Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0000060-94.2023.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA - CGJSC
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


 

EMENTA

CONSULTA. PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE MANIFESTAÇÃO VÁLIDA DE UM DOS GENITORES. OFICIAL REGISTRADOR. EMISSÃO DE RECUSA. ORIENTAÇÃO PARA O INGRESSO PELA VIA DO PROCESSO JUDICIAL. SEGURANÇA JURÍDICA. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

1. Consulta formulada pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina – CGJSC sobre a possibilidade de reconhecimento extrajudicial de paternidade socioafetiva, sem anuência de um dos genitores, com esteio em normativo deste Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

2. Os temas relacionados às crianças e aos adolescentes estão submetidos à doutrina da proteção integral, com status constitucional (CRFB, artigo 227) e regulação infraconstitucional irradiada do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei federal n. 8.069/1990), referindo-se ao direito da personalidade à própria identidade da pessoa objeto da proteção estatal, inclusive à paternidade e à maternidade.

3. De acordo com o artigo 507, caput e § 6º, do Provimento CNJ n. 149/2023, que instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça — Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra), "o reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação”, mas, “na falta da mãe ou do pai do menor, na impossibilidade de manifestação válida destes ou do filho, quando exigido, o caso será apresentado ao juiz competente nos termos da legislação local.”

4. Nessas circunstâncias de ausência de manifestação de um dos genitores, não se pode conceber a prática do ato sem que ocorra sua citação para que o ausente possa manifestar a sua posição e, eventualmente, exercitar o contraditório, sob pena de esvaziamento do poder familiar do genitor/genitora, em questão envolvendo o direito da personalidade da criança e do adolescente.

5. Somente o juízo com competência para causas de direito de família, infância ou juventude poderá processar o pedido e suprir, sendo o caso, a vontade do genitor ou genitora ausente, averiguando se o pedido, que não conta com a anuência da mãe biológicos, também contempla o respeito à opinião (ECA, artigo 16, inciso II) e à dignidade da criança ou do adolescente como pessoa humana em processo de desenvolvimento e como sujeito de direitos civis, humanos e sociais (ECA, artigo 15).

6. Diante da impossibilidade de manifestação válida de um dos genitores nos procedimentos de reconhecimento voluntário da parentalidade socioafetiva, o oficial registrador deverá emitir nota de recusa e orientar os usuários a apresentarem a demanda no âmbito do Poder Judiciário, com o fim de resguardar a segurança jurídica e o melhor interesse da criança e do adolescente.

7. Consulta conhecida e respondida com caráter normativo geral.

Brasília, ____ / ______/ ________.

 

Conselheiro Marcello Terto

Relator

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, respondeu a consulta no sentido de que a interpretação da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina -CGJSC está em harmonia com o artigo 507, § 6º, do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça -Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra), nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 9 de fevereiro de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Guilherme Caputo, José Rotondano, Mônica Autran, Jane Granzoto, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Daiane Nogueira. Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0000060-94.2023.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA - CGJSC
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ


 

RELATÓRIO

Trata-se de Consulta (Cons) da CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA – CGJSC sobre a possibilidade de reconhecimento extrajudicial de paternidade socioafetiva, sem anuência de um dos genitores, com esteio no Provimento CNJ/Corregedoria Nacional de Justiça n. 63, de 2017, no âmbito do Procedimento Preliminar Extrajudicial n. 0026671-55.2022.8.24.0710, em tramitação no Gabinete do Corregedor-Geral do Foro Extrajudicial do TJSC.

O desembargador Rubens Schulz – Corregedor-Geral do Foro Extrajudicial – acolheu os fundamentos e a conclusão do parecer do Juiz-Corregedor Rafael Maas dos Anjos, no sentido da impossibilidade de reconhecimento extrajudicial de paternidade socioafetiva sem a anuência de um dos genitores, verbis:

3. Ante ao todo exposto, opina-se:

a) pela inviabilidade do prosseguimento do procedimento previsto no art. 11, § 6º, do Provimento n. 63/2017 da egrégia Corregedoria Nacional de Justiça, ao menos até ulterior definição do Conselho Nacional de Justiça em sentido contrário;

b) pela expedição de circular, para uniformização do entendimento e disseminação do conhecimento a todos oficiais com competência em Registro de Pessoas Naturais, Juízes Diretores de Foro e àqueles com atuação em matéria de Registros Públicos e/ou Direito de Família, com cópia deste parecer e da decisão que o acolher;

c) pela formulação de consulta à egrégia Corregedoria Nacional de Justiça; e

d) pelo sobrestamento do presente feito até eventual resposta da colenda CN-CNJ.

