Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002514-86.2019.2.00.0000
Requerente: GABRIELLA GOUVEIA GALVAO CAMPOS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - TJRN e outros

 

EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. JUIZADOS ESPECIAIS. PROCESSO SELETIVO DE JUÍZES LEIGOS. DEFINIÇÃO DAS ATIVIDADES CAPAZES DE COMPROVAR A EXPERIÊNCIA NECESSÁRIA AO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS. PRINCÍPIOS INFORMADORES DOS JUIZADOS ESPECIAIS. EXPERIÊNCIA QUE NÃO SE LIMITA AO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. PEDIDOS CONHECIDOS E, NO MÉRITO, JULGADOS IMPROCEDENTES.

1. Procedimento de Controle Administrativo contra ato do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte que considerou a experiência jurídica dos advogados, e não apenas a experiência no exercício da advocacia como requisito necessário à função de juiz leigo.

2. Consoante previsões da Lei 9.099/1995 e 12.153/2009, assim como disposições do Provimento 22/2012 e da Resolução CNJ 174/2013, só pode ser recrutado como juiz leigo advogado com mais de 2 (dois) anos de experiência.

3. Dado que não há nas referidas leis nem nos normativos nenhuma restrição ao termo experiência, não pode o CNJ direcionar as normas em vigor para assentar que apenas experiência no exercício da advocacia seria hábil a capacitar aqueles que auxiliarão a justiça na função de juiz leigo, sobretudo diante dos princípios informadores dos juizados especiais.

4. A experiência a que se refere o art. 1º da Resolução CNJ 174/2013, de mais de 2 (dois) anos, não se limita ao exercício da advocacia, competindo aos Tribunais, no uso de sua autonomia constitucional (art. 96, I, a e b) e respeitados os parâmetros legais e da Constituição da República, definir as atividades que assegurem essa experiência. Superação de precedentes do CNJ.

5. A comprovação da atividade jurídica pode ser exigida no momento da inscrição definitiva, e não no momento da posse. Precedente STF.

6. Pedidos conhecidos, porém, no mérito, julgados improcedentes.

 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou improcedentes os pedidos, nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 16 de agosto de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002514-86.2019.2.00.0000
Requerente: GABRIELLA GOUVEIA GALVAO CAMPOS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - TJRN e outros


RELATÓRIO 

  

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido de liminar, formulado por Gabriella Gouveia Galvão Campos contra atos do e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (TJRN), consubstanciados na Resolução TJRN 36/2014 e no Edital 1/2018.

Alegou a requerente que finalizou a última etapa do processo público para seleção de juízes leigos do e. Tribunal Potiguar, regido pelo aludido edital, mas que haveria a possibilidade de ser eliminada – mesmo preenchidos os requisitos para a função – porquanto a e. Corte requerida teria inserido “elementos não previstos no ordenamento jurídico, muito menos de acordo com a interpretação do CNJ”.

Sustentou que, segundo a Lei 12.153/2009, a Resolução CNJ 174/2013 e precedentes deste Conselho (v.g. 0001223-95.2012.2.00.0000), os pressupostos para se exercer a função de juiz leigo seriam: ser advogado; ter inscrição ativa na OAB; e ter exercido atividade de advocacia pelo período de mínimo de 2 (dois) anos, contabilizados na “atuação efetiva como advogado inscrito nos quadros da OAB”.

Aduziu, contudo, que o e. Tribunal requerido, ao disciplinar essa função, teria afrontado os mencionados pressupostos, porque teria fixado para o cômputo dos 2 (dois) anos de experiência: o período de estágio jurídico; o tempo de curso de pós-graduação preparatório à carreira da magistratura; e a conclusão de curso de pós-graduação na área jurídica (art. 2º, § 1º, da Resolução TJRN 36/2014).

Afirmou, ainda, que haveria incongruências nos dispositivos do Edital 1/2018, uma vez que “no item 3.1 é exigida experiência profissional na advocacia, de forma expressa, mas no item 12.3 já faz menção apenas a comprovação de experiência jurídica”.

Além disso, asseverou que seriam nulos o item 12.3, J, I, do referido edital – que considera como experiência o período do estágio – e o item 12.3, J, II – que contabiliza exercício de cargo, emprego ou função pública privativa de bacharel em direito, inclusive magistério superior, na área jurídica – pois contrariariam previsão legal.

