Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007820-02.2020.2.00.0000
Requerente: NOVELY VILANOVA DA SILVA REIS
Requerido: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO - TRF 1

 

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. MAGISTRATURA. CARREIRA. DESEMBARGADOR FEDERAL. FÉRIAS. LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. ART. 67, § 2º. FRACIONAMENTO. PERÍODO INFERIOR A 30 (TRINTA) DIAS. VEDAÇÃO EXPRESSA. SUPERVENIÊNCIA DA RES. CNJ 293, DE 2019. UM TERÇO DE CADA PERÍODO DE FÉRIAS. CONVERSÃO EM PECÚNIA. PEDIDO INDIVIDUAL. PERDA DE OBJETO. ATUAÇÃO DE OFÍCIO. CONVOCAÇÃO PARA SUBSTITUIÇÃO. ART. 118 DA LOMAN. AFASTAMENTO MÍNIMO. SUPERVENIÊNCIA DE NOVA DISCIPLINA NORMATIVA. EVENTUAL PREJUÍZO DECORRENTE DO EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. IMPOSSIBILIDADE. INTERESSE DO JURISDICIONADO. EFETIVIDADE DA ATIVIDADE JURISDICIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL À CELERIDADE E À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. ATUAÇÃO DE OFÍCIO. APROVAÇÃO DE ATO NORMATIVO.

1. É direito da magistratura e interesse da Administração, assentado pela Resolução n. 293, de 27 de agosto de 2019, a conversão em abono pecuniário de um terço de cada período de férias. A conversão em pecúnia de parte das férias, ao manter o juiz no exercício da jurisdição por período maior, incrementa a capacidade administrativa mobilizada para garantir maior celeridade na prestação jurisdicional.

2. A impossibilidade de substituição de membros de tribunais que optam por converter parte de suas férias em pecúnia acaba gerando, por consequência, o inverso daquilo que se buscava atingir com a possibilidade de se manter o magistrado na jurisdição por mais tempo.

3. Por coerência, a mesma linha argumentativa deve ser estendida também aos afastamento por motivos de saúde previsto no art. 69 da Loman, de modo a harmonizar a eficiente prestação jurisdicional com a Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário, estabelecida pela Resolução n. 207, de 15 de outubro de 2015.

4. Pedido individual prejudicado. Para garantia da continuidade do serviço público e do direito ao descanso e ao cuidado com a saúde física e mental dos magistrados, aprovação de ofício de ato normativo que preveja a possibilidade de convocação de magistrados de primeiro grau para prestação de apoio a juízes de tribunais em virtude de férias por período superior a 20 (vinte) dias ou por motivos de saúde.

 ACÓRDÃO

O Conselho decidiu, por unanimidade: I - incluir em pauta o presente procedimento, nos termos do § 1º do artigo 120 do Regimento Interno; II - aprovar questão de ordem, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente. Ausentes, circunstancialmente, os Conselheiros Luis Felipe Salomão e Salise Sanchotene. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 23 de maio de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello (Relator).

 

RELATÓRIO


Trata-se de Pedido de Providências em que Novely Vilanova da Silva Reis, desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), requer a designação de “juiz de 1º grau para atuar em auxílio” durante a fruição de suas férias de 20 (vinte) dias.

Sustenta que a Resolução n. 293, de 27 de agosto de 2019, do Conselho Nacional de Justiça possibilitou a conversão em pecúnia de um terço de cada um dos dois períodos de férias a que faz juiz o magistrado, na dicção do § 1º do art. 67 da Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional — Loman).

Argumenta que limitar a convocação de juízes para substituição no Tribunal para afastamentos superiores a 30 (trinta) dias, como dispõe o art. 118 da Lei Orgânica, compromete a prestação jurisdicional.

Propõe, como solução, a utilização do instituto do auxílio, previsto no art. 2º, III, da Resolução CNJ n. 72, de 31 de março de 2009, inclusive na modalidade à distância.

