PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS. SUPOSTA INTERFERÊNCIA DE DESEMBARGADOR EM JULGAMENTO DE PROCESSO DE SEU INTERESSE. DENÚNCIA ANÔNIMA DISSOCIADA DE ELEMENTOS INDICIÁRIOS. INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO.

1. Pedido de Providências instaurado a partir de denúncia anônima em que se noticia suposta interferência de Desembargador no julgamento de processo de seu interesse pelo juiz de direito reclamado, no período de plantão judiciário, em aparente contradição com as Resoluções CNJ nº 244/2016 e nº 71/2009.

2. Extrai-se dos autos que o magistrado reclamado proferiu decisões no processo durante o período de sua designação para substituir o titular da unidade judiciária. A legislação regente sobre o tema não impede a prolação de sentença/decisões durante o período de substituição, ainda que coincida com o período do recesso forense.

3. Os depoimentos colhidos durante a instrução advêm de meras alegações desprovidas de comprovação da suposta interferência no julgamento do processo.

4. Inexistem, portanto, os elementos objetivo e subjetivo necessários para imputar aos magistrados conduta violadora dos deveres de cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício e manter conduta irrepreensível na vida pública e particular (artigos 35, inciso I e VIII, da LOMAN e 1º, 4º, 5º e 8º do Código de Ética da Magistratura).

 

5. Ausente a justa causa para instauração de processo administrativo disciplinar em face dos magistrados requeridos, a improcedência do Pedido de Providências é medida que se impõe.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, julgou improcedente o pedido, nos termos do voto do Conselheiro Caputo Bastos. Vencido o Conselheiros Luis Felipe Salomão (Relator), que determinava a instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor dos magistrados. Lavrará o acórdão o Conselheiro Caputo Bastos. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 12 de março de 2024. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran Machado Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0009126-69.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: FABIO JOSE BITTENCOURT ARAUJO e outros

 

RELATÓRIO 

 

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):


1. Trata-se de Pedido de Providências instaurado com amparo em denúncia anônima em face do desembargador FÁBIO JOSÉ BITTENCOURT ARAÚJO[1], do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (TJAL), sob alegação de que teria se utilizado do seu cargo para intervir no julgamento do processo 0729682-95.2018, do qual é parte autora.

O despacho de Id. 4593602 determinou a inclusão no polo passivo do Juiz de Direito BRUNO ARAÚJO MASSOUD[2] , porque teria sido ele quem, supostamente, serviu de instrumento e atendeu ao desiderato do desembargador requerido.

Em petição de Id 4600011, o magistrado Bruno Araújo Massoud prestou informações, ressaltando que: i) substituiu o juiz Gustavo Souza Lima na 12ª Vara Cível de Maceió/AL no período de 23/11/2020 a 03/01/2021 conforme Portaria n.º 1377, de 19 de novembro de 2020, tendo em vista licença médica do titular; ii) foi designado para atuar, na referida unidade jurisdicional, pelo então corregedor, o Des. Fernando Tourinho de Omena Souza, e não pelo Des. Fábio José Bittencourt Araújo; iii) durante o período em que substituiu na 12ª Vara Cível da Capital, proferiu a) no mês de novembro de 2020: a.1) 222 (duzentas e vinte e duas) sentenças; a.2) 4 (quatro) despachos; a.3) 26 (vinte e seis) decisões; b) em dezembro de 2020: b.1) 142 (cento e quarenta e duas) sentenças; b.2) 14 (quatorze) despachos; b.3) 47 (quarenta e sete) decisões; c) já no mês de janeiro de 2021 c.1) 5 (cinco) sentenças; 15 (quinze) despachos e 6 (seis) decisões.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) requereu o seu ingresso no feito como parte interessada e apresentou defesa prévia do juiz Bruno Araújo Massoud (Id 4760174), 2º requerido, sustentando que:

I.As portarias de designação e de revogação da designação do juiz ocorreu pelo Corregedor-Geral de Justiça Des. Fernando Tourinho e que todas as decisões foram proferidas durante o mandato do referido desembargador;

II.Não houve insurgência da parte ré Yamaha a respeito de suposta suspeição do juiz para o julgamento do processo n. 0729682-95.2018.8.02.0001;

III.O juiz fixou o valor de danos morais no mesmo patamar do que já foi fixado em demandas semelhantes;

IV.Na época em que atuou em substituição, o desembargador requerido sequer era Corregedor-Geral de Justiça;

V.O juiz titular da 12ª Vara Cível de Maceió afastou-se por motivo de doença e, portanto, foi designado o juiz requerido (Bruno Massoud) para assumir a Vara enquanto perdurasse a licença-médica do titular;

VI.A licença terminou na data de 19/12/2020, mas a revogação da designação do juiz requerido ocorreu apenas em 04/01/2021, por meio da portaria n. 06, motivo pelo qual tem eficácia os atos praticados até esta data;

VII.O juiz requerido foi escolhido pelo Corregedor-Geral de Justiça de Alagoas da época em razão da sua boa produtividade e “para que os juízes da capital focassem tão somente no trabalho a ser desempenhado nas próprias varas a fim de que pudessem atender as metas do CNJ”;

VIII.O magistrado substituto, em respeito à determinação do CNJ, dedicou-se a cumprir o plano de gestão da unidade para atingir as metas nacionais e diminuir os processos conclusos para julgamento;

IX.O processo do desembargador requerido estava concluso para julgamento e, portanto, não subsistia motivo para o que o juiz em substituição do titular não o julgasse;

X.A sentença no processo do desembargador requerido foi prolatada pelo juiz requerido no dia 25/11/2020, enquanto substituto na 12ª Vara Cível;

XI.A sentença acerca dos embargos de declaração foi elaborada em 31/12/2020, data em que o juiz requerido ainda se encontrava em atividade de substituição na Vara;

XII.Elaborou a decisão porque tinha sido o responsável pela prolação da sentença e, portanto, tinha conhecimento do caso e aptidão para a prática do ato;

XIII.A publicação do decisum ocorreu apenas no dia 05/01/2021, após o recesso forense alagoano, que compreende o período de 20 a 31 de dezembro, conforme previsão da Lei Estadual 6.564;

XIV.Não existe fundamento para se perquirir suposto ato infracional praticado pelo juiz em substituição, porque ainda que o juiz titular tenha retornado à jurisdição no dia 04/01/2021, a sentença havia sido produzida em data anterior (quando o juiz requerido ainda estava em substituição), carente apenas de publicação, ocorrida no dia seguinte ao retorno do titular;

XV.É comum que os juízes utilizem o período do recesso judiciário (sem expediente forense) para “estabelecerem um verdadeiro desafogo dos processos que possui”;

XVI.O magistrado requerido Bruno Massoud agiu de forma imparcial e elaborou diversos atos judiciais no último ano de 2020;

XVII.A irresignação contida na denúncia anônima está relacionada a atos judiciais praticados por magistrado no efetivo exercício da jurisdição e, portanto, trata-se de matéria estritamente jurisdicional que foge da competência do CNJ;

XVIII.Requereu, ao final, o arquivamento definitivo do presente Pedido de Providências.

Por sua vez, o desembargador requerido apresentou defesa em petição de Id 4764944, alegando que:

I.Jamais pediu ao juiz titular da 12ª Vara Cível (Gustavo Lima) ou a qualquer outro magistrado que decidisse algum processo em seu favor;

II.O Juiz Gustavo Lima, quando inquirido pelo CNJ, disse que “não foi procurado por ninguém pra trabalhar nesse processo, teve um fluxo normal, mas alegou que o primeiro suposto pedido para que o feito fosse julgado teria sido formulado pela Coordenação do projeto Justiça Efetiva, programa que foi idealizado para desafogar unidades jurisdicionais com acúmulo de processos em atraso e que era coordenado pelo em. Desembargador Domingos de Araújo Lima Neto”.

