Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0006248-40.2022.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA

 


EMENTA: 

RATIFICAÇÃO DE DECISÃO LIMINAR EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. MAGISTRATURA ESTADUAL. PEDIDOS DE SUSPENSÃO E REMARCAÇÃO DE FÉRIAS. INDEFERIMENTO DE REQUERIMENTOS INDIVIDUAIS. FIXAÇÃO DE FÉRIAS COMPULSÓRIAS. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL DE SUSPENSÃO E REMARCAÇÃO. AVALIAÇÃO DO CASO CONCRETO. ATENDIMENTO AO INTERESSE PÚBLICO. CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.   

1. Com vistas a atender o interesse público e a continuidade da prestação jurisdicional, é possível a suspensão e remarcação das férias dos magistrados, em caráter excepcional. No entanto, deve o Tribunal pautar sua avaliação no exame do caso concreto através de ponderações individualizadas.

2. Verificados, no caso, os requisitos da plausibilidade do direito e perigo de dano.

3. Determinação para que o Tribunal possibilite a suspensão e remarcação das férias dos magistrados baianos, de forma excepcional e fundamentada no interesse público, nos termos dos art. 2º e 11, ambos da Resolução TJBA n.º 05/2020, e art. 2º da Resolução n.º 293 CNJ, cabendo ao Presidente do Tribunal, em caso de indeferimento fundamentado dos pleitos individuais dos magistrados, instruir o processo administrativo com as competentes informações lançadas pelas Corregedorias e demais órgãos de controle.  

4. Pedido liminar parcialmente acolhido. 

5. Liminar ratificada. 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, ratificou a liminar, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 10 de março de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair (Relator), Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Marcio Luiz Freitas.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0006248-40.2022.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA


RELATÓRIO      


Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) proposto pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação dos Magistrados da Bahia (AMAB), com o objetivo de questionar decisão administrativa do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) sobre pedidos de suspensão e remarcação do período de férias regulares concedidas aos magistrados baianos.

 

Informam que, após o procedimento de inspeção realizado em 2018 (Pedido de Providências n.º 0007869-14.2018.2.00.0000), a Corregedoria Nacional de Justiça determinou ao Tribunal que “a) planeje a escala de férias de magistrados e servidores com maior rigor; b) abstenha-se de pagar a magistrados e servidores valores a título de indenização de férias sem a observância do requisito de absoluta necessidade do serviço”.

 

Relatam que a mencionada inspeção resultou em controle mais rígido pela Presidência da Corte de Justiça, que passou a indeferir requerimentos individuais de não fruição de férias, além de fixar férias compulsórias aos magistrados que não a requeressem no tempo oportuno.

 

Asseveram que o TJBA publicou a Resolução n.º 05/2020 (Id 4874196), para regulamentar a concessão de férias regulares aos seus magistrados e servidores, além de estabelecer prazos, princípios e critérios formais para a elaboração da escala anual, em conformidade com as recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

 

Sustentam que a orientação disposta no art. 2º, § 2º, da citada resolução[1] reconheceu a possibilidade de alteração da escala de férias por pedido do magistrado, sem prazo mínimo para solicitação, e fundamentado na “imperiosa necessidade de serviço”, com análise da situação concreta de cada caso, ao passo que, sob sua óptica, o art. 13, § 1º, também assegurou a possibilidade de remarcação do período de férias, ao dispor que “não serão suspensas as férias, quando for possível a remarcação, devendo ser priorizada sua transferência para o mesmo período (semestre) originariamente indicado para gozo”.

 

A despeito da prescrição normativa e do fato de o Tribunal retornar às atividades presenciais, inclusive nas Comarcas mais longínquas e com infraestrutura de transporte deficiente, argumentam que a Presidência do TJBA insiste em manter uma conduta inflexível e ilegal de “não apreciar os pedidos individuais de remarcação/suspensão das férias, levando em consideração as peculiaridades de cada caso”, não apresentando fundamentação concreta para o indeferimento da necessária remarcação das férias.

