Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ATO NORMATIVO - 0005168-07.2023.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. LICENÇAS MATERNIDADE E PATERNIDADE.  EXTENSÃO DO DIREITO A PAIS OU MÃES, GENITORES MONOPARENTAIS, E CASAIS EM UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. CONDIÇÕES ESPECIAIS DE TRABALHO. AMPLIAÇÃO DAS HIPÓTESES DE CONCESSÃO. PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DAS RESOLUÇÕES CNJ N.º 321 E 343. PROCEDÊNCIA. ATO APROVADO.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, aprovou Resolução, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 26 de abril de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentou oralmente pela Associação dos Servidores da Justiça do Distrito Federal - ASSEJUS e Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União - FENAJUFE, o advogado Raimundo Cezar Britto Aragão - OAB/DF 32147.

Conselho Nacional de Justiça

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RELATÓRIO

 

Trata-se de PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS, inicialmente formulado pela ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL (AJUFE), em face do CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), por meio do qual requereu a alteração da Resolução CNJ n.º 343, com vistas à “concessão de condição especial de trabalho para as juízas gestantes e lactantes até os vinte e quatro meses de idade de seus filhos e filhas, bem como aos magistrados pais, inclusive em relação homoafetiva, como já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 1.348.854 (Tema 1182)”.

A Associação alegou, em síntese, que:

i) busca a concessão de condições especiais de trabalho às magistradas federais lactantes e gestantes, bem como aos pais magistrados, inclusive em condição homoafetiva, em situação semelhante às mães;

ii) as condições especiais almejadas promovem “a política pública judiciária de incentivo ao aleitamento materno, protege[m] a maternidade e a primeira infância, de forma a contribuir para o incentivo à participação feminina no Poder Judiciário, nos termos da Resolução CNJ 255/2018”;

iii) os “benefícios do aleitamento materno para as mães e para as crianças nos primeiros dois anos de vida foram comprovados por diversos estudos e reproduzidos em orientação oficial do Ministério da Saúde”;

iv) “a amamentação representa um papel mais do que meramente nutricional, pois também constitui um importante elemento do desenvolvimento afetivo e psicossocial”;

v) a “despeito de outros fatores pessoais e de saúde que podem influir” no desmame precoce, “outro ponto que pode ser determinante para restringir ou cessar a amamentação é a dificuldade de conciliação com o retorno da mãe ao trabalho”;

vi) “um ambiente de trabalho hostil à amamentação (via crítica de colegas; falta de política institucional da organização em favor do aleitamento; carência de espaço físico para aleitamento ou extração de leite e de intervalos para amamentação) já foi relacionado com a baixa expectativa da própria lactante quanto aos seus objetivos de aleitamento”;

vii) “a conciliação do trabalho com o período de amamentação é diretamente influenciada pela abertura institucional que a organização disponibiliza”;

viii) a “implementação de salas próprias para amamentação e extração de leite materno dentro de foros e tribunais para uso de magistradas, servidoras e estagiárias” seria insuficiente e menos efetiva que a concessão de teletrabalho por período determinado, o qual acarreta baixo impacto, tanto financeiro quanto na prestação da atividade jurisdicional (grifo no original);

ix) não seria razoável e proporcional exigir a submissão da pessoa grávida ou lactante a uma perícia técnica com junta médica ou equipe multidisciplinar, seja porque, pelo viés da requerente, implicará a exposição pessoal de sua privacidade, como também, pelo viés da Administração, imporá ônus de serviço não essencial à verificação do fato alegado(grifo no original);

x) a necessidade de extensão do direito às hipóteses de paternidade monoparental e homoafetiva foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 1.348.854 (Tema 1182).

 

Diante disso e, “a fim de se conferir uniformidade ao tratamento de questão tão relevante para a nova sociedade brasileira, e permitir medida social efetiva e concreta que atenda aos fins da Resolução CNJ n.º 255/2018, além do aprimoramento no âmbito deste Conselho Nacional de Justiça da concessão de condição especial de trabalho para as juízas gestantes e lactantes até os vinte e quatro meses de idade de seus filhos e filhas, bem como aos magistrados pais, inclusive em relação homoafetiva”, apresentou minuta de ato resolutivo (ID 5248154, fls. 10/13).