III.O desembargador requerido jamais pediu ou orientou o Desembargador Domingos Neto ou qualquer outro integrante do programa Justiça Volante a respeito da ação consumerista em que figura como autor;

IV.O processo do desembargador requerido foi apenas um dentre milhares que recebeu impulso do magistrado titular da Vara durante o Programa Justiça Efetiva;

V.Sequer existiu diálogo, por telefone, entre o desembargador requerido e o juiz titular da Vara para sustentar a alegação de suposta pressão para o julgamento da demanda;

VI.Essa especulação que ensejou o procedimento que ora se rebate, surgiu somente quando o Juiz Gustavo Lima foi instado a se manifestar sobre a possível abertura de PAD;

VII.Tudo não passou de um ardiloso estratagema do Juiz Gustavo Lima para subverter os fatos, buscando livrar-se da eventual pecha de investigado, para imputá-la àquele que o investigaria;

VIII.Não designou o Juiz requerido Bruno Massoud para responder pela 12ª Vara Cível e que a Portaria n. 1377 que comprova a designação foi de lavra do Des. Fernando Tourinho, Corregedor-Geral de Justiça de Alagoas na época;

IX.Não tem qualquer relação, proximidade ou contato com o juiz requerido Bruno Massoud;

X.O próprio juiz requerido afirmou que jamais recebeu qualquer pedido do desembargador que ora se defende;

XI.O desembargador Fernando Tourinho, que designou o juiz requerido Bruno Massoud para atuar em substituição na 12ª Vara, explicou os motivos da designação, cuja finalidade é preservar os titulares em suas respectivas varas que já são assoberbadas de processos;

XII.Outros juízes do interior foram designados para responder por Varas na capital;

XIII.O próprio juiz requerido já havia ocupado o cargo de juiz na 12ª Vara Criminal, em outra oportunidade;

XIV.Não existe nenhum indício de ato infracional praticado pelo desembargador requerido;

XV.O juiz requerido Bruno Massoud laborou com afinco e disposição nunca dantes visto na 12ª Vara Cível, com produtividade acima da média daquele que há anos titulariza a unidade jurisdicional que é notoriamente conhecida na sociedade alagoana como sinônimo de morosidade.

XVI.O feito estava concluso para sentença desde abril de 2020, e foi apenas mais um dentre tantos outros decididos nos oito dias de novembro, período inicial em que o Juiz atuou na unidade;

XVII.A alegação do Juiz titular da 12ª Vara, Gustavo Lima, acerca de uma suposta alteração de minuta não se confirmou, porque a Diretoria Adjunta de Tecnologia da Informação (DIATI) do Tribunal de Justiça de Alagoas certificou as informações prestadas pela Softplan no sentido de que ambas as sentenças citadas foram criadas pelo juiz requerido Bruno Massoud e não pela assessoria do juiz titular da Vara;

XVIII.A prova pericial não foi desfavorável à pretensão formulada pelo Des. Fábio Bittencourt, ora requerido;

XIX.A sentença proferida pelo juiz requerido não tem nada de teratológica, mas sim está devida e criteriosamente fundamentada;

XX.Antes mesmo do julgamento da apelação, o advogado da Yamaha fez proposta de acordo, o que revela a ausência de teratologia da sentença;

XXI.O fato é que restou claro que o Juiz Substituto, designado pelo Corregedor de então, atuou indistintamente em mais de três centenas de processos, decidindo-os livremente e de forma indistinta, nada havendo de irregular que pudesse ser atribuível ao Des. Fábio Bittencourt;

XXII.Que a sentença de embargos de declaração proferida pelo juiz requerido no dia 31/12/2020 foi apenas uma dentre outras 5 sentenças, 15 despachos e 6 decisões proferidas no mesmo dia;

XXIII.O magistrado Bruno Massoud atuou em substituição na 12ª Vara Cível até a data de publicação da portaria que revogou a designação, qual seja 03/01/2021;

XXIV.O Defendido arquivou, somente no ano de 2021, dois Pedidos de Providências formulados em desfavor do Juiz Gustavo Lima, tombados respectivamente sob o n.º 0000019- 54.2020.2.00.0802, 0000025-27.2021.2.00.0802, e em nenhum deles o Juiz Gustavo Lima suscitou qualquer tipo de irresignação ou de objeção à atuação do Desembargador Fábio Bittencourt;

XXV.Não é coincidência, portanto, o fato de que somente após ter proferido uma decisão acolhendo a proposição dos Juízes Auxiliares da Corregedoria, que sugeriram pela instauração de PAD, é que o Juiz Gustavo Lima lançou mão de tamanho absurdo em desfavor do Desembargador Fábio Bittencourt;

XXVI.O Plenário do eg. Tribunal de Justiça de Alagoas rejeitou a exceção de suspeição, por concluírem os Desembargadores que não havia nenhum indicativo de que o Des. Fábio Bittencourt tivesse praticado qualquer ato sugestivo de constrangimento ao Juiz Gustavo Lima, tampouco que tivesse interferido em sua atividade judicante;

XXVII.Somado a isso, recentemente o Plenário do eg. Tribunal de Justiça de Alagoas, por unanimidade, deliberou pela abertura de processo administrativo disciplinar em face do Magistrado titular da 12ª Vara Cível de Maceió/AL, desta feita, em virtude de determinação oriunda dessa colenda Corregedoria Nacional de Justiça, proferida no bojo do Pedido de Providências de n.º 0006805-66.2018.2.00.0000;

XXVIII.A respeito da intervenção da Desa. Elisabeth Carvalho Nascimento, que em sessão do Conselho Estadual da Magistratura, alegara ter conhecimento de fatos relacionados ao processo movido pelo ora defendido sobre a disputa de um jet-ski, o fato é que em seu depoimento, a eminente desembargadora foi categórica em dizer que não conhece pessoalmente nenhum fato novo: “O que eu sei da história do Jet Ski é o que aconteceu na sessão da arguição de suspeição do Dr. Gustavo Lima contra o Des. Fabio Bittencourt”;

XXIX.A desembargadora Elisabeth Carvalho acrescentou: “Realmente, eu não vou mentir aqui. O Dr. Gustavo é contumaz em extrapolar prazos de processos. Eu não sou uma pessoa de estar com historinha, eu falo a verdade”.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), interveio novamente no feito como terceiro interessado, para apresentar defesa em favor do Desembargador José Fábio Bittencourt Araújo (1º requerido), pelo arquivamento do expediente:

Após, deferiu-se o envio de cópia dos depoimentos dos magistrados Gustavo Souza Lima e Elisabeth Carvalho do Nascimento à Procuradoria Geral da República, bem como determinou-se a expedição de ofício à PGR para informar sobre eventual existência de inquérito policial ou ação penal em curso em desfavor dos requeridos (Id. 5004295).

Em resposta (Id. 5035972), o subprocurador-geral da República informou não ter encontrado inquérito ou ação penal em andamento na Assessoria Jurídica Criminal junto ao Superior Tribunal de Justiça em face dos magistrados.

É o relatório.

 

J5/F29



[1] Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, pelo critério de merecimento, desde 21/08/2013; atualmente Presidente da Terceira Câmara Cível (Disponível em: https://www.tjal.jus.br/index.php?pag=Institucional_3_camara_civel; acesso em 16/11/2023)

[2] Lotado na 1ª VARA DE SANTANA DO IPANEMA - AL. (Disponível em: https://www.tjal.jus.br/consultas/outubro2023-1.pdf;  acesso em 16/11/2023)

 

 

 

VOTO DIVERGENTE

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR CONSELHEIRO CAPUTO BASTOS:

Adoto o relatório lançado pelo eminente Corregedor Nacional de Justiça, pedindo vênia, todavia, para manifestar respeitosa divergência, por entender que inexiste no presente caso justa causa para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar contra os magistrados reclamados.

Cuida-se de Pedido de Providências instaurado a partir de denúncia anônima em que se noticia suposta interferência do Desembargador Fábio José Bittencourt Araújo no julgamento do processo nº 0729682-95.2018 (em que figura como autor), pelo magistrado Bruno Araújo Massoud, o que configuraria, em tese, troca de favores.

Examina-se, portanto, se há indícios de prática de infração funcional cometida pelo juiz de direito consubstanciada na prolação de decisão favorável ao Desembargador requerido no período de plantão judiciário, em suposta contrariedade com as Resoluções CNJ nº 244/2016 e nº 71/2009.

O Corregedor Nacional de Justiça, fundamentado nos depoimentos da Desembargadora Elisabeth Carvalho do Nascimento e do magistrado Gustavo Souza Lima, que apontaram suposta irregularidade na conduta dos investigados e na aparente inobservância da legislação regente sobre o plantão judiciário, votou pela abertura do PAD contra os reclamados.

Examina-se, portanto, nestes autos, possível falta disciplinar praticada pelo Desembargador Fábio José Bittencourt Araújo “consistente em supostamente influenciar no julgamento de processo de seu interesse, seja pressionando o juiz titular da vara, seja por eventual interferência junto ao juiz substituto designado” e pelo juiz Bruno Araújo Massoud, que supostamente teria cedido à influência.

 

E, nessa perspectiva, imputa-se o possível descumprimento dos artigos 35, inciso I e VIII, da LOMAN e 1º, 4º, 5º e 8º do Código de Ética da Magistratura, in verbis:

 

LOMAN

Art. 35 - São deveres do magistrado:  

I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

(...)