Por fim, defendeu que os requisitos para ingresso na função de juiz leigo deveriam ser verificados no momento da posse, como já teria assentado este Conselho no PCA 0001762-56.2015.2.00.000.

Diante de tais fatos, e dado que o encerramento do concurso estaria previsto para o dia 15-4-2019, pugnou pela concessão de liminar, para que fosse determinada a verificação dos requisitos de ingresso no momento da posse, assim como a suspensão dos efeitos do art. 2º, §1º, I, II e III, da Resolução TJRN 36/2014, e do item 12.3, J, I e IV, do Edital 1/2018.

No mérito, requereu fosse julgado procedente o pedido para que os requisitos de ingresso na função de juiz leigo fossem aferidos no momento da posse e declarada a nulidade do art. 2º, §1º, I, II e III, da Resolução TJRN 36/2014, e do item 12.3, J, I e IV, do Edital 1/2018. Pleiteou, ainda, que “o item 3.1, em especial o inciso II, do EDITAL nº 001/2018 TJRN seja interpretado à luz do ordenamento jurídico e do entendimento do CNJ”.

Em 12-4-2019, foi indeferida a liminar pleiteada, por não se vislumbrar a presença dos elementos indispensáveis à concessão da medida de urgência, assim como determinada a notificação da e. Corte requerida, para que apresentasse informações (Id. 3606893). 

Em resposta, o e. Tribunal Potiguar afirmou que: a) teria ocorrido a preclusão da matéria dada a irresignação tardia da requerente, porquanto a resolução impugnada estaria vigente há 5 (cinco) anos e edital do certame há 7 (sete) meses, com finalização de 3 (três) das 4 (quatro) etapas do concurso; b) a requerente teria buscado a intervenção do CNJ somente após ter conhecimento de sua situação de suplente, já que classificada em 6º (sexto) lugar, quando o concurso dispunha de apenas 3 (três) vagas para a região; c) mudanças de critérios estabelecidos no Edital acarretariam a exclusão de diversos candidatos e prejuízos à própria Administração Pública; d) definição dos documentos aptos a demonstrar a comprovação da atividade jurídica estariam insertos na autonomia dos Tribunais.

Registrou, ainda, que: a) exigências excessivamente severas dificultariam o preenchimento dos cargos no interior; b) outros concursos aceitam os critérios previstos na Resolução TJRN 36/2014, a exemplo da Defensoria Pública da União e dos Estados, Advocacia Geral da União, Procurador Federal; c) o STJ tem reconhecido que “experiência jurídica” abrangeria assessorias jurídicas; as atividades desenvolvidas nos tribunais, como as dos servidores, inclusive abarcando a prática forense de estagiários para fins de ingresso nas carreiras jurídicas”; d) as exigências não poderiam ser as mesmas da magistratura, a ponto de se tornar impeditiva de preenchimento do cargo; e) este Conselho já teria admitido a possibilidade de estágio comprovar experiência para o cargo de juiz leigo (Id. 3626926).

Na sequência, sobreveio aos autos petição da requerente, por meio da qual repisou as alegações já apresentadas e argumentou que: a) não teria decaído o prazo de 5 (cinco) anos para o controle do ato impugnado; b) se há ilegalidade, o ato é nulo desde a sua edição; c) o foco estaria na impugnação da Resolução TJRN 36/2014; d) teriam sido ampliados pelo TJRN os requisitos de comprovação do exercício profissional, o que teria gerado um excesso de pessoas na lista final; e) não está na autonomia do tribunal definir tais critérios, porquanto já haveria previsão legal e entendimento assentado do CNJ sobre a matéria; f) resolução não pode se sobrepor à lei (Id. 3628466).

É o relatório.

 

 

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Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002514-86.2019.2.00.0000
Requerente: GABRIELLA GOUVEIA GALVAO CAMPOS
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VOTO

 

Conforme relatado, a controvérsia suscitada no presente procedimento diz respeito aos requisitos necessários ao exercício da função de juiz leigo, já que o processo público para seleção desses auxiliares da Justiça (Edital 1/2018) no âmbito do e. Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Norte (TJRN) considerou a experiência jurídica dos advogados, e não apenas a experiência no exercício da advocacia.

