Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0007850-03.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - CGJRN
Requerido: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA

 

CONSULTA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. DEFLAGRAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM DESFAVOR DE RESPONSÁVEL INTERINO. INTERESSE E REPERCUSSÃO GERAIS QUANTO À DÚVIDA SUSCITADA. CONHECIMENTO. MANIFESTAÇÃO DA COORDENADORIA DE GESTÃO DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO PELA IMPOSSIBILIDADE. REPARAÇÃO DE PERDAS FINANCEIRAS. RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL. CONSULTA RESPONDIDA.

1. Procedimento apresentado por Tribunal de Justiça, a partir de caso concreto, com vistas a esclarecer dúvida sobre a possibilidade de ser instaurado procedimento disciplinar em desfavor de interino.

2. Em regra, deve ser conhecida a Consulta que trata de dúvida a respeito de situação jurídica abstrata, de interesse geral e repercussão para o Poder Judiciário nacional, à luz do disposto no art. 89 do Regimento Interno do CNJ (RICNJ).

3. Excepcionalmente, admite-se o conhecimento de Consulta que, a despeito de se basear em caso concreto, apresente repercussão geral para o Poder Judiciário.

4. Não há previsão legal para a responsabilização administrativa do responsável interino, nos moldes do que ocorre com o delegatário titular, de modo que a Administração Pública deve se valer de mecanismo processual adequado a fim de buscar a reparação de eventuais perdas financeiras ocasionadas pelo gestor interino à frente de determinada serventia extrajudicial.

5. A responsabilização na esfera criminal mostra-se possível desde que haja elementos para tanto e a autoridade policial e/ou o Ministério Público sejam oportunamente provocados com tal propósito.

6. Consulta conhecida e respondida no sentido da impossibilidade de instauração de Processo Administrativo Disciplinar em desfavor de responsável interino, à míngua de previsão legal para tanto, sem prejuízo das demais providências destinadas à provocação da autoridade policial/Ministério Público e ressarcimento ao erário, se for o caso.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, conheceu da Consulta formulada, para respondê-la no sentido da impossibilidade de instauração de Processo Administrativo Disciplinar em desfavor de responsável interino, à míngua de previsão legal para tanto, sem prejuízo das demais providências destinadas à provocação da autoridade policial/Ministério Público e ressarcimento ao erário, se for o caso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 26 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson (Relator), Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Mário Goulart Maia. Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0007850-03.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - CGJRN
Requerido: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA

 

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de CONSULTA formulada pela CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (CGJ/RN), por meio da qual questiona este Conselho acerca da viabilidade de ser instaurado “procedimento disciplinar em desfavor de interino, em razão dos efeitos decorrentes da condenação que vão além da mera revogação de interinidade”.

Após apresentar situação concreta, consubstanciada na conduta de interino de ofício extrajudicial que teve as contas reprovadas e deixou de recolher valores devidos ao Fundo de Desenvolvimento da Justiça (FDJ), a CGJ/RN formula os seguintes questionamentos:

(i) qual norma pode ser aplicada, por integração, para disciplinar a responsabilização administrativa de interino, inclusive quanto às disposições processuais pertinentes?

(ii) é possível consignar efeitos de condenação administrativa por infração disciplinar no ato de revogação da interinidade, observado o contraditório, ampla defesa e o devido processo legal (ainda que por analogia/integração)?

 

Considerando as atribuições da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro (CONR), nos termos da Portaria n. 53, de 15 de outubro de 2020 (arts. 2º, inciso III[1], e 4º, inciso II[2]), a, então, Conselheira Flávia Pessoa, minha antecessora, determinou o encaminhamento dos autos àquela unidade administrativa especializada, solicitando subsídios para a formulação de resposta à Consulta apresentada (ID n. 4557147).

Em 13/1/2022, sobreveio Parecer (ID n. 4564695), elaborado pelo Desembargador Marcelo Martins Berthe, Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, aprovado Corregedora Nacional de Justiça, Ministra Maria Thereza de Assis Moura (ID n. 4587336).

É o relatório.



[1] Art. 2º No eixo Processual, são atribuições da CONR: [...] III – prestar assessoria técnica, caso solicitada, fornecendo subsídios e precedentes à consideração dos Conselheiros, com o propósito de agregar maior segurança jurídica às decisões do Conselho Nacional de Justiça.