 

Colacionam, como exemplo, a decisão lançada no bojo do Procedimento n.º TJ-ADM-2021/40572, em que o magistrado titular da Vara Cível da Comarca de Cachoeira/BA solicitou a remarcação de suas férias, inicialmente agendadas para os dias 13.10.2021 a 1.11.2021, para usufruto no período de 24.1.2022 a 12.2.2022. No caso, apesar de o magistrado esclarecer que as férias dos seus substitutos teriam sido designadas para o mesmo período (13.10.2021 a 1.11.2021), e que a responsabilidade provisória da unidade poderia ser prejudicada em razão de processo de promoção, que alcançaria outros magistrados, apontam que o TJBA indeferiu o pedido de remarcação de férias sem considerar as particularidades do caso.

 

Aduzem que todos os requerimentos individuais de suspensão ou alteração das férias para data oportuna têm sido indeferidos sem análise da situação concreta, apenas sob o fundamento genérico de obrigatoriedade do usufruto de dois períodos de férias por ano, “evitando-se o acúmulo das férias indenizáveis”, nos termos da decisão proferida pelo CNJ no PP n.º 0007869-14.2018.2.00.000.

 

Argumentam, contudo, que a decisão do TJBA transformou o entendimento do termo “preferencial” em “obrigatoriedade”, suprimindo a possibilidade de remarcação/adiamento das férias dos magistrados para data oportuna, mesmo quando a situação fática justificar a priorização da prestação jurisdicional.

 

De acordo com as requerentes, o gozo forçado das férias está ocasionando diversos problemas para o regular desenvolvimento do trâmite processual, como o cancelamento das sessões do tribunal do júri e das audiências designadas, prejudicando o próprio cumprimento das metas impostas pelo CNJ.

 

Assinalam que a falta de organização na escala de férias dos magistrados tem provocado o acúmulo extraordinário de serviços, com designação de juízes para responder por três ou mais jurisdições, em detrimento da eficiente prestação jurisdicional, sendo que a impossibilidade de adiamento de férias prejudica o interesse dos próprios jurisdicionados, pois impõe o afastamento dos magistrados em detrimento da priorização do interesse público.

 

Defendem a necessidade de maior flexibilização do entendimento questionado, conforme sinalização externada pela própria Corregedoria das Comarcas do Interior do TJBA, que, em ofício encaminhado para a Presidência do Tribunal, noticiou “as consequências negativas que o gozo obrigatório, sem flexibilizações, tem imposto ao exercício da atividade jurisdicional”.

 

Pelos fatos e fundamentos expostos na inicial, pugnam pela procedência do presente procedimento administrativo para determinar ao Tribunal de Justiça requerido que defira os pedidos de suspensão/remarcação das férias quando a situação fática assim exigir, solicitando, ainda, a designação de audiência de conciliação para tentativa de composição entre as partes.

 

Regularmente notificado, o Tribunal de Justiça requerido apresentou manifestação de defesa por meio do Ofício n.º 1465/2022/GP (Id 4881626), deduzindo, em síntese, que a questionada rigidez no controle do sistema de férias dos magistrados decorre de determinação fixada pela própria Corregedoria Nacional de Justiça no Processo de Inspeção n.º 0006607-92.2019.2.00.0000 e no PP n.º 0007869-14.2018.2.00.0000, que impôs a observância do necessário descanso dos magistrados, com adoção de medidas para diminuir os períodos de férias não usufruídas, evitando-se novas acumulações (que geram passivo para a Administração), excetuando-se as hipóteses de efetiva necessidade do serviço público.

 

De acordo com o Tribunal, o questionamento suscitado reside na hipótese de não marcação das férias pelo próprio magistrado, cuja omissão transfere para a Presidência a missão de fixar a respectiva escala de férias, com atribuição dos períodos de fruição, sendo que, a partir da imposição dos períodos para gozo de férias, os magistrados costumam pleitear a posterior transferência.