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

 

CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA 

Art. 1º - O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

(...)

Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas legais.

Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.

(...)

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito. 

 

                   Não vislumbro, com o máximo respeito ao voto do eminente Corregedor, a partir dos elementos constantes destes autos, fundamentos para a abertura do processo disciplinar contra os reclamados. 

O Desembargador requerido ajuizou Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais contra Yamaha Motors do Brasil Ltda., em 13.11.2018, autuada sob o nº 0729682-95.2018.8.02.0001, a qual foi distribuída para a 12ª Vara Cível da Capital/AL, cuja titularidade é do Juiz Gustavo Souza Lima (Id 4011724).

Instruído o respectivo processo, o magistrado requerido julgou procedentes os pedidos formulados na inicial, em 25.11.2020 (Id 4601722, fls. 39 a 50). A decisão retro foi disponibilizada no Diário de Justiça Eletrônico, em 26.11.2020 e, a sua publicação, no primeiro dia útil subsequente à referida data (Id 4601722). Consta dos autos que foram opostos embargos de declaração pela empresa ré (Id 4601722, fl 61 e 114) e, em 31.12.2020, que foram rejeitados pelo magistrado requerido (Id 4601722, fls. 120 a 122).

A controvérsia reside na prolação da sentença dos embargos de declaração ocorrida em 31.12.2020. O Eminente Corregedor Nacional alega que a sua apreciação deu-se “em período para o qual não tinha mais jurisdição na vara, e durante o recesso forense”.

Verifica-se que a Portaria nº 1377/2020, expedida pelo então Corregedor-geral da Justiça, Desembargador Fernando Tourinho de Omena Souza, foi exarada nos seguintes termos (Id 4603532):


 

 

                     Extrai-se da leitura do mencionado ato que a designação do magistrado requerido subsistia “enquanto perdurar a licença médica do Juiz titular”, ao mesmo tempo que determinava “até ulterior deliberação”. Embora não seja dotado da melhor técnica, foram definidos dois períodos para a manutenção da designação.

Conforme o histórico de licenças concedidas ao magistrado Gustavo Souza Lima, emitido pela Diretoria de Gestão de Pessoas do TJAL, consta o período de 20.11.2020 a 19.12.2020 (Id 4644220).

Sucede que o mencionado magistrado, por meio do Ofício nº 1-113/2021, comunicou à Corregedoria local o seu retorno às funções, apenas em 04.01.2021, “em decorrência do encerramento da minha licença para tratamento de saúde” (Id 4764959), fato esse confirmado pelo depoimento do próprio magistrado (Ids 4646942 a 4646944), razão pela qual a Portaria nº 1377/2020 foi revogada pela Portaria nº 06/2021 apenas em 04.01.2021 (Id 4764958), cujos teores transcrevo, respectivamente:

 

 

 

 

 

 

Vale lembrar que o magistrado Gustavo Souza Lima, em seu depoimento, afirmou que a substituição ocorre durante o afastamento do titular. Que sua licença teve início em 20/11/2020 e terminou no dia 19/12/2020, sem renovação. Que não retornou no dia 20/12, por causa do recesso forenseQue mandou mensagem ao Bruno dizendo que voltaria em janeiro”, o que reforçou a necessidade de permanência do juiz Bruno na 12ª Vara Cível de Macéio/AL. Nesse aspecto, a Portaria nº 1377/2020 foi expressa ao determinar que a designação subsistia “até ulterior deliberação”. 

Ao contrário, portanto, do que afirmado no voto do E. Corregedor Nacional, o juiz Bruno Araújo Massoud tinha jurisdição junto à 12ª Vara Cível de Maceió até o dia 03.01.2021.

E mais. Compulsando os autos, observa-se que o magistrado Bruno, durante a sua substituição, proferiu 222 sentenças em novembro de 2020, 142 em dezembro de 2020 e 5 em janeiro de 2021 e outras decisões e despachos (Id 4764955), quer dizer, período que compreende, pelo menos em janeiro, o recesso forense, o que afasta a tese que a sentença de rejeição dos embargos de declaração teria sido proferida, de forma isolada, bem como confirma a boa produtividade do magistrado.

Consta também dos autos haver sido o referido magistrado designado reiteradas vezes no período de janeiro de 2019 a abril de 2021 em substituição aos titulares de outras unidades (Id 4643551).

Intimado para prestar informações sobre a designação do magistrado Bruno Araújo Massoud em detrimento dos juízes da Capital ou de localidades mais próximas à 12ª Vara Cível de Maceió/AL, o então Corregedor local, Desembargador Fernando Tourinho de Omena Souza, afirmou categoricamente:

(...)

04. Durante as férias e afastamentos dos Magistrados dessas
Unidades Judiciárias, e no escopo de que os seus substitutos legais permanecessem dando vazão nas suas próprias Varas aos processos de meta do CNJ e as contendas urgentes, busquei trazer Juízes do interior do Estado, com boa produtividade nas Comarcas onde estavam atuando, para que pudessem contribuir na Capital com esses feitos mais antigos, ajudando o Poder Judiciário Alagoano a alcançar as suas metas e entregar aos jurisdicionados a tutela judicial de maneira mais célere.

05. Colaciono a essas informações, um documento anexo
discriminando as 24 (vinte e quatro) designações excepcionais para substituições em Varas Cíveis e Criminais de Maceió/Capital de Juízes feitas somente no ano de 2020, que tiveram por objetivo colocar Magistrados durante as ausências, férias e afastamentos de titulares e que pudessem estancar os gargalos de Unidades Judiciárias com muitos feitos em tramitação e também naquelas que tinham um contingente de processos relativos a metas estabelecidas por este próprio Conselho Nacional de Justiça.

06. Destaco, em especial, que o próprio Juiz Bruno Araújo Massoud já havia sido anteriormente designado para responder pela 12ª Vara Criminal da Capital, durante o período de 03 a 19/06/2020, em razão das férias da Juíza designada para atuar na Unidade Judicial, a Magistrada Lívia Maria Mattos Melo Lima (designação nº 05) e, com o mesmo objetivo, designei-o para responder pela 12ª Vara Cível da Capital enquanto perdurasse a licença médica do titular, Gustavo Souza Lima, em 19 de novembro de 2020, sem prejuízo da atuação perante o Juízo titular (designação nº 23).

07. Existe uma organização interna na Corregedoria da Justiça
Alagoana, com a designação de Unidades Judiciárias próximas e de competência afim, como substitutas legais das outras, porém, com o fito de estudar, planejar e analisar as Varas com o maior número de feitos antigos dependentes de julgamentos e dos juízos onde a taxa de congestionamento de processos estivesse alta, é que fui fazendo várias designações de Magistrados mais novéis para responderem perante as Unidades residuais da Capital, preservando os demais titulares de Maceió em suas jurisdições originárias, até para poderem dar vazão às metas estabelecidas pelo próprio Conselho Nacional de Justiça e pela Corregedoria da Justiça Alagoana.

8. Essa designação de Juízes do interior do Estado que possuem
acervo processual menor para responderem nas faltas, ausências e férias dos titulares dos Magistrados da Capital é uma prática costumeira que é bastante utilizada aqui em Alagoas
e que tem por objetivo fazer com que os demais titulares que seriam os substitutos legais possam despender toda sua carga produtiva em suas Unidades Judiciais, atendendo, assim, de forma mais ampla, às metas do Conselho Nacional de Justiça e reduzir os pontos de congestionamento do Poder Judiciário alagoano (grifo nosso )(Id 4636525).

 

Verifica-se, portanto, que a designação do juiz Bruno Araújo Massoud foi determinada pelo então Corregedor local, Desembargador Fernando Tourinho de Omena Souza, com base em justificativa plausível, e não pelo Desembargador requerido. 

Consta do voto do e. Corregedor, o depoimento da Desembargadora Elisabeth Carvalho Nascimento, o qual expõe circunstâncias que circundam o processo nº 0729682-95.2018:

(...)

E no calor das emoções eu disse a ele: agora vai me coloca no CNJ que eu conto a história do Jet-Ski no CNJ.. .eu conto a história do jet-ski (...)

 e eu disse outras coisas que ele fez quando ainda não era nem juiz, nem juiz ainda ele era. Dois tiros que ele deu na rua e eu ainda disse: digo também dos seus filhos que estão no Tribunal de Contas. Mas... que nem prestaram atenção nisso que eu disse. Prestaram atenção só em “Jet-Ski”. Eu não imaginava que ia ter uma repercussão tão grande quanto teve. Foi uma discussão ali no conselho e eu não imaginei que tinha essa... que iria haver essa repercussão tão grande.

