Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006819-11.2022.2.00.0000
Requerente: RAFAEL DE JESUS GOMES
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA

 


PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TJBA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DOS SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO BAIANO. LEI ESTADUAL 6.677/1994. LEI GERAL. LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. LEI ESPECIAL. DESNECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE COMISSÃO PROCESSANTE. LEI EM SENTIDO FORMAL E MATERIAL. INCOMPETÊNCIA DO CNJ PARA EXERCER O CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEI ESTADUAL. CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. MATÉRIA AFETA À JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO DO PEDIDO.

1. Procedimento de Controle de Administrativo em que se questiona a constitucionalidade da não formação de comissão processante nos processos administrativos disciplinares dos servidores do Poder Judiciário baiano.

2. Lei estadual nº 10.485/2007 (Lei de Organização Judiciária - LOJ-BA), que não prevê a formação de comissão processante e atribui à Corregedoria do TJBA a competência instrutória dos processos administrativos disciplinares dos servidores do tribunal. 

3. Não compete ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deliberar sobre o acerto ou desacerto de lei estadual aprovada pelo órgão legislativo competente.  

4. O CNJ, embora seja órgão do Poder Judiciário, nos termos do art. 103-B, § 4º, II, da Constituição Federal, possui, tão somente, atribuições de natureza administrativa e, nesse sentido, não lhe é permitido examinar a validade de leis estaduais sobre o prisma constitucional ou negar-lhes vigência. Exceção admitida apenas quando se trate de matéria já pacificada no STF. Precedentes.

5. Não conhecimento do pedido.  

 

Conselheiro Marcello Terto

Relator

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, não conheceu do pedido, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 20 de abril de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006819-11.2022.2.00.0000
Requerente: RAFAEL DE JESUS GOMES
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA


RELATÓRIO


Trata-se de procedimento de controle administrativo (PCA) formulado pelo advogado RAFAEL DE JESUS GOMES, em que requer que seja o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA – TJBA compelido a formar a comissão processante nos processos administrativos disciplinares, em aplicação subsidiária da Lei estadual nº 6.677/1994 – Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado da Bahia, das Autarquias e das Fundações Públicas Estaduais.

O requerente afirma que os processos administrativos disciplinares, no âmbito do Poder Judiciário do Estado da Bahia – PJBA, estão sendo processados e julgados sem a formação de comissão processante, violando, dessa forma, o que disposto no Estatuto dos Servidores Públicos do Estado da Bahia – Lei estadual nº 6.677/1994.

Defende que os referidos procedimentos estariam eivados de nulidade, por violação a diversos princípios constitucionais, tais como os da legalidade, impessoalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência.

Colaciona ementa do acórdão concessor da segurança a servidora do PJBA, nos autos do Mandado de Segurança nº 8018254-06.2019.8.05.0000, de relatoria da Desembargadora Rosita Falcão de Almeida Maia, em que se reconheceu a nulidade de processo administrativo disciplinar, sob o fundamento de que “a autoridade instauradora do PAD não pode ser também a presidente do apuratório, eis que ela será a autoridade a aplicar a penalidade, acatando, ou não, a recomendação resultante da conclusão do processo pela Comissão Disciplinar, conforme art. 233 da Lei nº 6.677/94”. E ainda, que, “a autoridade indigitada coatora, embora fosse competente para a inauguração do processo investigatório, deixou de constituir a comissão processante, que é imperiosa, tanto em se tratando da instauração de sindicância, quanto de processo disciplinar”.

Cita diversas portarias que evidenciam que a comissão processante não é formada em nenhum processo, tais como a Portaria nº CGJ – 264/2022-GSEC, Portaria nº. CGJ – 318/2022-GSEC, a Portaria nº. CGJ – 318/2022-GSEC, a Portaria nº. CGJ – 283/2022-GSEC, a Portaria nº. CGJ – 285/2022-GSEC, a Portaria nº. CGJ – 286/2022-GSEC, a Portaria nº. CGJ – 287/2022-GSEC, a Portaria nº. CGJ – 289/2022-GSEC, Portaria nº. CGJ – 290/2022-GSEC e a Portaria nº. CGJ – 292/2022-GSEC.

