Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003072-58.2019.2.00.0000
Requerente: LOREN TERESINHA CAMPEZATTO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA

 

 

EMENTA

EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA. ALTERAÇÃO DO GABARITO DA PROVA DE SENTENÇA CRIMINAL. CONTROLE DE CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS. ERRO MATERIAL NA DELIBERAÇÃO DA COMISSÃO DO CERTAME. PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS PEDIDOS.

1. Impugnação de decisão da Comissão do Concurso que entendeu pela alteração do gabarito preliminar da prova de sentença criminal.

2. Questionamentos acerca de interpretação do enunciado da questão e sobre quais dispositivos legais seriam aplicáveis ao caso.

3. Não compete ao CNJ controlar os critérios utilizados na correção das provas ou adentrar no mérito das questões de concurso público, sob pena de violar a autonomia dos Tribunais constitucionalmente garantida. Precedentes.

4. Possível erro material na deliberação da Comissão do certame quanto a resposta correta da prova prática.

5. Procedência parcial do pedido apenas para determinar que a Comissão do Concurso esclareça qual a resposta considerada correta, antes da divulgação do gabarito definitivo.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou parcialmente procedente o pedido, nos termos do voto da Relatora. Declarou suspeição a então Conselheira Daldice Santana. Plenário Virtual, 30 de agosto de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema Vale, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian, André Godinho e Maria Tereza Uille Gomes. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Daldice Santana (suspeição declarada), Fernando Mattos (então Conselheiro), Henrique Ávila e, em razão da vacância do cargo, o representante da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003072-58.2019.2.00.0000
Requerente: LOREN TERESINHA CAMPEZATTO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA


RELATÓRIO

 

 

 

Tratam os autos de Procedimento de Controle Administrativo, com pedido de liminar, proposto por Lóren Teresinha Campezatto contra o Tribunal de Justiça da Bahia – TJBA, em que questiona padrão de resposta definitivo da prova de sentença criminal adotado pela Comissão do Concurso Público para o Cargo de Juiz de Direito Substituto daquele Estado (Edital nº 1/2018).

 

O caso: a requerente afirma ser candidata no certame em comento, cuja prova prática de sentença criminal foi realizada em 31/03/2019, com padrão de resposta preliminar divulgado em 1º/04/2019.

 

Aduz que o Cespe, empresa organizadora do certame, considerou no gabarito preliminar que foram praticados quatro crimes, em continuidade delitiva. Todavia, a Comissão do certame, ao apreciar os recursos interpostos, considerou que houve cinco crimes, deixando o gabarito aberto quanto à ocorrência de crime continuado, por entender que prova não continha informações suficientes para sua caracterização.

 

Informa que o entendimento quanto a ocorrência da continuidade delitiva estaria em consonância com decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Assim, o fato de a Comissão não pontuar o item implicou “prejuízo para aqueles candidatos que conhecem a jurisprudência do STJ e que corretamente aplicaram o artigo 71 do CP”.

 

Afirma que o enunciado era ambíguo e que “é possível interpretar que houve cinco crimes descobertos pela polícia, mediante buscas no escritório de Francisco, além do crime ocorrido em agosto de 2015, denunciado por Josué, totalizando seis crimes”.

 

Alega também que o gabarito definitivo considerou que houve a prática de crime de corrupção passiva por particular, o que estaria em desacordo com o comando da questão e com a doutrina e a jurisprudência.

 

Entende que a conclusão da Comissão é equivocada pois “Francisco recebia o valor que cobrava de seus clientes de forma lícita, não havendo elementos (na prova) que levem à conclusão diversa. A conduta de Francisco, como corretor de imóveis, consistia em receber licitamente por seu trabalho e pagava propina a Severina para que a mesma providenciasse o andamento célere do habite-se - infração de seu dever funcional”.

 

Destaca decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário nº 632.853 e aduz que a avaliação de provas com lastro em entendimento contrário ao ordenamento jurídico fere o art. 37 da Constituição da República.

 

O pedido: liminarmente, requer seja determinada a suspensão do concurso. No mérito, pede que sejam aceitas como respostas a quantidade de cinco ou seis crimes, na prova de sentença penal, bem como “não seja considerado como correta a imputação do crime de corrupção passiva por parte de Francisco ou que tal quesito não seja pontuado”.

 

Despacho: os autos foram distribuídos ao Conselheiro Fernando Mattos, que determinou a notificação do TJBA para manifestação (Id nº 3625409).

 

Petição: no Id nº 3631259, a requerente apresenta retificação de trecho da petição inicial.

 

A resposta: o Tribunal sustenta haver prevenção desta Relatora, a quem foram distribuídos os PCA’s nº 0002928-84.2019.2.00.0000, 0003003-16.2019.2.00.0000, 0003116-77.2019.2.00.0000, 0003004-11.2019.2.00.0000 e 0003034-46.2019.2.00.0000, que versam sobre o mesmo certame (Id nº 3647278).

