Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001932-81.2022.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: PEDRO HENRIQUE HOLANDA PASCOAL e outros

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO. DECISÃO COLEGIADA DE ARQUIVAMENTO DE RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR INSTAURADA EM DESFAVOR DE MAGISTRADO. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR. CONTRARIEDADE ÀS EVIDÊNCIAS DOS AUTOS. PROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. DETERMINAÇÃO DE INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

I – A Revisão Disciplinar proposta de ofício, a teor de autorização expressa contida no art. 86 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ), comporta conhecimento, uma vez que as condicionantes estabelecidas nos artigos 82 e 83 do mesmo diploma foram devidamente analisadas pelo Plenário do CNJ quando de sua instauração.

II – Uma vez preenchidos os requisitos regimentais, não há falar em juízo recursal e/ou em utilização indevida da revisional como sucedâneo recursal. 

III – O prazo decadencial estabelecido no art. 103-B, § 4º, inciso V, da Constituição Federal, replicado no art. 82 do RICNJ, é para a instauração da revisão disciplinar e não para a instauração de processo administrativo disciplinar.

IV – No caso submetido à análise, a pretensão punitiva da Administração não foi fulminada pela prescrição, uma vez que, desde a data de conhecimento dos fatos pela primeira das autoridades competentes até o presente momento, não transcorreu o prazo de 5 (cinco) anos.   

V – O CNJ entende que não deve ser perquirido, no julgamento de revisões disciplinares, a correção ou não da deliberação originária a partir da retomada da discussão em si, mas que deva ser processada tão somente para verificar as estritas hipóteses de cabimento que, neste caso, esteve adstrito ao inc. I do art. 83 do Regimento Interno, o qual tem por pressuposto a flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento levado a efeito pelo Tribunal. 

VI – Avançando no mérito, constata-se flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento levado a efeito pelo Tribunal de origem, havendo indícios suficientes de cometimento de falta funcional pelo Magistrado requerido. 

VII – Em situações como a analisada, deve prevalecer o princípio in dubio pro societate. Precedentes. 

VIII – Revisão Disciplinar que se julga procedente para determinar a desconstituição da decisão proferida pelo Órgão Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão e a instauração do competente processo administrativo disciplinar, sem afastamento cautelar, em face do Magistrado requerido, devendo tramitar no âmbito daquela Corte de Justiça, nos termos da Portaria aprovada.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou procedente a revisão disciplinar para desconstituir a decisão proferida pelo Órgão Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão e instaurar processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado, sem o afastamento cautelar, aprovando desde logo a portaria de instauração, devendo o PAD tramitar no âmbito daquela Corte de Justiça, nos termos do voto do Relator. Ausentes, circunstancialmente, os Conselheiros Salise Sanchotene e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 28 de março de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson (Relator), Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Manifestou-se o Subprocurador-Geral da República Alcides Martins. Sustentaram oralmente: pelo Requerido, o Advogado Willamy Alves dos Santos - OAB/PI 2.011; e, pela Interessada, o Advogado Lucas Almeida de Lopes Lima - OAB/AL 12.623.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001932-81.2022.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: PEDRO HENRIQUE HOLANDA PASCOAL e outros


 

RELATÓRIO

 

Trata-se de REVISÃO DISCIPLINAR (REVDIS), instaurada de ofício pelo Conselho Nacional de Justiça, em face de decisão colegiada proferida pelo ÓRGÃO PLENO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO (TJMA), que determinou o arquivamento da Reclamação Disciplinar n. 33965/2019, instaurada naquela Corte de Justiça, em desfavor do Juiz de Direito PEDRO HENRIQUE HOLANDA PASCOAL.

Em 6/7/2019, a empresa Borba Provedor Ltda. – EPP requereu, no CNJ, a abertura de procedimento disciplinar contra o mencionado magistrado sob o argumento de ter atuado de “forma parcial em processos movidos por servidores a ele subordinados, arbitrando vultosas quantias, a fim de beneficiá-los”.

Diante disso, foi instaurado o Pedido de Providências n. 0004861-92.2019.2.00.0000, no bojo do qual o então Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, determinou, em 7/8/2019, a apuração dos fatos narrados à Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Maranhão (CGJ/MA) (ID n. 4666231).

Em 17/12/2019, a CGJ/MA informou o arquivamento do procedimento em âmbito local, tendo em vista a matéria
se revestir de caráter jurisdicional (ID n. 4666186).

Por entender que os esclarecimentos prestados não eram satisfatórios e, “tendo em vista a linha tênue que separa os atos simplesmente jurisdicionais dos que detêm relevância correcional”, o então Corregedor Nacional de Justiça entendeu que a apuração deveria prosseguir, determinando a realização de novas diligências e a prestação de informações específicas (ID n. 4666184).

Observadas as determinações, a CGJ/MA registrou, em 9/2/2021, que solicitou a inclusão da Reclamação Disciplinar n. 33965/2019 em pauta de julgamento (ID n. 4666147).

No dia 10/3/2021, o então Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Maranhão, Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira, informou que o feito foi julgado pelo Pleno do TJMA, na Sessão Administrativa realizada em 3/3/2021, que, por maioria, “determinou o arquivamento da Reclamação Disciplinar contra o Juiz de Direito Pedro Henrique Holanda Pascoal, nos termos do voto divergente da Desembargadora Maria Francisca Gualberto de Galiza”. Esclareceu, ainda, que, na qualidade de Relator, votou pela instauração do Processo Administrativo Disciplinar contra o magistrado (ID n. 4666141).

Em 13/4/2021, a então Corregedora Nacional de Justiça, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, entendeu que, “os argumentos apresentados não se mostraram suficientes para afastar os indícios de conduta configuradora de infração disciplinar, tendo em vista o contexto em que proferidas as decisões e as partes litigantes”. Assim, por constatar a existência de “indícios que apontam a suposta prática de infrações disciplinares, os quais caracterizam afronta, em tese, ao art. 35, I e VIII, da LOMAN e aos arts. 1º, 5º, 8º, 24, 25 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional”, determinou a intimação pessoal do Magistrado para apresentação de defesa prévia (ID n. 4666129).

Após instrução, a Corregedoria Nacional de Justiça, submeteu a questão à consideração do Plenário, que, por unanimidade, decidiu pela instauração da presente REVDIS, a teor da Certidão juntada ao ID n. 4665733.

O Acórdão foi assim ementado (ID n. 4665729):

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS ORIGINÁRIO. JUIZ DE DIREITO. INDÍCIOS DE QUEBRA DE IMPARCIALIDADE POR PARTE DO MAGISTRADO E DESVIRTUAMENTO DO ACESSO À JUSTIÇA. PROPOSTA DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR REJEITADA NA ORIGEM. ACÓRDÃO PROFERIDO PELO PLENÁRIO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. DECISÃO CONTRÁRIA ÀS EVIDÊNCIAS DOS AUTOS. ALEGAÇÃO DE DECADÊNCIA NÃO RECONHECIDA. PROPOSTA DE REVISÃO DISCIPLINAR DE OFÍCIO.

I. Proposta de Revisão Disciplinar em face de decisão colegiada proferida pelo Órgão Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão que rejeitou a instauração de Processo Administrativo Disciplinar em desfavor de Juiz de Direito.