O feito foi distribuído à minha relatoria e, em 16/8/2023, determinei seu encaminhamento ao Gabinete do então Conselheiro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, a quem incumbia a relatoria do procedimento de acompanhamento da destacada Resolução (Cumprdec n.º 0008308-54.2020.2.00.0000), para emissão de parecer quanto à demanda sob exame (ID 5249535).

O Parecer foi emitido nos seguintes termos (ID n. 5363713 - grifos no original):

[...]

Considerando as atribuições da Comissão de Eficiência Operacional, Infraestrutura e Gestão de Pessoas e como Relator do procedimento de acompanhamento da Resolução CNJ 343/2020, passa-se a colacionar subsídios ao julgamento do presente PP.

Alguns aspectos da Resolução CNJ 343/2020 foram citados no parecer juntado aos autos dos PCAs, n. 0001218-87.2023.2.00.0000 e 0001219-72.2023.2.00.0000, ambos de relatoria do eminente Conselheiro Márcio Luiz Coelho de Freitas, que entendo que podem colaborar na ocasião em que for analisada a demanda formulada pela AJUFE:

[...]

Ademais, a Resolução CNJ 343/2020 possui caráter especial em relação à Resolução CNJ 227/2016, pois teve como escopo instituir, no âmbito do Poder Judiciário, política pública inclusiva e de proteção aos direitos da pessoa com deficiência ou doença grave e/ou que sejam pais ou responsáveis por dependentes nesta condição, ou, ainda, que sejam consideradas com mobilidade reduzida (gestantes e lactantes).

[...]

a) As grávidas e lactantes, assim como os portadores de deficiência, necessidades especiais ou doença grave, bem como os que tenham filhos(as) ou dependentes legais na mesma condição, não possuem direito subjetivo ao regime de teletrabalho;

b) Compete aos Tribunais, no âmbito de sua autonomia, e no interesse público e da Administração, conceder uma ou mais das modalidades de condição especial de trabalho aos beneficiários contemplados na Resolução CNJ n. 343/2020, dentre eles, o teletrabalho;

c) Os pedidos formulados por servidores e magistrados devem ser analisados, de forma individual, nos exatos termos das orientações e condições prescritas na Resolução CNJ 343/2020 e da norma local que a regulamente, observando-se os princípios da legalidade (artigo 37 da Constituição da República) e o da igualdade material em relação aos demais servidores que também integram o referido grupo;

d) A Resolução CNJ 343/2020, ao dispor sobre o regime de teletrabalho, não o restringiu à forma integral, podendo os Tribunais, desta maneira, concedê-lo de forma parcial, inclusive, de forma conjugada com as demais modalidades de condição especial de trabalho previstas em seu artigo 2º e de acordo com as diretrizes nela contidas;

(...)

 

Estes são os subsídios que encaminho ao Exmo. Relator, a quem restituo os autos com cordiais saudações.

[...].

 

Em 21/3/2024, determinei a reautuação do feito como Ato Normativo, haja vista o alargamento do objeto de estudo em razão da necessidade de revisão e/ou alteração de outros atos normativos que tratam de matérias conexas, notadamente da Resolução CNJ n.º 321, que dispõe sobre a concessão de licença-paternidade, licença à gestante e de licença à adotante para magistrados e servidores do Poder Judiciário brasileiro (ID n. 5488830).

É o necessário a relatar.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ATO NORMATIVO - 0005168-07.2023.2.00.0000
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VOTO

 

O CONSELHEIRO GIOVANNI OLSSON (Relator):

Conforme relatado, a AJUFE acorreu a este Conselho com vistas à alteração da Resolução CNJ n.º 343, a fim de ampliar o rol de pessoas que fazem jus a condições especiais de trabalho.