Sinalizada, no sistema processual, a formulação de pedido liminar, o Conselheiro Henrique Ávila determinou a intimação do TRF1 para se manifestar, no prazo de 5 (cinco) dias, a respeito do processado.

Instado, o Regional aduziu, em síntese, que o cabimento da convocação de magistrado para a prestação de auxílio tem lugar apenas “em situações excepcionais, ante imprevisível ou justificado acúmulo de serviço ou quando outra circunstância impedir o exercício regular das atividades do tribunal” (id 4142887). Entende não ser este o caso dos autos, razão pela qual rechaça o pedido.

O pedido de intervenção antecipatória dos efeitos da tutela pretendida foi indeferido por carência de amparo nas normas legais e regulamentares que disciplinam o tema, uma vez que a alteração do quadro fático que sustenta a jurisprudência atualmente em vigor demanda um debate mais aprofundado, a ser estabelecido quando da apreciação do mérito da causa.

O TRF1 reiterou os argumentos apresentados em manifestação prévia (id 4142885), no sentido de que não há fundamento que autorize a convocação para auxílio ao gabinete do desembargador federal que se ausenta por motivo de férias, e nem a convocação para sua substituição no caso em que opte por fruir apenas 20 (vinte) dias, com a conversão dos demais dias em abono pecuniário.

A parte autora ponderou que as normas que disciplinam a convocação de magistrados de primeiro grau para atuar na 2ª instância devem ser interpretadas de acordo com o superveniente reconhecimento, pela Resolução CNJ n. 293, de 2019, do direito à conversão em abono pecuniário do terço de férias, evitando-se que o gozo de um direito resulte em prejuízo para o serviço.

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Distrito Federal pleiteou sua admissão no feito como terceira interessada (id 4478432) e pugnou pela reinterpretação das normas que disciplinam a possibilidade de substituição por juízes de 1º grau ou auxílio em situações de férias de desembargadores por no mínimo 20 (vinte) dias.

A Associação de Juízes Federais da Primeira Região (AJUFER) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) também requereram sua admissão como interessadas nos autos.

Em 19 de janeiro de 2022 (id 45918220, o autor destacou que a realidade da administração dos tribunais deve ser levada em consideração na interpretação das normas referentes às férias de desembargadores federais e suas substituições, conforme previsão do art. 22 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.

O Presidente do Conselho da Justiça Federal, Ministro Humberto Martins, comunicou que, em sessão realizada em 28.3.2022, foi sobrestado o julgamento do Processo n. 0000086-95.2022.4.90.8000, cujo objeto é a alteração da regra constante do art. 1º, I, da Resolução CJF n. 51, de 2009, para permitir a substituição de desembargadores federais por juízes federais convocados em período de férias igual ou inferior a 20 (vinte) dias, até o julgamento dos presentes autos.

É o relatório. 


VOTO - MÉRITO


De início, admito o ingresso nos autos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Distrito Federal, da Associação de Juízes Federais da Primeira Região (AJUFER) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) como terceiras interessadas, nos termos do art. 9º, III, da Lei n. 9.784, de 1999, que recebem o feito no estado em que se encontra.

A controvérsia dos autos reside no pedido do autor, juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, para que seja designado magistrado de primeiro grau para atuar em auxílio, sem afastamento da jurisdição de origem, durante suas férias de 20 (vinte) dias, nos moldes do art. 2º, III, da Resolução CNJ n. 72, de 2009, a fim de evitar prejuízos à prestação jurisdicional.

Após análise dos autos, verifico que o pedido do requerente para prestação de auxílio em seu período de férias relativas ao ano de 2020 perdeu seu objeto.

Entretanto, considerando que a situação posta se renova a cada período de férias não apenas para o magistrado demandante, afetando de forma horizontal toda a carreira da magistratura nacional, cumpre lançar mão da atribuição conferida pela Constituição da República para, independentemente de provocação específica, zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura.

Na verdade, a participação das entidades associativas da magistratura federal indica que a questão posta nestes autos guarda relação com direito individual homogêneo — suscetível, portanto, de escrutínio no âmbito deste Conselho Nacional.