Em preliminar, sustenta o e. Tribunal Potiguar que teria ocorrido a “preclusão temporal e consumativa, perdendo a requerente a oportunidade de opor-se às regras estabelecidas no edital, em decorrência da perda do prazo para o seu exercício”. Considero, contudo, que a aludida tese não deve prevalecer no caso em exame.

Com efeito, é firme o entendimento deste Conselho de que os editais dos concursos devem ser impugnados na primeira oportunidade de manifestação, mais precisamente antes do início da fase seguinte, sob pena de preclusão, porquanto se há de resguardar tanto o princípio da segurança jurídica quanto o da proteção da confiança (CNJ - Procedimento de Controle Administrativo - 0004678-34.2013.2.00.0000 - Rel. Gisela Gondin Ramos - 179ª Sessão - j. 12/11/2013;   Recurso Administrativo em Procedimento de Controle Administrativo - 0003750-44.2017.2.00.0000 - Rel. Bruno Ronchetti - 25ª Sessão Virtual - j. 15/09/2017; Recurso Administrativo em Procedimento de Controle Administrativo - 0007173-12.2017.2.00.0000 - Rel. Valtércio de Oliveira - 272ª Sessão Ordinária - j. 22/05/2018; Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0009960-14.2017.2.00.0000 - Rel. Valdetário Andrade Monteiro - 50ª Sessão Extraordinária - j. 11/09/2018). 

Tanto é assim que não só a jurisprudência do CNJ tem seguidamente reconhecido a incidência da preclusão em concursos diversos, como consta, v. g., da Resolução CNJ 81/2009 (art. 4º, parágrafo único, da minuta de edital) –  que dispõe sobre os Concursos Públicos de Provas e Títulos, para a Outorga das Delegações de Notas e de Registro que o edital do certame deve ser impugnado no prazo de 15 (quinze) dias da sua primeira publicação (Procedimento de Controle Administrativo - 0007552-94.2010.2.00.0000 - Rel. Jorge Hélio Chaves de Oliveira - 130ª Sessão - j. 05/07/2011; Procedimento de Controle Administrativo - 0004640-90.2011.2.00.0000 - Rel. José Lucio Munhoz - 140ª Sessão Ordinária - j. 06/12/2011 Recurso Administrativo em Procedimento de Controle Administrativo - 0001111-87.2016.2.00.0000 - Rel. Carlos Augusto de Barros Levenhagen - 18ª Sessão Virtual - j. 30/08/2016).

Logo, não causa espécie o fato de a e. Corte requerida ter suscitado a preliminar de preclusão dos pedidos, pois, como já ressaltado na decisão liminar, a requerente, sem promover impugnação na origem e ciente das regras do processo seletivo para juízes leigos desde setembro de 2018 (Edital 1/2018), decidiu provocar o Conselho somente 7 (sete) meses após a publicação do edital inaugural e quando já divulgada a classificação final preliminar do concurso, que acabou por revelar sua 6ª colocação e sua condição de suplente em um certame que ofertava 3 (três) vagas para região que concorria.

Cuida-se, pois, de típico caso que seria alcançado pelos precedentes do CNJ que reconheceriam a preclusão dos pleitos formulados. Ocorre, porém, que, conquanto sejam patentes a irresignação tardia e a ânsia da requerente em resolver sua situação particular, mormente quando alega que haveria “excesso de pessoas que entraram nesse curso [curso de formação] e que estão na lista final”, não há como se desconsiderar o fato de que também defende – e com mais afinco após o indeferimento da liminar e a manifestação da e. Corte requerida – que sua insurgência se volta “objetivamente” contra a Resolução TJRN 36/2014, pois o Edital 1/2018 teria apenas se apoiado naquela norma, ao permitir que a experiência necessária à função de juiz leigo pudesse ser adquirida em outras atividades, e não só no exercício da advocacia.

Nessa senda, ainda que se reconhecesse a preclusão do pedido de anulação de dispositivos do instrumento convocatório, permaneceria a necessidade de adentrar o mérito para analisar regra da Resolução TJRN 36/2014, que termina por influir diretamente naquele edital, pois serve como supedâneo para as previsões editalícias. Vale dizer, a premissa é uma só: definição de atividades aptas a comprovar a experiência indispensável à atuação como juiz leigo.