A mencionada Resolução instituiu condições especiais de trabalho para magistrados(as) e servidores(as) com deficiência, necessidades especiais ou doença grave ou que sejam pais ou responsáveis por dependentes nessa mesma condição.

Desde sua edição, a Resolução CNJ n.º 343 passou por ajustes e modificações. Colhe-se do histórico que a concessão de condições especiais de trabalho para gestantes e lactantes, que teve início durante a pandemia do coronavírus, foi definitivamente assegurada por meio de alteração promovida pela Resolução CNJ n.º 481.

Naquela oportunidade, o Plenário desta Casa concluiu ser prudente resguardar adequadas condições de trabalho para esse grupo, considerando a situação peculiar e temporária em que se encontram, a demandar atenção especial do Poder Judiciário”. Para tanto, estendeu o disposto na Resolução CNJ n.º 343 às gestantes e lactantes, que, de acordo com o inciso IX do art. 3º da Lei n.º 13.146, de 6 de julho de 2015, são consideradas pessoas com mobilidade reduzida.[1]

Torna-se imprescindível, nesse momento, avançar ainda mais e adequar a Resolução CNJ n.º 343 ao atual contexto fático, normativo e jurisprudencial apresentado com muita propriedade pela AJUFE, mas cujos efeitos transcendem a específica condição e os interesses de seus(uas) magistrados(as) representados(as).

Todavia, muito embora seja pertinente e oportuna, a proposta de alteração da Resolução CNJ n.º 343 apresentada tem como pressuposto lógico a necessidade de alteração da Resolução CNJ n.º 321, que dispõe sobre a concessão de licença-paternidade, licença à gestante e de licença à adotante para magistrados e servidores do Poder Judiciário brasileiro.

 

I – DAS ALTERAÇÕES A SEREM PROMOVIDAS NA RESOLUÇÃO CNJ N.º 321

 No ponto, merecem destaque as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal no RE 1.348.854 (Tema 1.182)[2] e no RE 1.211.446 (Tema 1.072)[3].

Apreciando o Tema 1.182 da Repercussão Geral, o STF estendeu a licença-maternidade ao pai, genitor monoparental de crianças geradas por meio de procedimento de fertilização in vitro e utilização de barriga de aluguel. Na oportunidade, foi fixada a seguinte tese:

À luz do art. 227 da CF, que confere proteção integral da criança com absoluta prioridade e do princípio da paternidade responsável, a licença maternidade, prevista no art. 7º, XVIII, da CF/88 e regulamentada pelo art. 207 da Lei 8.112/1990, estende-se ao pai genitor monoparental.

 

Faz-se oportuno transcrever a ementa do leading case:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. GENITOR MONOPARENTAL DE CRIANÇAS GÊMEAS GERADAS POR MEIO DE TÉCNICA DE FERTILIZAÇÃO IN VITRO E GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO (“BARRIGA DE ALUGUEL”). DIREITO AO BENEFÍCIO DE SALÁRIO-MATERNIDADE PELO PRAZO DE 180 DIAS. 1. Não há previsão legal da possibilidade de o pai solteiro, que optou pelo procedimento de fertilização in vitro em “barriga de aluguel”, obter a licença-maternidade. 2. A Constituição Federal, no art. 227, estabelece com absoluta prioridade a integral proteção à criança. A ratio dos artigos 6º e 7º da CF não é só salvaguardar os direitos sociais da mulher, mas também efetivar a integral proteção ao recém-nascido. 3. O art. 226, § 5º, da Lei Fundamental estabelece que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, não só em relação à sociedade conjugal em si, mas, sobretudo, no que tange ao cuidado, guarda e educação dos filhos menores. 4. A circunstância de as crianças terem sido geradas por meio fertilização in vitro e utilização de barriga de aluguel mostra-se irrelevante, pois, se a licença adotante é assegurada a homens e mulheres indistintamente, não há razão lógica para que a licença e o salário-maternidade não seja estendido ao homem quando do nascimento de filhos biológicos que serão criados unicamente pelo pai. Entendimento contrário afronta os princípios do melhor interesse da criança, da razoabilidade e da isonomia. 5. A Nota Informativa SEI nº 398/2022/ME, e Nota Técnica SEI nº 18585/2021/ME, emitidas pela Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, trazidas aos autos pelo INSS, informam que “‘em consonância com a proteção integral da criança’, a Administração Pública federal reconhece ‘o direito, equivalente ao prazo da licença à gestante a uma das pessoas presentes na filiação, independente de gênero e estado civil, desde que ausente a parturiente na composição familiar do servidor’”. 6. As informações constantes nas aludidas Notas emitidas pelo Ministério da Economia apenas confirmam que o entendimento exposto no voto acompanha a compreensão que esta CORTE tem reiteradamente afirmado nas questões relativas à proteção da criança e do adolescente, para os quais a atenção e o cuidado parentais são indispensáveis para o desenvolvimento saudável e seguro. 7. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. Fixada, para fins de repercussão geral, a seguinte tese ao Tema 1182: “À luz do art. 227 da CF que confere proteção integral da criança com absoluta prioridade, bem como do princípio da isonomia de direitos entre o homem e a mulher (art. 5º, I, CF), a licença maternidade, prevista no art. 7º, XVIII, da CF/88, e regulamentada pelo art. 207 da Lei 8.112/1990, estende-se ao pai, genitor monoparental, servidor público.”