 

Aduz haver prejudicialidade do pedido cautelar, considerando que foi deferida medida liminar nos autos dos supracitados PCA’s nº 0002928-84.2019.2.00.0000, 0003003-16.2019.2.00.0000 e 0003116-77.2019.2.00.0000, para suspender o andamento do concurso. 

 

Expõe que o CNJ possui entendimento sedimentado de que não lhe compete avaliar os critérios de correção das provas de concursos públicos, nem atuar como instância recursal das decisões das bancas examinadoras.

 

Afirma, ainda, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é no sentido de que não cabe ao Poder Judiciário, no controle judicial de legalidade, substituir-se à banca examinadora nos critérios de correção e atribuição de notas de provas.

 

Assevera que a pretensão da requerente não apresenta repercussão geral, necessária para ensejar a apreciação da matéria pelo CNJ, consoante o Enunciado nº 17/2018 deste Conselho.

 

Destaca informações prestadas pela Desembargadora Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo, Presidente em exercício da Comissão do Concurso, no sentido de que a leitura dos pedidos apresentados demonstra o intuito da requerente de que o CNJ atue como instância revisora da decisão tomada pela citada comissão.

 

Ressalta que o parecer emitido pelo Cebraspe possui caráter meramente sugestivo, não vinculando os membros da Comissão do Concurso, que é a responsável pelo julgamento dos recursos, conforme os arts. 30, IV, e 72 da Resolução CNJ nº 75/2009.

 

Sustenta que a “Comissão do Concurso emitiu decisão devidamente fundamentada, apreciando a questão à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tendo observado os limites do enunciado, aplicado as regras previstas no Código Penal e respeitado os critérios fixados no edital do certame, não havendo, assim, que se falar em erro grosseiro ou flagrante ilegalidade”.

 

Transcreve a decisão da Comissão, na qual se destacou que, conforme o enunciado da prova de sentença criminal, os personagens Francisco e Severina recebiam vantagem econômica indevida para que a funcionária pública realizasse atos de oficio, com unidade de desígnios, praticando o delito de corrupção passiva (art. 317 CP). Ressalta, ainda, a possibilidade de coautoria entre particular e funcionário público em crime funcional, conforme entendimento jurisprudencial e doutrinário.

 

Assenta que o pedido veiculado neste procedimento já foi objeto de recursos interpostos por candidatos, sendo apreciado e rejeitado, por ocasião da sessão pública do dia 15/04/2019, na qual a Comissão do Concurso “no momento processual próprio, admitiu parte dos pedidos formulados nos recursos que pugnaram pela reforma do padrão de resposta preliminar, e decidiu, entre outros pontos, por ampliar o entendimento exposto no gabarito para incluir a tipificação do delito de corrupção passiva entre os crimes praticados pelo Réu Francisco em coautoria com Severina, fundamentando seu posicionamento na doutrina e jurisprudência pátrias”.

 

Prevenção: o Conselheiro Fernando Mattos determinou a remessa dos autos a este gabinete, para análise de possível prevenção, que foi por mim reconhecida, ensejando a redistribuição dos autos  (Id’s nº 3652353 e nº 3654286).

 

Decisão liminar: julguei prejudicado o pedido liminar, considerando que em 15/05/2019 foi determinada a suspensão do Concurso Público para o Cargo de Juiz de Direito Substituto do Estado da Bahia nos autos dos PCA’s nº 0002928-84.2019.2.00.0000, 0003003-26.2019.2.00.0000 e 0003116-77.2019.2.00.0000 – que tramitam sob minha relatoria e tratam da fórmula de correção do uso do vernáculo nas provas escritas do certame em comento (Id nº 3667816).

 

Prazo in albis: determinei, ainda, a intimação da requerente para manifestação quanto às informações prestadas pelo Tribunal, porém o prazo transcorreu in albis. 

 

É o relatório.

 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003072-58.2019.2.00.0000
Requerente: LOREN TERESINHA CAMPEZATTO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA

 

 

 

VOTO

 

A requerente questiona padrão de resposta da prova de sentença criminal adotado pela Comissão do Concurso Público para o Cargo de Juiz de Direito Substituto do Estado da Bahia (Edital nº 1/2018), requerendo que o Conselho Nacional de Justiça determine a alteração do gabarito, para que seja aceita como resposta a quantidade de cinco ou seis crimes, bem como para que não seja considerada correta a imputação do crime de corrupção passiva ao personagem Francisco.

Todavia, o CNJ já se manifestou no sentido de que não compete a este órgão substituir a banca examinadora e avaliar os critérios de correção e atribuição de notas em concurso público, sob pena de intervir indevidamente na autonomia dos Tribunais. Nesse sentido:

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – CONCURSO PARA INGRESSO NA MAGISTRATURA DO ESTADO DE SÃO PAULO – RESOLUÇÃO CNJ N. 75/2009 – PROVA DISCURSIVA – CONTEÚDO PROGRAMÁTICO – CRITÉRIOS DE ELABORAÇÃO E CORREÇÃO DAS QUESTÕES – INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE – AUTONOMIA DA BANCA EXAMINADORA.