Antes de manifestar qualquer juízo sobre o feito, contextualizo os fatos que exigem reflexão do Plenário acerca da gestão administrativa de férias de desembargadores federais por período inferior a 30 (trinta) dias, a fim de evitar o comprometimento da eficiência e da celeridade na prestação jurisdicional.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional assim regulamenta a fruição de férias e a convocação de juízes, para fins de substituição, nos casos de afastamento (férias inclusas) superior a 30 (trinta) dias: 

Art. 67. Se a necessidade do serviço judiciário lhes exigir a contínua presença nos Tribunais, gozarão de trinta dias consecutivos de férias individuais, por semestre:

[...]

§ 1º As férias individuais não podem fracionar-se em períodos inferiores a trinta dias, e somente podem acumular-se por imperiosa necessidade do serviço e pelo máximo de dois meses.

E:

Art. 118. Em caso de vaga ou afastamento, por prazo superior a 30 (trinta) dias, de membro dos Tribunais Superiores, dos Tribunais Regionais, dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais de Alçada, (Vetado) poderão ser convocados Juízes, em Substituição (Vetado) escolhidos (Vetado) por decisão da maioria absoluta do Tribunal respectivo, ou, se houver, de seu Órgão Especial: [...] (g. n.) 

A Resolução CNJ n. 72, de 31 de março de 2009, que dispõe sobre a convocação de juízes de primeiro grau para substituição e auxílio no âmbito dos Tribunais estaduais e federais, distingue substituição e convocação para auxílio em situações extraordinárias, nos seguintes termos:

Art. 2º A atuação de juízes de primeiro grau em segunda instância poderá decorrer:

I - do exercício do cargo de juiz substituto em segundo grau, de acordo com previsão legal específica, cujo provimento respeite as exigências constitucionais correspondentes;

II - da convocação para fins de substituição, de acordo com o art. 118 da LOMAN;

III - da convocação para fins de auxílio; [...] (g. n.)

Quanto à substituição, o ato normativo estabelece limitação temporal nos seguintes termos:

Art. 4º A convocação de juízes de primeiro grau para substituição nos Tribunais poderá ocorrer nos casos de vaga ou afastamento por qualquer motivo de membro do Tribunal, em prazo superior a 30 dias, e somente para o exercício de atividade jurisdicional.

A leitura conjugada das duas premissas permite ao intérprete inferir que o membro de Tribunal será substituído por magistrado de primeiro grau, nos termos do art. 7º da mencionada Res. CNJ n. 72, de 20091, em seus períodos de afastamento por qualquer motivo — férias, licenças e concessões, por exemplo.

Ocorre que a situação de direito foi alterada com a superveniência da Resolução n. 293, de 27 de agosto de 2019, que estabelece parâmetros para o exercício do direito às férias dos membros da Magistratura Nacional.

Com a finalidade de uniformização da matéria e a fim de propiciar melhor gestão da prestação jurisdicional pelos Tribunais, o Conselho Nacional de Justiça estatuiu a norma que permite a conversão de um terço de cada período de férias em abono pecuniário:

Art. 1º Os magistrados terão direito a férias anuais, consoante previsto na Lei Complementar nº 35/79, permitida a acumulação em caso de necessidade do serviço.

§ 1º Para as férias referentes ao primeiro período aquisitivo serão exigidos doze meses de efetivo exercício.

§ 2º Após o transcurso de doze meses do ingresso na magistratura, os períodos de férias subsequentes corresponderão ao ano civil correlato.

§ 3º É facultada a conversão de um terço de cada período de férias em abono pecuniário, nele considerado o terço constitucional, mediante requerimento formulado com antecedência mínima de sessenta dias do efetivo gozo. (g. n.)

Com a entrada em vigor deste dispositivo, que permite a conversão em pecúnia de um terço de cada período de férias (ou seja, de um terço de cada período de trinta dias), cria-se a possibilidade de que os magistrados usufruam de apenas 20 (vinte) dias de cada período de descanso remunerado.