II. Ajuizamento de repetidas ações pelos servidores da unidade judiciária, objetivando a concessão de indenizações por dano moral e deferimento de multas que indicam a prática de infrações disciplinares por parte do magistrado e a desconfiança no Judiciário.

III. O contexto em que proferidas as decisões revelam abuso do direito de ação e quebra da imparcialidade do magistrado, revelando desvirtuamento à responsabilidade judicial, o que desborda dos limites da matéria eminentemente jurisdicional.

IV. A decisão negativa de instauração de processo disciplinar proferida pelo tribunal local não constitui obstáculo para que seja deflagrado procedimento de revisão disciplinar no CNJ. 

V. À luz do art. 82 do RICNJ, podem ser revistos os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano do pedido.

VI. Considerando que sequer foi instaurado processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado no âmbito do Tribunal de Justiça local, não há falar em início de contagem do prazo decadencial, muito menos a partir do momento em que proferida a primeira decisão monocrática de arquivamento. Precedente do STF. Decadência não configurada.

VII. A decisão de não instauração de processo administrativo disciplinar pelo TJ/MA mostra-se contrária à evidência dos autos, razão pela qual os fatos articulados no curso do expediente merecem apuração mais detida por este Conselho, impondo-se a necessidade de revisão disciplinar.

VII. Instauração de Revisão Disciplinar. 

 

 Em seguida, os autos foram distribuídos ao Conselheiro representante da vaga de Juiz do Trabalho e remetidos ao gabinete do Conselheiro Sidney Madruga, nos termos do art. 24, inciso I, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ)[1], para deliberação sobre medida urgente (ID n.4671108).

Acostou-se aos autos cópia da decisão que indeferiu a medida cautelar, proferida pelo Excelentíssimo Ministro Ricardo Lewandowski, nos autos da Medida Cautelar em Mandado de Segurança n. 38.475, bem assim cópia do Despacho CN n. 1296528, constante no processo SEI n. 02972/2022, acompanhada das informações prestadas pela Corregedoria Nacional de Justiça e documentação correlata (ID n. 4671278/4671280 e 4678813/4678815).

O Conselheiro substituto determinou a intimação da Presidência do TJMA para que juntasse aos autos cópia integral da Reclamação Disciplinar n. 33.965/2019, julgada em 3 de março de 2021 (ID n. 4672294).

Em resposta, o TJMA encartou aos autos os documentos identificados pelos IDs n. 4678378/4679311.

Após tomar posse como Conselheiro no CNJ, determinei a intimação do Procurador-Geral da República para se manifestar, nos termos do disposto no art. 87, parágrafo único, do RICNJ (ID n. 4739549).

O Ministério Público Federal requereu a procedência do pedido de revisão disciplinar em Manifestação assim ementada:

Revisão Disciplinar. Magistrado.

1. Pretensão de reexame da decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão que determinou o arquivamento da Reclamação Disciplinar 33965/2019, instaurada naquela Corte de Justiça em desfavor do Juiz de Direito Pedro Henrique Holanda Pascoal.

2. Apontada a existência de indícios de atuação parcial do Magistrado em processos movidos por servidores a ele subordinados, apurando-se que arbitrou vultosas quantias, a fim de beneficiá-los.

3. A decisão de arquivamento proferida pela Corte de Justiça foi de encontro às evidências trazidas aos autos, as quais permitem concluir pela existência de indícios de falta funcional praticada pelo Magistrado Pedro Henrique Holanda Pascoal, pois, “ao julgar ações de seus próprios assessores, há indícios fortes de que a conduta do Reclamado venha a configurar quebra da imparcialidade, tanto na perspectiva de não ter mantido uma distância equivalente das partes, quanto na concepção de que pode ter atuado com predisposição)”.

4. Contrariedade às evidências dos autos caracterizada. A instauração do procedimento administrativo disciplinar é medida que se impõe para a apuração das condutas imputadas ao magistrado.

Manifestação pela procedência do pedido de revisão disciplinar, com a consequente instauração de procedimento administrativo disciplinar. (ID n. 4763233 – grifos no original)

 

A seguir, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) requereu ingresso no feito como terceira interessada e pugnou pela improcedência da REVDIS (ID n. 4771621).

O Magistrado requerido, por sua vez, arguiu, em preliminar, a ocorrência de decadência, violação ao devido processo legal e a impossibilidade de utilização da REVDIS como sucedâneo recursal; no mérito, aduziu, em síntese, que (ID n. 4817658):

i) as decisões nas ações ajuizadas por servidores do Poder Judiciário, “em sua grande maioria, foram confirmadas pela Turma Recursal, em segundo grau de jurisdição, o que significa que o magistrado de Primeiro grau julgou de acordo com a lei, sem beneficiar a quem quer que seja”;

ii) a Empresa reclamante não se valeu do incidente processual cabível, que seria a arguição de suspeição ou impedimento;

iii) “não se comprovou que houve o cometimento de qualquer falta disciplinar, muito menos atuação com parcialidade”;

iv) “jamais houve qualquer abuso de direito ou favorecimento do magistrado reclamado, ao mover as ações”; e

v) “que os processos foram apreciados e julgados em estrita observância da Lei e dos princípios de direito”.

 

É o relatório.

 



[1] Art. 24. O Relator será substituído: I - pelo Conselheiro imediato, observada a ordem prevista neste Regimento, quando se tratar de deliberação sobre medida urgente; verificada a ausência do Conselheiro substituto, os autos serão remetidos ao Conselheiro seguinte na ordem prevista neste Regimento;

 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001932-81.2022.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: PEDRO HENRIQUE HOLANDA PASCOAL e outros

 

 

VOTO

 

O CONSELHEIRO GIOVANNI OLSSON (Relator):

 

1. DAS PRELIMINARES

1.1 DA NÃO UTILIZAÇÃO DA REVDIS COMO SUCEDÂNEO RECURSAL

A princípio, cumpre ressaltar que a presente REVDIS foi instaurada de ofício, à unanimidade, pelo CNJ, a partir de proposição da então Corregedora Nacional de Justiça, a teor de autorização expressa contida no art. 86 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ).

Na oportunidade, entendeu o Plenário desta Casa que existia a necessidade “de se averiguar a adequação e proporcionalidade da providência adotada pelo tribunal [de] origem diante da conduta irrogada” (ID n. 4665729).

Com efeito, ao dissecar a decisão de arquivamento, proferida em apertada votação pelo TJMA (14 votos pelo arquivamento do feito x 13 votos pela instauração do PAD), a Ministra Relatora demonstrou a existência de indícios de que a decisão foi proferida em contrariedade à evidência dos autos, seja porque “a apuração de infração disciplinar não envolve o simples teor das decisões judiciais proferidas pelo magistrado em si, mas, principalmente, as situações circunscritas às sentenças proferidas”, não havendo como “desconsiderar o contexto em que proferidas”, seja pela “subsistência de elementos que indicam a quebra da imparcialidade do magistrado no julgamento desses processos”.

Nesse contexto e, em estrita observância aos arts. 82[1], 83, inciso I[2], e 86[3] do RICNJ, propôs a instauração da presente REVDIS, repita-se, acolhida à unanimidade pelo Plenário do CNJ.

Ao contrário do que defende o Magistrado em preliminar, uma vez preenchidos os requisitos regimentais, não há falar, portanto, em juízo recursal e/ou em utilização indevida da revisional como sucedâneo recursal.