(RE 1348854, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 12-05-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-213 DIVULG 21-10-2022 PUBLIC 24-10-2022) (grifo nosso)

 

Por outro lado, ao apreciar o Tema 1.072 da Repercussão Geral, a Suprema Corte estabeleceu a possibilidade de gozo das licenças maternidade e paternidade por casal de mulheres, em união homoafetiva, em que uma delas engravidou após procedimento de inseminação artificial, fixando a seguinte tese:

A mãe servidora ou trabalhadora não gestante, em união homoafetiva, tem direito ao gozo de licença-maternidade. Caso a companheira tenha utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade.

 

Nesse último caso, ao reconhecer a existência de repercussão geral da questão constitucional citada, o Relator, Ministro Luiz Fux, destacou:

[...]

A titularidade da licença-maternidade ostenta uma dimensão plural, recaindo sobre mãe e filho(a), de modo que o alcance do benefício não mais comporta uma exegese individualista, fundada exclusivamente na recuperação da mulher após o parto. Certamente, a licença também se destina à proteção de mães não gestantes que, apesar de não vivenciarem as alterações típicas da gravidez, arcam com todos os demais papeis e tarefas que lhe incumbem após a formação do novo vínculo familiar. Considerando que a Constituição alçou a proteção da maternidade a direito social (CF, art. 6º c/c art. 201), estabelecendo como objetivos da assistência social a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice (CF, art. 203, inc. I), revela-se dever do Estado assegurar especial proteção ao vínculo maternal, independentemente da origem da filiação ou da configuração familiar que lhe subjaz.

Deveras, a partir do regime constitucional inaugurado em 1988, o modelo de família patriarcal, centrado no vínculo indissolúvel do casamento, foi substituído pelo paradigma do afeto, que propiciou o reconhecimento dos mais variados formatos de família construídos pelos próprios indivíduos em suas relações afetivas interpessoais, permitindo o fim do engessamento dos arquétipos familiares. A própria Constituição reconhece, expressamente, como legítimos diferentes modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada família monoparental (art. 226, § 4º). No mesmo sentido, esta Egrégia Corte atribuiu a qualidade de entidade familiar às uniões estáveis homoafetivas, em julgamento histórico que declarou a imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil e a inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico (ADI 4.277, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 5/5/2011).

[...]

Nesse prisma, o art. 7º, XVIII, da Constituição da República, que prevê o direito à licença-maternidade, deve ser interpretado em consonância com os princípios da dignidade humana, da igualdade, da liberdade reprodutiva, do melhor interesse do menor e da proporcionalidade, na dimensão da vedação à proteção deficiente. O âmbito de incidência desse direito constitucional ainda reclama conformação à luz da necessidade de proteção ao vínculo maternal constituído por mães não gestantes, bem como do paradigma da isonomia jurídica entre as uniões homoafetivas e heteroafetivas.