 Dessa forma, dado que os pedidos têm relação de dependência e que o conhecimento parcial dos pleitos poderia gerar eventual dúvida acerca do alcance da manifestação deste Conselho, considero que deve ser afastada a preliminar de preclusão e analisada a questão posta em sua inteireza, razão pela qual passo ao exame do mérito.

Criados com a finalidade de assegurar o amplo acesso ao Poder Judiciário, os juizados especiais representam uma proposta de prestação jurisdicional diferenciada, regida por um processo menos complexo e orientada pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. 1º da Lei 9.9099/1995).

É certo, pois, que a sistemática a eles aplicável deve ser sempre aquela capaz de promover a efetivação de suas diretrizes norteadoras e, sobretudo, de assegurar a vontade do legislador: garantir aos jurisdicionados um instrumento ágil e simplificado de solução de litígios.

Nessa perspectiva, qualquer manifestação deste Conselho acerca da matéria há de ser a que se aproxima do propósito de concepção dos juizados, e não a que seja capaz de conferir interpretação restritiva às normas que regem seu funcionamento, em nítido distanciamento do desígnio singular de tais órgãos judiciários (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus - não cabe ao intérprete restringir o que a lei não restringe - REsp 1243760/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 02/04/2013, DJe 09/04/2013).

A interpretação dada à experiência exigida para o exercício da função de juiz leigo não pode, portanto, ser aquela preferida pela requerente, sob pena de este Conselho exorbitar suas funções e criar, como dito, restrição não presente nas próprias leis que têm, como fim colimado, a garantia de amplo acesso à justiça (Procedimento de Controle Administrativo 5722 – Rel. Cons. Rui Stoco – 50ª Sessão – j. 23.10.2007; Pedido de Providências 0003129-62.2008.2.00.0000 – Rel. Cons. Mairan Gonçalves Maia Júnior – 81ª Sessão – j. 31.03.2009).

Como se sabe, ao prever os juizados especiais, a Constituição da República estabeleceu que os juízes leigos integrariam a estrutura daquelas unidades judiciárias e delimitou a competência desses profissionais:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

Posteriormente, coube à Lei 9.099/1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, dar concreção à matriz constitucional, com a especificação dos requisitos necessários ao exercício dessa função, que não se confunde, a toda evidência, com a dos magistrados, membros do Poder Judiciário:

Art. 7º Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos de experiência. (grifos nossos)

Redação semelhante foi registrada na Lei 12.153/2009, que disciplina os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios:

Art. 15.  Serão designados, na forma da legislação dos Estados e do Distrito Federal, conciliadores e juízes leigos dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, observadas as atribuições previstas nos arts. 22, 37 e 40 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

§ 1o  Os conciliadores e juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de 2 (dois) anos de experiência. (grifos nossos)

Como não poderia deixar de ser, as previsões deste Conselho seguiram no mesmo sentido, ao consignar – tanto no Provimento 22/2012, da Corregedoria Nacional de Justiça, quanto na Resolução CNJ 174/2013, que dispõe sobre a atividade de juiz leigo no Sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal – iguais exigências para o exercício dessa função auxiliar da justiça:

  Provimento 22/2012

Art. 7º Os conciliadores e juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferencialmente entre os bacharéis em direito e os últimos, entre advogados com mais de 2 (dois) anos de experiência. (grifos nossos)

Resolução CNJ 174/2013

Art. 1º Os juízes leigos são auxiliares da Justiça recrutados entre advogados com mais de 2 (dois) anos de experiência. (grifos nossos)

Conforme se vê, as normas não deixam dúvida de que só pode ingressar nos quadros de juiz leigo o advogado (Consulta - 0001223-95.2012.2.00.0000 - Rel. Tourinho Neto - 148ª Sessão Ordinária - j. 05/06/2012) com mais de 2 (dois) anos de experiência.

Não há, porém, nas leis nem nos normativos do Conselho nenhuma restrição ao termo experiência ou qualquer indicativo de que essa experiência só poderia ser alcançada no exercício da advocacia. Pelo contrário, em vez de assinalar que tal experiência devesse ser profissional ou, ainda, obtida tão somente na atuação como patrono, preferiram o legislador e, por consequência, o CNJ silenciar acerca da abrangência do termo. De forma eloquente, não resta dúvida.