Note-se que, podendo propor, desde logo, ao Plenário a instauração de processo administrativo disciplinar, prerrogativa conferida à Corregedoria Nacional de Justiça pelo art. 69 do RICNJ[4], optou a então Relatora por propor a instauração de REVDIS, o que em nenhuma medida configura prejuízo ao Magistrado Pedro Henrique.

Rejeito a preliminar.

 

1.2 DA NÃO OCORRÊNCIA DE DECADÊNCIA E DO RESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Como se vê, em suas razões, o Magistrado requerido sustenta a ocorrência de decadência e violação do devido processo legal no procedimento adotado pela Corregedoria Nacional de Justiça entre a comunicação de arquivamento do feito disciplinar na origem e a instauração da REVDIS no CNJ.

Todavia, algumas considerações são necessárias para o correto entendimento da situação examinada.

Nos termos do art. 103-B, § 4º, inciso V, da Constituição Federal[5], o Conselho Nacional de Justiça está autorizado a rever os processos disciplinares de juízes julgados há menos de 1 (um) ano.

A regra constitucional foi replicada no art. 82 do RICNJ, sendo certo que o marco inicial da revisional é o julgamento definitivo do processo disciplinar e o marco final o pedido de revisão.

Assim, parece incorrer em confusão o Magistrado requerido quando alega que a não instauração do PAD no prazo de 1 (um) ano conduziria à ocorrência de decadência.

Com efeito, o prazo decadencial é para a instauração da REVDIS e não para a instauração do PAD.

A respeito da decadência, o voto condutor da instauração do procedimento revisional consignou:

[...]

Nesse sentido, considerando que sequer foi instaurado processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado no âmbito do Tribunal de Justiça local, não há falar em início de contagem do prazo decadencial, muito menos a partir do momento em que proferida a primeira decisão monocrática de arquivamento (ID3838761).

Isso, porque, ao estabelecer o prazo decadencial, a Constituição fala em “processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados” (art. 103-B, V, da CF), o que deixa claro que os procedimentos de apuração/investigação preliminar estariam excluídos.

[...]

Outrossim, ad argumentandum tantum, poderia ser alegada a aplicabilidade do prazo decadencial de um ano a partir da decisão colegiada que não acolheu a proposta de instauração de processo administrativo disciplinar.

De qualquer forma, também não haveria decorrido o prazo decadencial, pois o acórdão proferido pelo Órgão Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão data de 3 de março de 2021 (ID 4285453, p.1), tendo sido comunicado a este Conselho em 11 de março de 2021. Já em 13 de abril de 2021, foi proferida a decisão que determinou a intimação pessoal do magistrado para que, querendo, apresentasse defesa (ID 4287046).

Portanto, não reconheço a decadência.

[...]. (ID n. 4665729 - destaques no original) 

 

Ademais, é de se ver que as mesmas alegações foram levadas pelo próprio Magistrado requerido à apreciação do Supremo Tribunal Federal nos autos do Mandado de Segurança n. 38.475.

O Relator, Excelentíssimo Ministro Ricardo Lewandowski, proferiu decisão monocrática denegando a segurança, e a 2ª Turma do STF negou provimento ao agravo regimental interposto. Vale transcrever a ementa e excerto do voto vencedor:

 

AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO CORREGEDORIA ESTADUAL. REVISÃO PELO CNJ. DECADÊNCIA. ART. 103-C, §4º, V. IMPOSSIBILIDADE. PROCESSO DISCIPLINAR NÃO INSTAURADO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I – O controle dos atos do CNJ pelo STF somente se justifica nas hipóteses de: (i) inobservância do devido processo legal; (ii) exorbitância das competências do Conselho; e (iii) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do ato impugnado (MS 35.100/DF, Relator Min. Roberto Barroso). Tais hipóteses não estão caracterizadas no caso sub judice.

II - A decidir que não foi configuração a decadência, o CNJ aplicou o entendimento de que na formação da justa causa, a apuração dos fatos segue o princípio in dubio pro societate, admitindo que a imputação seja apurada em processo de natureza disciplinar, resguardando-se a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal.

III - Ausência de direito líquido e certo, uma vez que a fundamentação esposada pelo CNJ não constitui fato gerador de qualquer violação de direito ou de preceito constitucional.

IV – Agravo regimental a que se nega provimento.

[...]

No que concerne à tese de que já teria ocorrido a decadência, motivo pelo qual o CNJ não poderia prosseguir com o procedimento disciplinar recentemente instaurado, verifico que o CNJ entendeu que todos os marcos temporais ocorreram antes da instauração do processo administrativo disciplinar, razão pela qual admiti-se (sic) que a imputação seja apurada em processo de natureza disciplinar, resguardando-se a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal.

[...]

(MS 38475 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 05/09/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-179 DIVULG 08-09-2022 PUBLIC 09-09-2022) (grifo nosso)

 

Ainda que assim não fosse, a própria defesa reconhece que a REVDIS foi instaurada em 8/3/2022, respeitado, portanto, o prazo decadencial, uma vez que a comunicação do arquivamento colegiado do feito na origem somente aportou no CNJ em 10/3/2021 (ID n. 4666141) e a decisão que manifestou a pretensão de prosseguimento da apuração e determinou a intimação pessoal do Magistrado foi proferida em 13/4/2021 (ID n. 4666129).

Conforme bem destacado pela então Relatora ao prestar informações no Mandado de Segurança n. 38.475, “em recente julgado proferido pelo plenário deste Conselho, restou decidido que: ‘se entre o trânsito em julgado da decisão de origem e a decisão que determina a notificação para a defesa decorre menos de um ano, não se opera a decadência’ (CNJ - RD 0005469 90.2019.2.00.0000 Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sessão Plenária, V.U. Data de Julgamento: 08/02/2022)” (ID n. 4678814 - grifo nosso). 

Destarte, sob qualquer ângulo que se analise, o prazo decadencial para instauração da REVDIS foi respeitado.

No que tange à alegação de suposta violação do devido processo legal, igualmente apresentada ao STF, conforme se verifica da petição inicial do mandamus[6], é de se ver que a Corte Suprema rechaçou “qualquer ato abusivo ou ilegal por parte da autoridade impetrada à míngua de qualquer mácula ou inobservância do devido processo legal por parte do CNJ no julgamento do Pedido de Providências n. 0004861-92.2019.2.00.0000(grifo nosso).

Nesse cenário, as preliminares suscitadas não comportam mais discussão no âmbito do CNJ, razão pela qual as rejeito. 

 

1.3 DA NÃO OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO E DA POSSIBILIDADE, EM TESE, DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Muito embora não tenha sido arguida como preliminar pelo Magistrado requerido, insta perquirir sobre a eventual ocorrência de prescrição, a fim de avaliar se a movimentação da máquina judiciária seria inócua no caso concreto.

Releva destacar que, até a instauração do PAD, via de regra, a prescrição conta-se pelo prazo de 5 (cinco) anos e não pela pena hipoteticamente apurada, nos termos do que prescreve o art. 24 da Resolução CNJ n. 135[7]. A única exceção se dá quando a falta “configurar tipo penal”, o que, todavia, não é a hipótese dos autos.

Assim, o cálculo da prescrição em abstrato deve observar o prazo de 5 (cinco) anos contados da data em que os fatos se tornaram conhecidos pela Administração.