Com relação ao Jet-Ski, evidente que eu não sou uma pessoa vingativa, eu jamais iria fazer isso com ele de “caso ele me colocasse no CNJ, evidentemente que eu ia contar toda a história porque eu tinha falado no jet-ski, mas não que eu fosse denunciar ele no CNJ por conta do jet-Ski. Mas hoje o CNJ me convoca para ser inquirida sobre a história do jet-ski e eu vou contar que o que eu sei sobre a história do Jet-Ski é o que aconteceu na sessão da arguição de suspeição do Dr. Gustavo contra o des Fábio Bittencourt. Porque ele como corregedor abriu uma sindicância contra o Gustavo, acho que o problema de excesso de prazo no processo. Então o Gustavo Souza Lima arguiu essa suspeição dele, que ele não podia funcionar nessa sindicância contra o próprio Gustavo em razão de que ele tinha pressionado ele pra julgar o caso do jet ski favorável a ele. Então, eu fiquei, pelo que foi colocado pelo Gustavo foi que eu vim tomar conhecimento do que se tratava.

(...)

o Gustavo juntou um print e eu disse que o des Fábio não teria condições emocionais para presidir uma sindicância, fazer uma sindicância contra o Gustavo em razão de tudo aquilo que o Gustavo estava dizendoEram coisas muito sérias e muito graves. De estar pressionando para que ele julgasse procedente uma ação que ele entrou contra a Yamaha para receber um jet-ski ou similar, alguma coisa. 

(...) 

pelo que o Gustavo relata tinha uma sentença no sistema SAJ aguardando a volta do Dr Gustavo (10mim)

O Dr. Bruno Massoud, que me causou espanto, foi que no dia 31/12 em pleno recesso, já se sabendo q o Gustavo voltaria no dia 3 de janeiro e o Dr. Bruno Massoud entrou no sistema em pleno recesso forense (31/12), véspera de ano novo e julgou os ED da Yamaha, rejeitando. 

O relato que eu sei foi esse.

Eu até votei que ele estava suspeito.

Eu já achei estranho, depois disso tudo, ele abrir uma sindicância contra Gustavo. Realmente, eu não vou mentir aqui, o Dr. Gustavo é contumaz em extrapolar prazos de processos. Eu não sou uma pessoa de estar com estorinha. Eu falo a verdade.

Então ele já abriu uma sindicância já depois disso tudo. Disso tudo digo: depois q o Gustavo não deu a sentença, não atendeu o pedido dele e pelo afastamento foi indicado para substitui-lo o Dr. Bruno e com a indicação do Bruno Massoud ele teve o seu pedido contra a Yamaha atendido (Id. 4646940). 

 

A questão da prolação de decisões e/ou despachos no recesso forense não parece um descumprimento da legislação vigente sobre o tema, na medida em que a Resolução CNJ nº 244/2016, que dispõe sobre a regulamentação do expediente forense no período natalino e da suspensão dos prazos processuais, não proíbe tal prática, in verbis:

Art. 2º O recesso judiciário importa em suspensão não apenas do expediente forense, mas, igualmente, dos prazos processuais e da publicação de acórdãos, sentenças e decisões, bem como da intimação de partes ou de advogados, na primeira e segunda instâncias, exceto com relação às medidas consideradas urgentes.

§ 1º O período equivalente ao recesso para os órgãos do Poder Judiciário da União corresponde ao feriado previsto no inciso I do art. 62 da Lei 5.010/66, devendo também ser observado o sistema de plantão.

§ 2º A suspensão prevista no caput não obsta a prática de ato processual necessário à preservação de direitos e de natureza urgente.

 

Além disso, a rigor, o caso dos autos não se amolda ao convencional regime de plantão judiciário, previsto na Resolução CNJ nº 71/2009, pois comporta particularidade. O magistrado requerido foi designado para substituir o titular da unidade, no período de seu afastamento para tratamento de saúde, e assim o fez até o dia 03.01.2021, o que se diferencia da hipótese do clássico plantonista, que é indicado para os dias em que não houver expediente normal (recessos, feriados e finais de semana), por escala pública previamente definida pelo tribunal. Na Resolução CNJ nº 71/2009 apreciam-se exclusivamente matérias consideradas urgentes.

Nesse rumo, vê-se que a legislação regente sobre o tema não impede a prolação de sentença/decisões durante o período de substituição, ainda que coincida com o período do recesso forense. 

Outro quesito levantado pela Desembargadora Elisabeth e o Juiz Gustavo Souza Lima diz respeito à existência de uma sentença pela improcedência no mencionado processo no sistema SAJ para ser assinada por este, fato que foi rechaçado pela Presidência do TJAL, por meio da Sofplan (Id 4652509):

 

 

É importante ressaltar que se depreende do depoimento da Desembargadora uma narrativa consubstanciada em rumores genéricos e/ou boatos, por ter ouvido alguém narrando ou contando o fato, a chamada testemunha ‘ouvi dizer’. Questionada se teria conversado com o Juiz Gustavo a respeito dos fatos aqui narrados, respondeu que “não (..) não conversei nada a respeito” e, com o Juiz Bruno, “não. Também não” (Id 4646940).

Assim, em termos de valoração, é frágil para fundamentar, ausentes outros elementos, ainda mais partindo de uma denúncia anônima, para abertura de processo administrativo disciplinar contra os magistrados reclamados.

Ao contrário do depoimento da Desembargadora, o juiz Gustavo Souza Lima narrou que recebeu solicitações, por interposta pessoa (não identificada) para o julgamento do processo em questão e que recebeu duas ligações em 16.11.2020 do Desembargador Fábio, mas que não foram atendidas e que, em razão disso, foi enviada uma mensagem de whatsapp, em 17.11.2020, nos seguintes termos (Id 4571954, fl. 5):

 

 

 

Assim, o depoimento do magistrado Gustavo, ao contrário da Desembargadora, relatou os fatos que foram presenciados por ele, objeto deste PP. Verifica-se, contudo, que os fatos sindicados advêm de meras alegações desprovidas de comprovação. A pessoa interposta que supostamente teria intercedido pelo Desembargador sequer foi mencionada e o conteúdo da mensagem de whatsapp não revela qualquer interferência para o julgamento do mencionado processo.

Por fim, vê-se que instado a manifestar-se sobre a existência de inquéritos ou ações penais em andamento contra os magistrados requeridos, o Ministério Público Federal respondeu negativamente (Id 5035972). 

A instauração de procedimento disciplinar deve ser precedida de rigoroso exame de admissibilidade, processando-se somente aqueles casos em que se evidencie desvio de conduta ou falta funcional cometida por má-fé, dolo ou fraude, o que, com a devida vênia, não restou demonstrado no caso dos autos. Nesse sentido, os seguintes precedentes do Conselho Nacional de Justiça:

 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. USO DE INSÍGNIAS E EMBLEMA DO TRIBUNAL. USO DE MALOTE DIGITAL DO TRIBUNAL. TRANSMISSÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR. ENCAMINHAMENTO DE DOCUMENTOS EM RAZÃO DO CARGO DE MAGISTRADO. IRREGULARIDADE NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO COMPROVADO O APROVEITAMENTO DO CARGO PARA BENEFÍCIO PRÓPRIO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA INSTAURAÇÃO DO PAD. IMPROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO DO PROCEDIMENTO.
1. Reclamação Disciplinar instaurada de ofício pela Corregedoria Nacional de Justiça contra desembargador para apurar suposto uso das insígnias e do emblema do tribunal, bem como o uso do malote digital, para transmissão de documentos particulares e do envio de missiva, em papel timbrado, ao Embaixador da República Gabonesa contendo denúncias contra Cônsul honorário daquele país.
2. Conduta que, por si só, não caracteriza má-fé ou aproveitamento do seu cargo para benefício próprio.
3. Não se extrai dos autos qualquer elemento que pudesse indicar ao receptor qualquer tom de ameaça. Pelo contrário, o magistrado levou ao conhecimento da autoridade responsável pelas relações diplomáticas com o Brasil a conduta praticada por seu cônsul honorário, responsável por diversas denúncias vãs e vazias de provas, verificáveis em diversos sistemas eletrônicos de consulta processual.
4. Ausência de justa causa para a instauração de processo administrativo disciplinar.

