Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0004447-26.2021.2.00.0000
Requerente: ALAN ASCANIO FRANCA COSTA e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - TJMG

 

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. ORIENTAÇÃO NORMATIVA QUE EXIGE A PRÉVIA COMPROVAÇÃO DA TENTATIVA DE NEGOCIAÇÃO COMO CONDIÇÃO PARA AFERIÇÃO DO INTERESSE PROCESSUAL. IMPOSSIBILIDADE.

1.     Se presentes os requisitos essenciais da petição inicial e não couberem as hipóteses do artigo 332 do CPC, o juiz DEVE DESIGNAR audiência de conciliação ou mediação, atendendo aos limites impostos pelo CPC quanto às formas consensuais de solução de conflito.

2.     Todavia, o §4º do artigo 334 do CPC enumera duas hipóteses de exclusão da composição consensual: desinteresse de ambas as partes ou quando o processo tiver como objeto direito material que não admite a autocomposição. 

3.     Assim, nem sempre é possível a realização das mencionadas audiências e, nesse caso, o Código de Processo Civil não prescreveu a sua obrigatoriedade nem tampouco estabeleceu a tentativa de negociação “como condição para aferição do interesse processual”.

4.     O ato normativo questionado criou obrigações novas inexistentes na legislação específica, afrontando o Código de Processo Civil.

RECURSO ADMINISTRATIVO QUE SE CONHECE E A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 27 de maio de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho (Relator), Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o Conselheiro representante do Ministério Público Estadual.

 

 

O CONSELHEIRO LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO (RELATOR):

1. RELATÓRIO 

 

Trata-se de recurso administrativo interposto em face de decisão monocrática proferida por meu antecessor, em que julgado procedente o pedido de providências formulado por ALAN ASCANIO FRANÇA COSTA, FELIPE VALADARES MOURA, GILBER FRANCISO DE QUEIROZ e AMANDA DE SOUZA MARTINS, que impugnam a ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 01/2020 expedida pelo Núcleo Permanente de Métodos de Solução de Conflitos (NUPEMEC) da 3ª Vice-Presidência do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS que prevê que “nas ações em que for admissível a autocomposição, a exigência de prévia comprovação da tentativa de negociação poderá ser considerada como condição para aferição do interesse processual, cabendo ao juiz suspender o feito, por prazo razoável, para que a parte comprove tal tentativa (Id. 4386686).

Em sede recursal, o Tribunal recorrente alega, preliminarmente, a conveniência administrativa para regulamentar a matéria e, no mérito que: a) o ato está fundamentado no artigo 3º do CPC/15; b) a normativa não constitui impedimento do direito de ação judicial mas, sim, um norteamento de busca coletiva de combate à cultura do litígio; c) a atuação do NUPEMEC/TJMG está voltada, dentre outros, ao cumprimento da Meta Nacional nº 3, de 2015, do CNJ, que determina aos Tribunais de Justiça Estadual “impulsionar os trabalhos dos CEJUSC e garantir aos Estados que já possuem que, conforme previsto na Resolução 125/2010, homologuem acordos pré-processuais e conciliações em número superior à média das sentenças homologatórias nas unidades jurisdicionais correlatas”; d)  o ato não estimula ou impõe nova condição de ação, não limita o acesso à Justiça e possui aplicação limitada unicamente aos casos em que a autocomposição é admissível.

É o relatório.

 

O CONSELHEIRO LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO (RELATOR):

2. FUNDAMENTAÇÃO

 

 

Trata-se de pedido de providências julgado procedente pelo Relator que me antecedeu, nos seguintes termos:

 Trata-se de Pedido de Providências formulado por ALAN ASCANIO FRANÇA COSTA, FELIPE VALADARES MOURA, GILBER FRANCISO DE QUEIROZ e AMANDA DE SOUZA MARTINS, em que se insurgem contra a ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 01/2020 expedida pelo Núcleo Permanente de Métodos de Solução de Conflitos (NUPEMEC) da 3ª Vice-Presidência do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS determinando que “nas ações em que for admissível a autocomposição, a exigência de prévia comprovação da tentativa de negociação poderá ser considerada como condição para aferição do interesse processual, cabendo ao juiz suspender o feito, por prazo razoável, para que a parte comprove tal tentativa (Id. 4386686).