 

Neste ponto, quando não constatada qualquer incompatibilidade, o Tribunal informa que os pedidos de remarcação geralmente são deferidos, reconhecendo, contudo, que vem adotando postura mais restritiva com relação aos pedidos de transferência “para gozo oportuno”, baseando-se na premissa de necessidade de cumprimento das determinações fixadas pelo CNJ.

 

Atendendo formal solicitação apresentada nos autos, foi designada Audiência de Conciliação para o dia 19.10.2022, às 10h (Id 4887724), no entanto, mesmo diante das inúmeras tentativas de solução amigável do questionamento suscitado nos autos, inclusive com apresentação de proposta média e tratativas avançadas entre as partes (Id 4932098 e Id 4927568), a conciliação restou infrutífera.

 

Em nova manifestação, a AMAB solicitou a concessão de medida liminar para “suspender a obrigatoriedade do gozo de férias até o final do 2º semestre de 2023 ou até que seja firmado um acordo entre as partes, suspendendo-se a tramitação do Expediente neste período”. Argumentou que o Tribunal continua adotando postura inflexível acerca do gozo das férias, deixando de apresentar critérios objetivos sobre a aplicação do termo “imperiosa necessidade de serviço” (Id 4940017).

 

Notificado, o TJBA reiterou a manifestação de defesa, requereu o indeferimento da medida de urgência requerida e pontuou que a organização da escala de férias dos magistrados está alinhada às determinações da Corregedoria Nacional de Justiça, que assinalaram a obrigatoriedade da fruição das férias (Id 4967824).

 

Na inicial análise dos autos (Id 4982021), em 19 de dezembro de 2022, foi deferido parcialmente o pleito liminar, ad referendum do Plenário do CNJ, para determinar ao Tribunal requerido que possibilite a suspensão e remarcação das férias dos magistrados baianos, de forma excepcional e fundamentada no interesse público, nos termos dos art. 2º e 11, ambos da Resolução TJBA n.º 05/2020, e art. 2º da Resolução n.º 293 CNJ.

 

É o relatório. Decido.

 



[1] § 2º. É dispensada a observância do prazo previsto no parágrafo anterior, quando o pedido for fundamentado na imperiosa necessidade do serviço, devidamente demonstrada e reconhecida pela Presidência, ou nas seguintes hipóteses: I – para tratamento de saúde do Magistrado; II – por motivo de doença em pessoa da família; III – para licença à gestante e à adotante; IV – para licença paternidade; V – para afastamento, por motivo de falecimento do cônjuge, companheiro ascendente, madrasta ou padrasto, filho, enteado, menor, sob guarda, ou tutela e irmão, desde que comprovado mediante atestado de óbito.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0006248-40.2022.2.00.0000
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VOTO

 

 

 

Em cumprimento ao disposto no art. 25, XI, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), submeto à apreciação do Plenário a decisão liminar proferida nos presentes autos (Id 4982021), cujas razões foram assim apresentadas: 

 

DECISÃO LIMINAR

 

Inicialmente, verifico que as requerentes, malgrado questionem a aplicação da Resolução TJ/BA n.º 05/2020, pela Corte baiana, não indicam qualquer tipo de ilegalidade ou pedem a sua invalidação, mas sim que este Conselho determine, doravante, a sua correta interpretação e aplicação.

 

Dessa forma, nos termos regimentais, não havendo ato concreto impugnado, deve este feito ter a sua classe processual modificada para Pedido de Providências. É o que, de logo, fica determinado.

 

Nos termos do artigo 25, inciso XI, deste Conselho, o deferimento de medidas urgentes está condicionado à presença de dois requisitos, a saber: plausibilidade do direito invocado (fumus boni juris) e demonstração da necessidade de provimento acautelatório imediato ante o risco de perecimento do direito invocado (periculum in mora).

 

Com efeito, analisando as circunstâncias fáticas e jurídicas apresentadas, tenho por cumpridos os requisitos autorizadores da concessão da medida de urgência.

 

Impende frisar que a controvérsia debatida no caso vertente visa avaliar a possibilidade de suspensão e remarcação de férias dos magistrados baianos, quando o respectivo pedido envolver situação fática coerente ao interesse público de manutenção da prestação jurisdicional.