5. Reclamação Disciplinar julgada improcedente.

(Reclamação Disciplinar nº 0000466-86.2021.2.00.0000- Rel. p/acórdão LUIZ FERNANDO BANDEIRA DE MELLO, 346ª Sessão Ordinária - julgado em 8.3.2022). grifei

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO. ALEGAÇÃO DE FALTA DE CORTESIA E URBANIDADE POR PARTE DO MAGISTRADO EM RELAÇÃO À PARTE E SUA ADVOGADA. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO POR PARTE DO MAGISTRADO QUANTO À FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO DOS SERVIDORES A ELE SUBORDINADOS. SINDICÂNCIA LEVADA A EFEITO PELA CORREGEDORIA LOCAL. OITIVA DE TESTEMUNHAS DURANTE SINDICÂNCIA. NÃO CONSTATAÇÃO DE FALTA DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

1. Assentadas as premissas expostas, mister ressaltar que, do exame dos fatos alinhados na reclamação em comento, assim como dos elementos probatórios coligidos ao feito, não emergem quaisquer indícios da ocorrência dos fatos apontados como infração funcional.
2. Na ausência de elementos aptos que deem suporte à instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado, impõe-se a manutenção da decisão de arquivamento.
Recurso administrativo não provido.

(RA em Reclamação Disciplinar nº 0001376-21.2018.2.00.0000, Rel. HUMBERTO MARTINS, 67ª Sessão Virtual, julgado em 19.6.2020) (grifei)

 

 

Inexistem, portanto, a toda evidência, os elementos objetivo e subjetivo necessários para imputar aos magistrados conduta violadora dos deveres de cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício e manter conduta irrepreensível na vida pública e particular (artigos 35, inciso I e VIII, da LOMAN e 1º, 4º, 5º e 8º do Código de Ética da Magistratura).

Ausente a justa causa para instauração de processo administrativo disciplinar em face do Desembargador Fábio José Bittencourt e do Juiz de Direito Bruno Araújo Massoud, voto pela IMPROCEDÊNCIA do presente Pedido de Providências e o consequente arquivamento dos autos em relação a ambos.

 

 

Conselheiro CAPUTO BASTOS 

 

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0009126-69.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: FABIO JOSE BITTENCOURT ARAUJO e outros

 

 

 VOTO

 

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 

 

2. Cinge-se a controvérsia em saber se há ou não indícios de desvio de conduta do desembargador FÁBIO JOSÉ BITTENCOURT ARAUJO, que teria se utilizado do seu cargo para interferir no julgamento do processo 0729682-95.2018, do qual é parte autora.

 Outrossim, necessário se aferir se há indícios de infração administrativa cometida pelo Juiz BRUNO ARAÚJO MASSOUD, por supostamente ter atendido aos pedidos do primeiro reclamado, julgando o referido processo em seu favor, inclusive com decisão em embargos de declaração durante o período do plantão judiciário de final de ano (31/12/2020).  

Da análise dos documentos que instruem este feito, depreende-se que, aparentementeos magistrados violaram normas de conduta a serem observadas por todos os juízes.

O processo 0729682-95.2018 foi ajuizada pelo 1º requerido (Desembargador Fábio) contra Yamaha Motors do Brasil Ltda. (consta cópia do feito no Id 460166) e, segundo consta da denúncia, o desembargador requerido teria designado o juiz substituto Bruno Araújo Massoud para responder pela 12ª Vara Cível de Maceió/AL, na qual tramitou o processo, a fim de proferir decisão em seu favor, o que efetivamente teria acontecido.

3. Quanto à designação do juiz Bruno Araújo Massoud, ficou esclarecida, não havendo indícios de interferência do desembargador Fábio Bittencourt.

Em despacho de Id 4623026, determinou-se a intimação do desembargador Fernando Tourinho de Omena Souza, Corregedor-Geral de Justiça de Alagoas em novembro de 2020, para que esclarecesse as razões pelas quais foi designado para responder pela 12ª Vara Cível de Maceió o magistrado Bruno Araújo Massoud, que à época era juiz titular da Comarca de Boca da Mata, distante 76 km da capital e ingresso na carreira havia pouco mais de 1 (um) ano, em detrimento de juízes da própria capital ou de localidades mais próximas.

Em resposta, o desembargador Fernando Tourinho de Omena Souza manifestou no sentido de que, na época, a quase totalidade das Unidades de competência Cível não residual da Capital estava respondendo a processos perante a Corregedoria da Justiça de Alagoas, para o cumprimento de metas, e que a designação do magistrado e de outros Juízes do interior do Estado de Alagoas que possuem acervo processual menor para responderem nas faltas, ausências e férias dos titulares dos Magistrados da Capital é uma prática costumeira no TJAL (Id 4636525):

01. Atuei como Corregedor Geral da Justiça do Estado de Alagoas no biênio 2019/2020.

02. Nesse período, é fato público, notório e de conhecimento do próprio Conselho Nacional de Justiça que existia uma série de metas a serem cumpridas pelos Magistrados Alagoanos, em especial os titulares das Unidades Judiciárias da Capital/Maceió, de competência residual, que são as da 1ª a 13ª Varas Cíveis da Capital.

[...] 04. Durante as férias e afastamentos dos Magistrados dessas Unidades Judiciárias, e no escopo de que os seus substitutos legais permanecessem dando vazão nas suas próprias Varas aos processos de meta do CNJ e as contendas urgentes, busquei trazer Juízes do interior do Estado, com boa produtividade nas Comarcas onde estavam atuando, para que pudessem contribuir na Capital com esses feitos mais antigos, ajudando o Poder Judiciário Alagoano a alcançar as suas metas e entregar aos jurisdicionados a tutela judicial de maneira mais célere.

[...] 06. Destaco, em especial, que o próprio Juiz Bruno Araújo Massoud já havia sido anteriormente designado para responder pela 12ª Vara Criminal da Capital, durante o período de 03 a 19/06/2020, em razão das férias da Juíza designada para atuar na Unidade Judicial, a Magistrada Lívia Maria Mattos Melo Lima (designação nº 05) e, com o mesmo objetivo, designei-o para responder pela 12ª Vara Cível da Capital enquanto perdurasse a licença médica do titular, Gustavo Souza Lima, em 19 de novembro de 2020, sem prejuízo da atuação perante o Juízo titular (designação nº 23).

[...] 8. Essa designação de Juízes do interior do Estado que possuem acervo processual menor para responderem nas faltas, ausências e férias dos titulares dos Magistrados da Capital é uma prática costumeira que é bastante utilizada aqui em Alagoas e que tem por objetivo fazer com que os demais titulares que seriam os substitutos legais possam despender toda sua carga produtiva em suas Unidades Judiciais, atendendo, assim, de forma mais ampla, às metas do Conselho Nacional de Justiça e reduzir os pontos de congestionamento do Poder Judiciário alagoano

Como se nota, a designação do juiz Bruno Araújo Massoud para oficiar junto à 12ª Vara Cível de Maceió foi determinada pelo desembargador Fernando Tourinho de Omena Souza, então Corregedor-Geral da Justiça, não pelo reclamado, Desembargador Fábio Bittencourt.

4. Em prosseguimento, resta avaliar se houve ou não interferência do desembargador Fábio Bittencourt no sentido de influenciar o juiz Bruno Araújo a julgar processo de seu interesse.

Diante da necessidade de melhor averiguação dos fatos, esta Corregedoria Nacional ouviu os depoimentos da Desembargadora Elisabeth Carvalho Nascimento, do juiz Gustavo Souza Lima (titular da 12ª vara Cível de Maceió) e do juiz Bruno Araújo Massoud.

Oitiva da Desembargadora Elisabeth Carvalho Nascimento (Id 4646940).

“[...] no momento em que agradeci ao Des. Presidente por ter me convocado para o Conselho, eu pedi desculpas e disse que não tinha mais condições de trabalhar no CEM, em razão da participação do Des. Fábio Bittencourt já que eu estava muito magoada com ele em razão de que ele permitiu... eu disse até assim: Você não só permitiu Fábio, mas como eu conheço o seu caráter, você de certa forma induziu a Dra. Renata Malafaia a me colocar no CNJ e eu não tenho mais condições de trabalhar com Vossa Excelência aqui no Conselho ... aí ele tentou falar por cima de mim... eu estava falando e ele tentou falar e... eu cheguei a gritar com ele, mandei ele se calar, porque eu estava com a palavra. Então... aí eu voltei a dizer e me aborreci e disse: você pra mim morreu, você é um fantasma pra mim, você não existe mais pra mim... E no calor das emoções eu disse a ele: agora vai me coloca no CNJ que eu conto a história do Jet-Ski no CNJ.. .eu conto a história do jet-ski e eu disse outras coisas que ele fez quando ainda não era nem juiz, nem juiz ainda ele era. Dois tiros que ele deu na rua e eu ainda disse: digo também dos seus filhos que estão no Tribunal de Contas. Mas... que nem prestaram atenção nisso que eu disse. Prestaram atenção só em “Jet-Ski”. Eu não imaginava que ia ter uma repercussão tão grande quanto teve. Foi uma discussão ali no conselho e eu não imaginei que tinha essa... que iria haver essa repercussão tão grande.