[...].[4] (grifo nosso)

 

Com foco nas novas configurações familiares existentes e, considerando que a reprodução assistida e a utilização de barriga solidária ou de aluguel têm viabilizado a possibilidade de ter filhos às pessoas que, independentemente de gênero ou estado civil, não podem gerar, é que se centra a proposta de alteração da Resolução CNJ n.º 321.

Assim, conferindo máxima efetividade aos princípios constitucionais de proteção à maternidade, à gestante, à família e à infância, propõe-se, com inspiração no quanto decidido pela Suprema Corte, ir além, de modo a assegurar o direito de pais ou mães, genitores monoparentais, desde que ausente a parturiente na composição familiar, e casais em união estável homoafetiva, que utilizem técnicas de inseminação artificial, fertilização in vitro e/ou necessitem de barriga solidária ou de aluguel, usufruírem das destacadas licenças.

Nesse contexto, seja na hipótese de casais formados por pessoas do mesmo sexo – aos quais o STF vem, reiteradamente, decidindo pela obrigatoriedade de se assegurar a mesma proteção dada pela Constituição às famílias formadas por casais heteroafetivos (ADI 4.277 e ADPF 132, rel. Min. Ayres Britto, j. em 5/5/2011) –, seja na de genitores monoparentais, que se socorram das técnicas mencionadas para gerarem filhos, há que se estender o direito ao gozo das licenças maternidade e paternidade.

Não obstante, na linha do que decidiu o STF, considerando-se os custos gerados pelo usufruto das licenças, assim como ocorre entre os casais heteroafetivos, apenas um(a) dos(as) companheiros(as) de casais homoafetivos terá direito à licença-maternidade; o(a) outro(a) poderá se afastar do trabalho por prazo igual ao da licença-paternidade.

A proposta, portanto, é de incluir os arts. 8º-A e 8º-B no texto da Resolução CNJ n.º 321, valendo registrar que será adotada a terminologia utilizada pelo STF quando se refere ao direito social previsto no art. 7º, XVIII, da Constituição Federal[5], qual seja, “licença-maternidade”, muito embora o texto constitucional e a própria Resolução o nomeiem como licença à gestante.

 

II – DAS ALTERAÇÕES A SEREM PROMOVIDAS NA RESOLUÇÃO CNJ N.º 343 

Recorde-se que a Resolução CNJ n.º 343 instituiu condições especiais de trabalho para magistrados(as) e servidores(as) com deficiência, necessidades especiais ou doença grave ou que sejam pais ou responsáveis por dependentes nessa mesma condição.

Vale registrar que a presente proposta visa a ampliação das hipóteses de concessão de condições especiais de trabalho para grupo não alcançado pela política pública inclusiva para a proteção aos direitos da pessoa com deficiência, mas que possui características peculiares e temporárias que os habilita a usufruir das mencionadas condições, a critério da Administração. 

Além de gestantes e lactantes, é o caso de mães e pais, em famílias heteroafetivas, homoafetivas ou monoparentais. 

O disposto na Resolução já se aplicava às gestantes e lactantes, consideradas pessoas com mobilidade reduzida, nos termos do inciso IX do art. 3º da Lei n.º 13.146/2015.

Propõe-se agora fixar o prazo para concessão de condições especiais às lactantes pelo período de até 24 (vinte e quatro) meses do lactente, o que se justifica em razão de inúmeros estudos que comprovam os benefícios do aleitamento materno para as crianças nos primeiros dois anos de vida, conforme bem delineado pela AJUFE.

Por conseguinte, também se propõe estender a possibilidade de concessão de condições especiais a pais e mães, o que viabiliza o fortalecimento dos vínculos na primeira infância, fundamental para o saudável desenvolvimento afetivo e psicossocial das crianças, e reforça o compromisso do Poder Judiciário de “assegurar, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais das crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade no âmbito do Poder Judiciário, em consideração à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e do ser humano”[6]. 