Conforme relatado, em 6/7/2019, a empresa Borba Provedor Ltda. – EPP reportou os fatos ao CNJ, requerendo a abertura de procedimento disciplinar. Por sua vez, este Conselho determinou, em 7/8/2019, a apuração pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Maranhão. 

Destarte, no caso submetido à análise, não há falar em prescrição em abstrato, uma vez que a data de 6/7/2019 deve ser considerada como a de conhecimento dos fatos pela primeira das autoridades competentes[8], dando início ao curso do prazo prescricional de 5 (cinco) anos, cujo término ainda não ocorreu, tendo transcorrido pouco mais de 3 (três) anos[9].

Nesse cenário, acaso demonstrada, na análise de mérito, efetiva contrariedade da decisão proferida pelo TJMA à evidência dos autos, o PAD poderá ser instaurado, uma vez que a pretensão punitiva da Administração não foi fulminada pela prescrição. 

 

2. DO CONHECIMENTO

Para o conhecimento da REVDIS, este Conselho deve estar adstrito, exclusivamente, à verificação quanto ao cumprimento do prazo constitucional para a proposição (art. 82 do RICNJ) e à indicação, em tese, do atendimento de uma ou mais hipóteses de admissibilidade previstas no art. 83 do RICNJ.

No caso de REVDIS proposta de ofício, as condicionantes foram devidamente analisadas pelo Plenário do CNJ quando de sua instauração, o que impõe seu conhecimento.

Conheço da Revisão Disciplinar. 

 

3. DO MÉRITO

Como se vê, o Plenário deste Conselho instaurou a presente Revisão Disciplinar em razão da existência de indícios de que, no julgamento da Reclamação Disciplinar n. 33965/2019, o Órgão Pleno do TJMA decidiu contrariamente às evidências dos autos (art. 83, inciso I, do RICNJ).

Importante destacar que o CNJ vem consolidando sua jurisprudência no sentido de não perquirir acerca da correção ou não da deliberação originária a partir da retomada da discussão em si, mas tão somente sob o enfoque das estritas hipóteses de cabimento (Revisão Disciplinar n. 0007748-20.2017.2.00.0000, Relator Conselheiro Fernando Mattos, 287ª Sessão Ordinária, j. 26.3.2019; Revisão Disciplinar n. 0003590-87.2015.2.00.0000, Relatora Conselheira Daldice Santana, 47ª Sessão Extraordinária, j. 29/5/2018).

Passa-se, então, à análise pormenorizada das provas colacionadas aos autos, a fim de que se verifique a existência de flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento, que justifica o pedido revisional fundado no art. 83, inciso I, do RICNJ.

 

3.1 DO ACÓRDÃO PROLATADO PELO ÓRGÃO PLENO DO TJMA E DOS FUNDAMENTOS ADOTADOS NOS VOTOS VENCEDOR E VENCIDO

Conforme relatado, em 3/3/2021, “o Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por maioria, determinou o arquivamento da reclamação disciplinar, nos termos do voto divergente da desembargadora Maria Francisca Gualberto de Galiza”. O Acórdão foi assim ementado (ID n. 4679311, fls. 160/178):

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. JUIZ DE DIREITO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MATÉRIA JURISDICIONAL. NÃO CABIMENTO DE ANÁLISE PELA VIA ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS. GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE PRÁTICA DE FALTA FUNCIONAL. MATÉRIA JURISDICIONAL. ARQUIVAMENTO

I - Hipótese de arquivamento de reclamação prevista no art. 174, § 2º do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Maranhão, combinado com o §2º do artigo 9° da Resolução nº 135/2011 do CNJ e art. 8º, I do Regimento Interno do CNJ.

II - Matéria eminentemente jurisdicional que deve ser combatida pelos meios recursais próprios, não se cogitando a intervenção da Corregedoria Geral da Justiça.

III – Exceção de Suspeição é matéria jurisdicional e deve ser arguida no momento oportuno não sendo passível de análise administrativa.

IV – Ausência de elementos mínimos que configurem a prática de infração disciplinar por magistrado, a justificar a instauração de processo administrativo disciplinar

V - Não violação ao disposto no artigo 35, incisos I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e artigo 85, incisos I, Do Código De Divisão e Organização Judiciárias do Maranhão.

VI – Arquivamento. 

 

O voto condutor do arquivamento da Reclamação Disciplinar n. 33965/2019, capitaneado pela Desembargadora Maria Francisca Gualberto de Galiza, pautou-se no fundamento de que a matéria debatida possui cunho essencialmente jurisdicional, passível de impugnação pelos meios recursais próprios, bem assim que “o exercício da atividade judicante é norteado, dentre outros, pelo princípio da independência funcional e da motivação das decisões judiciais”.

Sem adentrar especificamente na “vasta documentação acostada”, a eminente Desembargadora:

i) apontou a existência de “apenas um Juizado Especial Cível e Criminal para onde convergem, por óbvio, todas as ações de sua competência”;

ii) afirmou que não restou comprovada nos autos a atuação dos servidores nos processos em que são parte, prática vedada pelo Código de Divisão e Organização Judiciárias do Maranhão (art. 122) e pelo Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça (art. 95);

iii) ressaltou que “não há vedação legal de atuação do magistrado titular de um Juízo em processos em que servidores são parte” e que caberia ao “ao interessado alegar ou ao magistrado declarar-se suspeito ou impedido nos processos que estão sob sua responsabilidade”;

iv) destacou que a análise dos processos judiciais acostados demonstra a observância do devido processo legal e de todas as garantias do contraditório às partes, que as ações “transcorreram dentro da regularidade e do devido processo legal, com indenizações em patamares normais para os padrões dos Juizados Especiais”, e que “o magistrado atuava de forma uniforme e imparcial em relação a todas as partes”;

v) registrou que o Magistrado comprovou não ter alcançado benefício financeiro nas ações ajuizadas em face da empresa Tim Celular e que nas demais ações em que foi parte se valeu do direito fundamental de acesso à Justiça;

vi) concluiu que a “apuração detalhada, determinada pelo CNJ, foi realizada pela Corregedoria Geral da Justiça, não sendo encontrados fatos passíveis de apuração disciplinar”.

 