1. Não compete ao CNJ, a não ser em casos excepcionais de flagrante ilegalidade, controlar os critérios utilizados na correção das provas para ingresso na magistratura ou substituir a banca examinadora na escolha ou elaboração das questões, sob pena de violar a autonomia dos Tribunais constitucionalmente garantida.

2. A Resolução CNJ n. 75/2009 traça balizas sobre o conteúdo programático que será versado nas provas subjetivas de concursos para ingresso na magistratura, mas não impõe a forma como tais disciplinas devem ser abordadas pelas bancas examinadoras.

3. Ausência de flagrante ilegalidade ou inequívoca violação das regras editalícias a demandar a intervenção deste Eg. Conselho.

4. Recurso administrativo conhecido e improvido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0000416-07.2014.2.00.0000  - Rel. MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI - 183ª Sessão - j. 25/02/2014)” (destaques acrescidos).

 

 

*****

 

“RECURSO ADMINISTRATIVO. CONCURSO DE INGRESSO NA MAGISTRATURA. TJAM. REVISÃO DE RECURSOS DA PROVA SUBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Não cabe ao Conselho Nacional de Justiça deliberar sobre o conteúdo de questões ou os parâmetros de conhecimento utilizados na formulação ou correção de provas pelas Comissões de Concursos, conforme entendimento jurisprudencial consolidado nos termos do Enunciado Administrativo que ampara a decisão recorrida.

2. Recurso Administrativo a que se nega provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0003862-47.2016.2.00.0000 - Rel. LUIZ CLÁUDIO ALLEMAND - 23ª Sessão Virtual - j. 23/06/2017)” (destaques acrescidos).

 

 

Destaca-se que tal diretriz encontra amparo no entendimento do Supremo Tribunal Federal:

 

“Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Concurso público. Correção de prova. Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Precedentes. 3. Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. Precedentes. 4. Recurso extraordinário provido.(RE 632853, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-125 DIVULG 26-06-2015 PUBLIC 29-06-2015)” (destaques acrescidos)

 

No caso, não restou demonstrada ilegalidade manifesta ou erro grosseiro. Assim, não se vislumbra a possibilidade de interferir na correção das provas escrita do certame em comento a fim de avaliar qual seria a resposta adequada para a prova de sentença criminal.

A requerente narra que, inicialmente, “a Banca Cespe considerou que foram praticados quatro (quatro) crimes, todos em continuidade delitiva”. Ademais, verifica-se o padrão preliminar de resposta considerou, ainda, que houve a prática do crime de corrupção ativa pelo personagem Francisco (Id nº 3624496).

Após a interposição de recursos pelos candidatos, o Cebraspe proferiu parecer, juntado no Id nº 3624498, sugerindo: i) a aceitação das respostas de que houve concurso material de crimes, se o candidato fundamentar o afastamento da incidência da continuidade delitiva; ii) a alteração da fração referente ao aumento pelos crimes continuados, em virtude da quantidade de infrações praticadas; ii) análise dos argumentos quanto a ocorrência do crime de corrupção passiva, dada a discricionariedade da banca, com proposta alternativa de “manter os crimes previstos no padrão de resposta, porém, não ser apenado o candidato que defender a condenação de Severina também no art. 316, bem como a condenação de Francisco também no artigo 317 c/c o art. 30 do CP”.

Na sessão de julgamento ocorrida em 15/04/2019, a Comissão do certame apreciou os recursos interpostos, ocasião em que destacou a ocorrência de cinco crimes e acolheu parcialmente o parecer da empresa organizadora, para aceitar tanto a continuidade delitiva como o concurso material como respostas corretas e reconhecer também o crime de corrupção passiva em coautoria com Severina (Id nº 3624502). Confira-se:

 

(...) "Quanto à sentença criminal, a Advogada Thais Bandeira Oliveira Passos, votou no sentido de dar parcial provimento aos recursos dos candidatos e rejeitar, também parcialmente, o parecer e o padrão de resposta definitivo apresentado pela Instituição executora do certame, CEBRASPE, nos seguintes termos:

Iniciou suas considerações informando que diversos pontos foram impugnados pelos candidatos. Primeiro uma alteração na ordem do padrão de respostas, uma vez que inicialmente está colocada a questão da fixação da pena para, em seguida, ser mencionada a parte dispositiva, destacando que o CEBRASPE aceita essa inversão; o valor para fixação da pena privativa de liberdade como sendo variável, informando que o padrão de reposta apresenta apenas um indicativo, mas que não é vinculante; a questão da ilegalidade na prova obtida nos celulares apreendidos por razão do flagrante de Severina, situação também admitida pelo CEBRASPE. Ressaltou que alguns candidatos interpuseram recurso visando discutir o crime praticado por Severina, se teria sido de concussão ou de corrupção passiva. Após, declarou que mantém o padrão de repostas do CEBRASPE fazendo uma distinção entre os crimes de concussão e corrupção, destacando, ao final, que o único verbo que poderia indicar a existência do crime de concussão seria o "exigir". Evidenciou que os candidatos se apegaram a um trecho da questão que utiliza o verbo "insistir", e por conta do referido verbo passaram a acreditar que o crime praticado teria sido o de concussão, modalidade exigir, ao invés do crime de corrupção passiva. Informou que ao pesquisar, em diversos dicionários, o significado da palavra "insistir", verificou, em todos eles, que o verbo "insistir" está atrelado a pedir novamente, apesar de já ter recebido uma ou várias recusas e em outro dicionário, o verbo "insistir" estava relacionado com pedir com insistência, solicitar muitas vezes. Concluiu tal raciocínio dizendo que o verbo "insistir" está ligado aos verbos pedir/solicitar, razão pela qual não acatou os recursos dos candidatos e votou pela manutenção do gabarito padrão de resposta indicado pelo CEBRASPE, no sentido de tipificar o crime praticado por Severina como corrupção passiva ao invés de concussão. No final solicitou que fosse iniciada a votação referente a esse ponto específico antes de avançar para os demais pontos da sentença criminal.

Com a palavra o Juiz Substituto de 2° Grau Adriano Augusto Gomes Borges pontuou que além do núcleo do tipo que é o "exigir", é preciso, na linha da doutrina clássica penalística e na jurisprudência tradicional, considerar que é necessário que a cobrança exigida pelo agente do delito tenha um efeito de gerar o temor na vítima. Complementou dizendo que, nessa questão da prova, para que estivesse configurada a concussão, era preciso que o enunciado, de alguma forma, indicasse que esse temor tivesse sido produzido no sujeito passivo. Destacou que não é possível existir, em Direito Penal, presunções absolutas de componentes subjetivos do delito, citou a teoria do domínio do fato que se presumia que a pessoa é senhor da empresa, porque é o Presidente da República, e expôs seu entendimento no sentido de que os elementos subjetivos precisam estar presentes. Salientou que a questão não quis em momento nenhum dizer que a vítima desse delito sentiu temor com as insistentes cobranças dos valores, por parte da ré, por que senão teria dito. Frisou que o fato da vítima ter procurado a polícia é um indicativo de que nem teve esse medo; "se medo ela tivesse teria ficado calada, não procuraria a polícia. Muitas vezes quando se é intimidado por uma autoridade ou alguém que represente o Estado você fica até com medo e não vai buscar a polícia." Por fim, concluiu que não é possível especular sobre elementos que não estão na questão, criar fatos novos, fantasiar, bem como que não há nada no enunciado que represente que o sujeito passivo do delito sentiu temor, não sendo possível, portanto, se falar em concussão.

A Desembargadora Presidente coletou os votos dos demais Membros que acompanharam, à unanimidade, o voto da relatora, mantendo o gabarito indicado pelo Cebraspe, no sentido de tipificar o crime praticado por Severina como corrupção passiva ao invés de concussão.

 

“Em continuidade a sua explanação, a Advogada Thais Bandeira Oliveira Passos, representante da OAB/BA, mencionou outro ponto de bastante divergência na sentença criminal, no que diz respeito à espécie de concurso de crimes, que trata da discussão sobre a existência de continuidade delitiva ou de concurso material. Frisou que acompanha o CEBRASPE no sentido de aceitar as duas possibilidades, justificando que não existe, na questão, a indicação do lapso temporal entre as condutas praticadas por Severina, que seria uma das exigências para configuração do crime continuado. Enfatizou que, como não há uma delimitação se houve ou não um prazo inferior a trinta dias, a Empresa Executora do certame passou a aceitar, alternativamente, o concurso material como uma das respostas corretas, e manifestou sua concordância a essa alternativa ao candidato em poder argumentar pelo concurso material, já que não restou expresso na questão a existência do referido lapso temporal de trinta dias exigido pela jurisprudência dos Tribunais Superiores ou da continuidade delitiva, que seriam cinco crimes em continuidade.

A desembargadora Presidente coletou os votos dos demais Membros que acompanharam, à unanimidade, o voto da relatora.

