EMENTA: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ART. 28 DA RESOLUÇÃO CNJ N. 135/11. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA. DECISÃO DE ARQUIVAMENTO DE RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADA. SUPOSTAS IRREGULARIDADES PRATICADAS NA CONDUÇÃO DE PROCESSO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA INSTAURAÇÃO DE PAD.  PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS JULGADO IMPROCEDENTE.

1.   Cuida-se de Pedido de Providências deflagrado a partir de comunicado da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba acerca do resultado do julgamento de Reclamação Disciplinar em face de magistrada.

2.   Na origem, a Reclamação Disciplinar foi arquivada em virtude de (i) não ter sido alcançado o quórum necessário para a instauração de Processo Administrativo Disciplinar e de (ii) não se ter verificado indícios da prática de desvio ou de inobservância de deveres funcionais por parte da magistrada.

3.   Neste Pedido de Providências examinam-se supostas irregularidades na condução de um único processo jurisdicional, girando a discussão em torno, especificamente, da morosidade e do excesso de prazo na manutenção da prisão cautelar de réu que ficou custodiado em outro ente da Federação por aproximadamente 4 (quatro) anos antes de ter sua prisão preventiva revogada e ser absolvido em razão da ausência de provas. Réu que também estava preso por decisão judicial proferida em outro processo.

4.   A caracterização da justa causa em âmbito administrativo disciplinar exige que se leve em conta o elemento subjetivo, as circunstâncias do caso concreto, a situação logística do juízo, além de considerar o cenário de congestionamento de processos e demandas que assola o Poder Judiciário como um todo. Precedentes do CNJ.

5.   A análise da morosidade processual não deve levar em conta apenas o tempo de tramitação do processo ou a paralisia pontual do rito, mas a efetiva ocorrência de situações causadas por desídia dolosa ou reiterada do magistrado no cumprimento de seus deveres ou, ainda, de situação de caos institucional que demande providências específicas por parte deste Conselho.

6.   Não se verifica, no caso concreto, o elemento subjetivo necessário para imputar à magistrada conduta afrontosa aos deveres de diligência, de dedicação e de não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar e de determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais (art. 35, II e III, da LOMAN c/c art. 20 do Código de Ética da Magistratura Nacional). Magistrada que estava de férias e em licença para tratar de sua condição grave de saúde. Inércia também das partes no feito. Hipótese em que os fatos sob investigação não decorreram de condutas atribuíveis unicamente à reclamada, mas também de um conjunto de fatores externos alheios a sua vontade.

7.   A decisão que arquivou a Reclamação Disciplinar, à luz da documentação constante do presente pedido de providências,  não se mostra contrária à evidência dos autos.

8.   Ausência de justa causa para instauração do processo administrativo disciplinar, visto não haver, nos autos, informações suficientes para revisar a decisão a quo e imputar à magistrada a prática das infrações disciplinares apontadas - medida esta que, caso adotada no momento, revelar-se-ia desarrazoada e desproporcional.

9.   Pedido de Providências julgado improcedente.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, julgou improcedente o pedido de instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor da magistrada. Vencidas as Conselheiras Maria Thereza de Assis Moura (Relatora) e Jane Granzoto. Lavrará o acórdão o Conselheiro Richard Pae Kim. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público Estadual. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário, 7 de junho de 2022. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentaram oralmente: pela interessada Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, a Advogada Samara de Oliveira Santos Léda - OAB/DF 23.867; e, pela Requerida, o Advogado Eugênio Gonçalves da Nóbrega - OAB/PB 8.028.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002789-64.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: DANIERE FERREIRA DE SOUZA


RELATÓRIO


            

Cuida-se de Pedido de Providências instaurado, nos termos da Portaria CNJ 34/2016 e a fim de cumprir o disposto na Resolução CNJ 135, em virtude de comunicação da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba referente ao adiamento do julgamento do Processo Administrativo 2021003656 (Reclamação Disciplinar 0000758-2019.8.15.1001), instaurado para apurar condutas imputadas a Daniere Ferreira de Souza, Juíza de Direito da Vara Única de Caaporã.

Após o sobrestamento deste feito para se aguardar o resultado do julgamento da Reclamação Disciplinar na origem, sobreveio informação da Presidência do TJPB noticiando que o procedimento foi julgado e determinado seu arquivamento por não se ter sido atingida a maioria absoluta (Id 4400305). O ofício veio acompanhado da respectiva certidão de julgamento, na qual consta que (Id 4400306):

 

DETERMINOU-SE O ARQUIVAMENTO DO PROCESSO, POR NÃO TER ATINGIDO A MAIORIA ABSOLUTA , CONTRA OS VOTOS DO RELATOR E DOS DESEMBARGADORES LUIZ SÍLVIO RAMALHO JÚNIOR (VOTOU EM 02-06-2021), ROMERO MARCELO DA FONSECA OLIVEIRA, JOSÉ RICARDO PORTO, LEANDRO DOS SANTOS, OSWALDO TRIGUEIRO DO VALLE FILHO E RICARDO VITAL DE ALMEIDA, QUE DE TERMINAVAM A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA A MAGISTRADA DANIERE FERREIRA SOUZA, PARA APURAÇÃO DA INOBSERVÂNCIA DOS DEVERES PRECEITUADOS PELO ART. 35, II E III, DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL – LOMAN, DELIMITANDO A IMPUTAÇÃO AOS SEGUINTES FATOS : (I) EXCEDER INJUSTIFICADAMENTE OS PRAZOS PARA DESPACHAR; (II) DETERMINAR AS PROVIDÊNCIAS NECESSÁRIAS PARA QUE OS ATOS PROCESSUAIS SE REALIZASSEM NOS PRAZOS LEGAIS, SEM O AFASTAMENTO DA MAGISTRADA DO CARGO. VOTARAM PELO ARQUIVAMENTO OS DESEMBARGADORES JOÁS DE BRITO PEREIRA FILHO, MARIA DE FÁTIMA MORAES BEZERRA CAVALCANTI (QUE MODIFICOU SEU VO TO), MÁRCIO MURILO DA CUNHA RAMOS (QUE TAMBÉM MODIFICOU SEU VOTO), JOÃO ALVES DA SILVA, CARLOS MARTINS BELTRÃO FILHO, MARIA DAS GRAÇAS MORAIS GUEDES E SAULO HENRIQUES DE SÁ E BENEVIDES. ABSTIVERAM-SE DE VOTAR OS DESEMBARGADORES MARCOS CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE E ARNÓBIO ALVES TEODÓSIO. LAVRARÁ O ACÓRDÃO O DES. JOÁS DE BRITO PEREIRA FILHO. O DES. FREDERICO MARTINHO DA NÓBREGA COUTINHO, CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA, LANÇARÁ NOS AUTOS SUA DECLARAÇÃO DE VOTO. PRESENTE O ADVOGADO EUGÊNIO GONÇALVES DA NÓBREGA OAB PB 8028, PATRONO DA MAGISTRADA. (grifo não original)

 

Segundo consta dos autos, foi instaurada na origem Reclamação Disciplinar com amparo em ofício encaminhado pela Corregedora-Geral do Ministério Público do Estado da Paraíba, mediante o qual requereu providências quanto à apuração de irregularidades aferidas na tramitação da Ação Penal 0001197-45.2014.815.0021 perante o Juízo da Vara Única da Comarca de Caaporã/PB.