 

De acordo com o disposto no art. 93, inciso XII, da Constituição Federal, “a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente”.

 

O citado preceito constitucional destaca a relevância da prestação jurisdicional continuada, sem sobressaltos temporais e devendo funcionar, inclusive, em regime de plantão durante os dias em que não houver normal expediente forense. Em razão da natureza da atividade desempenhada, responsável pela garantia dos direitos individuais e coletivos e pela manutenção da ordem jurídica, o Poder Judiciário foi afetado diretamente pelos princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º. XXXV, da CF[1]) e da continuidade do serviço público.

 

Em consonância com a anunciada preponderância da atividade desempenhada, o art. 67, § 2º, a Lei Complementar n.º 35/74 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional)[2] consigna expressa vedação para o afastamento do magistrado quando sua ausência puder comprometer a atividade jurisdicional.

 

Tem-se, assim, arcabouço normativo sinalizando que o Estado-Juiz deverá colocar à disposição dos interessados os meios que lhes garantam um processo rápido e eficiente, visando assegurar o regular desenvolvimento das atividades inerentes ao Poder Judiciário, em razão da sua posição estratégica para o regime democrático.

 

Nesse contexto, denota-se que a organização da escala de férias dos magistrados possui estreita conexão com o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional, sendo certo que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), no seu art. 67[3], estabeleceu diversos mecanismos para a organização e o controle da escala de férias, desnudando especial preocupação com a imperiosa necessidade do serviço jurisdicional.

 

De igual modo, a Resolução CNJ n.º 293/2019, que dispõe sobre as férias da magistratura nacional, reiterou o direito de férias anuais aos magistrados e permitiu a acumulação em caso de necessidade do serviço, reconhecendo, ainda, a possibilidade de conversão de um terço de cada período de férias em abono pecuniário, notadamente quando acompanhado de prévio requerimento do magistrado.

 

A aludida norma deste Conselho reconhece que tal assertiva constitui faculdade do magistrado em assim proceder, cuja opção não pode ser obstada por norma interna do Tribunal ou decisão genérica desacompanhada dos necessários fundamentos, não se perdendo de foco a autonomia administrativa para avaliação da pertinência financeira da conversão de férias em pecúnia, em absoluta sintonia com o interesse público correlato.

 

A possibilidade de conversão de férias em pecúnia encontra acolhimento também na Resolução CNJ n.º 133/2011, que, em seu art. 1º, inciso VI, cristaliza que é devida ao magistrado “a indenização de férias não gozadas, por absoluta necessidade do serviço, após o acúmulo de dois períodos”, cumulativamente com os subsídios.

 

No que se refere à questionada organização da escala de férias, a Resolução CNJ n.º 293/2019, no seu art. [4], estabelece a competência dos Tribunais de Justiça para a regulamentação relativa à escala, à marcação, ao gozo, à alteração, à interrupção e à indenização das férias, além de outros assuntos correlatos.

 

Firme na orientação acima citada, o Tribunal de Justiça requerido publicou a Resolução n.º 05/2020, que disciplina a concessão de férias regulares aos magistrados baianos, dispondo sobre prazos, princípios e critérios para a elaboração da escala anual e suas possíveis alterações.

 

A norma do TJBA em comento preleciona que as férias serão organizadas em escala semestral, devendo os magistrados encaminhar seus requerimentos no prazo estabelecido em seu cronograma. No caso de não indicação do período individual de férias, mesmo depois da concessão de novo prazo para tanto, a citada regulamentação confere à administração do Tribunal a possibilidade de definir, de ofício, o período de férias do respectivo magistrado.

 

Apesar da assunção da responsabilidade para fixar o período de férias do magistrado omisso, a Resolução n.º 05/2020 do TJBA expressamente prevê a possibilidade de alteração do período de férias dos seus magistrados quando presentes, no caso concreto objeto de análise, motivos relevantes a caracterizar a necessidade do serviço em razão da prevalência do interesse público.