[2] Art. 4º No eixo de Fiscalização e Regulação, cabe à CONR: [...] II – orientar o trabalho de fiscalização dos serviços extrajudiciais pelos tribunais;

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0007850-03.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - CGJRN
Requerido: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA

 

 

VOTO

 

Impõe-se, a princípio, determinar a retificação do polo passivo do presente feito, uma vez que as consultas são decididas pelo Plenário e não há justificativa para que a Corregedoria Nacional de Justiça figure como requerida.

Assim, retifique-se o polo passivo, fazendo dele constar o Conselho Nacional de Justiça.

Conforme relatado, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Norte requer o pronunciamento do CNJ acerca da possibilidade de ser instaurado procedimento disciplinar em desfavor de interino, a fim de se permitir que os efeitos decorrentes de eventual condenação ultrapassem a mera revogação de interinidade.

O conhecimento e o processamento de consultas pelo Conselho Nacional de Justiça dependem do cumprimento dos preceitos estabelecidos no art. 89 do Regimento Interno[1].

A regra regimental exige que o questionamento seja apresentado em tese, com a demonstração de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de competência do Conselho.

Assentadas as premissas normativas, a presente Consulta merece ser, excepcionalmente, conhecida, não obstante estar baseada em caso concreto, dada a repercussão geral do tema para o Poder Judiciário. Nesse sentido, decidiu o Conselho Nacional de Justiça em recente precedente:

CONSULTA. COMPETÊNCIA PARA GERENCIAR OS SISTEMAS PREVISTOS NA RESOLUÇÃO CNJ N. 214/2015. INTERESSE E REPERCUSSÃO GERAIS QUANTO À DÚVIDA SUSCITADA. CONHECIMENTO DA CONSULTA. AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS.

1. Questionamento formulado por Tribunal de Justiça a fim de sanar dúvida relativa a qual órgão compete a função de gerenciar sistemas previstos na Resolução CNJ n. 214/2015.

2. É entendimento pacífico do CNJ o não conhecimento de Consultas que revelem o objetivo de sanar dúvidas jurídicas ou de antecipar a solução de caso concreto.

3. Excepcionalmente, admite-se o conhecimento de Consulta que, a despeito de se basear em caso concreto, apresente repercussão geral para o Poder Judiciário.

4. Autonomia do Tribunal de Justiça para que, no desempenho de sua gestão administrativa, defina a competência de seus órgãos administrativos e jurisdicionais. Recomendável, porém, que sejam atribuídas aos Grupos de Monitoramento e Fiscalização, em razão de sua pertinência temática, as funções de suporte, cadastro e gestão dos sistemas previstos na Resolução CNJ n. 214/2015.

5. Consulta conhecida e respondida. (CNJ - CONS - Consulta - 0000274-95.2017.2.00.0000 - Rel. Henrique de Almeida Ávila - 53ª Sessão Virtual - julgado em 04/10/2019) (grifo nosso).

 

Destarte, mostra-se razoável conhecer do procedimento, uma vez que veicula tema de interesse do Poder Judiciário, ainda que decorrente de caso concreto.

Nesse cenário, passo à análise de mérito, adotando, para tanto, o Parecer emitido pela Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro como razão de decidir, a saber:

Trata-se de processo de CONSULTA formulada pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em desfavor do CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.

Na origem, cuida-se de expediente administrativo onde o Diretor do Foro analisou e julgou reprovadas as contas do responsável interino pelo 1º Ofício de Notas de São Gonçalo do Amarante/RN, Sr. João França da Silva Júnior, com a determinação da devolução do quantum de R$ 24.129,92 ao Fundo de Desenvolvimento da Justiça (FDJ) (Id. 4513670).

A Corregedoria-Geral de Justiça referendou tal determinação, acrescentando, ainda, que o valor deveria ser atualizado com juros e correção monetárias, além de impor a multa de 30% sobre o valor final, em razão da reincidência do acusado.

Ademais, a Corregedoria local noticiou a existência de pelo menos nove outras prestações de contas reprovadas pelo mencionado responsável interino. Diante disso, determinou a revogação da interinidade do Sr. João França da Silva Júnior, por quebra de confiança. Ao mesmo tempo, formulou consulta ao CNJ, mediante as seguintes considerações:

A Corregedoria-Geral de Justiça (CGJ) do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte encaminha a Vossa Excelência a presente consulta, cujo objeto diz respeito à possibilidade jurídica de deflagração de procedimento disciplinar em desfavor de responsável interino por serventia extrajudicial, em razão dos efeitos decorrentes da condenação que vão além da mera revogação da interinidade.

Sabe-se que a mera revogação da interinidade não possui caráter punitivo, motivo pelo qual deixa de produzir efeitos de uma condenação disciplinar, a exemplo da impossibilidade de tomar posse em cargo público.