Conforme relatado naquela Reclamação Disciplinar, em 27/6/2014 foi decretada a prisão temporária de Jardel de Oliveira da Conceição –  cujo mandado foi cumprido em 19/8/2015 pela Delegacia de Polícia Federal de Nova Iguaçu/RJ – , que foi posteriormente convertida em preventiva em 18/9/2015, tendo o investigado permanecido recolhido na cidade fluminense até a revogação da prisão preventiva, em 26/4/2019, pois seu recambiamento não conseguiu ser ultimado pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado da Paraíba.

Naquele feito foi apresentada a denúncia em 10/12/2015, recebida em 13/1/2016, sendo o réu citado por precatória em 27/7/2016, bem como interrogado em 30/5/2017, com juntada da missiva ao processo em 22/8/2017, tendo sido os autos conclusos ao Juízo da Comarca de Caaporã em 8/5/2018. Apenas em 26/4/2019 houve a prolação de decisão pela magistrada reclamada, que revogou a prisão preventiva diante do excesso de prazo da constrição de liberdade, tendo sido o acusado absolvido em 19/9/2019 por decisão do Juiz substituto Antônio Maroja Limeira Filho, não tendo sido manejado recurso. 

O Pleno do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba determinou o arquivamento da Reclamação Disciplinar 0000758-2019.8.15.1001 por não ter sido atingida a maioria absoluta, contra os votos do relator e dos Desembargadores Luiz Sílvio Ramalho Júnior, Romero Marcelo da Fonseca Oliveira, José Ricardo Porto, Leandro dos Santos, Oswaldo Trigueiro do Valle Filho e Ricardo Vital de Almeida, que determinavam a instauração de processo administrativo disciplinar contra a magistrada Daniere Ferreira Souza. A ementa do acórdão foi sintetizada nos seguintes termos (Id 4444785, p. 7):

 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MAGISTRADA. APONTADA VIOLAÇÃO AOS DEVERES FUNCIONAIS IMPOSTOS PELOS ARTS. 35, II e II, DA LOMAN. RETARDO NO CURSO DE AÇÃO PENAL. PECULIARIDADES DO CASO. DESÍDIA OU PROPÓSITO DELIBERADO AUSENTES. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE PRÁTICA DE INFRAÇÃO FUNCIONAL. ARQUIVAMENTO COGENTE.

Não evidenciados indícios de prática de desvio ou de inobservância de deveres funcionais por parte da investigada, no caso concreto, diante das vicissitudes envolvidas, o arquivamento das reclamações desponta cogente;

“Em âmbito administrativo-disciplinar, é necessário que se leve em conta o caso concreto, a situação logística do juízo e o elemento subjetivo da conduta do magistrado para demonstração de excesso de prazo injustificado.” (CNJ . RA – Recurso Administrativo - em REP - Representação por Excesso de Prazo - nº 0002064-46.2019.2.00.0000. Rel. Min. Humberto Martins. 52ª Sessão Virtual. J. em 20.09.2019);

“A aplicação cega da norma disciplinar é absolutamente inadequada, pois a atividade correcional, em última análise, objetiva a aplicação de penalidade administrativa aos magistrados; logo, deve ser tratada com prudência e razoabilidade.” (CNJ. Recurso Administrativo na Reclamação Disciplinar nº 0008000-23.2017.2.00.0000. Rel. Min. João Otávio de Noronha. 275ª sessão ordinária. J. em 07.08.2018)

ARQUIVAMENTO ORDENADO.

 

Diante da discordância para com o desfecho adotado pelo Órgão Colegiado na origem e considerando a possibilidade de instauração de processo administrativo disciplinar, determinou-se a intimação da magistrada para apresentação de defesa prévia (Id 4460494), tendo, no entanto, escoado o prazo sem manifestação, apesar de ela haver sido pessoalmente intimada, por Oficial de Justiça, conforme certificado nos autos.

É o relatório.

A10/Z08

 

 

 

 

VOTO DIVERGENTE


 

                         O EXCELENTÍSSIMO SENHOR CONSELHEIRO RICHARD PAE KIM:

 

Adoto o relatório lançado pela eminente Corregedora Nacional de Justiça, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, pedindo vênia, todavia, para manifestar respeitosa divergência, por concluir que inexiste justificativa plausível (justa causa) para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar contra a magistrada reclamada.

Discute-se neste Pedido de Providências, deflagrado pelo comunicado da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba acerca do resultado do julgamento da Reclamação Disciplinar nº 0000758-2019.8.15.1001, a possível instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor de Daniere Ferreira de Souza, Juíza de Direito da Vara Única de Caaporã/PB.

Na origem, a Reclamação Disciplinar foi instaurada em desfavor da magistrada para apurar supostas práticas infracionais na condução da Ação Penal nº 0001197-45.2014.815.0021.

O procedimento foi deflagrado após a Corregedoria-Geral do Ministério Público do Estado da Paraíba ter oficiado à Corregedoria-Geral de Justiça do Estado da Paraíba sobre comunicado[1] de lavra da Promotora de Justiça atuante em Caaporã. Tal expediente apontaria supostas irregularidades verificadas no curso do processo judicial mencionado alhures (Id 4444775 – fl.8). 

Em 16.6.2021, o Pleno do TJPB arquivou a investigação em razão de (i) não ter sido alcançado o quórum necessário para a instauração de Processo Administrativo Disciplinar e de (ii) não terem ficado evidenciados indícios de prática de desvio ou de inobservância de deveres funcionais por parte da magistrada, vencido o Corregedor-Geral de Justiça, que votava pela abertura do PAD.

Essa a ementa do julgamento:

 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MAGISTRADA. APONTADA VIOLAÇÃO AOS DEVERES FUNCIONAIS IMPOSTOS PELOS ARTS. 35, II e II, DA LOMAN. RETARDO NO CURSO DE AÇÃO PENAL. PECULIARIDADES DO CASO. DESÍDIA OU PROPÓSITO DELIBERADO AUSENTES. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE PRÁTICA DE INFRAÇÃO FUNCIONAL. ARQUIVAMENTO COGENTE.

Não evidenciados indícios de prática de desvio ou de inobservância de deveres funcionais por parte da investigada, no caso concreto, diante das vicissitudes envolvidas, o arquivamento das reclamações desponta cogente;

“Em âmbito administrativo-disciplinar, é necessário que se leve em conta o caso concreto, a situação logística do juízo e o elemento subjetivo da conduta do magistrado para demonstração de excesso de prazo injustificado.” (CNJ. RA – Recurso Administrativo - em REP - Representação por Excesso de Prazo - nº 0002064-46.2019.2.00.0000. Rel. Min. Humberto Martins. 52ª Sessão Virtual. J. em 20.09.2019);

“A aplicação cega da norma disciplinar é absolutamente inadequada, pois a atividade correcional, em última análise, objetiva a aplicação de penalidade administrativa aos magistrados; logo, deve ser tratada com prudência e razoabilidade.” (CNJ. Recurso Administrativo na Reclamação Disciplinar nº 0008000- 23.2017.2.00.0000. Rel. Min. João Otávio de Noronha. 275ª sessão ordinária. J. em

07.08.2018)

ARQUIVAMENTO ORDENADO (destaquei).