 

O art. da aludida Resolução[5] admite, ainda, alteração, quando demonstrado motivo relevante por parte do magistrado interessado, devendo a respectiva justificativa ser objeto de regular apreciação pela Administração do Tribunal, com avaliação das particularidades do caso concreto e apresentação resolutiva, frise-se, por oportuno, de forma devidamente fundamentada.

 

No mesmo sentido, o art. 11[6] do regulamento do Tribunal anota a possibilidade de as férias serem suspensas ou interrompidas de ofício ou mediante pedido unilateral do magistrado, notadamente quando observada a prévia autorização do Presidente do Tribunal. Neste caso, a paralisação do curso normal das férias tem caráter excepcional, que deve decorrer da necessidade do serviço público (art. 12)[7], não sendo cabível a suspensão quando for possível a sua remarcação, devendo esta ser adotada de forma prioritária na organização da respectiva escala de férias (art. 13, § 1º e § 2º)[8].

 

Postas tais considerações, vislumbra-se que a Resolução n.º 05/2020 do Tribunal requerido apresenta amplo tratamento para a suspensão e remarcação do período de gozo das férias regulares concedidas aos magistrados baianos, tendo, como pedra de toque, o interesse público decorrente da estrita necessidade do serviço.

 

A regulamentação local reconhece, assim, a possibilidade de a pretendida alteração da escala de férias ocorrer a partir de requerimento, devidamente fundamentado, apresentado pelo magistrado interessado, cujo pleito deverá ser analisado pela Administração do Tribunal com observância das peculiaridades de cada caso concreto e a devida avaliação dos apontamentos que individualizam cada situação objeto do necessário exame.

 

Não se pode perder de vista que compete ao Tribunal conhecer e realizar ponderações individualizadas, firmadas nas peculiaridades da pretensão individual de suspensão/remarcação de férias, numa sistemática que perpassa pela crescente demanda da prestação jurisdicional ou mesmo pela retomada das atividades jurisdicionais integralmente presenciais, dentre outros fatores.

 

Nesse contexto, apesar de as normas mencionadas conferirem ao Tribunal a possibilidade de regulamentar o tratamento da escala de férias, essa premissa não constitui discricionariedade ampla e irrestrita para o indeferimento generalizado, por fundamentos estáticos, de toda e qualquer situação envolvendo os pedidos de suspensão e remarcação das férias dos magistrados.

 

A respectiva avaliação invoca o exame das circunstâncias específicas do caso concreto, com conhecimento da realidade local e imposição do interesse público para a formulação do ato administrativo, sendo evidente que a discricionariedade deve ser concebida não apenas como um poder do administrador, mas como um dever de atender à finalidade estampada na lei, relacionada, portanto, a uma satisfação rigorosa do intuito da norma com vinculação aos motivos determinantes do caso concreto.

 

Sobre a temática, imprescindível é a exortação dos ensinamentos de Gustavo Binenbojm:

 

Como se vê, essa principialização do direito brasileiro acabou por aumentar a margem de vinculação dos atos discricionários à juridicidade. Em outras palavras, essa nova concepção de discricionariedade vinculada à ordem jurídica como um todo, trouxe a percepção de que não diferença de natureza entre o “ato administrativo vinculado” e o “ato administrativo discricionário”, sendo a diferença o grau de vinculação. Se os atos vinculados estão amarrados à letra da lei, os atos discricionários, por sua vez, estão vinculados diretamente aos princípios[9].

