisão Judiciária do Rio Grande do Norte fez foi subverter totalmente a lógica e a sistemática estabelecidas para a carreira da magistratura pelos arts. 93 (notadamente o 93, inciso II) da Carta Política e 81 e 83 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Isso posto, de rigor o afastamento da sua aplicação.  

Quanto à situação dos juízes cujas comarcas foram reclassificadas, embora não se negue o prejuízo, a questão há de ser equacionada de outra forma pelo tribunal recorrido. Isso porque não se admite regra de transição, sobretudo quando criada por lei estadual, que excepcione ou afronte a Carta da República, notadamente quando a disciplina da matéria é reservada a lei complementar federal.

Imperiosa, portanto, a anulação dos Editais de Remoção GP-TJRN n. 6, 7 e 8 de 2021, vez que calcados em norma estadual frontalmente contrária ao art. 93, caput e incisos, da Constituição da República e, ainda, aos arts. 81 e 83 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

Ante a flagrante inconstitucionalidade do art. 122, § 3º da Lei Complementar Estadual n. 643/2018, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte deverá abster-se, também, de lançar editais ou praticar atos administrativos com base na referida norma.

Por fim, o tribunal deverá providenciar o encaminhamento de anteprojeto de lei à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte com vistas a adequar a norma do Código de Organização e Divisão Judiciária estadual às disposições da Carta Maior e da LOMAN.

Por todo o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de Aline Daniele Belém Cordeiro Lucas e outros (Id 4547261), tão somente para afastar o reenquadramento remuneratório e funcional determinado pela decisão recorrida.

Quanto ao recurso de Manuela de Alexandria Fernandes Barbosa (Id 4550238), DOU-LHE TOTAL PROVIMENTO para julgar procedente o procedimento de controle administrativo e

(i)              declarar a nulidade dos Editais de Remoção GP-TJRN n. 6, 7 e 8 de 2021;

(ii)       determinar ao TJRN que se abstenha de lançar editais ou praticar atos administrativos com base no art. 122, § 3º da Lei Complementar estadual n. 643/2018, ante a flagrante ofensa ao art. 93, caput e incisos da CF e, ainda, aos arts. 81 e 83 da LOMAN;

(iii)        determinar ao TJRN que providencie o encaminhamento de anteprojeto de lei à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte com vistas a adequar a norma do Código de Organização e Divisão Judiciária estadual aos dispositivos da  Carta Maior e da LOMAN indicados no item anterior.

 

É o voto.

 

 

Conselheiro RICHARD PAE KIM

Relator