No presente feito, a Corregedora vota pela abertura de Processo Administrativo Disciplinar em face da requerida por entender, em síntese, que a decisão de arquivamento da Reclamação Disciplinar pelo TJPB seria contrária à prova dos autos e que há indícios apontando a suposta afronta ao artigo 35, incisos II e III da LOMAN e ao artigo 20 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

Com o devido respeito, entendo de forma diversa.

Entendo que não há justa causa para instauração do processo administrativo disciplinar, visto não haver, nos autos, informações suficientes para, por meio deste pedido de providências, revisar a decisão a quo e imputar à magistrada a prática das infrações disciplinares apontadas.  

Explico.

A questão a ser solvida, vistos os fatos trazidos, é saber se da(s) conduta(s) da magistrada exsurgem, no âmbito disciplinar, tipicidade e justa causa aptas a justificarem a deflagração de um PAD.

Devo rememorar que o objeto da análise são as supostas irregularidades praticadas pela magistrada na condução de um único processo jurisdicional que tramitou perante o Juízo da Vara Única da Comarca de Caaporã/PB – a Ação Penal nº 0001197-45.2014.815.0021-, cujos autos não foram juntados a este feito.

A discussão gira em torno, especificamente, da morosidade e excesso de prazo na manutenção da prisão cautelar de Jardel de Oliveira Conceição, que ficou custodiado em outro ente da Federação por aproximadamente 4 (quatro) anos antes de ter sua prisão preventiva revogada e ser absolvido da imputação de ter praticado crime de “latrocínio”, em razão da ausência de provas.

Segundo a Relatora, mesmo considerando os períodos em que se afastou em razão de licença para tratamento da própria saúde, teria ficado demonstrada a desídia da magistrada do TJPB.

Para a eminente Corregedora, seria necessário instaurar o processo administrativo disciplinar, vez que, segundo sua compreensão, existiriam indícios de que a magistrada afrontou os deveres de diligência e dedicação, de não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar e de determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem dentro dos prazos legais (art. 35, II e III, da LOMAN c/c art. 20 do Código de Ética da Magistratura Nacional).

Com a devida vênia, não verifico a existência dos referidos indícios.

A imputação deve ser analisada tanto sob o ponto de vista formal, quanto material – não bastando descrever o fato ocorrido e subsumi-lo ao tipo infracional. É imprescindível que a imputação esteja amparada em elementos fáticos idôneos – no caso, o excesso de prazo e a mora na tramitação do processo. 

A respeito dessa tema, o entendimento deste Conselho é no sentido de que, em âmbito administrativo disciplinar, deve-se levar em conta o elemento subjetivo, as circunstâncias do caso concreto, a situação logística do juízo, além de considerar o cenário de congestionamento de processos e demandas que assola o Poder Judiciário como um todo para a caracterização da justa causa. 

Cito precedentes:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM REPRESENTAÇÃO POR EXCESSO DE PRAZO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NÃO DEMONSTRADO ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. ART. 26, CAPUT, DO REGULAMENTO GERAL DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. EXCESSO NA PRISÃO CAUTELAR. NATUREZA JURISDICIONAL. 1. Os andamentos processuais registrados nos autos, embora não tenham culminado na prolação de decisão de mérito, demonstram regularidade na tramitação da demanda.  2. Em âmbito administrativo disciplinar, é necessário que se leve em conta o caso concreto, a situação logística do juízo e o elemento subjetivo da conduta do magistrado para demonstração de excesso de prazo injustificado.   3. O art. 26 do Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça prevê o arquivamento sumário da representação se restar desde logo justificado o excesso de prazo ou demonstrado que não decorreu da vontade ou de conduta desidiosa do magistrado.  4. Eventual excesso de prazo na segregação cautelar do réu decorrente de ação penal deve ser atacado na própria jurisdição, e não pela via correcional, em vista da natureza jurisdicional na matéria.  5. Não há justa causa ou razoabilidade para instauração de procedimento administrativo disciplinar.   6. Ausência de infringência aos deveres funcionais ou inércia do magistrado.   Recurso administrativo não provido.(CNJ - RA – Recurso Administrativo em REP - Representação por Excesso de Prazo - 0006239-20.2018.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 43ª Sessão Virtual - julgado em 01/03/2019 ). (destaquei) 

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. APURAÇÃO DE FALTA FUNCIONAL DE MAGISTRADO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. DEMORA NA PROLAÇÃO DE DESPACHOS, DECISÕES E SENTENÇAS QUE NÃO SE APRESENTA COMO INJUSTIFICADA. CONSIDERAÇÃO DA CONDUTA DO JUIZ PROCESSADO À LUZ DO CONTEXTO GERAL DE EXCESSO EXTRAORDINÁRIO DE DEMANDAS E DE CONGESTIONAMENTO PROCESSUAL VERIFICADOS NA UNIDADE JUDICIÁRIA ONDE ATUAVA COMO JUIZ TITULAR. NEGLIGÊNCIA E DESÍDIA NÃO CARACTERIZADAS. IMPROCEDÊNCIA DO PAD.  1. Processo Administrativo Disciplinar. Juiz federal. Apuração da prática de falta funcional de magistrado vinculado ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.  2. Ausência de elementos suficientes para levar ao convencimento sobre culpa, por negligência, do magistrado processado, como causadora de situação caótica da Vara Federal sob sua titularidade. Desorganização sistêmica na Secretaria da Vara, conforme identificada em Relatório de Correição Extraordinária, que não resulta de inação e omissão imputáveis ao juiz titular da unidade judiciária.   3. Caso em que a prova deixa ver os esforços do magistrado processado em observar as determinações da Corregedoria Regional para modificar o cenário de grande congestionamento processual observado na Correição Ordinária. Quadro fático revelador de que o juiz requerido assumiu a titularidade da Vara Única da Subseção Judiciária de Santarém/PA em abril de 2006 e recebeu um acervo de 6.062 processos para dar andamento e finalizar, sendo que esse quantitativo é superior ao dobro da carga de trabalho média dos juízes federais brasileiros no ano de 2006 - na época, essa média era de 2.349 processos por juiz. Acervo que se mostra também muito superior à carga de trabalho média dos juízes de primeiro grau da 1ª Região da Justiça Federal no mesmo ano e período de apuração, igual a 1.630 processos por juiz atuante naquela região, tudo conforme os dados do Programa Justiça em Números do CNJ, Relatório de 2007 (Ano-Base de 2006). 4. Os casos que se destinam a apurar a infração dos deveres dos itens I e II, do artigo 35, da LOMAN, exigem, na prática, a apuração de negligência, desídia ou falta de exação do juiz. A análise que visa à apuração de tais faltas, além de observar as condições que cercam a realidade particular do caso concreto, não pode ser dissociada do reconhecimento de que, nos tempos atuais, há um cenário no qual o Judiciário é uma superestrutura congestionada de processos e demandas, a exigir dos juízes elevada capacidade de gestão administrativa.    5. Na análise da eventual negligência – afora ser necessária a constatação objetiva de que, em caso de demora, ela seja injustificada(artigo, 35, II, da Loman) – essa análise deve ser feita sob a consideração de que, na profissão jurídica em geral e na judicatura, em particular, não havia até pouco tempo atrás a preocupação de que os operadores dessas atividades ostentassem, nas suas bagagens pessoais enquanto profissionais, saberes relacionados com gestão e administração. 6. O ensino jurídico do qual se originam os magistrados brasileiros sempre se contentou com a transmissão do saber teórico e dogmático e raramente se preocupou em agregar à formação puramente intelectual outras competências para que o profissional ali formado possa mobilizar conhecimentos e focar os resultados da aplicação prática desses saberes. Somente com a reforma introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004 – há menos de dez anos atrás – é que se constituiu um sistema voltado ao ensino judicial mediante a criação das escolas nacionais de magistratura, exatamente para viabilizar uma política de Estado voltada à preparação inicial e à formação continuada de juízes, o que envolve, agora sim, a difusão dos saberes próprios e específicos da atividade jurisdicional e da gestão dos órgãos judiciários. 7. Constatação de que, no caso aqui examinado, não se mostra injustificada a demora constatada na prolação de despachos, decisões e sentenças, diante do contexto geral da Vara e apesar da atuação diuturna do magistrado processado para modificação do quadro existente. Descaracterizado, na espécie, o descumprimento dos deveres inscritos no artigo 35, itens I e II, da LOMAN. 6. Processo Administrativo Disciplinar julgado improcedente. (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0003754-23.2013.2.00.0000 - Rel. FLAVIO SIRANGELO - 24ª Sessão (EXTRAORDINÁRIA) - julgado em 12/12/2014 ). (destaquei)