Por fim, requer que o TJBA seja compelido a formar a comissão nos processos administrativos disciplinares, nos exatos moldes estabelecidos na Lei estadual nº 6.677/04.

Devidamente intimado, o TJBA, no Id 4958507, informa que o sistema disciplinar dos servidores do Poder Judiciário da Bahia possui capítulo específico e próprio na Lei estadual nº 10.845/2007 – Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia (LOJ-BA), que não prevê a formação de comissão processante.

Para o requerido, a LOJ-BA prevaleceria sobre a Lei estadual nº 6.677/1994, tendo em vista o critério da especialidade e da temporalidade.

Sustenta que a LOJ-BA optou por conferir ao Corregedor-Geral o poder-dever de apurar supostas falhas dos servidores, não deixando lacuna a ser preenchida pela aplicação subsidiária da Lei estadual nº 6.677/1994, tratando-se a suposta omissão de opção legislativa que objetivou disciplinar a matéria de forma diversa.

Defende que a CRFB e a Constituição Estadual tutelam o direito ao contraditório e à ampla defesa, e não que o processo administrativo disciplinar seja instruído por uma comissão processante, de modo que não haveria de se falar em inconstitucionalidade, ao que fez menção à Súmula Vinculante nº 5, do Supremo Tribunal Federal.

Ressalta o risco multiplicador da demanda e sugere que eventual procedência do pedido implicaria uma mudança estrutural importante nas funcionalidades das unidades judiciárias, com impactos negativos para o Poder Judiciário baiano e para os seus jurisdicionados.

Aduz que o modelo disciplinado pela LOJ-BA vem sendo aplicado há décadas e que, caso se acolha a tese inicial, diversas apurações disciplinares em curso nas Corregedorias do TJBA seriam paralisadas.

 Argumenta, por fim, que a Corregedoria-Geral de Justiça é órgão dotado de experiência, estrutura e capacidade técnica peculiar para garantir o bom andamento dos processos disciplinares e assegurar as garantias processuais dos servidores, nada mais fazendo que cumprir o estritamente previsto nos artigos 267, II, e 268 da Lei estadual nº 10.845/2007.

 É o relatório.           

 

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Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006819-11.2022.2.00.0000
Requerente: RAFAEL DE JESUS GOMES
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA

 


VOTO


O cerne da controvérsia reside em saber se, por força do artigo 275 da LOJ-BA[1], incidiriam, ou não, por aplicação subsidiária, as regras do Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado da Bahia aos processos administrativos disciplinares dos servidores públicos do Poder Judiciário baiano, no que toca, especialmente, à formação de uma comissão processante, nos moldes do artigo 210 e seguintes do referido Estatuto.

O processo administrativo disciplinar dos servidores do Estado da Bahia, em geral, é regulamentado nos seguintes dispositivos da Lei estadual nº 6.677/1994:

CAPÍTULO III - Do Processo Disciplinar

Art. 209 - O processo disciplinar destina-se a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas funções ou relacionada com as atribuições do seu cargo.

Art. 210 - O processo disciplinar será conduzido por uma comissão composta de 3 (três) servidores estáveis, de hierarquia igual, equivalente ou superior à do acusado, designados pela autoridade competente, que indicará, dentre eles, o seu presidente.

§ 1º - A comissão terá um secretário designado pelo seu presidente.

§ 2º - Não poderá participar de comissão processante cônjuge, companheiro, parente consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, do acusado e do denunciante.

Art. 211 - A comissão processante exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse público.

Art. 212 - O servidor poderá fazer parte, simultaneamente, de mais de uma comissão, podendo esta ser incumbida de mais de um processo disciplinar.

Art. 213 - Os membros da comissão e o servidor designado para secretariá-la não poderão atuar no processo, como testemunha.