Logo após, a Advogada Thais Bandeira Oliveira Passos discorreu sobre outro ponto que discorda do Cebraspe, e manifestou-se pela reforma do gabarito no que tange ao crime praticado por Francisco, em que os candidatos, argumentaram que o mencionado Réu teria praticado, além da corrupção ativa — conforme já colocado no gabarito — também o delito de corrupção passiva em concurso de agentes com a ré Severina. Afirmou que para esse caso elaborou um pequeno parecer. Após proceder a leitura do enunciado da questão, comentou que a partir do primeiro contato entre Severina e Francisco, eles passaram a atuar em concurso de agentes, e apesar de Francisco ser particular, não é extraneus aos quadros públicos, nada impede que ele responda por crime funcional quando em concurso de agentes como intraneus e isso se dá pela inteligência do Artigo 30 do Código Penal, que determina que não se comunicam as circunstâncias e condições de caráter pessoal, com a ressalva de quando elementares do crime, razão pela qual essa última parte permitir o concurso de agentes entre um particular e um funcionário público. Em continuidade destacou que não havia dúvida da possibilidade de co-autoria, e que ambos deveriam responder por crime funcional, frisando ser tal entendimento amparado pela doutrina e jurisprudência. Por fim, manifestou entendimento no sentido de que a banca precisaria reformular o gabarito oficial para admitir ou para pontuar, alternativamente, a depender da opinião dos demais, aqueles candidatos que tipificaram Francisco no crime de corrupção passiva em concurso de agentes com a ré Severina. Após tais considerações, apresentou voto escrito reproduzido abaixo: (...)

‘Nos demais tópicos aqui não especificados, a banca examinadora está de acordo com o parecer final do CEBRASPE, após análise dos recursos dos candidatos.

Trata-se de recursos referentes à tipificação de conduta realizada pelo réu Francisco. Os candidatos pretendem a inclusão de tipificação pelo art. 317 do CP, qual seja, o delito de corrupção passiva, em concurso de agentes com a ré Severina. 

Para tanto, argumentam que a sua primeira conduta teria sido a de corrupção ativa (art. 333 do CP) e, em seguida, passaram a atuar com unidade de desígnios, ambos praticando o delito de corrupção passiva (art. 317 CP). 

Merece prosperar tal argumento, pois há vários trechos da questão que indicam o concurso de agentes entre ambos: 

Ao conhecer a fama de Francisco como ágil despachante, contratou seus serviços para a expedição de habite-se, pelo valor de R$ 10.000. Dias após a contratação, Josué passou a receber ligações e mensagens de Severina, auto declarada sócia de Francisco. Nas mensagens, enviadas a Josué por intermédio de aplicativo de mensagens privadas instalado em seu celular, Severina insistia que metade do valor acordado lhe fosse entregue diretamente, em data e local a serem combinado. Ainda, foi deferida judicialmente medida cautelar de busca e apreensão a ser realizada no escritório de Francisco, além de autorizada a análise de dados de aparelhos celulares que fossem apreendidos naquele local. Em decorrência de tal medida, foram apreendidos dois aparelhos celulares de propriedade de Francisco, bem como duas agendas pessoais dele, nas quais constavam a indicação de valores e nomes de supostos clientes. Assim, foi apurado e comprovado que ocorreu a expedição irregular de cinco cartas de habite-se ao longo dos últimos anos e que o somatório dos valores recebidos por Francisco e Severina, incluído o que havia sido entregue por Josué, totalizava monta em torno de R$ 100.000. A instrução criminal ocorreu regularmente, oportunidade em que foram ouvidos (i) Josué, que relatou toda a negociação feita com Francisco, os contatos via mensagens feitos por Severina e o encontro que resultou na prisão dela em flagrante; Foram ouvidas, ainda, outras cinco testemunhas, todas proprietárias de imóveis situados no município, que confirmaram ter pagado, cada uma, aproximadamente.

Em que pese Francisco ser particular — extraneus - nada impede que este também responda por crime funcional, quando em concurso de agentes com um intraneus. Isso se dá pela inteligência do art. 30 do CP:

Circunstâncias incomunicáveis

Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

Não há dúvidas dessa possibilidade de co autoria entre particular e funcionário público, respondendo ambos por crime funcional. É o entendimento jurisprudencial e doutrinário.

PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. MAGISTRADO. CONDENAÇÃO. CO-AUTORIA. ADVOGADO. 1. O crime de corrupção passiva, consoante antiga, mas ainda atual jurisprudência, "somente se perfaz, quando fica demonstrado, mesmo através de indícios, que o funcionário procurou alienar ato de oficio." 2. O exame dos indícios resultantes do contexto  probatório levam à conclusão de que houve entre os coparticipes (magistrado e advogado) uma concorrência efetiva  para a prática do delito de corrupção passiva. 3. Denúncia procedente, com imposição das penalidades previstas lei. (STI - Apn: 224 SP 2002/0118840-9, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 01/10/2008, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: -->Die 23/10/2008)

TRANCA MENTO DE AÇÃO PENALPARTICIPAÇÃO DE PARTICULAR EM CORRUPÇÃO PASSIVA. COMUNICABIL IDADE DA CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR DO TIPO. LEI 9.099 /95. CONSIDERAÇÃO DA CAUSADE AUMENTO PARA A AVALIAÇÃO DO REQUISITO OBJETIVO. RECURSOIMPROVIDO. I. É possível a  participação de particular no delito de corrupção passiva, face  a comunicabilidade das condições de caráter pessoal elementares do crime. II. Computa-se a causa especial de aumento de pena na avaliação do requisito objetivo de "pena mínima cominada igual ou inferior a um ano", exigido para a suspensão do processo prevista pela Lei9.099/95. III. Recurso ao qual se nega provimento.STJ - RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS RHC 7717 SP 1998/0040571-2 (STJ)