 

Para a análise da morosidade processual, não se deve levar em conta apenas o tempo de tramitação do processo ou a paralisia pontual do rito, mas a efetiva ocorrência de situações causadas por desídia dolosa ou reiterada do magistrado no cumprimento de seus deveres ou, ainda, de situação de caos institucional que demande providências específicas por parte do CNJ[2].

Necessário, pois, analisar o caso concreto de forma muito amiúde, principalmente em cenários recorrentes e que impactam nos serviços jurisdicionais. 

Em processos envolvendo a matéria em tela, é imperioso considerar circunstâncias como (i) a carência de estrutura de trabalho, (ii) o quantitativo de demandas repetitivas, (iii) a existência de alguma situação extraordinária que possa impactar no dia a dia do magistrado; (iv) a existência de demandas de alta complexidade que demandem mais tempo para análise; (v) o oferecimento de apoio e acompanhamento por parte da corregedoria local, diante das dificuldades da unidade. Enfim, as vicissitudes costumeiras do trabalho desenvolvido no Poder Judiciário.

Algumas dessas circunstâncias, consoante já se pontuou, foram apreciadas na origem e resultaram no arquivamento da Reclamação Disciplinar contra a magistrada - por não ter atingido o quorum mínimo para a instauração do PAD e em razão de não terem ficado evidenciados indícios de prática de desvio ou inobservância de deveres funcionais pela magistrada.

Sobre os prazos da tramitação da Ação Penal nº 0001197-45.2014.815.0021, penso que eventual retardo na marcha do processo não pode ser imputado à magistrada ou, em última análise, exclusivamente a ela - há diversas outras circunstâncias e fatores que contribuíram para o excesso de prazo.

Dentre eles, cito: (i) o fato de a magistrada acumular jurisdições com outra comarca; (ii) o grande quantitativo de processos em acervo na unidade (verificado pela Corregedoria local); (ii) a necessidade de promover diligências em outro estado da federação, tanto para a citação do réu, quanto para o interrogatório (o que certamente delonga a tramitação do processo); (iii) as licenças para tratamento da saúde; (iv) as férias gozadas, dentre outros.

Detenho-me especificamente sobre a discussão relativa ao tempo decorrido entre o encerramento da instrução processual e a decisão da magistrada que revogou a prisão preventiva do acusado, concedendo-lhe a liberdade condicional, com imposição de medidas cautelares – período entre 30.5.2017 e 26.4.2019.

 Os autos foram feitos conclusos à magistrada tão somente em 8.5.2018 – pouco menos de um ano após o encerramento da instrução.

Compulsando os autos, não logrei encontrar elementos aptos a demonstrar que, durante o período no qual os autos permaneceram em secretaria até a conclusão à reclamada, houve má-fé ou negligência para com esta única ação penal.

Ademais, esse período de inércia durante o qual os autos permaneceram em secretaria não pode ser imputado exclusivamente à requerida, visto que a movimentação para o gabinete depende da atuação dos serventuários da unidade administrativa.

Não há como compreender o que aconteceu de maneira segura, pois não consta nos autos o inteiro teor da ação penal, nem tampouco extrato das movimentações do feito no período.

De toda forma, o processo parece de fato ter ficado paralisado por aproximadamente um ano - interstício entre a data da conclusão dos autos (em 8.5.2018) e a data na qual a prisão preventiva foi revogada pela própria magistrada em 26.4.2019). Esse o interregno no qual a responsabilidade da requerida é, em tese, inquestionável.

Ocorre que, durante parte desse tempo, a magistrada encontrava-se em gozo de férias e, logo após, solicitou sucessivas licenças para tratamento da saúde em virtude de uma neoplasia na mama, o que a levou a afastar-se da judicatura até o mês de março de 2019. Também, deve ser considerado que, durante sua ausência, a titular foi substituída por outros magistrados e não há qualquer registro de que eles tenham atuado no feito (Id 4444780 – fls. 5 a 8).

Imperioso mencionar, ademais, que não foi constatada manifestação da defesa do acusado ou do Ministério Público do Estado da Paraíba, fiscal da ordem jurídica, sobre o andamento do processo e/ou excesso de prazo no feito enquanto esse tramitava.  

A respeito, transcrevo trecho do voto vencedor que determinou o arquivamento dos autos da Reclamação Disciplinar na orígem (Id 4444785), fls 9-10):

(...) no processo, após frustrada tentativa de citação do acusado na Paraíba – por meio de precatória (ID. nº 164566, itens 26-30) -, houve necessidade de expedição de precatórias (ID. nº 164567) para o Estado do Rio de Janeiro, onde o réu estava recolhido em estabelecimento prisional (Presídio Ary Franco), na capital fluminense. Também sucessivos pedidos de recambiamento do custodiado, muitos deles frustrados por razões de ordem operacional, conforme justificativas da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária, via GESIPE (Gerência Executiva do Sistema Penitenciário) (IDs. nºs 164566, item. 24, e 164567, item 35), órgão responsável. Aliás, no particular, o próprio MPPB, a quem tocou a comunicação da “irregularidade” quanto ao curso da demanda, reconheceu que o retardo, em grande parte, adveio do fato de o réu/então segregado, encontrar-se enclausurado em Estado diverso. Há outro dado relevante: citado, o réu deixou escoar, in albis, o prazo para apresentação de resposta escrita (art. 396, CPP), daí decorrendo a necessidade de se indicar Defensor Público para a prática do ato (Id. nº 164567, itens 36-39), o que, fácil perceber, contribuiu, da mesma forma, para o elastério, conforme de elementar sabença, especialmente dos Desembargadores que tem assento na Especializada Criminal. Ainda, acresça-se, necessidade de nova precatória para interrogatório judicial do réu, ao cabo da instrução processual, ID. nº 164567, itens 41-43).