É o parecer que submeto à apreciação de Vossa Excelência. (Id 4995724).

Distribuídos, por sorteio, no dia 11/01/2023, muito embora endereçados à Corregedoria Nacional de Justiça, os autos nos vieram para manifestação sobre a interpretação atribuída pelo TJSC ao artigo 11, § 6º, do Provimento n. 63/2017.

Considerada imprescindível a ciência e a manifestação prévia do órgão correcional do CNJ sobre a matéria objeto deste expediente, os autos foram encaminhados à Corregedoria Nacional de Justiça (Id 5001257).

O Corregedor Nacional de Justiça aprovou o parecer exarado pela CONR (Id 5326723).

Os autos nos vieram mais uma vez conclusos.

É o relatório.

 

Brasília, 16 de janeiro de 2024.

 

 

Conselheiro Marcello Terto

Relator


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0000060-94.2023.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA - CGJSC
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


 

VOTO

 

A presente consulta refere-se à adequada interpretação do Provimento CNJ n. 63/2017, relacionada à disciplina do “reconhecimento voluntário e à averbação da paternidade e maternidade socioafetivas”.

Conforme destacado pelo parecer CONR (Id 5326723), a discussão se cinge ao reconhecimento de parentalidade socioafetiva de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça considera que “o poder familiar se extingue pela maioridade (art. 1.635 do Código Civil), pois 'os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores' (artigo 1.630 do Código Civil). O maior de 18 anos não depende mais do consentimento dos pais ou do representante legal para exercer sua autonomia de vontade” (STJ. REsp n. 1.444.747/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 17/3/2015, DJe de 23/3/2015).

Diante da questão posta, a presente consulta tem como esteio verificar a compatibilidade da conclusão empreendida pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina – CGJSC com as normas deste Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no sentido que “ao se deparar com a impossibilidade de manifestação válida de um dos genitores nos procedimentos de reconhecimento voluntário da parentalidade socioafetiva, o oficial registrador deverá emitir nota de recusa, nos termos do art. 492 do CNCGJ, ocasião em que orientará os usuários a demandarem a esfera judicial” (Id 4995724).

Este Conselho Nacional editou o Provimento CNJ n. 149, de 24/8/2023, instituindo o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça — Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra), que regulamenta os serviços notariais e de registro.

No ponto, com a revogação do artigo 11, § 6º, do Provimento CNJ n. 63/2017, prevalece o artigo 507, § 6º, do CNN/CN/CNJ-Extra:

Art. 507. O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação.

(...)

§ 6.º Na falta da mãe ou do pai do menor, na impossibilidade de manifestação válida destes ou do filho, quando exigido, o caso será apresentado ao juiz competente nos termos da legislação local.

Como se observa, a discussão em apreço não pode ser reduzida ao procedimento administrativo da dúvida registral – a ser dirimido pelo Juiz Corregedor do Foro ou da Vara de Registros Públicos, nas comarcas em que há este juízo –, pois tal expediente tem como finalidade solucionar questionamentos referentes a exigências de cartórios, e não para suprimir ou substituir os pressupostos necessários para a realização de atos da vida civil.

Sobre esse aspecto, como bem definido pelo Superior Tribunal de Justiça, “o procedimento de dúvida registral, previsto no art. 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos, tem, por força de expressa previsão legal (LRP, art. 204), natureza administrativa, não qualificando prestação jurisdicional” (STJ. AgInt no AREsp n. 1.885.238/MG, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 28/3/2022, DJe de 31/3/2022).

Nesse aspecto, quando da prática de atos para a solução de dúvida registral, a autoridade judicial atua em uma decisão administrativa, tanto no aspecto formal como no material. E, tanto o antigo Provimento CNJ n. 63/2017, como o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça não criaram nova atribuição a estas autoridades judiciárias que pudesse permitir qualquer inferência nesse sentido.

Por outro lado, como bem pontuado no parecer da CONR, os temas relacionados às crianças e aos adolescentes estão submetidos à doutrina da proteção integral, com status constitucional (CRFB, artigo 227) e regulação infraconstitucional irradiada do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei federal n. 8.069/1990), referindo-se os direitos de personalidade – sobretudo a paternidade e a maternidade – à própria identidade da pessoa objeto de proteção:

Como é cediço, as questões que envolvem crianças e adolescentes, especialmente, a paternidade/maternidade, relacionando-se a direitos da personalidade e à própria identidade, submetem-se às regras protetivas que se irradiam do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) e norteiam para a busca de seu melhor interesse.