Nessa senda, é certo que não pode, nem poderia, o Conselho, órgão administrativo ao qual cumpre o dever de zelar sobretudo pela legalidade (art. 103-B, § 4º, II), direcionar a normativa em vigor no sentido de que apenas experiência no exercício da advocacia seria hábil a capacitar aqueles que auxiliarão a Justiça na função de juiz leigo.

O próprio Supremo Tribunal Federal, ao analisar os requisitos a serem preenchidos por candidatos para ingresso em concurso público – no caso, nas Forças Armadas – asseverou que compete à lei fixar requisitos restritivos, não cabendo aos atos infralegais impor limitações: “como a Constituição da República atribuiu à lei o cuidado da matéria, não pode outro instrumento normativo dispor sobre ela sem exacerbar o poder regulamentar, que, no Brasil, não inova a ordem jurídica. Tanto ocorresse e este seria o fenômeno que teria ocorrido: a novidade restritiva de direito [...] sem lei que a determinasse ou autorizasse" (RE 600885, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 09/02/2011, Repercussão Geral - Mérito DJe-125 Divulg 30-06-2011 Public 01-07-2011) (grifo nosso).

A mesma preocupação foi externada pelo Superior Tribunal de Justiça: “a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e a  do  Supremo  Tribunal  Federal  são  pródigas em reconhecer que a exigência  de  requisito  do  cargo  público  e  a  sua imposição em concurso público devem estar previstas em lei em sentido formal e no respectivo  edital,  como  nos  casos  de  avaliação psicológica (AI 758.533-QO-RG/MG) e  de  limitação  etária  (RE  600.885/RS),  por exemplo” (REsp 1676831/AL, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 05/09/2017, DJe 14/09/2017) (grifo nosso).

Assim, nem se diga que a Consulta 0001223-95.2012.2.00.0000 (Rel. Tourinho Neto - 148ª Sessão Ordinária - j. 05/06/2012) ampararia a tese defendida pela requerente, já que o que proclamou o CNJ naqueles autos foi que o processo seletivo de juízes leigos deve ocorrer por meio de concurso público e que o termo “advogados” constante do Provimento CNJ 7/2009 (revogado pelo Provimento 22/2012) fazia referência àqueles causídicos detentores de inscrição ativa, não incluídos “os advogados licenciados, suspensos ou desligados dos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil”.

Também não afasta essa absoluta impossibilidade de o CNJ limitar previsão legal, o fato de ter constado naquela Consulta – diga-se, obter dictum – que a experiência de 2 (dois) anos seria na advocacia. Igual premissa aplica-se ao registro de "experiência na advocacia" feito no Pedido de Providências 0007642-05.2010.2.00.0000 (Rel. Walter Nunes da Silva Júnior - 121ª Sessão Ordinária - j. 01/03/2011), já que o tema objeto do debate era outro: tempo de experiência exigido para o exercício da função de juiz leigo, e a decisão do Conselho foi no sentido de que esse período é de, no mínimo, 2 (dois) anos.

Forçoso é reconhecer, portanto, que, não havendo especificação legal acerca do termo “experiência”, cabe aos Tribunais, no uso da competência que lhes conferiu a Lei Maior para organizar seus serviços auxiliares (art. 96, I, b), a partir da sagrada autonomia que lhes é ínsita (art. 96, I, a), naturalmente observados os limites constitucionais, definir quais atividades jurídicas são capazes de proporcionar aos advogados os conhecimentos indispensáveis à função de juiz leigo. Isso porque, uma vez estabelecidos os requisitos legais pelo Congresso Nacional e administrativos pelo CNJ, é de se convir que o detalhamento reside na esfera de competência de cada Tribunal, sob pena de serem esvaziados os comandos constitucionais.