Por sua vez, o voto vencido – repita-se, em apertada votação (14 votos pelo arquivamento do feito x 13 votos pela instauração do PAD), proferido pelo Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira, então Corregedor-Geral de Justiça, baseou-se, em síntese:

i) na desnecessidade de comprovação peremptória das faltas funcionais para a instauração de PAD, “bastando a existência de indícios da ocorrência dos fatos que ensejaram a Reclamação”;

ii) na impossibilidade de que a independência funcional seja considerada um “princípio absoluto a impedir o controle disciplinar dos atos praticados pelo magistrado”;

iii) na constatação de que “a independência funcional deve estar integrada com o princípio da responsabilidade judicial, conceito complementar erigido, como novo paradigma, a partir dos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial cujo propósito é ‘fazer crescer o nível de confiança no sistema judicial’ (in: Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial. / Nações Unidas, Escritório sobre Drogas e Crime; organização Conselho da Justiça Federal; tradução de Marlon da Silva Malha e Ariane Emílio Kloth. Brasília, 2008, pág. 13)” (destaques no original);

iv) na existência de “indícios de que a atuação do Reclamado nos feitos ajuizados pelos servidores do JECCrim de Balsas, data maxima venia, explicitam condutas contrárias ao bom nome e credibilidade do sistema de Justiça, mitigando sua honra e dignidade (CEM, arts. 15 e 37), e que não se compatibilizam com os deveres éticos de imparcialidade (CEM, art. 8º), prudência e cautela (CEM, arts. 24 e 25)”;

v) na demonstração de que, “com o beneplácito do Reclamado, o JECCrim de Balsas foi utilizado de forma predatória, abusiva e sub-reptícia pelos próprios servidores lá lotados”, e, assim agindo, o Magistrado requerido criou “todas as condições para que os servidores do JECCrim de Balsas lograssem êxito em seus intentos lucrativos (para dizer o mínimo), em manifesto desprestígio da unidade judiciária da qual era titular, gerando fundada desconfiança no sistema de Justiça (CEM, arts. 15 e 37)”; e

vi) na conclusão de que “há indícios fortes de que a conduta do Reclamado venha a configurar quebra da imparcialidade, tanto na perspectiva de não ter mantido uma distância equivalente das partes, quanto na concepção de que pode ter atuado com predisposição (CEM, art. 8º)”.

 

3.2 DA CONTRARIEDADE DA DECISÃO DE ARQUIVAMENTO DA RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR N. 33965/2019 À EVIDÊNCIA DOS AUTOS

A matéria examinada nos presentes autos perpassa pela atuação jurisdicional do Magistrado requerido, mas não se cinge ao controle do conteúdo das decisões judiciais por ele proferidas.

 A linha que se divisa entre a impossibilidade de controle, pelo CNJ, da questão jurisdicional em si e a possível responsabilização disciplinar em razão das situações que orbitam as decisões proferidas é tênue.

O histórico jurisprudencial deste Conselho revela a preocupação em resguardar, de um lado, a independência e a imunidade dos magistrados, princípios caríssimos ao sistema de Justiça e que asseguram a existência de julgamentos livres de pressão; e, de outro, a prerrogativa de examinar e punir comportamentos em que se evidencie quebra dos deveres de imparcialidade e prudência, que estejam contaminados por dolo ou má-fé, atos de corrupção ou qualquer outro vício que revele o intuito de beneficiar ou prejudicar um dos destinatários da jurisdição.

As disposições contidas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) autorizam essa interpretação. Verbis:

Art. 41 - Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.

[...]

Art. 56 - O Conselho Nacional da Magistratura poderá determinar a aposentadoria, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, do magistrado:

[...]

II - de procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções;

III - de escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou cujo proceder funcional seja incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário. (grifo nosso)

 

Portanto, a independência e a imunidade funcionais não são absolutas, admitindo-se a punição de magistrados nas hipóteses em que o exercício da atividade jurisdicional revelar a adoção de procedimentos incorretos, o agir imprudente e desacautelado ou a prolação de decisões teratológicas, contaminadas por dolo ou má-fé.

Assim, ao analisar superficialmente as provas existentes nos autos e rechaçar peremptoriamente a possibilidade de intervenção “por resvalar no campo de atuação jurisdicional do magistrado”, a decisão proferida pelo Órgão Pleno do TJMA deve ser desconstituída.

Com efeito, o entendimento que prevaleceu naquela Corte de Justiça ignorou inúmeros indícios de cometimento de falta funcional pelo Magistrado requerido.

Senão vejamos.

 

3.2.1 Dos indícios de consentimento do Magistrado na utilização do JECCrim de Balsas/MA de forma predatória, abusiva e sub-reptícia pelos servidores a ele subordinados

Ao longo de, aproximadamente, 6 (seis) anos, os servidores lotados no Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Balsas/MA ajuizaram um total incomum de ações, sendo a grande maioria em face de empresas de telecomunicação e julgada pelo Magistrado Pedro Henrique.

Na planilha encartada ao ID n. 4666162, consta o relatório geral das ações ajuizadas por servidores do JECCrim de Balsas/MA, onde estão especificados os números dos processos, o julgamento, o juiz julgador, se o processo foi objeto de recurso e o resultado do recurso.

A atual situação funcional dos servidores e a quantidade de ações ajuizadas na unidade, inclusive pelo Magistrado, estão detalhadas na planilha encartada ao ID n. 4666163. Vale ilustrar:

 

Por sua vez, na planilha encartada ao ID n. 4666164, está especificada a atuação do Juiz Pedro Henrique Holanda Pascoal em ações ajuizadas por servidores lotados no JECCrim de Balsas/MA. Vale ilustrar também:

* As ações ajuizadas pelos servidores Felix Valois B. Guerra e Maria do Perpétuo Socorro D. Fonseca não constam da planilha acima, aparentemente, porque em ambos os casos houve desistência.

 

Desconsiderando-se as 44 (quarenta e quatro) ações ajuizadas pelo próprio Magistrado, é de se ver que 271 (duzentas e setenta e uma) ações foram propostas por servidores lotados no JECCrim de Balsas/MA, sendo levantada, segundo consta no Voto vencido, cifra superior a R$ 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil reais), dos quais R$ 424.827,64 (quatrocentos e vinte e quatro mil, oitocentos e vinte e sete reais e sessenta e quatro centavos), entre indenizações e astreintes, foram levantados por um único servidor, Cristiano Morais Rodrigues.

Com efeito, o acervo probatório revela a existência de indícios de que o Magistrado consentiu com a utilização, pelos servidores a ele subordinados, do JECCrim de Balsas/MA de forma predatória, abusiva e sub-reptícia.

Por inteira pertinência, transcreva-se excerto do Voto proferido pelo, então Corregedor-Geral de Justiça, Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira:

[...]

Com efeito, das ações protocoladas pelos servidores, um número expressivo foi ajuizado contra empresas de telecomunicação, nas quais se questionou a qualidade do serviço de internet móvel, tendo alguns servidores demandado, individualmente, o mesmo tipo de ação quatro, cinco e até dez vezes contra a mesma empresa, conforme consta do relatório juntado no ID 3632475. (grifo no original)

O exame do inteiro teor dessas ações, indica que, já sabendo de antemão que o serviço de internet móvel não estava sendo prestado na cidade de Balsas, os servidores se aproveitaram desse fato para adquirir, individualmente, sucessivos planos de telefonia nas modalidades controle ou pré-pago (era este o vínculo firmado na maior parte dos casos cujo contrato de prestação de serviço possui vínculo precário e pode ser facilmente ativado, v.g., com a aquisição de chip em qualquer banca de revista), realizar algumas recargas mensais de valores módicos (em torno de R$ 15,00 a R$ 50,00) para então justificar o ajuizamento reiterado das ações em razão da ausência de cobertura do serviço de internet móvel. (grifo nosso)

Com esse estratagema, foram fixados, em cada ação, indenizações por danos morais em valor nunca inferior a R$ 2 mil, além de astreintes que, em vários casos, chegaram a superar R$ 30 mil e 40 mil (vide processos 0802675-35.2016.8.10.0147, 0802116-78.2016.8.10.0147, 0800610-33.2017.8.10.0147, 0802099-42.2016.8.10.0147 dentre outros).