A isso tudo associem-se os vários afastamentos da magistrada da jurisdição, justificados em virtude da necessidade de impostergável tratamento/acompanhamento médico, eis que fora acometida de grave e delicada patologia (neoplasia mamária bilateral), fato, igualmente, inequívoco (ID. nº 244609, fls. 110/111), bem assim para gozo de férias.

Tem mais. Sabemos todos – fato público e notório - de que a Comarca da qual é titular a reclamada tem um acervo relativamente significativo de demandas/feitos. Com os afastamentos da titular, vários foram os magistrados que, em substituição, atuaram na unidade. Essas circunstâncias, em conjunto, devem ser sopesadas, porque, naturalmente, contribuíram para uma maior distensão do iter processual.

Oportuno registrar que a investigada, regressando de um dos afastamentos para tratamento de saúde, tão logo aferiu e vislumbrou excesso de prazo da custódia outrora decretada, cuidou de revogar a prisão – de natureza preventiva, decorrente de decisão indiscutivelmente fundamentada, lançada a partir de elementos idôneos e concretos, contra a qual não houve manejo de habeas corpus ou de recursos -, ordenando fosse o réu imediatamente posto em liberdade (ID. nº 164567, itens 44-50).

Destaque-se, da mesma forma, que, durante o curso do processo, nem MP, tampouco defesa, cogitaram qualquer sorte de inconformismo com eventual excesso de prazo. Absolvido o réu (ID. nº 174966, itens 65-71), daquela resposta jurisdicional também não manifestou irresignação o órgão acusador.(destaquei).  

 

Impende considerar, também, que foi a própria magistrada quem determinou a soltura do acusado, após tomar conhecimento da situação, o que revela a boa-fé em sua atuação e afasta o elemento subjetivo necessário à caracterização da negligência, desídia ou falta de exação.

Aliás, vale consignar que mesmo após a ordem de soltura proferida pela magistrada, o réu permaneceu encarcerado em razão de ordem de prisão exarada nos autos n. 0002166-39.2015.8.17.0710 pelo juiz da Vara Criminal da Comarca de Igarassu/PE (Ids 4619848 e 4619849). Este, em 9.9.2015, decretou a prisão preventiva do acusado pela suposta prática dos crimes previstos nos arts. 157, §2º, inc. I, II e IV, do Código Penal c/c art. 244-B do ECA, sendo essa decisão revogada apenas em 22.8.2019 – o alvará de soltura, por sua vez, data de 26.8.2019 (informações do sítio eletrônico do TJPE e do documento Id 4619836). 

A par disso, há registros de outros mandados de prisão contra o réu, expedidos pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a saber: (i) mandado de prisão temporária expedido em 27.7.2020 nos autos do processo n. 0004362-07.2020.8.19.0045, em virtude de incursão no art. 121 do Código Penal (Id 4619851); (ii) mandado de prisão preventiva expedido em 23.8.2019 nos autos do processo n. 0011088-65.2019.8.19.0066, pela prática dos crimes previstos nos arts. 33 e 35 da Lei n. 11.343/06 (Id 4619853).   

Assim, considero não encontrar-se presente, no caso concreto, o elemento subjetivo necessário para imputar à magistrada conduta afrontosa aos deveres de diligência, de dedicação e de não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar e de determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais (art. 35, II e III, da LOMAN c/c art. 20 do Código de Ética da Magistratura Nacional).

Concluo, pois, que a decisão do TJPB que arquivou a Reclamação Disciplinar nº 0000758-2019.8.15.1001, à luz da documentação constante no presente pedido de providências,  não se mostra contrária à evidência dos autos. Consequentemente, não há justa causa para a instauração de processo administrativo disciplinar – medida esta que, caso adotada neste momento, revelar-se-ia irrazoável e desproporcional.

Nesse sentido:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. NÃO DEMONSTRADO ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. MATÉRIA DE NATUREZA EMINENTEMENTE JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. 1. Não é possível, neste caso, inferir que a reclamada tenha usado seu mister com abuso ou intuito de perseguir a parte ou seus familiares. 2. Não há justa causa ou razoabilidade para instauração de procedimento administrativo disciplinar. 3. Também não há como afastar o entendimento de que a irresignação, quanto ao deferimento do pedido ministerial de decretação da prisão preventiva, limita-se a exame de matéria eminentemente jurisdicional. 4. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.  Recurso administrativo improvido.  (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0003519-12.2020.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 76ª Sessão Virtual - julgado em 29/10/2020 ). (destaquei)

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA ABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL.  1. Não há justa causa ou razoabilidade para instauração de procedimento administrativo-disciplinar.   2. Ausência de comprovação de infringência aos deveres funcionais do magistrado recorrido. 3. A natureza exclusivamente administrativa das atribuições conferidas ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, § 4º, da CF/88) impede-o de apreciar questão discutida em sede jurisdicional. Recurso arquivado. (CNJ - RD - Reclamação Disciplinar - 0006430-94.2020.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 77ª Sessão Virtual - julgado em 20/11/2020 ). (destaquei)

 

Ante o exposto, VOTO pela IMPROCEDÊNCIA deste Pedido de Providências, com  a consequente  não instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em desvafor da magistrada.

É como voto.

 

Conselheiro RICHARD PAE KIM



[1] PGA nº 001.2019.008756.

[2] Processo nº 0006057-05.2016.2.00.0000 - CNJ. 22ª sessão virtual. J. em 05.06.2017

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002789-64.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: DANIERE FERREIRA DE SOUZA

 


VOTO

             

Consoante relatado, consta dos autos que foi instaurada na origem Reclamação Disciplinar com amparo em ofício encaminhado pela Corregedora-Geral do Ministério Público do Estado da Paraíba, mediante o qual requereu providências quanto à apuração de irregularidades aferidas na tramitação da Ação Penal 0001197-45.2014.815.0021 no Juízo da Vara Única da Comarca de Caaporã/PB.

Naquele feito, apurou-se que, em 27/6/2014, foi decretada a prisão temporária de Jardel de Oliveira da Conceição –  cujo mandado foi cumprido em 19/8/2015 pela Delegacia de Polícia Federal de Nova Iguaçu/RJ – , que foi posteriormente convertida em preventiva em 18/9/2015, tendo o investigado permanecido recolhido na cidade fluminense até a revogação da prisão preventiva, em 26/4/2019 — por 4 anos —, pois seu recambiamento não conseguiu ser ultimado pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado da Paraíba.