Com relação ao Jet-Ski, evidente que eu não sou uma pessoa vingativa, eu jamais iria fazer isso com ele de “caso ele me colocasse no CNJ, evidentemente que eu ia contar toda a história porque eu tinha falado no jet-ski, mas não que eu fosse denunciar ele no CNJ por conta do jet-Ski. Mas hoje o CNJ me convoca para ser inquirida sobre a história do jet-ski e eu vou contar que o que eu sei sobre a história do Jet-Ski é o que aconteceu na sessão da arguição de suspeição do Dr. Gustavo contra o des Fábio Bittencourt. Porque ele como corregedor abriu uma sindicância contra o Gustavo, acho que o problema de excesso de prazo no processo. Então o Gustavo Souza Lima arguiu essa suspeição dele, que ele não podia funcionar nessa sindicância contra o próprio Gustavo em razão de que ele tinha pressionado ele pra julgar o caso do jet ski favorável a ele. Então, eu fiquei, pelo  que foi colocado pelo Gustavo foi que eu vim tomar conhecimento do que se tratava. Pelo que o Gustavo alegou, Dr. Gustavo Souza Lima da 12ª Vara, alegou na arguição de suspeição do des. Fábio enquanto corregedor, querendo que fosse o corregedor substituto Dr. Joao Luiz Lessa a fazer a sindicância, presidir a sindicância contra o Gustavo e não o Fabio. E na na... durante a sessão, quando eu estava votando, eu me referi, me reportei de ter, diante de tantos acontecimentos, porque o Gustavo juntou um print e eu disse que o des Fábio não teria condições emocionais para presidir uma sindicância, fazer uma sindicância contra o Gustavo em razão de tudo aquilo que o Gustavo estava dizendoEram coisas muito sérias e muito graves. De estar pressionando para que ele julgasse procedente uma ação que ele entrou contra a Yamaha para receber um jet-ski ou similar, alguma coisa... porque tinha dado um defeito de fábrica. Um jet-ski adquirido em 2012 e a ação foi ingressada acho que 6 anos depois e em determinado tempo o des. Fábio já tinha sido eleito corregedor, ele ainda não tinha tomado posse. Então, ehh... o que se soube lá durante a sessão é que tinha sido indicado (o Dr. Gustavo teve um problema de saúde, entrou em licença médica e foi designado para substituir o dr Gustavo o Dr Bruno Massoud e o Dr. Bruno Massoud em, acho q no final de novembro (...), pelo q o Gustavo relata tinha uma sentença no sistema SAJ aguardando a volta do Dr Gustavo (10mim)

O Dr. Bruno Massoud, que me causou espanto, foi que no dia 31/12 em pleno recesso, já se sabendo q o Gustavo voltaria no dia 3 de janeiro e o Dr. Bruno Massoud entrou no sistema em pleno recesso forense (31/12), véspera de ano novo e julgou os ED da Yamaha, rejeitando. 

O relato que eu sei foi esse.

Eu até votei que ele estava suspeito.

Eu já achei estranho, depois disso tudo, ele abrir uma sindicância contra Gustavo. Realmente, eu não vou mentir aqui, o Dr. Gustavo é contumaz em extrapolar prazos de processos. Eu não sou uma pessoa de estar com estorinha. Eu falo a verdade.

Então ele já abriu uma sindicância já depois disso tudo. Disso tudo digo: depois q o Gustavo não deu a sentença, não atendeu o pedido dele e pelo afastamento foi indicado para substitui-lo o Dr. Bruno e com a indicação do Bruno Massoud ele teve o seu pedido contra a Yamaha atendido. (14:34).

A senhora chegou a conversar com o Dr. Gustavo pra saber algo, se ele foi pressionado ou se não foi?

R. Não. [...] Não conversei nada a respeito.

Conversou com o Dr. Bruno também a respeito desses fatos?

Não. Também não.

A Sra. Sabe dizer quem era o juiz substituto regular da Vara do Dr. Gustavo?

R. Não tenho conhecimento. Mas sei q o juiz da capital tem os substitutos legais. Mas como está faltando muitos juízes, tem juízes da capital substituindo em interior.

Sabe quem nomeou o Dr. Bruno p substituir na Vara?

R. Que o des. Fábio disse que ainda não era corregedor quando da nomeação de Bruno.

Você pediu alguém para colocar Bruno Massoud, você pediu ao Des. Fernando Tourinho  na época era o corregedor. Aí o Des Tourinho fez um “...” de riso, mas ficou calado. E ele também não disse nada, não me respondeu...

Eu votei pela suspeição do Des. Fábio, porque confesso, com toda sinceridade, que eu achei meio estranho.

A Sra. Relatou que o Dr. Bruno ao decidir os ED fez isso no dia 31/12, em pleno recesso. E a Sra. Sabe se ele estava designado para trabalhar no plantão? 

R. Não. Não sei dizer se ele tava em plantão. Mas o que eu sei é que tem uma determinação do CNJ que mesmo a gente em plantão nem todos os processos a gente pode, em plantão, despachar, sentenciar, salvo aqueles de liminar em MS, HC.

 

Extrai-se do depoimento da Desembargadora Elisabeth que tomou conhecimento dos fatos pelo juiz Gustavo Souza Lima, em informações trazidas em exceção de suspeição em face do Desembargador Bittencourt.

Mas muito relevante seu testemunho na medida em que aponta que houve, de fato a alegação de fatos graves por magistrado em face do desembargador reclamado. Há notícia, também de que posteriormente foi instaurado procedimento disciplinar em seu desfavor do juiz Gustavo Souza Lima, na gestão do então Corregedor, Desembargador Fábio Bittencourt. Acrescentou, ainda, que os embargos de declaração no processo de interesse do reclamado desembargador Fábio Bittencourt teriam sido apreciados em pleno plantão judiciário pelo juiz Bruno Massoud, fora do previsto pelo regramento legal e deste Conselho.

5. Com efeito, a sentença do processo originário foi proferida pelo juiz reclamado Bruno Araújo Massoud em 25/11/2023 (Id 4601722, p. 50). O julgamento foi de procedência da pretensão deduzida pelo Desembargador reclamado Fábio Bittencourt.

Estava dentro do período da designação do juiz. Até este ponto, não vejo indícios de irregularidades. Mas há que se aferir se houve ou não a alegada influência ou interferência do desembargador reclamado para tal julgamento de procedência, este é um dos pontos centrais deste expediente. O depoimento da desembargadora Elisabeth já aponta indícios de irregularidade.

6. Passa-se à análise da oitiva do Dr. Gustavo Souza Lima, titular da 12ª Vara Cível de Maceió (ID 4646942):

[...] que está há 30 anos na magistratura. Na capital, desde 1997.

Esse processo tem particularidades. (interferência, ingerência indevida, em favor do Des. Fabio).  Processo que não está incluído na meta do CNJ.  Proc. Do final de 2018.  Março de 2019, Justiça Efetiva.

Começou a receber solicitações.  A primeira solicitação foi da coordenação da justiça volante, indicando o processo específico para que fizesse o julgamento do processo. 

Que fez a avaliação do processo e viu q o processo não estava pronto p ser julgado.  Que o processo não tinha prioridade, não estava na meta do CNJ e não estava em atraso.  Sem a sua participação, saiu uma decisão da coordenação da justiça volante, em decisão interlocutória, assinada pelo juiz coordenador, fazendo num despacho só marcando audiência e perícia.

Que fez questão de conduzir o processo e que fez a AIJ.

Designou perito.

Perícia detalhada e precisa.

Que concluiu que o jet-ski não tinha nenhum defeito de fábrica e que o defeito ocorreu pelo mau uso, falta de limpeza.

Que a sua assessoria formulou uma sentença e q depois, quando fosse possível, iria assinar a sentençaQue foi afastado por licença médica. Que em 16 de novembro de 2020 recebeu duas ligações do Dr. Fábio, época em que ele já estava corregedor, que era também diretor da escola da magistratura e que o depoente era coordenador do ensino a distância da escola da magistratura de Alagoas.

Já eleito corregedor, depois dessas ingerências diretas...