Com efeito, a Política Judiciária Nacional para a Primeira Infância tem como diretriz uma “visão abrangente de direitos da criança na primeira infância envolvendo a atenção à gestante, aos pais, à família e a consideração da comunidade na qual está inserida (art. 2º, I, da Resolução CNJ n.º 470 - grifo nosso).

Por fim, e não menos importante, a proposta concretiza a inserção de genitores monoparentais e de pais ou mães que integram casais em união estável hetero ou homoafetiva no rol de pessoas que podem ser contempladas com a concessão de condições especiais de trabalho, fortalecendo o direito à igualdade material ao conferir idêntico tratamento às diversas formações familiares.

Nessa toada, é de se ressaltar que as alterações a serem promovidas se aplicam indistintamente a magistrados(as) e servidores(as) e não infirmam as regras e diretrizes básicas anteriormente fixadas.

Assim, a inserção de novos grupos e conceitos deve se harmonizar com a premissa fundamental de que não há direito absoluto e irrestrito às condições especiais de trabalho.

Vale dizer: compete aos Tribunais, no âmbito de sua autonomia, e no interesse público e da Administração, conceder uma ou mais das modalidades de condição especial de trabalho aos beneficiários contemplados na Resolução CNJ n.º 343, dentre elas, o teletrabalho, sem acréscimo da produtividade, de que trata a Resolução CNJ n.º 227.[7]

Cumpre esclarecer, ainda, que ficará a critério da Administração definir situações excepcionais, como, por exemplo, quem poderá usufruir de condições especiais de trabalho nas situações em que o casal seja formado por servidores(as) e/ou magistrados(as), particularmente quando lotados na mesma unidade. O interesse público deve prevalecer nos critérios da concessão dessas condições, de forma a não comprometer a continuidade e eficiência da prestação do serviço público de justiça.

Destarte, propõe-se alterar a redação do art. 1º-A; inserir o § 4º no art. 2º; transformar o parágrafo único do art. 3º em § 1º e inserir o § 2º; incluir o §7º no art. 4º e incluir o artigo 4º-A, todos da Resolução CNJ n.º 343.

 

III – CONCLUSÃO

Ante o exposto, submeto à apreciação do Plenário proposta de resolução, disposta no anexo a esse voto, e o faço na certeza de que a proposição em muito contribuirá para a efetiva implementação de um dos macrodesafios que compõem a Estratégia Nacional do Poder Judiciário para o sexênio 2021-2026, qual seja “garantir no plano concreto os Direitos e Garantias Fundamentais (CF, art. 5º), buscando-se assegurar o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como atenuar as desigualdades sociais, garantir os direitos de minorias e a inclusão e acessibilidade a todos”[8].

É como voto.

Intimem-se os tribunais.

Brasília-DF, data registrada no sistema.

 

Conselheiro GIOVANNI OLSSON

Relator

 

RESOLUÇÃO N. XX, DE XX DE XXXX DE 2024

 

Altera a Resolução CNJ n.º 321/2020, para assegurar a pais ou mães, genitores monoparentais, e casais em união estável homoafetiva o direito a usufruírem das licenças maternidade e paternidade; e a Resolução CNJ n.º 343/2020, para ampliar as hipóteses de concessão de condições especiais de trabalho.

 

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO que compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

CONSIDERANDO o disposto no art. 226, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal, bem assim o decidido pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 4.277, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, j. em 5/5/2011, que, para efeito da proteção do Estado, reconheceram como entidades familiares as uniões estáveis heteroafetivas, homoafetivas e as famílias monoparentais;

CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, aprovou as teses de repercussão geral, fixadas no RE 1.348.854 e no RE 1.211.446, que estenderam a licença-maternidade ao pai, genitor monoparental de crianças geradas por meio de procedimento de fertilização in vitro e utilização de barriga de aluguel, e à mãe, servidora ou trabalhadora não gestante, em união homoafetiva, permitindo-lhe, ainda, usufruir da licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade, na hipótese de a companheira ter utilizado o benefício;