Nessa hipótese, considerada a expressa vedação para a convocação de magistrados para substituição em segundo grau em casos de afastamento por período inferior a trinta dias, há verdadeira interrupção da prestação jurisdicional naquela unidade por período consideravelmente prolongado.

A parte autora afirma que o art. 123, I, do Regimento Interno do TRF1 contempla a possibilidade de substituição do relator somente para apreciação de medidas urgentes na hipótese de afastamento por período inferior a 30 (trinta) dias. Nessa hipótese, o magistrado é substituído pelo revisor ou pelo desembargador federal que lhe seguir na antiguidade no órgão.

A disciplina repete-se no art. 126 do RITRF1:

Art. 126. Quando o afastamento for por período inferior a 30 dias, os feitos deverão ser encaminhados ao desembargador federal que se lhe seguir na ordem de antiguidade no órgão julgador, para a decisão, não havendo redistribuição.

Acrescenta que o afastamento de qualquer desembargador federal, em razão de férias por 20 (vinte) dias, causa óbices à continuidade dos trabalhos, uma vez que, à exceção da 9ª Turma, as demais turmas do TRF1 são constituídas por 03 (três) desembargadores, conforme previsão do art. 3º, do seu Regimento Interno.

Conforme se verifica da delimitação temática dos autos, mostra-se imperativo que o Conselho Nacional de Justiça enfrente a matéria, buscando conciliar interesses e solucionar aparente conflitos de normas, a fim de que seja estabelecida medida administrativa uniforme que resguarde o princípio da continuidade do serviço público.

Ademais, compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes estabelecidos no Estatuto da Magistratura, podendo, para tanto, expedir atos regulamentares, nos limites de sua competência, ou recomendar providências.

De fato, há disposição expressa na Loman que somente poderão ser efetivadas convocações dos juízes para substituição de membros de tribunais para afastamentos por prazo superior a 30 (trinta) dias.

No entanto, não se pode ignorar ser interesse da Administração a aquisição parcial de períodos de férias dos magistrados, exatamente para assegurar a eficiência e a continuidade do serviço. Afinal, a atividade administrativa deve ser prestada de forma contínua, não comportando intervalos ou lapsos, sendo constante e homogênea. Esta, pois, a razão da extinção das férias coletivas, patrocinada pela redação dada ao art. 93, XII, da Constituição da República pela emenda à Constituição n. 45, de 2004.

A conversão em pecúnia de parte das férias, ao manter o juiz no exercício da jurisdição por período maior, incrementa a capacidade administrativa mobilizada para garantir maior celeridade na prestação jurisdicional, objetivo finalístico do Poder Judiciário. 

Nesse contexto, a impossibilidade de substituição de membros dos tribunais regionais pelo período de 20 (vinte) dias por juízes de primeiro grau afeta diretamente a efetiva e célere prestação jurisdicional, sendo os maiores prejudicados os próprios jurisdicionados.

A situação é retratada nos autos, com preocupação, pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Distrito Federal, pela Associação de Juízes Federais da Primeira Região e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil, que são unânimes ao destacar a gravidade da lacuna exposta para o funcionamento do sistema judicial, o atendimento ao interesse público e a continuidade da prestação de um serviço público eficiente pelo Poder Judiciário.

É sabido que o Conselho Nacional de Justiça, em momento anterior à edição da Resolução CNJ n. 293, de 2019, já publicou precedentes contrários à substituição de membros de tribunais federais por prazo inferior a 30 (trinta) dias.

Entretanto, a matéria foi normativamente densificada. Este Conselho não pode se evadir da análise da situação de fato decorrente da nova norma, em que processos não são julgados por 20 (vinte) dias em razão da ausência de substituto ou auxiliar, o que caracteriza expressa ofensa aos princípios da celeridade e da razoável duração do processo.