Segundo informado, foi apresentada a denúncia em 10/12/2015, recebida em 13/1/2016, sendo o réu citado por precatória em 27/7/2016, bem como interrogado em 30/5/2017, com a juntada da missiva ao processo em 22/8/2017, tendo sido os autos conclusos ao Juízo da Comarca de Caaporã em 08/5/2018. Ocorre, porém, que, apenas em 26/4/2019 — quase 1 ano depois da conclusão e quase 4 anos depois da prisão — houve a prolação de decisão pela magistrada reclamada, que revogou a prisão preventiva ante o excesso de prazo da constrição de liberdade, tendo sido o acusado absolvido em 19/9/2019 por decisão do Juiz substituto Antônio Maroja Limeira Filho, não tendo sido manejado recurso. 

O Pleno do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba determinou o arquivamento da Reclamação Disciplinar 0000758-2019.8.15.1001, por não ter atingido a maioria absoluta, contra os votos do relator e dos Desembargadores Luiz Sílvio Ramalho Júnior, Romero Marcelo da Fonseca Oliveira, José Ricardo Porto, Leandro dos Santos, Oswaldo Trigueiro do Valle Filho e Ricardo Vital de Almeida, que determinavam a instauração de processo administrativo disciplinar contra a magistrada Daniere Ferreira Souza. A ementa do acórdão foi sintetizada nos seguintes termos (Id 4444785, p. 7):

 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MAGISTRADA. APONTADA VIOLAÇÃO AOS DEVERES FUNCIONAIS IMPOSTOS PELOS ARTS. 35, II e II, DA LOMAN. RETARDO NO CURSO DE AÇÃO PENAL. PECULIARIDADES DO CASO. DESÍDIA OU PROPÓSITO DELIBERADO AUSENTES. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE PRÁTICA DE INFRAÇÃO FUNCIONAL. ARQUIVAMENTO COGENTE.

Não evidenciados indícios de prática de desvio ou de inobservância de deveres funcionais por parte da investigada, no caso concreto, diante das vicissitudes envolvidas, o arquivamento das reclamações desponta cogente;

“Em âmbito administrativo-disciplinar, é necessário que se leve em conta o caso concreto, a situação logística do juízo e o elemento subjetivo da conduta do magistrado para demonstração de excesso de prazo injustificado.” (CNJ . RA – Recurso Administrativo - em REP - Representação por Excesso de Prazo - nº 0002064-46.2019.2.00.0000. Rel. Min. Humberto Martins. 52ª Sessão Virtual. J. em 20.09.2019);

“A aplicação cega da norma disciplinar é absolutamente inadequada, pois a atividade correcional, em última análise, objetiva a aplicação de penalidade administrativa aos magistrados; logo, deve ser tratada com prudência e razoabilidade.” (CNJ. Recurso Administrativo na Reclamação Disciplinar nº 0008000-23.2017.2.00.0000. Rel. Min. João Otávio de Noronha. 275ª sessão ordinária. J. em 07.08.2018)

ARQUIVAMENTO ORDENADO.

 

O Desembargador Frederico Martinho da Nóbrega Coutinho, Corregedor-Geral de Justiça, votou pela abertura de processo administrativo disciplinar para apuração da inobservância dos deveres preceituados pelo art. 35, II e III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, delimitando a imputação aos seguintes fatos: (I) exceder injustificadamente os prazos para despachar; (II) determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizassem nos prazos legais, sem o afastamento da magistrada do cargo.

A título de ilustração, cumpre transcrever trechos do bem lançado voto proferido pelo Desembargador relator (Id 4444785, p.  18/20, e Id 444786, p. 1/6): 

 

Percebe-se que o processo permaneceu paralisado em cartório, de 22/08/2017, até ser feito conclusão, em 08/05/2018, vindo somente a ser despachado, em 26/04/2019, pela Magistrada reclamada.

Por oportuno, o denunciado foi posto em liberdade em 04 de maio de 2019 e, ao final, foi absolvido por decisão do Magistrado Antônio Maroja Limeira Filho, em 19 de setembro de 2019, quando se encontrava em substituição na Comarca de Caaporã, estando o feito arquivado definitivamente, pois não houve a interposição de qualquer recurso.

Da análise do conjunto probatório constante destes autos, bem como da movimentação do processo sob investigação, a princípio, restou incontroversa a morosidade na tramitação da supracitada ação penal perante o Juízo da Comarca de Caaporã.

A Juíza Titular da Unidade Judiciária sustenta que a demora não decorreu de conduta dolosa de sua parte, mas de um conjunto de fatores, quais sejam, em razão da necessidade de as diligências processuais se darem mediante carta precatória por se encontrar o denunciado recolhido em estabelecimento prisional localizado em outro Ente da Federação, bem como ante seus constantes afastamentos em licença para tratamento do grave problema de saúde que enfrentou ao longo dos dois últimos anos.

De fato, como se depreende da certidão subscrita pela Gerente de Desenvolvimento, Controle e Acompanhamento da Diretoria de Gestão de Pessoas do TJPB, Id 244607, consta dos assentamentos funcionais da Magistrada os seguintes afastamentos a partir do ano de 2017:

 

gozo de férias nos períodos de:

27 de março a 24 de abril de 2017

11 de setembro a 10 de outubro de 2018

11 de março a 09 de abril de 2019

03 de junho a 02 de julho de 2019

08 de julho a 06 de agosto de 2019

07 de janeiro a 05 de fevereiro de 2020

 

licença para tratamento de saúde nos períodos de:

16 a 26 de maio de 2017

06 a 15 de junho de 2017

19 e 20 de junho de 2017

19 e 20 de julho de 2017

12 de julho de 2018

07 a 20 de janeiro de 2019

21 de janeiro a 25 de março de 2019

08 de agosto a 01 de setembro de 2019

03 de setembro a 16 de novembro de 2019

06 de fevereiro a 06 de março de 2020

08 de abril a 05 de junho de 2020.

 

Em que pese tais constatações, não se pode legitimar uma demora de quase um ano para a prolação de decisão, ainda mais em se tratando de processo cujo réu se encontrava recolhido de maneira preventiva, sem juízo de culpabilidade ou julgamento definitivo há quase quatro anos desde o início da tramitação da ação penal, a qual, imperioso salientar, culminou com sua absolvição, sem que tenha havido qualquer recurso por parte do Ministério Público.

Durante o maior lapso temporal em que a tramitação restou paralisada, de 08 de maio de 2018 a 26 de abril de 2019, quando os autos estavam conclusos ao Gabinete do Juízo, atuaram na Comarca de Caaporã em substituição à Juíza Titular e os Magistrados Antônio Eimar de Lima e Vanessa Andrade Dantas Liberalino da Nóbrega, Id 244608, substituição esta, contudo, que somente se iniciou a partir do mês de setembro de 2018, quando o prazo para apreciação do feito já ultrapassara os limites da razoabilidade.

Ademais, houve, em sede preliminar de investigação, o excesso de prazo na formação da culpa, violando o princípio constitucional da razoável duração do processo, máxime, repita-se, no caso de prisão cautelar.

Conclui-se, portanto, numa análise própria da fase de investigação preliminar, tal como disciplinada na Resolução CNJ nº 135/2011, fundada nas alegações e nos elementos de prova colacionados até o momento, que há indícios da prática de condutas afrontosas aos preceitos da Magistratura por parte da Juíza Reclamada, quais sejam, o dever de celeridade, consoante previsto no art. 35, II e III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

O juiz deve, no exercício do seu mister, aliar o seu desempenho, a produtividade, a presteza, o aperfeiçoamento técnico, a adequação ao Código de Ética da Magistratura, como também ser diligente.