 

Assim, o gabarito oficial deverá ter pontuação referente a esta tipificação, para o réu Francisco, acrescentando-se os seguintes itens:

Do mérito — Crime de corrupção passiva. Réu Francisco

• Corrupção passiva: materialidade da conduta do réu Francisco. A materialidade do crime de corrupção passiva está comprovada pelos diversos documentos juntados aos autos, a exemplo da agenda com nome dos clientes, bem como pela prova oral, tudo produzido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

No caso, .ficou comprovado que Francisco, juntamente com a funcionária pública Severina, recebia vantagem econômica indevida para que a funcionária pública realizasse atos de oficio, no caso, a emissão de cartas de habite-se em desacordo com o regramento aplicável à espécie. No caso, incide a causa de aumento de pena prevista no § I° do art. 317 do CP, considerando-se que houve a efetiva emissão dos documentos públicos, o que foi praticado de forma atentatória ao dever funcional de obediência à lei. Incide, também, a causa de aumento de pena prevista no caput do art. 71 do CP, em razão da continuidade delitiva   cometimento dos crimes de forma contínua ao longo dos anos, desde 2013.

• Corrupção passiva: autoria do réu Francisco. A autoria de Francisco também está devidamente comprovada, haja vista os seguintes elementos de prova constantes nos autos: a) prisão em flagrante de Severina, que se apresentou como sua sócia; b) laudo pericial realizado nas agendas apreendidas no escritório de Francisco, o que apresenta elementos de convicção relativos a encontros e a valores recebidos pelos réus e divididos entre eles; c) provas testemunhais; d) a confissão parcial de Severina.

• Conclusão e dispositivo

Diante de todo o conjunto fático-probatório dos autos, constato que as ações do acusado são típicas e antijurídicas,porquanto ele não agiu acobertado por qualquer causa de excludente de ilicitude. A conduta é culpável por ser o agente imputável e ter consciência da ilicitude, sendo, ainda, exigível, diante da hipótese concreta, que assumisse postura diversa. Ante o exposto, julgo procedente a pretensão punitiva estatal, para condenar o acusado Francisco, qualificado nos autos, como incurso nas sanções do art. 317, com as causas de aumento de pena previstas no parágrafo único do referido artigo e no caput do art. 71, todos do Código Penal, em razão de estar em concurso de agentes com a funcionária pública Severina, de acordo com os artigos 29 e 30 do CP.

• Dosimetria — Crime de corrupção passiva. Réu Francisco

Primeira e segunda fases. Réu Francisco. 

A culpabilidade do réu foi normal a essa espécie de delito. Contudo, militam em desfavor do réu os antecedentes criminais, haja vista anterior condenação definitiva pela prática de contravenção penal. Não há nos autos elementos desfavoráveis à sua conduta social e personalidade. Os motivos do crime são os inerentes à espécie, confundindo-se com o elemento subjetivo do tipo. As circunstâncias são aquelas descritas no tipo penal. As consequências da própria corrupção ativa já se encontram devidamente valoradas na pena do delito em questão. O comportamento da vítima em nada contribuiu para o evento criminoso.

Feita essa análise, majorando a pena em razão dos antecedentes penais, aplico ao réu a pena-base de 2 anos e 4 meses de reclusão e 12 dias-multa.

Na segunda fase de aplicação da pena, não existem agravantes ou atenuantes, razão pela qual mantenho a pena no mesmo patamar.

Obs. A pena definitiva reclusiva e a multa poderão ser diversas da pena acima sugerida, desde que devidamente justificada.

Terceira fase. Réu Francisco. 

Na conduta de Francisco, há causa de aumento de pena prevista no art. 317, § 1°, do CP, porque, em razão da vantagem ou promessa, Severina praticou a conduta infringindo o dever funcional. Ainda, outra causa de aumento da pena é a prevista no caput do art. 71 do CP, razão pela qual majoro a pena em um quarto, em face da continuidade delitiva.

Como não há causa de diminuição de pena, estabeleço a pena de Francisco para esse crime, definitivamente, em 2 anos e 11 meses e 17 dias-multa, na razão de I salário mínimo vigente à época do fato.’

Os demais membros acompanharam, à unanimidade, o voto da relatora, que acolheu parcialmente o parecer do CEBRASPE, no sentido de que deve ser ampliado o entendimento para reconhecer também o crime de corrupção passiva em coautoria com Severina, dos candidatos que assim o fizeram, pontuado-se no gabarito”.