Desnecessário recordar, nesse ponto, que até mesmo para carreiras jurídicas do Poder Executivo os critérios para a comprovação da experiência são mais amplos que aqueles que agora se pretende impor aos juízes leigos, cujo ofício é temporário: 

Lei 12.269/2010 (Carreiras e cargos do Poder Executivo)

Art. 30.  Considera-se prática forense, para fins de ingresso em cargos públicos privativos de Bacharel em Direito, no âmbito do Poder Executivo, o exercício de atividades práticas desempenhadas na vida forense, relacionadas às ciências jurídicas, inclusive as atividades desenvolvidas como estudante de curso de Direito cumprindo estágio regular e supervisionado, como advogado, magistrado, membro do Ministério Público ou da Defensoria Pública, ou servidor do judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública com atividades, ao menos parcialmente, jurídicas.  (grifo nosso)


Resolução 1/2002 (Carreiras da Advocacia-Geral da União)


Art. 26. No momento em que requerer sua inscrição no concurso, o candidato deverá atender à exigência legal de comprovação do período mínimo de dois anos de prática forense.

Art. 27. Ter-se-á como prática forense:

I - o efetivo exercício da advocacia, na forma da Lei nº 8.906, de 1994, a abranger a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário, assim como as atividades de consultoria, assessoramento e direção jurídicos, sob inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil; (redação alterada pela Resolução nº 4, de 29 de março de 2004)

II - o exercício de cargo, emprego ou função pública, privativos de bacharel em Direito, sejam efetivos, permanentes ou de confiança.(redação alterada pela Resolução nº 4, de 29 de março de 2004)

III - o exercício profissional de consultoria, assessoramento ou direção, bem como o desempenho, de cargo, emprego ou função pública de nível superior, com atividades eminentemente jurídicas. (redação alterada pela Resolução nº 4, de 29 de março de 2004)
Parágrafo único. Admitir-se-á, também, quanto à exigência legal relativa a dois anos de prática forense, apenas a comprovação de igual período de Estágio, desde que observadas, a legislação, e os demais atos normativos, regedores da hipótese.


Instrução Normativa 1/2010 (Carreira de Procurador Federal)


Art. 19-B. No momento em que requerer sua inscrição no concurso, o candidato deverá atender à exigência legal de comprovação do período mínimo de dois anos de prática forense. [...]

Art. 19-C. Ter-se-á como prática forense, o exercício de atividades práticas desempenhadas na vida forense, relacionadas às ciências jurídicas, inclusive as atividades desenvolvidas como estudante de curso de Direito cumprindo estágio regular e supervisionado, como advogado, magistrado, membro do Ministério Público, ou servidor do judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública com atividades, ao menos parcialmente, jurídicas, observado:

I - o exercício de atividades práticas desempenhadas na vida forense, relacionadas às ciências jurídicas, inclusive as atividades desenvolvidas como estudante de curso de direito, cumprindo estágio regular e supervisionado, deve observar a legislação e os demais atos normativos regedores da hipótese;

II - o efetivo exercício da advocacia, na forma da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, abrange a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário, assim como as atividades de consultoria, assessoramento e direção jurídicos, sob inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil;

III - a comprovação da existência de atividades, ao menos parcialmente, jurídicas, em cargos, empregos ou funções públicas, sejam efetivos, permanentes ou de confiança, em qualquer dos Poderes ou Funções Essenciais à Justiça, será feita mediante a demonstração dessas atividades, acompanhada da juntada da legislação pertinente que defina as atribuições respectivas.

No mesmo sentido caminha a previsão da Lei Complementar 80/1994, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e do Territórios:

Art. 26. O candidato, no momento da inscrição, deve possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a situação dos proibidos de obtê-la, e comprovar, no mínimo, dois anos de prática forense, devendo indicar sua opção por uma das unidades da federação onde houver vaga.

§ 1º Considera-se como atividade jurídica o exercício da advocacia, o cumprimento de estágio de Direito reconhecido por lei e o desempenho de cargo, emprego ou função, de nível superior, de atividades eminentemente jurídicas. (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009). (grifos nossos)

Nessa linha, não haveria como, em interpretação restritiva, a uma norma administrativa, aplicadora da lei em sentido estrito, que por sua vez só pode atender à Constituição, querer afirmar que o legislador teria instituído “implicitamente” critérios mais rígidos para o exercício da função de juiz leigo, que não tem “vínculo empregatício ou estatutário, é temporário e pressupõe capacitação anterior ao início das atividades” (art. 3º da Resolução CNJ 174/2013), que atua como auxiliar sob a supervisão de juiz togado (art. 37 da Lei 9.099/1995) e que pode ser suspenso ou afastado de suas funções ad nutum (art. 13 da Resolução CNJ 174/2013).