Todavia, como afirmado acima, na sessão plenária ocorrida no dia 16 de junho de 2021, após apresentação do nosso voto, não se atingiu o quorum necessário para a instauração do competente processo administrativo disciplinar em desfavor da Dra. Daniere Ferreira de Souza, Juíza de Direito.

[...]

Ante o exposto, PROPONHO E VOTO PELA INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, em desfavor de Dra. Daniere Ferreira Souza, para apuração da inobservância dos deveres preceituados pelo art. 35, II e III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, delimitando a imputação aos seguintes fatos: (i) exceder injustificadamente os prazos para despachar; (ii) determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizassem nos prazos legais, sem o afastamento da Magistrada do cargo.

Todavia, não atingindo o quorum necessário para a instauração do competente Processo Administrativo Disciplinar, em desfavor da Dra. Daniere Ferreira de Souza, Juíza de Direito, ou seja, de maioria absoluta, deve-se prevalecer o entendimento iniciado pelo Desembargador Joás de Brito Pereira Filho.

 

Em voto divergente, que prevaleceu diante da ausência do quorum de maioria absoluta para a instauração de PAD, concluiu o Desembargador Joás de Brito Pereira Filho a ausência de indícios de desvio funcional pela magistrada, ressaltando que não houve dolo, propósito liberado ou desídia funcional no maior elastério temporal observado na ação penal em tela (Id 4444785, p. 10/11):

 

Diz-se, na presente RD, a partir de elementos encaminhados pela eminente Corregedora-Geral do MPPB (Ofício nº 589/2019/CGMP, ID. nº 164566, fls. 01), que a investigada inobservara deveres funcionais, em função de ter sido negligente na condução do processo nº 0001197-45.2014.815.0021 – Ação Penal proposta contra Jardel de Oliveira da Conceição, de epíteto “Paco” 3 -, dando causa ao retardo em sua tramitação, fato que, em tese, poderia se adequar à violação ao dever contido no art. 35, II, da LOMAN.

Bem verdade que o feito – ação penal referida, em cujo âmbito o MPPB, por sua Corregedoria, enxergou irregularidades, a ponto de provocar o órgão correicional deste TJPB -, de fato, teve um maior elastério temporal.

Aqui, pois, o fato é incontroverso.

Mas, não enxergo, renovando vênia ao ilustre relator, conduta desidiosa, negligente ou minimante descuidada de parte da magistrada reclamada, suficiente para a deflagração de um PAD.

É que, verte dos autos, eventual excesso de prazo no trâmite processual ou retardo da marcha do processo não podem ser debitados à investigada. Ou, em última e incogitável análise, exclusivamente a ela.

Explica-se: no processo, após frustrada tentativa de citação do acusado na Paraíba – por meio de precatória (ID. nº 164566, itens 26-30) -, houve necessidade de expedição de precatórias (ID. nº 164567) para o Estado do Rio de Janeiro, onde o réu estava recolhido em estabelecimento prisional (Presídio Ary Franco), na capital fluminense. Também sucessivos pedidos de recambiamento do custodiado, muitos deles frustrados por razões de ordem operacional, conforme justificativas da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária, via GESIPE (Gerência Executiva do Sistema Penitenciário) (IDs. nºs 164566, item. 24, e 164567, item 35), órgão responsável. Aliás, no particular, o próprio MPPB, a quem tocou a comunicação da “irregularidade” quanto ao curso da demanda, reconheceu que o retardo, em grande parte, adveio do fato de o réu/então segregado, encontrar-se enclausurado em Estado diverso. Há outro dado relevante: citado, o réu deixou escoar, in albis, o prazo para apresentação de resposta escrita (art. 396, CPP), daí decorrendo a necessidade de se indicar Defensor Público para a prática do ato (Id. nº 164567, itens 36-39), o que, fácil perceber, contribuiu, da mesma forma, para o elastério, conforme de elementar sabença, especialmente dos Desembargadores que tem assento na Especializada Criminal. Ainda, acresça-se, necessidade de nova precatória para interrogatório judicial do réu, ao cabo da instrução processual, ID. nº 164567, itens 41-43).

A isso tudo associem-se os vários afastamentos da magistrada da jurisdição, justificados em virtude da necessidade de impostergável tratamento/acompanhamento médico, eis que fora acometida de grave e delicada patologia (neoplasia mamária bilateral), fato, igualmente, inequívoco (ID. nº 244609, fls. 110/111), bem assim para gozo de férias.

Tem mais. Sabemos todos – fato público e notório - de que a Comarca da qual é titular a reclamada tem um acervo relativamente significativo de demandas/feitos. Com os afastamentos da titular, vários foram os magistrados que, em substituição, atuaram na unidade. Essas circunstâncias, em conjunto, devem ser sopesadas, porque, naturalmente, contribuíram para uma maior distensão do iter processual.

Oportuno registrar que a investigada, regressando de um dos afastamentos para tratamento de saúde, tão logo aferiu e vislumbrou excesso de prazo da custódia outrora decretada, cuidou de revogar a prisão – de natureza preventiva, decorrente de decisão indiscutivelmente fundamentada, lançada a partir de elementos idôneos e concretos, contra a qual não houve manejo de habeas corpus ou de recursos -, ordenando fosse o réu imediatamente posto em liberdade (ID. nº 164567, itens 44-50).

Destaque-se, da mesma forma, que, durante o curso do processo, nem MP, tampouco defesa, cogitaram qualquer sorte de inconformismo com eventual excesso de prazo. Absolvido o réu (ID. nº 174966, itens 65-71), daquela resposta jurisdicional também não manifestou irresignação o órgão acusador.

A meu juízo, então, não há conduta, no agir da juíza reclamada, representativa de violação aos deveres insculpidos no art. 35, II e III, da LOMAN.

Agiu Sua Excelência, enquanto atuando, nitidamente, no propósito de prestar jurisdição.

Eventual retardo no curso do processo, evidentemente, torne-se a realçar, não decorreu de ato de vontade da reclamada.

 De onde se colhe, pois, a presença, ainda que indiciária – hipótese argumentativa -, do dolo, da vontade deliberada, exigidos pela norma supostamente infringida? Onde o propósito de retardar a marcha processual por parte da investigada?

Não basta, comezinho conhecimento, a subsunção do fato difuso – pretensa violação a dever funcional – à norma abstrata.

É preciso bem mais. Mergulhar nas vicissitudes do caso concreto, nas peculiaridades envolvidas, que, eventualmente, tenham contribuído, como parece ter havido na hipótese vertente, para a apontada lentidão no curso processual.

Defeso, por óbvio, “deduzir”/”presumir” dolo, propósito deliberado para tanto ou desídia intencional, sob pena de completa subversão do sistema correicional e do devido processo legal, em sua acepção ampla.

 

Do exposto, verifica-se que o voto que prevaleceu no Pleno seguiu o entendimento de que não se constatou falta funcional da magistrada que justificasse a instauração de processo administrativo disciplinar.