Art. 214 - A comissão somente poderá deliberar com a presença de todos os seus membros. Parágrafo único - Na ausência, sem motivo justificado, por mais de duas sessões, de qualquer dos membros da comissão ou de seu secretário, será procedida, de imediato, a substituição do faltoso, sem prejuízo da apuração de sua responsabilidade por descumprimento do dever funcional.

Art. 215 - O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:

I - instauração, com publicação da portaria;

II - citação, defesa inicial, instrução, defesa final e relatório;

III - julgamento.

Parágrafo único - A portaria designará a comissão processante, descreverá sumariamente os fatos imputados ao servidor e indicará o dispositivo legal violado.

Art. 216 - O processo administrativo disciplinar deverá ser iniciado no prazo de 5 (cinco) dias, contados da data de sua instauração e concluído em prazo não excedente a 60 (sessenta) dias, admitida a prorrogação por igual prazo, em face de circunstâncias excepcionais.

Parágrafo único - Os membros da comissão deverão dedicar o tempo necessário aos seus trabalhos, podendo ficar dispensados do serviço de sua repartição, durante a realização do processo. 

Exige-se, portanto, a formação de uma comissão processante independente e imparcial, sendo vedada a participação de cônjuge, companheiro, parente consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, do acusado e do denunciante.

Por sua vez, a LOJ-BA disciplina a matéria, especificamente, para os servidores do TJBA, nos seguintes termos:

SEÇÃO III - DAS NORMAS BÁSICAS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Art. 268 - A autoridade judiciária que tiver ciência de qualquer irregularidade no serviço forense ou de qualquer deslize funcional atribuído aos servidores da Justiça deverá promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, a depender de serem ou não suficientes os indícios da autoria, assegurando-se ao acusado ampla defesa.

Art. 269 - Instaurado o processo administrativo, o servidor será citado para, no prazo de 10 (dez) dias, apresentar defesa prévia, indicar provas, inclusive rol de testemunhas, no máximo de 5 (cinco).

Art. 270 - Quando o servidor não for encontrado, será citado por edital publicado no Diário do Poder Judiciário.

Art. 271 - Se forem arroladas como testemunhas autoridades que desfrutem de prerrogativa quanto ao modo da prestação do depoimento, a autoridade processante tomará as providências que se fizerem necessárias para que o ato seja praticado de acordo com as exigências legais.

§ 1º - Os servidores públicos, arrolados como testemunhas, serão requisitados aos respectivos chefes de serviço, e os militares, ao Comando a que estiverem subordinados.

§ 2º - Havendo necessidade do concurso de técnicos ou peritos, a autoridade os requisitará a quem de direito, podendo nomeá-los, se necessário.

Art. 272 - Ao servidor submetido a processo administrativo disciplinar é assegurado o direito de ampla defesa, em qualquer fase do processo, exercida por advogado legalmente constituído, que poderá requerer as diligências que achar convenientes, realizáveis a critério do órgão processante, quando julgadas necessárias à elucidação dos fatos.

§ 1º - No caso de revelia, será designado pela autoridade processante um advogado para oferecimento da defesa

§ 2º - As provas serão produzidas, desde que possível, em audiência única, na qual se procederá ao interrogatório do processado e à inquirição das testemunhas de acusação e defesa.

§ 3º - Para a audiência serão obrigatoriamente intimados o processado e seu defensor.

§ 4º - Ultimada a instrução, o órgão processante intimará o servidor ou seu defensor para alegações finais, que deverão ser apresentadas, instruídas ou não com documentos, no prazo de 10 (dez) dias.

§ 5º - Os advogados serão intimados por intermédio do Diário do Poder Judiciário, onde houver.

Art. 273 - Findo o processo, se o órgão processante for o competente para aplicação da pena, decidirá a esse respeito e, não o sendo, encaminhará os autos ao órgão julgador a que competir o julgamento, com relatório, onde proporá a pena que lhe parecer cabível.