Tendo em vista que compete ao CNJ a incondicional função de zelar pela observância integral da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, ao se deparar com uma condição que afronta seus preceitos, não se poderia cogitar, sem norma autorizativa, da utilização do instituto da “substituição” em períodos de afastamento de membros de tribunais para o gozo de férias de 20 (vinte) dias.

A despeito desse impedimento de ordem legal, é correto admitir, como sustenta a Ajufer:

a impossibilidade de convocação de juiz federal para substituir o desembargador federal em gozo de férias impõe à Administração carga de trabalho que não pode ser vencida pelos desembargadores federais, que já acumulam gabinetes com dezenas de milhares de processos e distribuição mensal de milhares de feitos, sem falar na reorganização das turmas para permitir o funcionamento dos órgãos colegiados. (id. 4481354).

Não se pode fechar os olhos ao fato de que a fruição do legítimo direito funcional à conversão das férias em pecúnia acarreta, indiretamente, danosa consequência para a manutenção da regularidade do acervo processual de membro de tribunal.

Com isso, há efetivo risco de que a ausência de intervenção para endereçar o tema torne deficiente a tutela estatal ao direito fundamental à razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece, nesse sentido, que o postulado da proporcionalidade veda a chamada proteção insuficiente ou deficiente (Untermassverbot), que veda a inércia estatal na adoção de medidas destinadas à proteção de bem jurídico revestido de fundamentalidade2.

Insere-se, pois, dentre as competências legadas pela Constituição da República a edição de normas regulamentares, classificadas como “atos de comando abstrato que dirigem aos seus destinatários comandos e obrigações, desde que inseridos na esfera de competência do órgão”3. Tais atos, na verdade, constituem atos normativos de natureza primária, ou seja, que subtraem da própria Constituição da República seu fundamento de validade — para garantia do fiel cumprimento do Estatuto da Magistratura, de modo expresso, e, com ainda mais razão, da própria Carta Política.

E, nessa ordem de ideias, o mesmo ímpeto que redundou na edição da Res. CNJ n. 293, de 2019, pode criar ou editar ato de igual dignidade para ampliar a possibilidade de convocação de juiz de primeiro grau para auxílio de magistrado de segundo grau, harmonizando-a com a densificação normativa do tema desde a edição da Res. CNJ n. 72, de 2009.

Nesse sentido, dada a necessária intervenção deste Conselho para solver questão de tamanha importância para a carreira da magistratura e para garantir a eficiente prestação jurisdicional, tomo a liberdade de apresentar a este Plenário uma minuta de ato normativo que visa a uniformizar, em âmbito nacional, o auxílio a membros do segundo grau por magistrados de primeiro grau nas hipóteses de férias por período superior a 20 (vinte) dias, em razão da alteração promovida pela possibilidade de conversão em pecúnia prevista na Resolução CNJ n. 293, de 2019.

Ocorre que a possibilidade de convocação de magistrados em auxílio para a cobertura de férias com justificativa na harmonização do regramento atualmente vigente a respeito do tema demanda, a meu sentir, um segundo esforço em favor do dever de coerência que devemos guardar na formulação e no aprimoramento de políticas públicas judiciárias.

Ao instituir a Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário na Resolução n. 207, de 15 de outubro de 2015, este Conselho reconheceu a necessidade da implementação de ações institucionais voltadas à preservação da saúde física e mental de magistrados e servidores, com o objetivo de construir e manter um meio ambiente de trabalho seguro e saudável.

A articulação de iniciativas com vista à atuação integral do Judiciário nas ações instituídas para reduzir e eliminar riscos à saúde decorrentes do ambiente, processo e condições de trabalho deve considerar, nesse sentido, a intersetorialidade exigida para enfrentamento aos múltiplos fatores de ordem biopsicossocial do processo saúde/doença.

Estou convicto que as mesmas razões que declinei para justificar a necessidade de regulamentação da convocação de magistrados em auxílio para cobertura de férias também se aplicam, plenamente, para a necessária coordenação das políticas públicas que tratam, de um lado, da eficiente prestação jurisdicional e, de outro, do direito fundamental dos magistrados à saúde (e, no caso das férias, ao descanso).