Que ninguém o procurou para trabalhar nesse processo. Que o processo teve um fluxo normal e que a primeira interferência já foi na Justiça Volante.

Que a finalidade da Justiça Volante era despachar processos que tinha conotação para proferir sentença ou decisão interlocutória.

Que não atendeu as ligações porque sabia que seria para o processo. 

Que nesses 30 anos de magistratura, nunca recebeu uma ligação do des. Fabio. 

Que os assuntos da escola da magistratura eram tratados em um grupo específico do whatsapp.

Que já havia ocorrido a reunião final da gestão da escola.

Que não tinha nada pendente de solução.

Por isso não respondeu as ligações e whatsapp, porque sabia que era pra tratar do processo dele. Que o substituto legal é sempre o da 11ª Vara Cível, segundo tabela oficial do Tribunal (Dr. Geronimo). 

Que a portaria do Dr. Bruno é do dia 19/11, mas apenas publicada no dia 23/11/2020. No dia 25/11 a sentença já foi proferida pelo Dr. Bruno, que usou o relatório da sua sentença e mudou o conteúdo da fundamentação e a conclusão.

Que quando a sentença foi proferida, o jet-ski já tinha mais de 8 anos de uso e a perícia tinha concluído pela ausência de defeito.

Que os autos não foram juntados na integralidade (suposição).

Que a substituição ocorre durante o afastamento do titular. Que sua licença teve início em 20/11/2020 e terminou no dia 19/12/2020, sem renovação. Que não retornou no dia 20/12, por causa do recesso forenseQue mandou mensagem ao Bruno dizendo que voltaria em JaneiroQue não sabia do julgamento do processo do Des Fábio. Que só ficou sabendo no ano seguinte, quando o des Fabio abriu um PAD contra ele, acusando-o de descumprimento de um plano de trabalho da vara.  Que ele associou o fato ao processo, por não ter atendido as solicitações para julgar o processoQue o Dr. Bruno não tinha mais jurisdição para julgar os embargos.

Exceção de suspeição, o condutor é o presidente do TJ. Mas quem conduziu a exceção foi o próprio Des. Fábio.

 O depoimento do juiz titular da vara indica que teria recebido ligações e mensagens do Desembargador Fábio Bittencourt, entendendo o depoente que se tratava de interesse no julgamento do processo. A denúncia é muito grave. Importante consignar que o juiz declara que o processo, de fato, não se tratava de medida urgente (obrigação de fazer c/c indenização por danos morais), tão pouco estava nas metas do CNJ.

7. Ainda, a apreciação de embargos de declaração por Bruno Araújo Massoud, em tese, em período para o qual não tinha mais jurisdição na vara, e durante o recesso forense, chama a atenção para indícios de irregularidades administrativas.

No ponto, examinando o documento de Id 4601722 (p. 120), constata-se que a decisão que apreciou os embargos de declaração opostos pela Yamaha do Brasil no processo originário (0729682-95.2018.8.02.0001/01) foi lançada em 31/12/2020.

É o que se extrai da “certidão de remessa de relação”, emitida em 31/12/2020, com encaminhamento à publicação do ato (Id 4601722, p. 120/122).

O juiz reclamado Bruno Araújo Massoud rejeitou os embargos opostos. O conteúdo da decisão em si, como regra, não é sindicável por este Conselho, por se tratar de matéria jurisdicional.

O que chama a atenção, e aponta para indícios de irregularidade, é a circunstância de ter sido a decisão proferida no recesso forense, em 31/12/2020, quando, em tese, o juiz reclamado não tinha mais jurisdição. Os fatos merecem melhor apuração.

Pelo que documentado, o juiz Bruno Araújo Massoud não tinha mais designação para oficiar na vara em que titular o juiz Gustavo Souza Lima, pois há informação de que a licença médica deste último teria se encerrado em 19/12/2020, e ele não retornou imediatamente para o trabalho por ser o dia 20/12/2020 o primeiro dia do recesso forense.

Conquanto haja pedido de atribuição de efeito suspensivo à decisão embargada, não parece ser o caso de apreciação de embargos de declaração no período de plantão, pois não é medida urgente.

Tomando-se por base o regramento deste Conselho Nacional de Justiça, parece não haver dúvida neste sentido. Confira-se:

Resolução CNJ Nº 244 de 12/09/2016 

Art. 1º Os Tribunais de Justiça dos Estados poderão suspender o expediente forense, configurando o recesso judiciário no período de 20 de dezembro a 6 de janeiro, garantindo atendimento aos casos urgentes, novos ou em curso, por meio de sistema de plantões.

Art. 2º O recesso judiciário importa em suspensão não apenas do expediente forense, mas, igualmente, dos prazos processuais e da publicação de acórdãos, sentenças e decisões, bem como da intimação de partes ou de advogados, na primeira e segunda instâncias, exceto com relação às medidas consideradas urgentes.

 Resolução CNJ nº 71/2009

Art. 1º O plantão judiciário, em primeiro e segundo graus de jurisdição, conforme a previsão regimental dos respectivos Tribunais ou juízos, destina-se exclusivamente ao exame das seguintes matérias:

I – pedidos de habeas corpus e mandados de segurança em que figurar como coator autoridade submetida à competência jurisdicional do magistrado plantonista;

II – medida liminar em dissídio coletivo de greve;

III – comunicações de prisão em flagrante;

IV – apreciação dos pedidos de concessão de liberdade provisória;

V – em caso de justificada urgência, de representação da autoridade policial ou do Ministério Público visando à decretação de prisão preventiva ou temporária;

VI – pedidos de busca e apreensão de pessoas, bens ou valores, desde que objetivamente comprovada a urgência;

VII – medida cautelar, de natureza cível ou criminal, que não possa ser realizada no horário normal de expediente ou de caso em que da demora possa resultar risco de grave

prejuízo ou de difícil reparação;

VIII – medidas urgentes, cíveis ou criminais, da competência dos Juizados Especiais a que se referem as Leis nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, e nº 10.259, de 12 de julho de 2001, limitadas às hipóteses acima enumeradas.

IX – medidas protetivas de urgência previstas na Lei nº 11.340/2006, independentemente do comparecimento da vítima ao plantão, sendo suficiente o encaminhamento dos autos administrativos pela Polícia Civil. (Incluído pela Resolução nº 353, de 16/11/2020) 

8. Em despacho de Id 4632717, consignou-se que, na Portaria constante do Id 4603532, lê-se que o termo de designação do Juiz de Direito Bruno Araujo Massoud para responder pela 12ª Vara de Maceió seria o término da licença médica do Juiz de Direito titular daquela unidade, Gustavo Souza Lima. Nesse sentido, foi solicitado ao Tribunal de Justiça de Alagoas que informasse o início e o término das licenças médicas de Gustavo Souza Lima, em 2020 e em 2021.

A esse respeito, foi esclarecido que (Id 4644220), no período de 5/10/2019 a 19/10/2019 o magistrado foi afastado 15 dias de licença para tratamento de saúde, bem como entre 20/11/2020 e 19/12/2020, por 30 dias.

Portanto, tudo indica que, a partir do dia 20/12/2020, o juiz Bruno Araújo Massoud não tinha mais jurisdição junto à 12ª Vara Cível de Maceió.

Solicitou-se ao TJAL, ainda, que informasse e comprovasse:

(a) as datas em que a sentença de mérito e a decisão proferida em Embargos de Declaração do processo 729682-95.2018 foram assinados, lançados e registrados no sistema de processo eletrônico do Tribunal, cabendo-lhe informar, também, se houve modificação no arquivo original dessa sentença, que alegadamente teria tido a minuta original, da lavra de Gustavo Souza Lima, alterada por Bruno Araujo Massoud;

(b) o rol das sentenças e decisões proferidas por Bruno Araujo Massoud, assinadas e registradas no sistema, depois do fim da licença médica de Gustavo Souza Lima (quando já finalizada a sua designação) e, em rol separado, as que foram proferidas durante o recesso forense de 2020/2021.

 Em resposta ao item (a), foi esclarecido pela Corte local que (Id 4652509):  

A sentença (cddocumento 77045244 - página inicial 306) foi criada em 24/11/2020 às 22:05:59 e assinada/finalizada em 25/11/2020 as 00:18:16, após isso, em 25/11/2020 às 10:50:26 o usuário M94629 (Bruno Araújo Massoud) a tornou sem efeito com a descrição: "ERRO MATERIAL.”.

Na sequência, em 25/11/2020 às 16:04:59 foi criada a sentença (cddocumento 77077952 - página inicial 318) e em 25/11/2020 16:55:04 foi realizada a assinatura/finalização [...]