Tampouco cabe sustentar que aquele que exerceu cargo, emprego ou função pública privativa de bacharel em Direito não estaria habilitado ao exercício da função. Ou, ainda, defender interpretação reducionista, como a lançada no Pedido de Providências 0006681-93.2012.2.00.0000 (Rel. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi - 174ª Sessão Ordinária - j. 10/09/2013), em que se registrou, amparado equivocadamente na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.460/DF(ADI 3460, Relator(a):  Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado em 31/08/2006, DJe-037 divulg 14-06-2007 public 15-06-2007 DJ 15-06-2007), que a experiência só poderia ser considerada após a colação de grau no curso superior de Direito.

É que o entendimento assentado pela e. Suprema Corte na ADI 3.460/DF, no sentido de que a atividade jurídica para o ingresso no Ministério Público somente pode ser computada após a obtenção do diploma de bacharel em Direito, decorreu de expressa previsão constitucional, porquanto a Lei Maior exige para aquele cargo que o “bacharel em Direito” tenha, no mínimo, três anos de atividade jurídica (art. 129, § 3º, da Constituição da República). Daí a aplicar mandamento ao parquet, para vincular, sem norma expressa, seleção de juiz leigo, vai uma distância a meu sentir intransponível. Até porque, se assim o fosse, as previsões já listadas acerca das carreiras jurídicas do Executivo seriam ipso facto tisnadas de ilegítimas, ou pior, inconstitucionais, tese a ser, salvo melhor juízo, rechaçada.

A imposição de critérios arbitrários, rígidos, para uma função como a de juiz leigo, para além de ser desprovida de fundamento normativo e ir na contramão da proposta dos juizados, cria óbice ao recrutamento de candidatos para o exercício da atividade, sobretudo no interior dos Estados, bem como acaba por gerar a escassez desses profissionais e o consequente impasse à celeridade da prestação jurisdicional que se pretende alcançar com semelhante auxílio, autêntica via de participação popular na administração da Justiça.

Evidencia esse entendimento o fato de a e. Corte Potiguar não ser a única a adotar requisitos além do exercício da advocacia para a comprovação da experiência exigida. Seguem esse mesmo trilhar, v.g., o e. Tribunal de Justiça do Estado do Acre (Edital 1/2016); o e. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (Resolução 2/2019); o e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (Resolução 9/2001); o e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Edital 1/2018); o e. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (Edital 1/2015); o e. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (Resolução 4/2013); o e. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (Resolução 14/2016); e o e Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Resolução 905/2012).

Portanto, à vista das considerações trazidas, não merecem guarida os pedidos para que sejam anuladas as previsões da Resolução TJRN 36/2014, nem aquelas constantes do Edital 1/2018, que tratam dos requisitos necessários à comprovação da experiência para a função de juiz leigo. Embora seja função restrita aos advogados, a experiência de mais de 2 (dois) anos não se limita ao exercício da advocacia, competindo aos Tribunais, no uso de sua autonomia constitucional, e respeitados os parâmetros legais e da Lei Maior, balizar as atividades que asseguram essa experiência.

De igual modo, não deve ser acolhido o pleito para que os documentos exigidos no certame sejam apresentados apenas no momento da posse, pois, ao contrário do quanto consignado na Medida Liminar em Procedimento de Controle Administrativo 0001762-56.2015.2.00.000 (Rel. Gisela Gondin Ramos - 208ª Sessão - j. 12/05/2015), a comprovação da atividade jurídica pode ser exigida no momento da inscrição definitiva, e não no momento da posse, uma vez que o STF reafirmou o entendimento assentado na ADI 3.460 e fixou a tese de que  “é constitucional a regra que exige a comprovação do triênio de atividade jurídica privativa de bacharel em Direito no momento da inscrição definitiva” RE 655265, Relator(a):  Min. Luiz Fux, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2016, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - mérito DJe-164 divulg 04-08-2016 public 05-08-2016).

Ante o exposto, voto pelo conhecimento dos pedidos, mas, no mérito, pela improcedência dos pleitos formulados.

Brasília/DF, data registrada no sistema 

 

Conselheiro Márcio Schiefler Fontes 

Relator 

 

 

Brasília, 2019-08-20.