Art. 274 - Toda pena imposta aos servidores será comunicada à Corregedoria Geral da Justiça, para anotação na ficha funcional.

Art. 275 - Aplica-se, subsidiariamente, aos processos administrativos disciplinares a que respondem os servidores, no que couber, o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado e o Código de Processo Penal.

Art. 276 - A autoridade que determinar a abertura do processo administrativo disciplinar poderá suspender o servidor, por até 60 (sessenta) dias, prorrogáveis por igual período, desde que a permanência do indiciado, no cargo, possa prejudicar a investigação dos fatos.

Art. 277 - O servidor suspenso preventivamente terá direito:

I - à contagem do tempo de serviço relativo ao período da suspensão, quando do processo não resultar punição, ou quando esta se limitar às penas de advertência e censura;

II - à contagem do tempo de serviço, que corresponde ao período de afastamento que exceder o prazo de suspensão preventiva, quando a pena aplicada for suspensão;

III - aos vencimentos e às vantagens do cargo ou da função, nas hipóteses em que a pena aplicada não interfere na contagem do tempo de serviço (destaquei).

Em relação às autoridades competentes para a aplicação das penalidades, assim prevê o artigo 267 da referida LOJ:

SEÇÃO II - DA COMPETÊNCIA E DO PROCEDIMENTO PARA IMPOSIÇÃO DAS PENALIDADES

Art. 267 - Para aplicação das penas previstas nos artigos anteriores são competentes:

I - o Juiz de Direito, nos casos de advertência e censura;

II - o Conselho da Magistratura ou os Corregedores da Justiça, nos casos de advertência, censura e suspensão;

III - o Conselho da Magistratura, no caso de demissão.

§ 1º - A aplicação das penas de advertência e de censura ou de suspensão até 30 (trinta) dias será precedida de apuração em processo, observado o contraditório e a ampla defesa.

§ 2º - A pena de demissão somente poderá ser aplicada ao servidor estável, em virtude de sentença judicial ou de processo administrativo, cuja instauração caberá ao Juiz da Vara ou Comarca ou mediante designação dos Corregedores da Justiça.

§ 3º - Concluindo-se o relatório pela ocorrência de infração punida com pena de demissão, o processo será submetido à decisão do Conselho da Magistratura, que, aplicando-a, encaminhará os autos ao Presidente do Tribunal de Justiça, para a expedição do respectivo ato. 

Depreende-se, a partir da leitura dos indigitados dispositivos, que a Lei de Organização Judiciária da Bahia cuidou de fixar competências e prazos para instauração, condução e aplicação das penalidades, em um procedimento próprio aos seus servidores, nada prevendo quanto à formação de comissão processante, diferentemente do que faz a Lei estadual nº 6.677/1994 e diversos outros estatutos de servidores de outros entes da federação, a exemplo da União Federal.

A Lei federal 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, no artigo 149 e seguintes[2], prevê que deverá ser constituído órgão colegiado processante, composto por 3 (três) servidores estáveis, para o processamento do PAD, a fim de assegurar que o processo punitivo seja confiável, respeite o princípio da impessoalidade da Administração Pública e que resulte em ato decisório isento.

Com efeito, consoante o artigo 41, § 1º, II, da CRFB, os servidores públicos titulares de cargos efetivos possuem a garantia do processo administrativo disciplinar, em que devem ser assegurados o contraditório e a ampla defesa previstos no artigo 5º, LV, da CRFB.

Nesse contexto, as comissões processantes assumiram grande relevo na busca por um processo administrativo disciplinar independente e imparcial, motivo pelo qual o professor Antônio Carlos Alencar Carvalho (2021, p. 624)[3] pontua que

(...) é refulgente a importância singular da comissão processante no cenário da instância disciplinar administrativa, porque seu trabalho maior é, oferecendo ampla oportunidade de defesa ao acusado, imparcialmente e com independência, levantar as provas dos fatos apontados inicialmente como comprobatórios da prática de infração funcional por parte de servidor público e, elucidando plenamente o quadro fático apurado nos autos do processo punitivo, TRAZER A LUME A VERDADE MATERIAL, COM A PARTICIPAÇÃO PROCEDIMENTAL DO DISCIPLINADO, E O ISENTO COTEJO DAS RAZÕES DEFENSÓRIAS DO FUNCIONÁRIO PROCESSADO, COM VISTAS A CONCRETIZAR A JUSTIÇA.

