Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0002589-57.2021.2.00.0000
Requerente: ANDRE PASQUALE ROCCO SCAVONE
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP

 

EMENTA: REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. MANIFESTAÇÃO DEPRECIATIVA EM DECISÃO JUDICIAL. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 35, I e IV e 36, III, DA LOMAN. PAD ANTERIORMENTE INSTAURADO ARQUIVADO. AUSÊNCIA DE REINCIDÊNCIA. INTENSIDADE DO DOLO. PROPORCIONALIDADE. DOSIMETRIA ADEQUADA, IMPROCEDÊNCIA DA REVISÃO.  

1. Pedido de revisão disciplinar em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que foi aplicado ao Requerente a penalidade de censura. 

2. O Magistrado Requerente exerceu nítido juízo depreciativo sobre despachos e/ou decisões de órgãos judiciais, em especial da Justiça Trabalhista e ainda que tenha formulado pedido de desculpas imediatamente posterior à sua manifestação no referido processo, isto, ipso facto, não conduz à sua absolvição. Nesse aspecto, o pedido de absolvição merece ser rejeitado. 

3. O PAD anteriormente instaurado a este procedimento foi arquivado, sem aplicação de penalidade, por ter sido considerada a retratação do Magistrado e, assim, não se pode ser utilizado como reincidência. Precedentes do STJ. 

4. A prática de conduta similar à que não ensejou instauração de PAD em razão da retratação do magistrado, mas que mereceu o alerta do Tribunal a respeito da inadequação dos atos, deve ser considerada na dosimetria pela intensidade do dolo, dada a consciência que tinha da irregularidade de seu agir.

5. A intensidade deve ser levada em consideração para se aferir o grau de censura da conduta. Elemento que se reflete na reprovabilidade e tem valor para a dosimetria da pena administrativa-disciplinar. Precedentes STJ.

6. Proporcionalidade da pena aplicada a não merecer qualquer revisão deste Conselho.

7. Revisão Disciplinar conhecida e julgada improcedente com a manutenção da pena de censura. 

 

  

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou improcedente a revisão disciplinar, mantendo a pena de censura, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente. Ausentes, circunstancialmente, os Conselheiros Luis Felipe Salomão, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 6 de dezembro de 2022. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho (Relator), Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentou oralmente pelo requerente, o advogado Renato Sciullo Faria - OAB/ SP182602.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0002589-57.2021.2.00.0000
Requerente: ANDRE PASQUALE ROCCO SCAVONE
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP


        

 

        

1. RELATÓRIO 

O EXMO. CONSELHEIRO MINISTRO LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO (RELATOR): 

  

Trata-se de Revisão Disciplinar proposta pelo Juiz de Direito ANDRÉ PASQUALE ROCCO SCAVONE, Titular da 2ª Vara Cível da Comarca de Diadema/SP, em que pretende a revisão da penalidade de censura que lhe foi imposta, nos autos do PAD nº 75.797/2020, pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO SÃO PAULO – TJSP (Id. 4317007).

O Processo Administrativo Disciplinar foi instaurado, na origem, em razão de comunicação do Magistrado da 70ª Vara do Trabalho de São Paulo, em que apontou suposto descumprimento do dever de urbanidade por parte do ora Requerente em decisão proferida nos autos do processo nº. 1013723-86.2014.8.26.0161.

Conforme o acórdão, o Órgão Especial do Tribunal do Estado, por unanimidade, julgou procedente imputação porquanto entendeu que teria havido "claro excesso na linguagem e na crítica à conduta de outros magistrados na condução de seus processos na Justiça laboral." e que as considerações feitas pelo Juiz de Direito nos autos de processo judicial teriam ido "além da crítica técnica de caráter processual e atingiu a figura de Juízes do Trabalho, de forma indeterminada." 

Em suas razões, o Magistrado afirmou, em síntese, que: (i“não houve a adoção de postura correcional diante do colega trabalhista, mas somente o envio do ofício, alertando a existência de arrematação anterior, com a finalidade de estrito cumprimento da legalidade e garantia da eficiência do sistema judicial e que não teve a intenção de causar qualquer constrangimento aos magistrados da Justiça Trabalhista, que apenas foi um pequeno deslize e que teria tentado de diversas maneiras se retratar; (ii) a situação não teria caracterizado a prática de infração funcional prevista nos arts. 35, IV e 36, III, da LOMAN; (iii) possui excelente histórico profissional; (iv) não estaria evidenciado o elemento volitivo; (v) a penalidade teria sido aplicada de forma desproporcional por inexistir reiteração da conduta. E, assim, requereu a procedência do pedido revisional para que fosse absolvido da imputação e, subsidiariamente, a substituição da penalidade aplicada para a de advertência.