 

Nesse diapasão, o Plenário deste Conselho firmou a orientação segundo a qual, em razão da relevância da atividade jurisdicional e por imperiosa necessidade de serviço, é possível a suspensão e remarcação das férias dos magistrados, em caráter excepcional, devendo o Tribunal pautar sua avaliação no exame do caso concreto:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 6ª REGIÃO. GARANTIA AO DIREITO ÀS FÉRIAS. INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO DO GOZO DE FÉRIAS DE MAGISTRADO. MEDIDA EXCEPCIONAL. IMPERIOSA NECESSIDADE DE SERVIÇO. CONVOCAÇÃO DE MAGISTRADOS DE GRAU PARA SUBSTITUIÇÃO EM GRAU. PRAZO SUPERIOR A 30 DIAS. ESTRITA OBSERVÂNCIA À LOMAN E À RESOLUÇÃO CNJ 72/2009. ADOÇÃO DE MECANISMOS DE COMPENSAÇÃO QUE ENSEJAM A SUBSTITUIÇÃO NO 2º GRAU. IMPOSSIBILIDADE. ABUSO DE DIREITO. PREJUÍZO À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DO GRAU. POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO PRIORITÁRIA AO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DETERMINAÇÃO, DE OFÍCIO, PARA QUE O TRIBUNAL ALTERE DISPOSITIVOS DE SEU REGIMENTO INTERNO.

 

1. Pedido de Providências em que se pleiteia sejam cessadas as convocações de juízes de 1º grau do TRT 6 para substituição de desembargadores em seus afastamentos, quando estes suplantam 30 dias, em razão de compensações decorrentes de interrupções de férias e outras licenças.

 

2. Dada a relevância do direito às férias, a interrupção ou suspensão de férias de magistrados deve ocorrer em caráter excepcional, limitando-se à imperiosa necessidade de serviço, com vistas à efetiva prestação jurisdicional. Precedente STF. (HC 92676, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma).

 

3. Consoante art. 118, caput, da LOMAN e art. 4º, caput, da Resolução CNJ 72/2009, a convocação de juízes de primeiro grau para substituição nos Tribunais poderá ocorrer nos casos de vaga ou afastamento por prazo superior a 30 dias.

 

4. Conquanto seja preservado o direito dos desembargadores de fazer uso das compensações decorrentes de interrupção de férias ou licenças em período subsequente aos 30 dias de férias, referidas compensações não podem ser contabilizadas com o intuito de dar ensejo à convocação de juízes de 1º grau para substituição no tribunal, sob pena de se configurar o abuso de direito.

 

5. Considerando a realidade da 1ª instância do TRT 6, a prática adotada pelo tribunal de convocação de magistrados do 1º grau para substituição no 2º, em virtude de afastamentos somados a mecanismos de compensação, afigura-se contrária à Política Nacional de Priorização do 1º grau e, sobretudo, prejudicial à efetiva prestação jurisdicional daquela Região.

 

6. Recurso Administrativo conhecido e provido. Determinação, de ofício, para que o TRT 6 altere dispositivos de seu Regimento Interno, de forma a garantir o bom funcionamento dos serviços na 1ª instância e assegurar o direito dos magistrados à fruição de férias[10]. (Grifou-se)

 

 

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. FÉRIAS DA MAGISTRATURA. ABONO PECUNIÁRIO. RESOLUÇÃO/CNJ N.293/2019. CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO. PODER REGULAMENTAR. EXTRAPOLAÇÃO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

 

1 – A Resolução/CNJ n. 293/2019, que dispõe sobre as férias da magistratura, foi editada com os seguintes fundamentos: (i) necessidade de estabelecimento de parâmetros para o exercício do direito às férias dos membros da Magistratura Nacional, e (ii) a finalidade de uniformização da matéria a fim de propiciar melhor gestão da prestação jurisdicional pelos tribunais. Desse modo, a finalidade da Resolução/CNJ n.293/2019 é uniformizar o exercício do direito às férias no Poder Judiciário, considerando a magistratura como nacional, sem distinguir se o membro é oriundo da magistratura federal, estadual ou da Justiça do Trabalho.

 

2- Especificamente no que tange à conversão de um terço de cada período de férias em abono pecuniário, o ato normativo editado pelo CNJ exigiu apenas “o requerimento formulado com antecedência mínima de sessenta dias do efetivo gozo”. Em seguida, foi delegado aos tribunais e aos Conselhos (CJF e CSJT) a regulamentação relativa à escala, à marcação, ao gozo, à alteração, à interrupção e à indenização de férias.