As exigências subjetivas sobre os componentes da comissão decorrem dos efeitos do princípio da impessoalidade da Administração Pública (imparcialidade, art. 150, Lei Federal nº 8.112/1990; arts. 18 a 20, Lei Federal n º 9.784/1999), com o escopo de que não venham a sofrer influências de autoridades superiores ou terceiros quanto à apreciação da responsabilidade administrativa do funcionário imputado, seja para prejudicar, com punição descabida ou exagerada, seja para favorecer, com a indevida absolvição do agente público realmente culpado ou com a imposição injustificada de pena mais branda.

(...)

De fato, o papel dos colegiados disciplinares não é construir fundamentos e provas para concretizar a previamente deliberada punição do servidor público (muito comum a teatralização do procedimento rumo a um desfecho já definido), agradando a autoridade superior desafeta ou perseguidora do processado, ou satisfazendo uma vaidade ou rusga pessoal dos integrantes da comissão contra o acusado, mas, ao contrário, de funcionar idealmente como um órgão respeitável e idôneo de confirmação da existência, ou não, dos fatos inicialmente apontados como constitutivos de infrações disciplinares, aclarando, com eficácia e independência, o conjunto fático para um julgamento seguro, baseado no que realmente ocorreu no caso e na acertada aplicação do direito positivo na espécie, sem ceder a interferências alheias aos fatos e provas presentes nos autos (destaque no original).

O colegiado processante, portanto, atua para apurar a verdade e a sua imposição se justifica no ideal de que o poder punitivo da Administração Pública não fique entregue ao discricionarismo absoluto e ao arbitrário juízo decisório da autoridade hierárquica superior.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, aliás, endossa que a apuração disciplinar por intermédio das comissões visa salvaguardar maior imparcialidade na instrução do processo, em vista do que o colegiado se põe como órgão estranho entre o funcionário e o superior hierárquico[4].

A competência instrutória conferida à comissão, destarte, revela-se, principiologicamente, como a mais adequada para o atingimento da finalidade do processo administrativo disciplinar, máxime quanto à garantia do devido processo legal e da imparcialidade, sem arbítrio e sem injustiça.

Inobstante, no caso dos autos, há uma lei formal e especial válida e eficaz regulamentadora do procedimento disciplinar dos servidores do Poder Judiciário baiano, que deixou de optar pela constituição do colegiado processante e atribuiu a competência para instauração e instrução à sua Corregedoria.

Nesse sentido, por mais recomendável que nos pareça a formação de uma comissão processante, não compete ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deliberar sobre o acerto ou desacerto da lei estadual aprovada pelo órgão legislativo competente.

Não há como reconhecer ilegalidade no proceder do TJBA, que nada mais fez que dar cumprimento à lei que se encontra vigente há mais de 10 (dez) anos.

A validade da referida lei afasta, pois, o conhecimento do pedido pelo CNJ, dada a ausência de competência para o exercício de controle concentrado de constitucionalidade de atos normativos de caráter geral e abstrato, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PORTARIA N. 900/2020 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS. EXERCÍCIO DO CARGO DE LEILOEIRO JUDICIAL POR SERVIDORES APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO. CRIAÇÃO DOS CARGOS POR LEI ESTADUAL N. 3.226/2008. DESTINAÇÃO DA COMISSÃO DE 5% AO FUNDO DE MODERNIZAÇÃO E REAPARELHAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO ESTADUAL CONFORME LEI N. 4.108/2014. PORTARIA N. 900/2020 DE ACORDO COM AS LEIS ESTADUAIS. ROL DE ATRIBUIÇÕES DO ART. 103, § 4º, DA CF. IMPOSSIBILIDADE DE O CNJ REALIZAR CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE ATO NORMATIVO OU LEI ESTADUAL, A MENOS QUE SE TRATE DE MATÉRIA JÁ PACIFICADA NA SUPREMA CORTE.