No entanto, cumpre consignar que a referida conclusão não vincula o Conselho Nacional de Justiça, como pode ser observado no art. 103-B, § 4º, V, da Constituição Federal.

Destaque-se que o art. 82 do RICNJ estabelece que “poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de Tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão”, desde que presente pelo menos uma das condições previstas no art. 83 do mesmo Regimento.

Ora, o Conselho Nacional de Justiça possui competência disciplinar originária e concorrente, podendo instaurar originariamente, avocar ou revisar procedimentos disciplinares, sem prejuízo da atuação das corregedorias e tribunais locais.

No caso, da análise detida dos autos, verifica-se que o arquivamento da Reclamação Disciplinar pelo TJPB mostra-se, em princípio, contrário à evidência dos fatos constatados no procedimento, que indicam afronta aos deveres do magistrado de diligência e dedicação (art. 20 do Código de Ética da Magistratura), bem como de não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar e de determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais (art. 35, incisos II e III, da LOMAN). Além disso, observa-se também provável violação da própria Constituição Federal, que, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, assegura “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. 

Com efeito, há que se reconhecer que houve suposta desídia da magistrada – mesmo considerando suas ausências em períodos de férias e de licença para tratamento de saúde – em movimentar o feito criminal, sendo flagrantes o excesso de prazo e a morosidade na tramitação da referida Ação Penal perante o Juízo da Comarca de Caaporã/PB. 

Nesse sentido, cabe relembrar que se trata de processo com réu preso cautelarmente desde 19/8/2015, sem julgamento definitivo por quase quatro anos, até sua soltura pela magistrada, em 26/4/2019, tendo sido absolvido por Juiz substituto sem recurso ministerial. Conforme destacado pelo Corregedor-Geral de Justiça do Estado da Paraíba, não se apresenta razoável o retardo tão longo no transcurso do feito que ficou ficado paralisado de 22/8/2017 até ser concluso em 08/5/2018, vindo a ser despachado pela requerida somente em 26/4/2019 — processo com réu preso concluso por 1 ano.

Não se ignora - e lamenta-se - que a magistrada tenha atravessado problema sério de saúde durante parte do tempo da tramitação deste processo.

É certo que todo juiz é, acima de tudo, um ser humano e sofre vicissitudes. Evidentemente que não se pode permanecer insensível ao quadro de saúde perpassado pela julgadora, situação essa que poderia, com compreensão e tolerância, fazer relevar algum atraso ou alguma imperfeição na sua atividade jurisdicional.

Mas não se pode deixar de considerar, na apreciação global do trabalho da reclamada, que a estagnação do processo que motivou esta Reclamação Disciplinar teve início pelo menos dois anos antes do início das licenças para tratamento da sua própria saúde e quando ainda estava plenamente saudável. Os períodos de maior paralisação do processo foram justamente aqueles em que a magistrada estava atuando, um deles com início dois anos antes do diagnóstico da moléstia que lhe acometeu.

Segundo consta dos autos, as licenças para tratamento de saúde (total de 104 dias de afastamento da magistrada até a prolação da decisão de soltura do acusado, sem contar as férias, porque estas todos os magistrados gozam e nem por isso há prolongamento excessivo de prisões) se iniciaram dois anos após a decretação da prisão cautelar, a partir de maio de 2017. Além disso, o feito permaneceu estancado em cartório, repita-se, de 22/8/2017 até ser concluso, em 8/5/2018, período significativo no qual a juíza estava atuando ininterruptamente, vindo a ser substituída apenas em setembro de 2018.

Consoante destacado pela Corregedoria local, "durante o maior lapso temporal em que a tramitação restou paralisada, de 8 de maio de 2018 a 26 de abril de 2019, quando os autos estavam conclusos ao Gabinete do Juízoatuaram na Comarca de Caaporã em substituição à Juíza Titular e os Magistrados Antônio Eimar de Lima e Vanessa Andrade Dantas Liberalino da Nóbrega, Id 244608, substituição esta, contudo, que somente se iniciou a partir do mês de setembro de 2018, quando o prazo para apreciação do feito já ultrapassara os limites da razoabilidade.”  Ressaltou-se, outrossim, que “houve, em sede preliminar de investigação, o excesso de prazo na formação da culpa, violando o princípio constitucional da razoável duração do processo, máxime, repita-se, no caso de prisão cautelar”.  

Dessarte, verifica-se na espécie a existência de indícios que apontam a suposta prática de infrações disciplinares, os quais caracterizam afronta, em tese, ao artigo 35, II e III, da LOMAN e ao artigo  20 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

Por isso, não obstante os fundamentos da decisão proferida pela Pleno do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, é de todo recomendável submeter a questão ao Plenário, visando à instauração de processo administrativo disciplinar para que se possa examinar a situação de forma a esclarecer totalmente os fatos, levando-se em conta que, na origem, não foi aberto PAD porque não se alcançou a maioria absoluta do Órgão Especial do TJPB. 

Pelo exposto, diante da existência de elementos indiciários de afronta, em tese, ao art. 35, II e III, da LOMAN e ao artigo 20 do Código de Ética da Magistratura Nacional, voto pela instauração de processo administrativo disciplinar contra a magistrada DANIERE FERREIRA DE SOUZA.  

É como voto.  

 

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA  

Corregedora Nacional de Justiça  

 A10/Z08

 

 

 

 

 

PORTARIA N.       DE                       DE  2021. 

  

Instaura processo administrativo disciplinar em desfavor de magistrada sem afastamento cautelar das funções.

  

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, usando das atribuições previstas nos arts. 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal, e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e

CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para processar investigações contra magistrados independentemente da atuação das corregedorias e tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI n. 4.638/DF;

CONSIDERANDO o disposto no § 5º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135, de 13 de julho de 2011, e as disposições pertinentes da Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e do Regimento Interno do CNJ;

CONSIDERANDO que há indícios de que a requerida, DANIERE FERREIRA SOUZA, Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, tenha incorrido em afronta aos deveres de diligência e dedicação, bem como de não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar e de determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais; dada sua suposta desídia, mesmo considerando os períodos que se afastou em razão de  licença para tratamento de saúde, em movimentar ação penal na qual o acusado permaneceu preso preventivamente por quase quatro anos sem julgamento definitivo, tendo sido contatado que os períodos de maior estagnação do processo foram justamente aqueles em que a magistrada estava atuando;

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, no julgamento do Pedido de Providências 0002789-64.2021.2.00.0000, durante a  __ Sessão, realizada no dia______________.                          

RESOLVE: 

Art. 1º Instaurar processo administrativo disciplinar em desfavor de DANIERE FERREIRA SOUZA, Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, para apurar eventual violação em tese do art. 35, II e III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), bem como a não observância do dever de diligência e dedicação, previsto no art. 20 do Código de Ética da Magistratura, que deve nortear a conduta de todos os magistrados.

Art. 2º Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da abertura de processo administrativo disciplinar objeto desta portaria, sem afastamento cautelar das funções.

Art. 3º Determinar a livre distribuição do processo administrativo disciplinar entre os Conselheiros nos termos do art. 74 do RICNJ.



 

Ministro LUIZ FUX