 

Cumpre destacar, quanto ao ponto, que o gabarito preliminar, como a própria nomenclatura indica, não tem cunho definitivo e está sujeito à ratificação pelo órgão competente, de modo que não é possível falar em legítima expectativa quanto a sua manutenção. Nesse sentido:

 

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. CONCURSO PÚBLICO. DIVULGAÇÃO DE GABARITO PRELIMINAR. ATRIBUIÇÃO DE PONTOS A CANDIDATO. SUPERVENIÊNCIA DO GABARITO DEFINITIVO. ALTERAÇÃO DE RESPOSTAS.DIMINUIÇÃO DA PONTUAÇÃO. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO AO GABARITO PRELIMINAR. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO A QUE AS QUESTÕES SEJAM NECESSARIAMENTE ANULADAS. IMPOSSIBILIDADE DE REAVALIAÇÃO JUDICIAL DOS TÍTULOS. RECONHECIMENTO DO DESCUMPRIMENTO DE REGRAMENTO EDITALÍCIO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.DIREITO DE ACESSO AOS MOTIVOS DO ATO ADMINISTRATIVO.

1. A parêmia de que o edital é lei do concurso obriga a Administração Pública e o candidato à sua fiel observância, pena de malferimento ao princípio da vinculação ao edital, ao princípio da legalidade e ao princípio da isonomia.

(...)

5. O candidato não tem direito adquirido a que o resultado do gabarito provisório seja mantido, de maneira que a sua posterior alteração, como decorrência de atividade "ex officio" da banca examinadora ou do provimento de recursos administrativos, e a consequente diminuição da pontuação atribuída a si, não importam violação a suposto direito público subjetivo.

6. Se a comissão examinadora procede à alteração das respostas consideradas corretas na prova objetiva, ou, ainda, nega pontuação ao candidato na fase de avaliação de títulos, deve, quando instada regularmente pelo interessado, providenciar a explanação dos motivos pelos quais praticado o ato, a sua negativa ou, como no caso concreto, a simples omissão induzindo a ofensa ao princípio da publicidade.

7. Recurso ordinário em mandado de segurança provido parcialmente”.

(RMS 51.136/MS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 26/08/2016)” (destaques acrescidos)

 

Ademais, ressalta-se que o parecer consiste em ato de cunho opinativo, não vinculando, como regra, a autoridade com poder decisório. Nesse ponto, José dos Santos Carvalho Filho leciona que[1]:

 

“Refletindo um juízo de valor, uma opinião pessoal do parecerista, o parecer não vincula a autoridade que tem competência decisória, ou seja, aquela a quem cabe praticar o ato administrativo final. Trata-se de atos diversos – o parecer e o ato que o aprova ou rejeita. Como tais atos têm conteúdos antagônicos, o agente que opina nunca poderá ser o que decide”.

 

Desse modo, tem-se que a Comissão do certame, no exercício das funções previstas no art. 72 da Resolução CNJ nº 75/2010, deliberou fundamentadamente acerca da questão, em sessão realizada no dia 15/04/2019 (Id nº 3624502), e acolheu parcialmente o parecer da empresa organizadora.

Em verdade, a requerente possui interpretação diversa quanto ao enunciado da questão e discorda do entendimento da Banca, no sentido de que incidiria o disposto no art. 317 c/c art. 30 do CPC. 

Não cabe ao CNJ, contudo, avaliar a matéria jurídica discutida e/ou deliberar acerca de qual seria o padrão de respostas definitivo das provas, sob pena de desrespeitar a autonomia da Comissão do Certame, que, em última análise, decorre da capacidade de auto-organização e autoadministração que o art. 96 da Constituição Federal confere aos Tribunais. 

Nada obstante, verifica-se possível erro material na decisão proferida na sessão de julgamento de 15/04/2019. Isso porque, no que diz respeito a ocorrência da continuidade delitiva, a Comissão, como visto, deliberou por acolher o parecer do Cespe, que, no ponto, trouxe as seguintes colocações:

 

“5) Sobre a continuidade delitiva – réus Severina e Francisco

Há muitos recursos que sustentam que a situação não comportaria ‘continuidade delitiva’ mas, sim, o concurso material de crimes, conforme defendido pelo Ministério Público, com o argumento de ser posição do STJ.

Com efeito, encontra-se o posicionamento do STJ: ‘O art. 71, caput, do Código Penal não delimita o intervalo de tempo necessário ao reconhecimento da continuidade delitiva. Esta Corte não admite, porém, a incidência do instituto quando as condutas criminosas foram cometidas em lapso superior a trinta dias. 2. E mesmo que se entenda preenchido o requisito temporal, há a indicação, nos autos, de que o Réu, embora seja primário, é criminoso habitual, que pratica reiteradamente delitos de tráfico, o que afasta a aplicação da continuidade delitiva, por ser merecedor de tratamento penal mais rigoroso. 3. Agravo regimental desprovido’ (STJ AgRg no REsp 1747139/RS, DJe 04/02/2019). 