É dizer: não há dúvidas de que o houve utilização abusiva do direito de ação no JECCrim de Balsas para, de forma sub-reptícia, criar um dano moral intencional e artificial (o serviço já era defeituoso, mas, ainda assim, os servidores continuaram a firmar novos e sucessivos contratos de telefonia com a mesma empresa), de modo a justificar a fixação de astreintes por falha na prestação do serviço que, sabidamente, não era adequadamente prestado em razão de deficiências estruturais e técnicas (e não por mero capricho ou recalcitrância das empresas de telefonia). (grifo nosso)

E no particular, o próprio Reclamado revela já saber que a ausência de prestação do serviço de internet móvel era “público e notório” (conforme declarou na sentença proferida no processo 0801265-05.2017.8.10.0147), tendo também conhecimento da existência de ação civil pública ajuizada pelo MPF no âmbito da Justiça Federal na qual a solução da questio passava, antes, pela execução de um projeto de ampliação da rede (vide petição da inicial do processo 55353-27.2014.4.01.3700 juntada em sua defesa prévia). (grifo nosso)

Nesse contexto, não se está aqui sindicando o conteúdo das decisões judiciais ou questionando a opção jurídica do Reclamado, porém, ao fixar danos morais (mesmo sabendo que o serviço já era notoriamente defeituoso) e arbitrar astreintes como forma de compelir as empresas de telefonia a realizar a imediata disponibilização da internet móvel (embora ciente de que a adequação dos serviços dependia da ampliação da rede), o Reclamado deixa fortes indícios de uma atuação imprudente e desacautelada (CEM, arts. 24 e 25), criando todas as condições para que os servidores do JECCrim de Balsas lograssem êxito em seus intentos lucrativos (para dizer o mínimo), em manifesto desprestígio da unidade judiciária da qual era titular, gerando fundada desconfiança no sistema de Justiça (CEM, arts. 15 e 37). (grifo nosso)

Diante da reiteração de tantas ações idênticas, não é crível que o Reclamado não tivesse conhecimento do que se passava no JECCrim de Balsas, tanto mais porque se tratava de demandas ajuizadas por servidores do Judiciário, seus subordinados. (grifo nosso)

 

 

Há nos autos, também, a informação de que no âmbito do JECCrim de Balsas/MA foram ajuizadas um total de 1.749 (mil setecentas e quarenta e nove) ações apenas em face da operadora TIM (ID n. 4666154), o que não permite dúvida acerca do conhecimento do Magistrado acerca da utilização maciça do Poder Judiciário de forma predatória.

 

3.2.2 Dos indícios de quebra da imparcialidade pela perspectiva da não manutenção de uma distância equivalente das partes

Como se vê, há indícios contundentes de que, ao julgar as ações de seus próprios servidores (vários deles trabalhavam há mais de 6 anos com o Magistrado requerido) e assessores (ocupantes de cargo em comissão indicados pessoalmente por ele), Pedro Henrique Holanda Pascoal deixou de manter uma distância equivalente das partes e descumpriu o dever de imparcialidade.

Mais uma vez, mostra-se relevante transcrever trecho do Voto proferido pelo Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira:

[...] muito embora não constitua (ao menos expressamente) hipótese legal de impedimento ou suspeição (CPC, arts. 144 e 145), os deveres éticos que pautam a atuação profissional do magistrado – e que aqui são o objeto da presente investigação disciplinar (o Código de Ética da Magistratura, em seu art. 4º, estabelece que o magistrado deve ser eticamente independente) – exigiam que o Reclamado não julgasse as ações de seus próprios assessores (com quem já trabalhava há mais de 6 anos) tendo em vista a existência de natural e evidente proximidade, fato objetivo que não se compatibiliza, a priori, com a exigência funcional de manter distância equivalente das partes, sendo certo que ‘As regras de suspeição não se circunscrevem às partes e ao juiz da causa. É interesse da própria sociedade que o trabalho jurisdicional não venha a ser questionado em razão de vínculos de adversidade ou de atração existentes entre o que julga e os que são destinatários de seus atos’ (TRF-3.ª Reg., ExSusp 2002.61.07.004190 6/SP, 5. T., j. 01.08.2005). (grifo nosso)

Acrescente-se que o Reclamado julgou não apenas as ações dos servidores efetivos lotados no JECCrim de Balsas, mas também as ações de servidores ocupantes de cargo em comissão de secretário judicial e assessor (conforme histórico de lotações juntado no ID 3501764), nomeados em confiança mediante indicação pessoal do Reclamado, nos termos do art. 92 §1° do CDOJ e art. 2º da Lei Estadual 8.450/2006. (grifo no original)

Das ações ajuizadas por ocupantes de cargo em comissão (aqui incluídas não apenas as ações contra empresas de telefonia, mas todas as demais ações), destaco o caso da servidora Ana Carolina Mota da Silva Coelho (que ajuizou 33 ações, das quais 32 foram sentenciadas pelo Reclamado, tendo recebido indenização total, incluindo astreintes, de R$ 157.714.92), do servidor Samuel Martins Silveira Sousa (que ajuizou 12 ações, todas julgadas pelo Reclamado, tendo recebido indenização total, incluindo astreintes, de R$ 102.437,28), e da servidora Silvia Alencar dos Santos (que ajuizou 4 ações, das quais 3 foram sentenciadas pelo Reclamado, tendo recebido indenização total, incluindo astreintes, de R$ 7.838.80). (grifo nosso)

 

3.2.3 Da declaração de suspeição por parte do Magistrado após a instauração da investigação preliminar

Por fim, há nos autos a informação de que, após a abertura de investigação preliminar, o Magistrado requerido declarou suspeição para julgar tanto as ações ajuizadas por seus assessores (v.g. processo n. 0801850-52.2020.8.10.0147), quanto as ações em tramitação contra a operadora TIM no âmbito do JECCrim de Balsas/MA (v.g. processo n. 0802042-19.2019.8.10.0147).

Com efeito, na linha do que defendeu o Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira, tal fato merece ser analisado de forma mais aprofundada, uma vez que “reforça os indícios de quebra da imparcialidade relativamente aos feitos que já haviam sido julgados”.

 

4. DA EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE

Por todo o exposto, é de se ver que a decisão de arquivamento da Reclamação Disciplinar n. 33965/2019 é contrária às evidências dos autos, havendo indícios suficientes de cometimento de falta funcional pelo Magistrado requerido.

Dessa forma, a instauração do competente processo administrativo disciplinar se justifica para que se possa apurar o efetivo consentimento do Magistrado, bem assim sua motivação na condução dos processos em questão, à vista dos deveres funcionais de imparcialidade, prudência, diligência, integridade e confiança na judicatura.

A jurisprudência desta Casa se consolidou no sentido de que, em situações como a analisada, deve prevalecer o princípio in dubio pro societate:

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL [...]. CORREGEDORIA REGIONAL DA JUSTIÇA FEDERAL [...]. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. COMUNICAÇÃO DE ARQUIVAMENTO. PRELIMINAR DE DECADÊNCIA AFASTADA. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. JUSTA CAUSA. PLENÁRIO DO CNJ. PROCEDÊNCIA.

I – Pedido de Providências instaurado, nos termos da Portaria CNJ n. 34, de 13 de setembro de 2016, para dar cumprimento ao disposto nos arts. 9º, § 3º, 14, §§ 4º e 6º, 20, § 4º, e 28 da Resolução CNJ n. 135, de 13 de julho de 2011, que exigem a comunicação à Corregedoria Nacional de Justiça do arquivamento dos procedimentos prévios de apuração, a instauração e o julgamento dos procedimentos administrativos de natureza disciplinar relativos a juízes e desembargadores vinculados aos tribunais do País.