Os Requerentes entenderam que o ato exige de seus membros a comprovação de tentativa extrajudicial de resolução do conflito como condição para o conhecimento de ação em que admissível a autocomposição, o que fere o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Pedem a cassação da “ORIENTAÇÃO DO NUPEMEC Nº01/2020 por vício subjetivo (de iniciativa) e, ainda, inconstitucionalidade orgânica, isto é, inobservância da competência legislativa para matéria processual”.

À parte, GILBER FRANCISCO DE QUEIROZ formulou pedido de desistência e sua exclusão do presente expediente (Id. 4418866).

O processo foi incialmente distribuído à Corregedoria Nacional Justiça que determinou a reautuação do feito como Procedimento de Controle Administrativo e a livre distribuição dos autos, uma vez que o tema não se inseria no âmbito de sua competência (Id.4418959).

Os autos foram conclusos a minha relatoria no dia 14 de julho de 2021.

Homologuei então o pedido de desistência formulado por GILBER FRANCISCO DE QUEIROZ e determinei a intimação do Tribunal para manifestação (Id. 4421807).

O Requerido afirmou que o ato questionado encontra-se em consonância com o Código de Processo Civil e que este não constitui “impedimento do direito de ação judicial, e sim, um norteamento de busca coletiva de combate à cultura do litígio”. Considerou ainda que a matéria se inseria no âmbito da autonomia do tribunal e que esta não possuiria a repercussão geral necessária para o conhecimento do pedido por este Conselho e que o presente PCA não poderia ser utilizado como sucedâneo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Id. 4441150).

Os Requerentes peticionaram pleiteando “a antecipação dos efeitos da tutela, para o fim de suspender a orientação” (Id. 4449478).

Tendo em vista a natureza da matéria, determinei a remessa dos autos à Comissão Permanente de Solução Adequada de Conflitos, para emissão de parecer técnico (Id. 4450736), tendo concluído “pela impossibilidade de se exigir, para caracterização do interesse processual, tentativa prévia de solução consensual de conflitos, até que sobrevenha legislação específica alteradora da atual, de modo a contemplar esse tipo de exigência” (Id. 4466815).

DECIDO.

A pretensão dos Requerentes volta-se contra a ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 01/2020 expedida pelo Núcleo Permanente de Métodos de Solução de Conflitos (NUPEMEC) da 3ª Vice-Presidência do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, a qual determinou que “nas ações em que for admissível a autocomposição, a exigência de prévia comprovação da tentativa de negociação poderá ser considerada como condição para aferição do interesse processual, cabendo ao juiz suspender o feito, por prazo razoável, para que a parte comprove tal tentativa”.

Para tanto, formularam os seguintes pedidos: a cassação do mencionado normativo por vício de iniciativa e, ainda, inconstitucionalidade orgânica.

Inicialmente, é importante ressaltar que não cabe a este CNJ, órgão de natureza administrativa, realizar o controle de constitucionalidade de normas, uma vez que este expediente não pode ser utilizado como sucedâneo de Ação Direta de Inconstitucionalidade, conforme reiterados precedentes desta Casa:

“EMENTA: CONSULTA. ATOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. ART 17 DA LEI ESTADUAL N. 20.254/2018. PROMOÇÃO DE MAGISTRADOS. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGALIDADE PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO.

1. Pretensão de declaração incidental de inconstitucionalidade de dispositivo de norma estadual que possibilita a promoção de magistrados titularizados nas comarcas promovidas à entrância intermediária.

2. Não compete ao Conselho Nacional de Justiça, mesmo em pretenso controle de legalidade dos atos do Poder Judiciário, emitir juízo acerca da constitucionalidade de norma estadual em face de dispositivo ou princípio constitucional, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

3. Analisar a validade da norma em questão implica, necessariamente, no exame de sua constitucionalidade, o que impõe o não conhecimento desta Consulta por ausência de atendimento dos requisitos de admissibilidade previstos no art. 89, do RICNJ.

4. Consulta não conhecida” (CONSULTA - 0004690-04.2020.2.00.0000, Cons. Relatora Tânia Regina Silva Reckziegel, j. em 28/08/2020).

“RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. RESOLUÇÃO STJ Nº 03/2016. DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE/INCONSTITUCIONALIDADE.

IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

I. A Resolução STJ nº 03/2016 delegou aos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual ou do Distrito Federal e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

II. Apesar da delegação da competência, nos moldes que foi efetuada, ser discutível do ponto de vista constitucional, não cabe a este CNJ realizar o controle de constitucionalidade de normas em abstrato, conforme reiterada jurisprudência do Eg. STF.

III. Analisar a validade da norma em questão implica, necessariamente, no exame de sua constitucionalidade em abstrato (seja sob o prisma do princípio da reserva legal, seja sob o prisma da autonomia dos Tribunais).

IV. Recurso Administrativo conhecido e não provido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002921-97.2016.2.00.0000 - Rel. ROGÉRIO NASCIMENTO - 259ª Sessão Ordináriaª Sessão - j. 26/09/2017)

Todavia, não se trata de inconstitucionalidade de norma estadual/federal, mas de pretenso controle de legalidade dos atos do Poder Judiciário, quer dizer, da ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 01/2020, expedida pelo Núcleo Permanente de Métodos de Solução de Conflitos (NUPEMEC) da 3ª Vice-Presidência do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS e nesse aspecto, não restam dúvidas que este Conselho pode examinar tais questões.

O Código de Processo Civil de 2015 primou inegavelmente pelas formas consensuais de solução de conflitos, conforme preceitua o artigo 3º, §2º e §3º. Ei-lo:

“Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (grifos nossos).

Nesse sentido, a Resolução CNJ nº 125/2010, com a redação dada pela Resolução CNJ nº 326/2020, também o fez, ao estabelecer que “aos órgãos judiciários incumbe, nos termos do art. 334 do Código de Processo Civil de 2015, combinado com o art. 27 da Lei 13.140, de 26 de junho de 2015 (Lei de Mediação), antes da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão”.

O artigo 334 traz também importante disposição a respeito do tema, in verbis:

“Art. 334 Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência”.

Dessa forma, extrai-se da leitura do mencionado dispositivo que se estiverem presentes os requisitos essenciais da petição inicial, conforme o artigo 319 do CPC e se não couberem as hipóteses precisas do artigo 332 do CPC, o juiz DEVE DESIGNAR audiência de conciliação ou mediação, atendendo, com isso, aos anseios do Código de Processo Civil, ao primar pelas formas consensuais de solução de conflitos.

Todavia, o §4º do artigo 334 do CPC enumera duas hipóteses de exclusão da composição consensual: desinteresse de ambas as partes ou quando o processo tiver como objeto direito material que não admite a autocomposição:

“Art. 334. (...)

(…)

§ 4º A audiência não será realizada:

I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;

II - quando não se admitir a autocomposição.”

Assim, não é sempre que é possível a realização das mencionadas audiências e nesse caso o Código de Processo Civil não prescreveu a sua obrigatoriedade nem tampouco estabeleceu a tentativa de negociação “como condição para aferição do interesse processual”, tendo, portanto, o ato normativo questionado criado obrigações novas inexistentes na legislação específica, afrontando o Código de Processo Civil.

A Comissão Permanente de Solução Adequada de Conflito igualmente manifestou-se no sentido que “o Código de Processo Civil não torna compulsória a adoção dos métodos alternativos de conflitos como primeira via de resolução das demandas, tampouco exige a sua frustração como requisito essencial para que o cidadão tenha acesso ao Poder Judiciário”, tendo concluído que “impossibilidade de se exigir, para caracterização do interesse processual, tentativa prévia de solução consensual de conflitos, até que sobrevenha legislação específica alteradora da atual, de modo a contemplar esse tipo de exigência”.

Por todo exposto, julgo procedente o presente Procedimento de Controle Administrativo, para determinar ao TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS que proceda a anulação da ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 01/2020, expedida pelo Núcleo Permanente de Métodos de Solução de Conflitos (NUPEMEC) da 3ª Vice-Presidência deste órgão.

À Secretaria Processual para as providências cabíveis.

 

Verifica-se que a o Tribunal Requerido, em suas razões, não trouxe novos argumentos capazes de infirmar a decisão recorrida, limitando-se a reiterar os fundamentos já expendidos anteriormente.

Desse modo, entendo que a decisão monocrática preferida não merece reparos, inexistindo razões para a sua reforma.

Ante o exposto, conheço do presente recurso administrativo para, no mérito, negar-lhe provimento.

 

Ministro LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO

Conselheiro Relator

GMLPVMF/1