Esta é a razão que, por coerência, levam-me a incluir na revisão das normas relativas à prestação de auxílio a juízes de segundo grau e desembargadores de tribunais a possibilidade de convocação de juízes em auxílio nos casos de afastamento por motivos de saúde previsto no art. 69 da Loman.

Como dito, o auxílio permitiria que os processos não fiquem estagnados durante os períodos de ausência dos magistrados, contribuindo para a eficiência e celeridade da justiça. Estaríamos, assim, a atender ao princípio da continuidade do serviço público e, ao mesmo tempo, respeitar o direito dos magistrados ao descanso e à saúde, mantendo o equilíbrio necessário entre os direitos e deveres inerentes ao exercício da atividade jurisdicional.

Ante o exposto, considerando o papel institucional do CNJ de aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro:

a) declaro a perda de objeto do Pedido de Providências movido por Novely Vilanova da Silva Reis contra o Tribunal Regional Federal da 1ª Região;

b) de ofício, submeto ao Plenário a aprovação de Ato Normativo para adequação das normas regulamentadoras quanto à convocação de magistrados de segundo grau para a prestação de auxílio nos seguintes termos:

  

***

 

RESOLUÇÃO No              , DE       DE                         DE 2023.

 

Altera a Resolução no 72, de 31 de março de 2009, que dispõe sobre a convocação de juízes de primeiro grau para substituição e auxilio no âmbito dos Tribunais estaduais e federais, e a Resolução no 293, de 27 de agosto de 2019, que dispõe sobre as férias da magistratura nacional, para prever a possibilidade de convocação de juízes de primeiro grau para auxílio nos Tribunais para afastamento para fruição de férias por período igual ou superior a 20 (vinte) dias ou licença por motivos de saúde em período inferior a 30 (trinta) dias.

 

 

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais;

CONSIDERANDO que a Resolução no 72, de 31 de março de 2009, instituiu a possibilidade de convocação de magistrados para prestar auxílio, em caráter excepcional, às atividades jurisdicionais e administrativas dos tribunais, quando justificado acúmulo de serviço o exigir;

CONSIDERANDO que a Resolução no 293, de 27 de agosto de 2019, previu a possibilidade de conversão em pecúnia de um terço de cada período de férias (ou seja, de um terço de cada período de trinta dias), estabelecendo a possibilidade de que os magistrados usufruam de apenas 20 (vinte) dias de cada período de férias;

CONSIDERANDO que a Resolução no 207, de 15 de outubro de 2015, ao instituir a Política de Atenção Integral à Saúde de magistrados e servidores do Poder Judiciário, impõe a adoção de medidas transversais para a prevenção, detecção precoce e tratamento de doenças e para a reabilitação da saúde, especialmente em situações decorrentes do ambiente, processo e condições de trabalho;

CONSIDERANDO a necessidade de manutenção da continuidade do serviço judiciário e da eficiência na prestação jurisdicional durante períodos de afastamento de juízes de segundo grau e desembargadores, ainda que por períodos inferiores aos que, nos termos do art. 118 da Lei Complementar no 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – Loman), autorizam a convocação de juízes em substituição;

CONSIDERANDO que o exercício do direito à reabilitação da saúde do magistrado e de pessoas de sua família e do direito ao descanso não pode importar em acréscimo de acervo processual;

CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento do Pedido de Providências no 0007820-02.2020.2.00.0000 na 7a Sessão Ordinária Virtual de 2023, realizada entre os dias 11 e 19 de maio de 2023, e na aprovação de Questão de Ordem submetida na 8a Sessão Ordinária de 2023, realizada em 23 de maio de 2023;

RESOLVE:  

Art. 1o O art. 5o da Resolução no 72, de 31 de março de 2009, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 5o A convocação de juízes de primeiro grau para auxílio a tribunais e juízes de segundo grau ou desembargadores se dará em caráter excepcional, quando exigido pelo interesse público ou pelo justificado acúmulo de serviço.

......................................................................................