II – Na origem, a Reclamação Disciplinar apurou suposta violação da vedação de atividade político partidária – art. 95, parágrafo único, III, da Constituição da República; art. 26, II, “c” da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. 

III – Os precedentes do Conselho Nacional de Justiça quanto ao termo inicial e final da contagem do prazo decadencial, para revisão disciplinar, indicam como suficiente, para afastar a decadência, a primeira manifestação formal, dentro daquele período, que expresse o interesse público na instauração do procedimento revisional.

IV – Ao contrário do que decidido pela Corregedoria local, extrai-se justa causa para a instauração de Processo Administrativo Disciplinar.

V – O conteúdo da nota institucional publicada não parece guardar nenhuma relação com os interesses dos membros do Poder Judiciário porquanto tem por único objetivo aparente prestar apoio a pessoa determinada para cargo de indicação política.

VI – Apesar de a nota ter sido subscrita pela associação U., a qualidade de Diretor Presidente e, portanto, de representante da entidade revela elemento de prova capaz de conduzir a instauração de procedimento de natureza disciplinar em desfavor do Magistrado.

VII – Nada obstante o art. 6º da Resolução 305/2018 salvaguardar os diretores das associações de classe, tal prerrogativa não é absoluta e não suplanta obrigações decorrentes diretamente da Constituição da República.

VIII – Na formação da justa causa, a apuração da autoria segue o princípio in dubio pro societate, isto é, admite-se que a imputação seja dirimida no respectivo processo de natureza disciplinar, resguardados, por certo, os direitos à ampla defesa e ao contraditório.

IX – Revisão para instauração, de ofício, de PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, sem afastamento de suas funções jurisdicionais, em desfavor do magistrado E. L. R. para apuração de suposta violação à vedação de atividade político partidária – art. 95, parágrafo único, III, da Constituição da República; art. 26, II, “c” da Lei Orgânica da Magistratura Nacional –, nos termos dos arts. 86 e 88 do RICNJ.

(CNJ - PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0005736-28.2020.2.00.0000 - Rel. EMMANOEL PEREIRA - 337ª Sessão Ordinária - julgado em 31/08/2021)

 

REVISÃO DISCIPLINAR. MAGISTRADO. DESCONSTITUIÇÃO DE DECISÃO NO TRIBUNAL DE ORIGEM QUE ARQUIVOU O PROCEDIMENTO APURATÓRIO. EXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÕES NO ACERVO PROBATÓRIO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PARA A APURAÇÃO DOS FATOS.

1. Considera-se como dies a quo da fluência do prazo de um ano para a propositura da revisão disciplinar (art. 82 do Regimento Interno do CNJ) a data em que o Tribunal informa ao CNJ o resultado do julgamento. (STF e CNJ, precedentes)

2. É possível a instauração de revisão disciplinar para desconstituir decisão de arquivamento proferida em procedimento investigatório no Tribunal de origem.

3. A revisão disciplinar não configura recurso ordinário apto a ensejar o revolvimento de provas e a devolução de todas as questões fáticas e jurídicas à apreciação do CNJ. Seu cabimento cinge-se às estreitas hipóteses previstas no art. 83 do Regimento Interno do CNJ, sendo portanto incabível a pretensão de ampla dilação probatória no curso de sua instrução.

4. É pacífica a orientação do STF e CNJ no sentido de que, em processo disciplinar, só se declara a nulidade que efetivamente cause prejuízo (pas de nullité sans grief).

5. Para aplicação do prazo prescricional penal na esfera administrativa, conforme previsão do artigo 24 da Resolução CNJ n. 135/2011, é necessária a propositura da ação penal, sendo insuficiente a instauração de inquérito. (STJ, precedentes)

6. Magistrado estadual comprovadamente envolvido em diligências policiais para apuração de furto ocorrido em sua própria residência. Existência de indícios de tortura e agressões contra os acusados do furto, na presença do Juiz.

7. Ocorrência de contradições entre os depoimentos das testemunhas de acusação e defesa, assim como no interrogatório do Magistrado. Laudo de exame de corpo de delito inconclusivo em relação às agressões e tortura.

8. Estratégia da defesa e do voto vencedor no Tribunal de origem de desqualificação da palavra das vítimas de tortura, em razão de seus antecedentes criminais. Impossibilidade.

9. Investigação criminal em curso no Tribunal pelos mesmos fatos narrados no âmbito disciplinar. Possibilidade de futuro compartilhamento de provas.

10. Em face da existência de vários indícios de autoria e materialidade da infração disciplinar, deve prevalecer, neste momento de juízo de delibação, o princípio in dubio pro societate, em razão do alto grau de responsabilidade que o agente público detém e em homenagem ao interesse público.

REVISÃO DISCIPLINAR JULGADA PROCEDENTE para DETERMINAR A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA O MAGISTRADO.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0006646-02.2013.2.00.0000 - Rel. LELIO BENTES CORRÊA - 29ª Sessão Extraordinária - julgado em 30/06/2015)

 

Por oportuno, julga-se conveniente que o processo administrativo disciplinar tenha seu regular trâmite na origem.

Além de encontrar fundamento na regra estabelecida no art. 88 do RICNJ[10], a tramitação e o julgamento do PAD no âmbito do TJMA se justificam pela proximidade do Órgão com a matéria, facilidade de instrução e possibilidade de controle e posterior revisão pelo CNJ.

Recentemente, o Plenário desta Casa inaugurou tal possibilidade no julgamento da REVDIS n. 0007273-93.2019.2.00.0000. Verbis:

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA PARAÍBA. TRE/PB. RESOLUÇÃO CNJ N. 135/2011. MAGISTRADO. SENTENÇA. CASSAÇÃO DE MANDATO DE PREFEITO. FLUÊNCIA DO PRAZO RECURSAL. DIÁLOGO TELEFÔNICO COM A PARTE SOBRE A DECISÃO PROFERIDA. GRAVAÇÃO.  ORIENTAÇÃO SOBRE ESTRATÉGIAS RECURSAIS. PAD NÃO INSTAURADO NA ORIGEM. DECISÃO CONTRÁRIA À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. ART. 83, I, RICNJ. PROCEDÊNCIA DA REVISÃO DISCIPLINAR. ABERTURA DE PAD.

1. Revisão disciplinar proposta com o objetivo de impugnar decisão tomada pelo Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba que, ao avaliar diálogo realizado entre o magistrado sentenciante e a parte prejudicada, deliberou pela não abertura de PAD.

2. Presentes os indícios do cometimento de falta funcional, a instauração de processo administrativo disciplinar para apuração dos fatos é medida que se impõe.

3. A idoneidade da gravação realizada por um dos interlocutores deve ser discutida no curso do processo administrativo disciplinar, assim como eventual perícia nos áudios apresentados.

4. A suposta orientação do magistrado à parte prejudicada a respeito de estratégias recursais e indicação de fragilidades da sentença proferida revela indícios de falta funcional.

5. O positivo histórico funcional do juiz deve ser sopesado na dosimetria de eventual penalidade a ser aplicada, não podendo servir de óbice à apuração de fatos incontroversos.