CONSIDERANDO que as técnicas de reprodução assistida e a utilização de barriga solidária ou de aluguel têm viabilizado geração de filhos às pessoas que, independentemente de gênero ou estado civil, não podem gerar, e essas situações devem receber a atenção do Estado e o devido tratamento jurídico;

CONSIDERANDO a necessidade de conferir máxima efetividade aos princípios constitucionais de proteção à maternidade, à gestante, à família e à infância;

CONSIDERANDO a garantia constitucional da igualdade em direitos e obrigações entre homens e mulheres (art. 5º, I, da Constituição Federal);

CONSIDERANDO a adesão do Brasil à Convenção 183 da Organização Internacional do Trabalho, regulamentada via Decreto n.º 10.088/2019, que prevê o direito a intervalos e interrupções da jornada de trabalho para fins de aleitamento e sem prejuízo de sua remuneração;

CONSIDERANDO a adesão do Brasil à Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, de 1979, promulgada via Decreto nº. 4.377/2012, em que o país se comprometeu a adotar medidas especiais para proteção da maternidade, bem como a fornecer assistência adequada à gestação e à lactância;

CONSIDERANDO que, segundo a recomendação da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), a amamentação não é responsabilidade exclusiva da mãe, mas também depende de amparo do Estado, da sociedade e do ambiente de trabalho;

CONSIDERANDO que a orientação oficial do Ministério da Saúde preconiza o aleitamento materno até os 24 meses do lactente;

CONSIDERANDO que o Marco Legal da Primeira Infância, instituído pela Lei n.º 13.257/2016, assegura a prioridade absoluta aos direitos da criança, determinando o dever do Estado de estabelecer políticas e programas de apoio às famílias, promoção e proteção da maternidade e paternidade, assim como de implementar medidas de nutrição para o adequado desenvolvimento da criança (art. 14);

CONSIDERANDO o disposto na Resolução CNJ n.º 470/2022, que instituiu a Política Judiciária Nacional para a Primeira Infância, a qual tem como diretriz uma “visão abrangente de direitos da criança na primeira infância envolvendo a atenção à gestante, aos pais, à família e a consideração da comunidade na qual está inserida”.

CONSIDERANDO que gestantes e lactantes, até os 24 (vinte e quatro) meses de idade do lactente, mães e pais, em famílias heteroafetivas, homoafetivas ou monoparentais integram grupo que possui características peculiares e temporárias que os habilita a usufruir de condições especiais de trabalho, a critério da Administração; 

CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do CNJ no Pedido de Providências nº. 0005168-07.2023.2.00.0000, na ....Xª Sessão Ordinária, realizada em ....xxx,

 

RESOLVE:

 

Art. 1º A Resolução CNJ n.º 321/2020 passa a vigorar com a seguinte alteração:

“Art. 8º-A A licença prevista nesta Seção se estende ao pai ou à mãe, genitores monoparentais, que recorram a técnicas de inseminação artificial, fertilização in vitro e/ou necessitem de barriga solidária ou de aluguel, desde que ausente a parturiente na composição familiar.” (NR)

“Art. 8º-B Aos casais em união estável homoafetiva, que utilizem técnicas de inseminação artificial, fertilização in vitro e/ou necessitem de barriga solidária ou de aluguel, fica assegurado o direito de usufruírem das licenças nos seguintes termos:

I – apenas um(a) dos(as) companheiros(as) de casais homoafetivos terá direito à licença-maternidade;

II – o(a) outro(a) companheiro(a) poderá se afastar do trabalho por prazo igual ao da licença-paternidade.” (NR)

 

Art. 2º A Resolução CNJ n.º 343/2020 passa a vigorar com a seguinte alteração:

“Art. 1º-A. As condições especiais de trabalho previstas nesta Resolução também se aplicam a:

I – gestantes;

II – lactantes, até os 24 (vinte e quatro) meses de idade do lactente;

III – mães, pelo nascimento ou pela adoção de filho ou filha, por até 6 (seis) meses após o término da licença-maternidade ou da licença à(ao) adotante;

IV – pais, pelo nascimento ou pela adoção de filho ou filha, por até 6 (seis) meses, após o término da licença-paternidade ou da licença à(ao) adotante.