[...]

4. O Conselho Nacional de Justiça, embora seja órgão do Poder Judiciário, nos termos do art. 103-B, § 4º, II, da Constituição Federal, possui, tão somente, atribuições de natureza administrativa e, nesse sentido, não lhe é permitido examinar a validade de leis estaduais sobre o prisma constitucional ou negar-lhes vigência. Exceção apenas admitida quando se trate de matéria já pacificada no STF, o que não ocorre no caso. 

5. No âmbito de competência do CNJ, não foi verificada irregularidade praticada pelo TJAM a ser repreendida por este Conselho no âmbito administrativo com a nulidade da Portaria n. 900/2020, tendo em vista que os dispositivos impugnados no referido ato normativo estão em conformidade com a legislação local que disciplina o tema e que não foi objeto de controle de constitucionalidade pelo STF.

6. Pedidos julgados improcedentes. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0006461-17.2020.2.00.0000 - Rel. TANIA REGINA SILVA RECKZIEGEL - 339ª Sessão Ordinária - julgado em 05/10/2021, grifo nosso).

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA. LEI ESTADUAL 4.910/2020. CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE. DÉFICIT DE SERVIDORES. PEDIDO ACESSÓRIO. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Recurso interposto contra a decisão que não conheceu o pedido, por se tratar de matéria que ultrapassa a competência do CNJ.

2. O recorrente questiona a compatibilidade da Lei Complementar Estadual 4.910/2020 com a CRFB/1988.

3. Não se insere nas atribuições do CNJ realizar o controle de constitucionalidade de normas em abstrato. Precedentes do CNJ e do STF. 

4. A alegação genérica de déficit de servidores no TJRO foi utilizada como argumento secundário para justificar a tese da inconstitucionalidade da lei complementar estadual, de modo que, o não conhecimento do pedido principal, impossibilita a análise do acessório.

5. Observância do princípio da transparência pelo TJRO, ao possibilitar que o Sindicato participe ativamente das discussões referente as matérias orçamentárias e de planejamento estratégico.

6. Recurso não provido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0010424-33.2020.2.00.0000 - Rel. SIDNEY MADRUGA - 103ª Sessão Virtual - julgado em 08/04/2022, grifo nosso)

Não por outro motivo, o Regimento Interno do CNJ recebeu a Emenda nº 4, de 12/2/2021, que acresceu o § 3º ao artigo 4º, no sentido de que “o CNJ, no exercício de suas atribuições, poderá afastar, por maioria absoluta, a incidência de norma que veicule matéria tida por inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal e que tenha sido utilizada como base para a edição de ato administrativo”.

O questionamento trazido na inicial, portanto, demanda análise pela via jurisdicional competente, e não por este órgão administrativo, o que força o arquivamento do feito.

DISPOSTIVO 

Por tais fundamentos, não conheço do pedido e determino o arquivamento dos autos.

É como voto. 

 



[1] Art. 275 - Aplica-se, subsidiariamente, aos processos administrativos disciplinares a que respondem os servidores, no que couber, o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado e o Código de Processo Penal.

[2] Art. 149.  O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no § 3o do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.          (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97) 

§ 1o  A Comissão terá como secretário servidor designado pelo seu presidente, podendo a indicação recair em um de seus membros.

§ 2o  Não poderá participar de comissão de sindicância ou de inquérito, cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau.

Art. 150.  A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração.

Parágrafo único.  As reuniões e as audiências das comissões terão caráter reservado.

[3] CARVALHO, Antônio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da Administração Pública. 7. ed. Belo Horizonte, 2021.

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 543.