No entanto, recentemente se entendeu que ‘(....) por fim, adotando a teoria objetivo subjetiva ou mista, a doutrina e jurisprudência  inferiram  implicitamente  da  norma um requisito da unidade de desígnios na prática dos crimes em continuidade delitiva, exigindo-se,  pois,  que  haja  um  liame  entre  os  crimes, apto a evidenciar   de  imediato  terem  sido  esses  delitos  subsequentes continuação do primeiro, isto é, os crimes parcelares devem resultar de  um  plano  previamente  elaborado  pelo agente. 5. Nos termos da jurisprudência desta Corte, ‘inexistindo previsão legal expressa a respeito do intervalo temporal necessário  ao  reconhecimento da continuidade  delitiva,  presentes  os  demais  requisitos da ficção jurídica,  não  se  mostra razoável afastá-la, apenas pelo fato de o intervalo  ter ultrapassado 30 dias’ (AgRg no AREsp 531.930/SC, Rel. Ministro  SEBASTIÃO  REIS  JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 3/2/2015, DJe   13/2/2015).   6.  No caso, resta clara a configuração da continuidade delitiva entre os crimes, por restar demonstrado o liame subjetivo entre as condutas, assim como preenchimento dos elementos de ordem objetiva necessários para a concessão do benefício.   Perpetrados   crimes   da   mesma espécie em comarca limítrofes, com o mesmo modus operandi, o  simples fato de ter decorrido prazo um pouco superior a 30 dias entre a terceira conduta e a última conduta não afasta a viabilidade da concessão do referido benefício. (HC 490707 / SC, DJe 01/03/2019).

Por isso devem ser deferidos os recursos nesse sentido, permitindo que seja aceito o concurso material de crimes (e, consequentemente, a procedência total da ação), se o candidato fundamentar o afastamento da incidência da continuidade delitiva.

Além disso, quanto à fixação de 1/3 para aumento de pena no concurso continuado, devem ser também deferidos os recursos que fixam esse aumento em patamar diferente daquele proposto no padrão de resposta.

De fato, decidiu o STJ que ‘A exasperação da pena do crime de maior pena, realizado em continuidade delitiva, será determinada, basicamente, pelo número de infrações penais cometidas, parâmetro este que especificará no caso concreto a fração de aumento, dentro do intervalo legal de 1/6 a 2/3’.  Nesse diapasão, esta Corte Superior de Justiça possui o entendimento consolidado de que, em se tratando de aumento de pena referente à continuidade delitiva, aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4 para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações; 1/2 para 6 infrações e 2/3 para 7 ou mais infrações (HC 490707 / SC, DJe 01/03/2019).

Assim, o dispositivo apontado pelo padrão preliminar pode ser entendido que foi omisso quanto à quantidade de crimes e não há justificativa para a adoção da fração de 1/4 (que seria aplicável no caso de 4 delitos em continuidade).

Na verdade, o réu incidiu no crime de corrupção passiva 5 vezes (5 cartas de habite-se já expedidas irregularmente, sem que o conjunto probatório dê suporte à condenação do réu pelo fato que culminou na prisão em flagrante da ré Severina – conduta de solicitar vantagem indevida a Josué)(destaques acrescidos).

 

Na ata da sessão de julgamento, todavia, restou consignado o seguinte:

 

“Frisou que acompanha o CEBRASPE no sentido de aceitar as duas possibilidades, justificando que não existe, na questão, a indicação do lapso temporal entre as condutas praticadas por Severina, que seria uma das exigências para configuração do crime continuado. Enfatizou que, como não há uma delimitação se houve ou não um prazo inferior a trinta dias, a Empresa Executora do certame passou a aceitar, alternativamente, o concurso material como uma das respostas corretas, e manifestou sua concordância a essa alternativa ao candidato em poder argumentar pelo concurso material, já que não restou expresso na questão a existência do referido lapso temporal de trinta dias exigido pela jurisprudência dos Tribunais Superiores ou da continuidade delitiva, que seriam cinco crimes em continuidade.

(...)

Terceira fase. Réu Francisco.  

Na conduta de Francisco, há causa de aumento de pena prevista no art. 317, § 1°, do CP, porque, em razão da vantagem ou promessa, Severina praticou a conduta infringindo o dever funcional. Ainda, outra causa de aumento da pena é a prevista no caput do art. 71 do CP, razão pela qual majoro a pena em um quarto, em face da continuidade delitiva” (destaques acrescidos).

 

Desse modo, entendo aconselhável que a Comissão do certame delibere acerca da questão tão somente para esclarecer qual ao entendimento por ela adotado, no uso de sua autonomia, como gabarito correto da questão, com relação à quantidade de infrações praticadas, evitando-se, assim, futuros questionamentos quanto ao ponto, seja no âmbito do Tribunal, seja na esfera deste Conselho Nacional de Justiça.

 

 DISPOSITIVO

 

Por essas razões, julgo parcialmente procedente o pedido tão somente para determinar que a Comissão do certame, antes de divulgar o gabarito definitivo, esclareça qual é o seu entendimento quanto a resposta correta prova de sentença criminal.

É o voto. 

 

Conselheira IRACEMA VALE

Relatora  



[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 23ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

 

 

 

 

Brasília, 2019-09-04.