Parágrafo único. O disposto nos incisos III e IV aplica-se aos genitores monoparentais e aos casais homoafetivos, que usufruírem das licenças maternidade ou paternidade, nos termos fixados na Resolução CNJ n.º 321/2020.” (NR)

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“Art. 2º...........................................

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§ 4º Compete aos Tribunais, no âmbito de sua autonomia, e no interesse público e da Administração, conceder uma ou mais das modalidades de condição especial de trabalho aos beneficiários contemplados nesta Resolução.” (NR)

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“Art. 3º.............................................

§ 1º No caso de comprovada inviabilidade de realização de audiência por videoconferência ou por intermédio de outro recurso tecnológico, será designado(a) magistrado(a) para presidir o ato ou servidor(a) para auxiliar o Juízo.

§ 2º As condições especiais de trabalho do artigo 1º-A não desobrigam do comparecimento presencial à unidade jurisdicional de origem ou a aquela de designação para atuação temporária, se houver, na forma do inciso I do art. 2º, sempre que necessário, em especial para a realização de audiências de custódia e outros atos que demandem a presença física do(a) magistrado(a) ou do(a) servidor(a) à unidade jurisdicional.” (NR)

“Art. 4º.............................................

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§ 7º A hipótese de trabalho na condição especial prevista nesta Resolução não está sujeita ao limite percentual de que trata a Resolução CNJ n.º 227/2016.” (NR)

“Art. 4º-A. O requerimento para a concessão de condições especiais com fundamento no art. 1º-A será instruído pelo(a) interessado(a):

I - na hipótese do inciso I do art.1º-A, com a declaração do médico responsável pelo exame pré-natal ou exame que indique gravidez;

II - na hipótese do inciso II do art. 1º-A, com atestado médico que confirme a condição de lactante, o qual terá validade até o 12º (décimo segundo) mês de vida da criança e poderá ser renovado a cada 6 (seis) meses com novo atestado médico, até que a criança complete 24 (vinte e quatro) meses de idade;

§ 1º Nas hipóteses dos incisos II, III e IV do art. 1º-A, as condições especiais de trabalho poderão ser concedidas a contar da data do término da licença-maternidade, licença-paternidade ou licença à(ao)adotante, e por até 6 (seis) meses.

§ 2º O requerimento previsto no presente artigo dispensa a realização de laudo ou da perícia técnica previstos nos §§2º a 5º do art. 4º.

§ 3º Diante da realidade local do tribunal e da necessidade do serviço público, para fins de compatibilização do regime especial de trabalho com a atividade jurisdicional do(a) magistrado(a) ou servidor(a) requerente, a concessão poderá contemplar qualquer outra das hipóteses do caput do art. 2º, inclusive, se houver e se for o caso, atuação e lotação temporária em unidades de Juízo 100% digital ou nos Núcleos de Justiça 4.0 ou em unidades judiciárias físicas situadas no local da residência do(a)(s) filho(a)(s) enquanto perdurar a situação do art. 1º-A.” (NR)

 

Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

 

Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO



[1] CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002260-11.2022.2.00.0000 - Rel. VIEIRA DE MELLO FILHO - 359ª Sessão Ordinária - julgado em 08/11/2022.

[2] Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6265210>. Acesso em 19/3/2024.

[3] Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5701548>. Acesso em 19/3/2023.

[4] Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?pronunciamento=8457497>. Acesso em 20/3/2024.

[5] São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

[6] Art. 1º da Resolução CNJ n. 470, que institui a Política Judiciária Nacional para a Primeira Infância. Disponível em: < https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4712>. Acesso em 18/3/2024.

[7] Regulamenta o teletrabalho no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências.

[8] Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/gestao-estrategica-e-planejamento/estrategia-nacional-do-poder-judiciario-2021-2026/>. Acesso em 20/3/2024.