§ 5o É admitida a convocação de juízes de primeiro grau para auxílio à atividade jurisdicional em segundo grau em caso de licença prevista no art. 69 da Lei Complementar no 35, de 14 de março de 1979, em período inferior a 30 (trinta) dias.” (NR)

Art. 2o O art. 2o da Resolução no 293, de 27 de agosto de 2019, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

Art. 2o ......................................................................................

Parágrafo único. É admitida a convocação de juízes de primeiro grau para auxílio em caso de afastamento de membro do Tribunal para a fruição de férias por período igual ou superior a 20 (vinte) dias, resultante da conversão de um terço de cada período em abono pecuniário prevista no § 3o do art. 1o desta Resolução, nos termos da Resolução no 72, de 31 de março de 2009.” (NR) 

Art. 3o Esta Resolução entra em vigor 60 (sessenta) dias após sua publicação.

 

 

Ministra ROSA WEBER

 

***

 

É o voto.

Luiz Fernando BANDEIRA de Mello
Conselheiro Relator

 

 


 

 

VOTO - QUESTÃO DE ORDEM


De início, admito o ingresso nos autos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Distrito Federal, da Associação de Juízes Federais da Primeira Região (AJUFER) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) como terceiras interessadas, nos termos do art. 9º, III, da Lei n. 9.784, de 1999, que recebem o feito no estado em que se encontra.Cuida-se de Pedido de Providências instaurado a requerimento de Novély Vilanova da Silva Reis, juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em que se pleiteia a designação de magistrada ou magistrado para atuação em auxílio no segundo grau de jurisdição durante a fruição de férias de membro de tribunal.

A matéria foi submetida ao Plenário do Conselho Nacional de Justiça na 7ª Sessão Virtual de 2023, em voto encimado pela seguinte ementa:

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. MAGISTRATURA. CARREIRA. DESEMBARGADOR FEDERAL. FÉRIAS. LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. ART. 67, § 2º. FRACIONAMENTO. PERÍODO INFERIOR A 30 (TRINTA) DIAS. VEDAÇÃO EXPRESSA. SUPERVENIÊNCIA DA RES. CNJ 293, DE 2019. UM TERÇO DE CADA PERÍODO DE FÉRIAS. CONVERSÃO EM PECÚNIA. PEDIDO INDIVIDUAL. PERDA DE OBJETO. ATUAÇÃO DE OFÍCIO. CONVOCAÇÃO PARA SUBSTITUIÇÃO. ART. 118 DA LOMAN. AFASTAMENTO MÍNIMO. SUPERVENIÊNCIA DE NOVA DISCIPLINA NORMATIVA. EVENTUAL PREJUÍZO DECORRENTE DO EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. IMPOSSIBILIDADE. INTERESSE DO JURISDICIONADO. EFETIVIDADE DA ATIVIDADE JURISDICIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL À CELERIDADE E À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. ATUAÇÃO DE OFÍCIO. APROVAÇÃO DE ATO NORMATIVO.

1. É direito da magistratura e interesse da Administração, assentado pela Resolução n. 293, de 27 de agosto de 2019, a conversão em abono pecuniário de um terço de cada período de férias. A conversão em pecúnia de parte das férias, ao manter o juiz no exercício da jurisdição por período maior, incrementa a capacidade administrativa mobilizada para garantir maior celeridade na prestação jurisdicional.

2. A impossibilidade de substituição de membros de tribunais que optam por converter parte de suas férias em pecúnia acaba gerando, por consequência, o inverso daquilo que se buscava atingir com a possibilidade de se manter o magistrado na jurisdição por mais tempo.

3. Por coerência, a mesma linha argumentativa deve ser estendida também aos afastamento por motivos de saúde previsto no art. 69 da Loman, de modo a harmonizar a eficiente prestação jurisdicional com a Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário, estabelecida pela Resolução n. 207, de 15 de outubro de 2015.