Diante do quadro lançado como hipótese, cumpre formular duas indagações que sintetizam esta consulta:

(i) qual norma pode ser aplicada, por integração, para disciplinar a responsabilização administrativa de interino, inclusive quanto às disposições processuais pertinentes?

(ii) é possível consignar efeitos de condenação administrativa por infração disciplinar no ato de revogação da interinidade, observado o contraditório, ampla defesa e o devido processo legal (ainda que por analogia/integração)?

 

O presente processo foi distribuído à insigne Conselheira FLÁVIA PESSOA que o encaminhou à Corregedoria Nacional de Justiça, para colheita de parecer da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro.

É o relatório.

Consoante indicado na Portaria n. 53, de 15/10/2020, compete à Coordenadoria de Gestão dos Serviços Notariais e de Registro - CONR prestar assessoria técnica, caso solicitada, fornecendo subsídios e precedentes à consideração dos Conselheiros, com o propósito de agregar maior segurança jurídica às decisões do Conselho Nacional de Justiça.

Não há previsão legal para a responsabilização administrativa do responsável interino, nos moldes do que ocorre com o delegatário titular.

Com efeito, a Lei nº 8.935/94 dispõe nos artigos 31 a 36 sobre as infrações disciplinares e as respectivas penalidades a serem aplicadas aos notários e oficiais de registro. Todavia, não há nesse diploma normativo previsão similar para os responsáveis interinos.

De fato, conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, os interinos designados para o exercício de função delegada, atuam como prepostos do Estado, e não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos artigos 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal, para o ingresso originário na função.

Assim, a designação de responsável interino de serviço de notas ou registro, nos casos de extinção da delegação, nos termos da Lei n. 8.935/94, possui natureza precária, passível de ser revogada a qualquer tempo pela Administração Pública, em caso de quebra de confiança ocasionada pela constatação de irregularidades na condução da serventia.

Apesar da revogação da interinidade in casu ter sido motivada por irregularidades observadas na prestação de contas, não há necessidade de instauração de processo administrativo disciplinar prévio, em razão da inocuidade do processo, diante da impossibilidade de aplicação de pena, pelo Poder Judiciário, ao designado interino. Nesta linha cognitiva é o entendimento do Plenário do CNJ, de que “a dispensa do substituto interino não exige a abertura de processo administrativo – com ampla defesa e em contraditório –, podendo se dar conforme a conveniência e a oportunidade do administrador público”. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0006851-89.2017.2.00.0000 - Rel. ARNALDO HOSSEPIAN - julgado em 24/04/2018).

De outro lado, não há óbice para que a Administração Pública ou mesmo particulares, por intermédio do mecanismo processual adequado, possam buscar a reparação de eventuais perdas financeiras ocasionadas pelo gestor interino à frente de determinada serventia extrajudicial. Do mesmo modo, não se observa qualquer empecilho para a responsabilização na esfera criminal, caso haja elementos para tanto, e desde que se provoque oportunamente a autoridade policial e o Ministério Público com tal propósito, sem prejuízo das providências necessárias ao ressarcimento ao erário, se o caso.

Com essas considerações, a Coordenadoria de Gestão dos Serviços Notariais e de Registro, da Corregedoria Nacional de Justiça, entende que a Consulta deve ser respondida no sentido da impossibilidade de instauração de PAD em desfavor de responsável interino, à míngua de previsão legal para tanto, sem prejuízo das demais providências destinadas à provocação da autoridade policial/Ministério Público e ressarcimento ao erário, se o caso.

É o parecer.

 

Por essas razões, conheço da Consulta formulada, para respondê-la no sentido da impossibilidade de instauração de Processo Administrativo Disciplinar em desfavor de responsável interino, à míngua de previsão legal para tanto, sem prejuízo das demais providências destinadas à provocação da autoridade policial/Ministério Público e ressarcimento ao erário, se for o caso.

É como voto.

Retifique-se o polo passivo, conforme determinado.

Intime-se. 

Após, arquivem-se, independentemente de nova conclusão.

À Secretaria Processual para as providências cabíveis.

Brasília, data registrada no sistema.

 

GIOVANNI OLSSON 

Conselheiro



[1] Art. 89. O Plenário decidirá sobre consultas, em tese, de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência. § 1º A consulta deve conter indicação precisa do seu objeto, ser formulada articuladamente e estar instruída com a documentação pertinente, quando for o caso. § 2º A resposta à consulta, quando proferida pela maioria absoluta do Plenário, tem caráter normativo geral.