 

3 – A Resolução/CSJT n.253/2019 inovou ao instituir mínimo de dias úteis de efetiva prestação de serviços. Assim, no âmbito da Justiça Laboral, foi criada uma nova exigência para a conversão do terço do período de férias em abono pecuniário, tratando os juízes do trabalho de forma diferenciada, além de contrariar o fundamento de “padronizar a matéria considerando a magistratura com nacional” apresentado para a normatização da matéria pelo CNJ.

 

4 - Dessa forma, a Resolução/CSJT n.253/2019 merece reparos, tendo em vista que o §4º do artigo 17 exorbitou o poder regulamentar, na medida em que criou restrição de direito não previsto na Resolução/CNJ n. 293/2019.

 

5- Pedido julgado procedente[11]. (Grifou-se)

 

Ressalte-se, por essencial, que a fundamentação ora apresentada não destoa das determinações constantes do Processo de Inspeção CNJ n.º 0006607-92.2019.2.00.0000 e PP CNJ n.º 0007869-14.2021.2.00.0000, que dirigiram orientação ao TJBA para regulamentação e melhor organização das escalas de férias dos magistrados baianos.

 

A determinação da Corregedoria Nacional de Justiça não conduz para um posicionamento inflexível para a avaliação dos pedidos individuais de alteração da escala de férias, cujo critério deve ser pautado no interesse público e na continuidade da prestação jurisdicional, assinalando, por certo, a edição de critérios objetivos de interesse público que justifiquem a suspensão ou remarcação das férias dos magistrados.

 

Dito isso, reputo presente a plausibilidade jurídica do direito invocado para possibilitar a suspensão e remarcação das férias dos magistrados baianos, de forma excepcional e fundamentada no interesse público, conforme previsto no art. 2º, § 2º, da Resolução TJBA n.º 05/2020, que permite a alteração da escala de férias por pedido do magistrado, sem prazo mínimo para solicitação, desde que o pedido seja fundamentado na imperiosa necessidade de serviço.

 

O perigo de dano, por sua vez, está ancorado na própria continuidade da prestação jurisdicional, cuja característica impõe a constante avaliação pela administração do Tribunal de cada caso concreto.

 

Sendo assim, e sem que esta decisão vincule o meu entendimento acerca do mérito, e, ainda, não sendo inviável a hipótese de chegar a conclusão diversa após criteriosa e aprofundada análise, com os demais elementos que virão aos autos no momento próprio, imperativo é o assentamento dos fundamentos expressados.

 

Ante o exposto, em exame de cognição sumária, CONCEDO PARCIALMENTE A MEDIDA LIMINAR para DETERMINAR ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia que possibilite a suspensão e remarcação das férias dos magistrados baianos, de forma excepcional e fundamentada no interesse público, nos termos dos art. 2º e 11, ambos da Resolução TJBA n.º 05/2020, e art. 2º da Resolução n.º 293 CNJ, cabendo ao Presidente do Tribunal, em caso de indeferimento fundamentado dos pleitos individuais dos magistrados, instruir o processo administrativo com as competentes informações lançadas pelas Corregedorias e demais órgãos de controle.

 

Intime-se o Tribunal de Justiça requerido para que tome ciência e dê cumprimento imediato à presente decisão.

 

Inclua-se o feito em pauta, na primeira oportunidade, para submissão da presente decisão ao referendo do Plenário do Conselho Nacional de Justiça, na forma regimental.

 

Encaminhe-se cópia da presente decisão à Corregedoria Nacional de Justiça para os bons préstimos de informar acerca de eventuais desdobramentos decorrentes do Processo de Inspeção n.º 0006607-92.2019.2.00.0000 e no PP n.º 0007869-14.2018.2.00.0000, especialmente sobre a existência de determinações adicionais que tenham sido dirigidas ao TJBA, relacionadas à marcação de férias de Magistrados a ele vinculados.

 

Determino a nova autuação do presente feito como Pedido de Providências, nos termos do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça.