6. Abertura de PAD. Determinação ao Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba. Art. 88, RICNJ.

7. Procedência da Revisão Disciplinar.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0007273-93.2019.2.00.0000 - Rel. SALISE SANCHOTENE - 357ª Sessão Ordinária - julgado em 04/10/2022 – grifo nosso)

 

5. DA AUSÊNCIA DE NECESSIDADE DE AFASTAMENTO CAUTELAR DO CARGO

Não obstante a gravidade dos fatos, em tese, cometidos, pelo Magistrado, não se vislumbra a necessidade de determinar o afastamento cautelar do cargo por ele ocupado, nos termos do artigo 15, caput, da Resolução CNJ n. 135.

Com efeito, tendo em vista o decurso de tempo desde a representação, formulada pela empresa Borba Provedor Ltda. – EPP, em 6/7/2019, bem assim a inexistência de elementos nos autos que indiquem a continuidade das condutas, encontra-se fundamentada a desnecessidade de afastamento.

 

6. CONCLUSÃO

Ante o exposto, julgo procedente a presente Revisão Disciplinar, para determinar:

i) a desconstituição da decisão proferida pelo Órgão Pleno do TJMA na Reclamação Disciplinar n. 33965/2019;

ii) a instauração de processo administrativo disciplinar, sem afastamento cautelar do cargo, em face do Juiz de Direito Pedro Henrique Holanda Pascoal, por violação, em tese, dos deveres impostos no art. 35, incisos I e VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, bem como pela não observância das regras de independência, imparcialidade, prudência, dignidade, honra e decoro, previstas nos arts. 1º, 5º, 8º, 24, 25 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional; e

iii) a tramitação do processo administrativo disciplinar no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, nos termos da Portaria anexa.

É como voto.

Comuniquem-se as partes. Após, arquivem-se.

À Secretaria Processual, para as providências a seu cargo.

Brasília, data registrada em sistema.

 

 

Conselheiro GIOVANNI OLSSON

Relator

 

 

PORTARIA Nº xx– PAD, DE xx DE xx DE 2023.

 

 

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais,

 

CONSIDERANDO que o Conselho Nacional de Justiça detém competência para, nos termos do art. 88 do Regimento Interno, determinar a instauração de processo administrativo disciplinar;

 

CONSIDERANDO o disposto no §5º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135, as disposições pertinentes da Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e do Regimento Interno deste Conselho;

 

CONSIDERANDO a decisão tomada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento da Revisão Disciplinar n. 0001932-81.2022.2.00.0000, na XXª Sessão Ordinária realizada em xx de xx de 2023;

 

RESOLVE:

 

Art. 1º. Instaurar processo administrativo disciplinar, sem afastamento cautelar do cargo, em face de Pedro Henrique Holanda Pascoal para apurar a violação, em tese, dos deveres impostos no art. 35, incisos I e VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, bem como pela não observância das regras de independência, imparcialidade, prudência, dignidade, honra e decoro, previstas nos arts. 1º, 5º, 8º, 24, 25 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional, em razão dos fatos abaixo indicados:

I – O Magistrado Pedro Henrique Holanda Pascoal teria consentido com a utilização, por servidores a ele subordinados, lotados no Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Balsas/MA (JECCrim), de forma predatória, abusiva e sub-reptícia;

II – Há indícios de que, mesmo cientes de que o serviço de internet móvel era prestado de forma deficitária na Comarca de Balsas, os mencionados servidores adquiriram sucessivos planos de telefonia nas modalidades controle ou pré-pago, fabricando dano moral intencional e artificial de modo a justificar a fixação de astreintes por falha na prestação do serviço;

III – Diante disso, os servidores lotados no JECCrim de Balsas/MA ajuizaram um total incomum de ações – 271 (duzentas e setenta e uma) –, sendo a grande maioria em face de empresas de telecomunicação e julgada pelo Magistrado Pedro Henrique Holanda Pascoal;

IV – Há indícios de que o Magistrado Pedro Henrique Holanda Pascoal tinha plena ciência da prestação deficitária do serviço e, ainda assim, decidiu nas ações propostas, fixando indenizações por danos morais, além de astreintes, sendo levantada cifra superior a R$ 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil reais), dos quais R$ 424.827,64 (quatrocentos e vinte e quatro mil, oitocentos e vinte e sete reais e sessenta e quatro centavos), entre indenizações e astreintes, foram levantados por um único servidor.

V – Há indícios de que, ao julgar as ações de seus próprios servidores, Pedro Henrique Holanda Pascoal deixou de manter uma distância equivalente das partes e descumpriu o dever de imparcialidade;

VI – Após a abertura de investigação preliminar, o Magistrado requerido teria declarado sua suspeição para julgar tanto ações ajuizadas por seus assessores, quanto ações em tramitação contra a operadora TIM no âmbito do JECCrim de Balsas/MA, o que pode reforçar os indícios de quebra da imparcialidade relativamente aos feitos que já haviam sido julgados.

 

Art. 2º Determinar que a Secretaria Processual do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça, e da instauração do processo administrativo disciplinar, sem afastamento cautelar do cargo.

 

Art. 3º. Determinar que o processo administrativo disciplinar instaurado deverá tramitar naquela Corte de Justiça, nos termos da presente Portaria.

 

 

 

MINISTRA ROSA WEBER

Presidente do Conselho Nacional de Justiça



[1] Art. 82. Poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão.

[2] Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida: I - quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

[3] Art. 86. A instauração de ofício da revisão de processo disciplinar poderá ser determinada pela maioria absoluta do Plenário do CNJ, mediante proposição de qualquer um dos Conselheiros, do Procurador-Geral da República ou do Presidente do Conselho Federal da OAB.

[4] Art. 69. Configurada a evidência de possível infração disciplinar atribuída a magistrado, se as provas forem suficientes o Corregedor Nacional de Justiça proporá ao Plenário a instauração de processo administrativo disciplinar, caso contrário instaurará sindicância para investigação dos fatos.

[5] Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: [...] § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: [...] V rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

[6] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6367716 Acesso em 27/10/2022.

[7] Art. 24. O prazo de prescrição de falta funcional praticada pelo magistrado é de cinco anos, contado a partir da data em que o tribunal tomou conhecimento do fato, salvo quando configurar tipo penal, hipótese em que o prazo prescricional será o do Código Penal.

[8] Em precedente recente, este Conselho decidiu que “em caso de competência concorrente, o prazo prescricional é único e possui como termo inicial a data em que a primeira das autoridades que dispõem de competência para a instauração do processo disciplinar tomar ciência do fato, o que, gize-se, melhor se coaduna com a natureza jurídica do instituto da prescrição e sua finalidade de proteção da segurança jurídica”. (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0006920-87.2018.2.00.0000 - Rel. MÁRIO GUERREIRO - 60ª Sessão Extraordinária - julgado em 28/9/2021)

[9] O cálculo apresentado leva em consideração a data de finalização da minuta de voto no gabinete e pedido de inclusão em pauta de julgamento.

[10] Art. 88. Julgado procedente o pedido de revisão, o Plenário do CNJ poderá determinar a instauração de processo administrativo disciplinar, alterar a classificação da infração, absolver ou condenar o juiz ou membro de Tribunal, modificar a pena ou anular o processo.