Ademais, a ausência de manifestação válida de um dos genitores pode envolver subjacente questão de alienação parental, ou mesmo ocultação proposital do ato por parte do genitor/genitora que busca o ato cartorário, o que necessita ser devidamente averiguado por juiz da unidade judiciária afeta a essas questões, com a oitiva do Ministério Público.

Consoante o art. 17 do ECA, o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. 

O art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente, por seu turno, estabelece que o poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil. O art. 1.632 do CC dispõe que a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos, senão quanto ao direito que aos primeiros cabe de terem em sua companhia os segundos.

Assim, como bem pontua a doutrina especializada, a distinção entre conjugalidade e parentalidade ganha novos traços e importância fundamental na relação parental, devendo os genitores estabelecerem responsabilidades quanto aos interesses dos filhos, remetendo-se cada vez mais à ideia de co-parentalidade.

Neste sentido, é importante refutar a exagerada importância dada ao instituto da guarda, explicada pela ausência de definição dos limites da autoridade parental, e que, muitas vezes, resulta no distanciamento real de pais e filhos, com o esvaziamento desta relação, pelo acúmulo de poderes conferidos ao denominado genitor guardião, "atingindo em especial os filhos que, de coadjuvantes neste processo de ruptura dos pais, passam a ocupar o papel de principal vítima do manuseio psicológico, e até abusivo, de um dos genitores, culminando na denominada alienação parental" (MOREIRA, Luciana Maria Reis. Alienação parental. Belo Horizonte: D' Plácido, 2015, p. 36-65).

Portanto, nessas circunstâncias de ausência de manifestação de um dos genitores, não se pode conceber a prática do ato sem que ocorra sua citação para que possa manifestar sua posição e, eventualmente, exercitar o contraditório, sob pena de esvaziamento do poder familiar do genitor/genitora, em questão a envolver o próprio direito da personalidade do menor.

Cumpre anotar, a título ilustrativo, que até mesmo para simples viagem ao exterior o art. 84 do ECA estabelece a necessidade de autorização judicial, caso o menor não esteja na companhia de ambos os pais ou um dos genitores não tenha autorizado, expressamente, através de documento com firma reconhecida.

Com efeito, apenas o Juízo com competência para a causa de Família poderá velar pela regular tentativa de citação pessoal do genitor/genitora ausente e averiguar se o ato, que não conta com a anuência de um dos pais, também contempla o respeito à opinião (art. 16, II, do ECA) e a dignidade da criança ou adolescente como pessoa humana em processo de desenvolvimento e como sujeito de direitos civis, humanos e sociais (art. 15 do ECA). Se necessário, o magistrado pode nomear até mesmo perito do Juízo (v.g., assistente social e/ou psicólogo) para trazer subsídios técnicos à decisão. (Id 5326723).

Ao final, a Corregedoria Nacional de Justiça concluiu pela higidez da regulação realizada pela CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA – CGJSC, nos seguintes termos:

4. Diante do exposto, entende-se pela higidez da normatização estabelecida no âmbito local que, como visto, a par de nem mesmo inovar no tratamento da matéria, adequadamente a disciplina, conferindo maior segurança jurídica, vez que, ao se deparar com a impossibilidade de manifestação válida de um dos genitores nos procedimentos de reconhecimento voluntário da parentalidade socioafetiva, o oficial registrador deverá emitir nota de recusa e orientar os usuários a apresentarem a demanda na esfera judicial. (Id 5326723).

Por todo o exposto, RESPONDO À CONSULTA no sentido de que a interpretação da CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA – CGJSC está em harmonia com o artigo 507, § 6º, do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra).

Desse modo, diante da impossibilidade de manifestação válida de um dos genitores nos procedimentos de reconhecimento voluntário da parentalidade socioafetiva, o oficial registrador deverá emitir nota de recusa e orientar os usuários a apresentarem a demanda no âmbito do Poder Judiciário, com o fim de resguardar a segurança jurídica e o melhor interesse da criança e do adolescente.

É como voto.

 

Brasília, _________________________-.

 

Conselheiro Marcello Terto

Relator