4. Pedido individual prejudicado. Para garantia da continuidade do serviço público e do direito ao descanso e ao cuidado com a saúde física e mental dos magistrados, aprovação de ofício de ato normativo que preveja a possibilidade de convocação de magistrados de primeiro grau para prestação de apoio a juízes de tribunais em virtude de férias por período superior a 20 (vinte) dias ou por motivos de saúde.

Pela unanimidade dos votantes, este Conselho julgou a matéria nos seguintes termos (id 5150282):

O Conselho decidiu, por unanimidade:

I - declarar a perda de objeto do Pedido de Providências movido por Novely Vilanova da Silva Reis contra o Tribunal Regional Federal da 1ª Região;

II - aprovar Resolução para adequação das normas regulamentadoras quanto à convocação de magistrados de segundo grau para a prestação de auxílio, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 19 de maio de 2023. (grifo nosso)

 Ao revisar o acórdão para assinatura, constatei que os termos lançados na proposta de Resolução aprovada não refletem a intenção de harmonização das normas relativas à convocação para a prestação de auxílio em caso de férias de membro do tribunal.

Retira-se do art. 2o do projeto referendado:

Art. 2o O art. 2o da Resolução no 293, de 27 de agosto de 2019, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

“Art. 2o ......................................................................................

Parágrafo único. É admitida a convocação de juízes de primeiro grau para auxílio em caso de afastamento de membro do Tribunal para a fruição de férias por período superior a 20 (vinte) dias, resultante da conversão de um terço de cada período em abono pecuniário prevista no § 3o do art. 1o desta Resolução, nos termos da Resolução no 72, de 31 de março de 2009.” (NR) (grifo nosso)

Ocorre que a redação aprovada, tal como posta, não traduz integralmente o necessário ajuste na regulamentação do tema que se impõe a partir da edição da Resolução n. 293, de 27 de agosto de 2019, que estabelece parâmetros para o exercício do direito às férias dos membros da Magistratura Nacional.

Para solucionar a questão, a locução “período superior a 20 (vinte) dias” deve ser complementada para garantir que o direito ao auxílio se opere sempre que o magistrado requeira a conversão em pecúnia de um terço de cada um dos períodos de trinta dias de férias a que faz jus. A convocação de magistrado de primeiro grau em auxílio, portanto, deve ser garantida para a prestação de apoio à jurisdição de segundo grau sempre que houver o gozo de férias por período igual ou superior a vinte dias.

Por esta razão, nos termos do art. 17, IX, e do art. 25, III, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, requeiro à Presidência a submissão da presente Questão de Ordem ao Plenário a fim de retificar o resultado do julgamento do Pedido de Providências de autos n. 0007820-02.2020.2.00.0000 para que se passe a ler, no art. 2º da proposta de Resolução aprovada no voto vencedor, o seguinte:

“Art. 2o O art. 2o da Resolução no 293, de 27 de agosto de 2019, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

‘Art. 2o ......................................................................................

Parágrafo único. É admitida a convocação de juízes de primeiro grau para auxílio em caso de afastamento de membro do Tribunal para a fruição de férias por período igual ou superior a 20 (vinte) dias, resultante da conversão de um terço de cada período em abono pecuniário prevista no § 3o do art. 1o desta Resolução, nos termos da Resolução no 72, de 31 de março de 2009.’ (NR)”

 É a Questão de Ordem que submeto ao Plenário.


Luiz Fernando BANDEIRA de Mello
Conselheiro Relator



1 Art. 7º Quando expressamente autorizados por lei federal ou estadual, poderão ser convocados, para substituição ou auxílio em segundo grau, juízes integrantes da classe ou quadro especial de juízes substitutos de segundo grau, quando houver, ou integrantes da entrância final ou única e titulares de juízos ou varas, desde que preencham os requisitos constitucionais e legais exigidos para ocupar o respectivo cargo.

2 STF. ADI 3510. Rel. Min. AYRES BRITTO. j. em 29 mai. 2008.

3 STF, MS 27.6221. Rel. p/ ac. Min. RICARDO LEWANDOWSKI. j. em 7 dez. 2011.