Ambas as sentenças citadas no contato anterior [...] foram criadas pelo usuário Bruno Araújo Massoud (M94629).

O usuário Gustavo Souza Lima (M52048) apenas criou dois despachos:

1) cddocumento 65376078, página 208 e criado e assinado em 25/11/2019 às 16:19:57.

2) cddocumento 65850818, página 228 e criado e assinado em 06/12/2019 às 10:48:49."

Quanto à data da decisão dos embargos, não foi encontrada no processo um documento com o tipo decisão, mas sim como o tipo sentença de Embargos de Declaração Não-acolhidos. Este documento (cddocumento 78186767 - páginas 24 a 30) foi criado pelo usuário Bruno Araújo Massoud (M94629) em 31/12/2020 às 15:22:58 e assinado por ele mesmo em 31/12/2020 às 15:25:15 e após essa assinatura não houve nenhuma alteração e/ou nova assinatura.

9. E mais, além do depoimento perante este Conselhoo juiz Gustavo Souza Limapor escrito, afirmou o seguinte:

[...] recebi diretamente um pedido de interposta pessoa para priorizar o julgamento da demanda em que vossa excelência é parte interessada, ocasião em que eu, pessoalmente, obstei por completo tal pretensão, de um lado porque entendia que o processo não poderia ser julgado sem uma instrução aprofundada sobre o caso, especialmente a prova pericial, e, de outro lado, o processo não tinha prioridade para julgamento, pois sequer estava nas metas do CNJ para o ano de 2019. Sequer nas metas de 2021 o processo de vossa excelência, distribuído no final de 2018, encontra-se com prioridade [...] depois da realização da audiência de instrução, [...] a pressão pelo julgamento aumentou substancialmente [...] o assédio chegou ao seu ápice quando vossa excelência, já como Corregedor Geral da Justiça de Alagoas eleito pela Corte alagoana, ligou diretamente para minha pessoa e, como não atendido e nem a ligação retornada – porque eu já imaginava do que se tratava -, mandou um WhatsApp, no dia 17 de novembro de 2020, dizendo que tentou falar comigo desde o dia anterior e que não conseguiu, solicitando que eu retornasse a ligação [...] (Id 4571954)

 

O juiz titular da 12ª Vara Cível de Maceió, por reiteradas vezes, aponta que sofreu assédio do desembargador Fábio Bittencourt, por ligações telefônicas, mensagens eletrônicas e por “interposta pessoa”. Não declinou de forma objetiva e expressa tal pressão ou assédio, mas os fatos devem ser melhor apurados, tanto mais por envolver desembargador e juízes do Tribunal de Justiça.

10. Nesse quadro, em exame meramente perfunctório, parece que a conduta dos magistrados vai de encontro aos deveres insertos nos artigos 35, incisos I e VIII, da LOMAN, 1º, 4º, 5º e 8º do Código de Ética da Magistratura, in verbis:

- LOMAN

Art. 35 - São deveres do magistrado:

I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício

[…] VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

Código de Ética da Magistratura

Art. 1º - O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas legais.

Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito. 

 11.  Consequentemente, entendo que há indícios suficientes do cometimento de infração ético-disciplinar pelos magistrados reclamados – consubstanciada na inobservância dos deveres de independência, integridade pessoal e profissional, dignidade, honra e decoro, o que retrata a violação, em tese, das normas insertas na LOMAN e no Código de Ética da Magistratura Nacional –, o que reclama a instauração de Processo Administrativo Disciplinar em seu desfavor, no qual devem ser apuradas as circunstâncias em que as condutas foram praticadas.

Isso porque as denúncias e indícios são muito graves e merecem aprofundamentoHá suspeitas de irregularidades praticadas pelo Desembargador Fábio Bittencourt Araújo – consistente em supostamente influenciar no julgamento de processo de seu interesse, seja pressionando o juiz titular da vara, seja por eventual interferência junto ao juiz substituto designado.

Quanto ao Juiz Bruno Araújo Massoud, há indícios de que supostamente cedeu a influência do Desembargador reclamado, proferindo decisões em seu benefício, sendo uma delas (decisão nos embargos de declaração) exarada no período de recesso forense, conquanto não conste que se tratasse de medida de urgência, nos termos das Resoluções deste Conselho Nacional de Justiça.

Do afastamento cautelar - desnecessidade

 12. Nada obstante, anoto que a hipótese não impõe, a meu ver, o afastamento cautelar dos reclamados.  Isto porque a gravidade dos fatos em tese cometidos, a quantidade de procedimentos em face dos reclamados, tudo aliado à inexistência de indícios de recorrência de tais práticas não apontam para a necessidade de afastamento cautelar dos requeridos. 

Ainda, ausente contemporaneidade dos fatos, pois ocorridos no final do ano de 2020. 

13. Ante o exposto, julgo procedente a Reclamação Disciplinar para, nos termos dos artigos 13 da Resolução n. 135, 8º, inciso III, e 69 do Regimento Interno do CNJ, propor a instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do Desembargador FÁBIO JOSÉ BITTENCOURT ARAÚJO e do juiz BRUNO ARAÚJO MASSOUD, sem a necessidade de afastamento cautelar dos magistrados.

Uma vez instaurado o PAD por deliberação do Plenário, os autos deverão ser distribuídos a outro conselheiro, a quem competirá ordenar e dirigir a instrução respectiva. O enquadramento legal apontado, a partir da delimitação fática da acusação, é apenas preliminar, ficando postergado ao momento do julgamento do PAD eventual capitulação definitiva.

Transitado em julgado, feitas as devidas comunicações e distribuído o PAD para o(a) respectivo(a) relator(a), arquivem-se os autos (RICNJ: Art. 74, caput, c/c Res CNJ 135/2011: Art. 14, § 7º).  

É como voto.

 

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça

 

 

 

J5/F29

  

PORTARIA N.      DE                    DE  2023.

 

 

Instaura processo administrativo disciplinar em desfavor de magistrado, sem afastamento das funções nesta fase.

 

 

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso das atribuições previstas nos artigos 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal, e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),

 CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para processar investigações contra magistrados independentemente da atuação das corregedorias e tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI n. 4.638/DF;

 CONSIDERANDO o disposto no § 5º do artigo 14 da Resolução CNJ n. 135, de 13 de julho de 2011, e as disposições pertinentes da Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e do Regimento Interno do CNJ;

 CONSIDERANDO ter sido instaurado o pedido de providências para apurar suposta falta disciplinar praticada pelo Desembargador Fábio Bittencourt Araújo – consistente em supostamente em supostamente influenciar no julgamento de processo de seu interesse, seja pressionando o juiz titular da vara, seja por eventual interferência junto ao juiz substituto designado.

O expediente também apura suposta falta disciplinar praticada pelo Juiz de Direito Bruno Araújo Massoud – pelo fato de que supostamente cedeu a influência do Desembargador reclamado, proferindo decisões em seu benefício, sendo uma delas (decisão nos embargos de declaração) exarada no período de recesso forense, conquanto não conste que se tratasse de medida de urgência, nos termos das Resoluções deste Conselho Nacional de Justiça.

As condutas configuram, em tese, violação dos deveres de independência, integridade pessoal e profissional, dignidade, honra e decoro, todos do Código de Ética da Magistratura Nacional, bem como dos deveres de cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício e de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

 CONSIDERANDO a existência de elementos indiciários apontando afronta, em tese, aos artigos   do Código de Ética da Magistratura Nacional, assim como ao artigo 35, incisos I e VIII, da LOMAN;

 CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento do Pedido de Providências n. 0009126-69.2021.2.00.0000, durante a         Sessão, realizada no dia      .

 RESOLVE:

Art. 1º Instaurar processo administrativo disciplinar em desfavor do Desembargador Desembargador FÁBIO JOSÉ BITTENCOURT ARAÚJO e do Juiz BRUNO ARAÚJO MASSOUD, ambos do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, por violação, em tese, dos artigos 35, incisos I e VIII, da LOMAN, 1º, 4º, 5º e 8º do Código de Ética da Magistratura.

 Art. 2º Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas acerca do teor da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da abertura de processo administrativo disciplinar objeto desta portaria, sem o afastamento dos magistrados de suas funções jurisdicionais e administrativas.

 Art. 3º Determinar a livre distribuição do processo administrativo disciplinar entre os Conselheiros, nos termos do artigo 74 do Regimento Interno do CNJ.

 

 

 

Ministro LUIS ROBERTO BARROSO

Presidente do Conselho Nacional de Justiça