 

À Secretaria Processual para as providências cabíveis, com a urgência que o caso requer.

 

Brasília, data registrada no sistema.

 

 

 

Conselheiro João Paulo Schoucair

 

Relator

 

Por todo exposto, reitero os fundamentos acima transcritos para propor a ratificação da liminar apresentada. 

 

É como voto. 

 

Brasília, data registrada no sistema.  

 

 

 

Conselheiro João Paulo Schoucair

 

Relator

 



[1] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

[2] § 2º - É vedado o afastamento do Tribunal ou de qualquer de seus órgãos judicantes, em gozo de férias individuais, no mesmo período, de Juízes em número que possa comprometer o quórum de julgamento.

[3] Art. 1º Os magistrados terão direito a férias anuais, consoante previsto na Lei Complementar nº 35/79, permitida a acumulação em caso de necessidade do serviço.

(...) § 3º É facultada a conversão de um terço de cada período de férias em abono pecuniário, nele considerado o terço constitucional, mediante requerimento formulado com antecedência mínima de sessenta dias do efetivo gozo. (Grifou-se)

[4] Art. 2º Compete aos Tribunais Superiores, ao Conselho da Justiça Federal, ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho, aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Militares a regulamentação relativa à escala, à marcação, ao gozo, à alteração, à interrupção e à indenização das férias, bem como a outros assuntos correlatos, respeitadas as disposições da Constituição Federal, da Lei Complementar nº 35/79 e das Resoluções deste Conselho.

[5] Art. 2º. A escala de férias poderá sofrer alterações por interesse da administração ou por motivo relevante por parte do Magistrado, devendo a justificativa ser previamente submetida à apreciação da Presidência.

§ 1º. O prazo para requerimento de alteração da escala de férias por interesse do Magistrado será de, no mínimo, 45 (quarenta e cinco) dias, antes da data prevista para o início das férias.

§ 2º. É dispensada a observância do prazo previsto no parágrafo anterior, quando o pedido for fundamentado na imperiosa necessidade do serviço, devidamente demonstrada e reconhecida pela Presidência, ou nas seguintes hipóteses:

I – para tratamento de saúde do Magistrado;

II – por motivo de doença em pessoa da família;

III – para licença à gestante e à adotante;

IV – para licença paternidade;

V – para afastamento, por motivo de falecimento do cônjuge, companheiro, ascendente, madrasta, ou padrasto, filho, enteado, menor, sob guarda, tutela e irmão, desde que comprovado mediante atestado de óbito. (Grifou-se)

[6] Art. 11. As férias poderão ser suspensas ou interrompidas de ofício ou mediante pedido unilateral do Magistrado, não se admitindo o retorno à atividade judicante sem prévia autorização do Presidente do Tribunal de Justiça.

[7] Art. 12. A suspensão ou a interrupção, de ofício, das férias só poderá ser determinada em caráter excepcional, por estrita necessidade do serviço, a critério do Presidente do Tribunal de Justiça. Parágrafo único. A suspensão ou a interrupção das férias deverá ser formalizada, por ato convocatório motivado, do qual deverá ter ciência o Magistrado afetado.

[8] Art. 13. A suspensão ou a interrupção, a pedido do Magistrado, somente poderá ser efetuada nas hipóteses previstas no art. 2º § 2º.

§ 1º. Não serão suspensas as férias, quando for possível a sua remarcação, devendo ser priorizada sua transferência para o mesmo período (semestre) originariamente indicado para gozo;

§ 2º. O gozo do saldo remanescente das férias interrompidas a pedido do Magistrado ocorrerá de forma contínua ao período interrompido.

[9] BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. 2 Ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 212.

[10] CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - 0001206-54.2015.2.00.0000 - Rel. Cons. Márcio Schiefler Fontes - 32ª Sessão Virtual - julgado em 07/03/2018.

[11] CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000027-75.2021.2.00.0000 - Rel. Cons. Marcos Vinícius Jardim Rodrigues - 92ª Sessão Virtual - julgado em 10/09/2021.