Instado a se manifestar (Id. 4317555), o Tribunal defendeu a penalidade imposta estaria de acordo com o conjunto probatório. Isso porque "a despeito de não ter o Magistrado sofrido penalidade por falta funcional anterior, de algum modo foi advertido por v. acórdão do C. Órgão Especial por conduta semelhante à de que cuida este processo" (Id. 4336290). E, por fim, sustentou que as considerações feitas pelo Magistrado não são apenas de caráter processual e atingiram todos os juízes trabalhistas.

Encerrada a instrução, foram intimados sucessivamente o Ministério Público Federal e o Magistrado Requerente, para razões finais, nos termos do artigo 87 do RICNJ (Id. 4338534).

parquet manifestou-se pela improcedência do pedido revisional, por entender que inexiste contrariedade à evidência dos autos (Id. 4363674).

O Magistrado, por sua vez, afirmou que não há qualquer indício do elemento subjetivo na sua conduta que justificasse sua responsabilização disciplinar e que sempre tratou com cortesia e urbanidade todos os membros do Judiciário (Id. 4382092).

É o relatório. 

 

 

 

 

       2. FUNDAMENTAÇÃO    

I – DO CONHECIMENTO   

I.1) OBSERVÂNCIA DO PRAZO DECADENCIAL    

Nos termos do artigo 103-B, § 4º, inciso V, da Constituição Federal, compete ao Conselho Nacional de Justiça “rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano”. No mesmo sentido é a disciplina constante do artigo 82 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça.  

No caso dos autos, não há dúvida quanto à observância do atendimento ao prazo decadencial de um (01) ano para a apresentação do pedido de revisão disciplinar. 

Não é demais lembrar que o Plenário deste Conselho já firmou entendimento que o termo inicial para a contagem do mencionado prazo é o trânsito em julgado administrativo (RevDis 807-25, j. 11/09/2018 e RevDis 1179-37, j. 24/10/2017). 

Conforme consta dos autos, o trânsito em julgado do Processo Administrativo Disciplinar nº 75.797/2020 ocorreu em 24 de novembro de 2020 (Id. 4317014, fl. 98) e a presente revisão disciplinar foi protocolada em 08 de abril de 2021, o que impõe o seu conhecimento por ter sido formulada dentro do prazo decadencial estabelecido no Texto Constitucional.

I.2) – CABIMENTO DA REVISÃO DISCIPLINAR   

A teor do que dispõe o artigo 83 do RICNJ, admite-se o pedido de revisão disciplinar, nas seguintes hipóteses: i) quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ; ii) quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; iii) quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.

A jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça é pacífica no sentido de que o cabimento e/ou conhecimento da Revisão Disciplinar fica condicionado, exclusivamente, à observância do prazo decadencial de 01 (um) ano para a sua propositura e à indicação, em tese, do enquadramento da situação em uma das hipóteses estabelecidas no artigo 83 do RICNJ, cujo exame pressupõe cognição exauriente, revestindo-se em matéria de mérito. Nesse sentido, cito precedentes desta Casa:

“REVISÃO DISCIPLINAR. NÃO OBSERVÂNCIA DO PRAZO CONSTITUCIONAL DE MENOS DE UM ANO. INTEMPESTIVIDADE. NÃO CONHECIMENTO. 

I – O conhecimento da Revisão Disciplinar está condicionado, exclusivamente, ao cumprimento do prazo constitucional para a proposição e à indicação, em tese, de atendimento das hipóteses previstas no art. 83 do RICNJ

II – O trânsito em julgado administrativo é o marco inicial da contagem do prazo decadencial para a proposição da REVDIS. Precedentes. 

III – O procedimento revisional apresentado em prazo superior ao estabelecido na Constituição Federal é intempestivo e não merece conhecimento. 

IV – A submissão dos autos ao crivo do Plenário desta Casa é pertinente, muito embora o Regimento Interno assegure ao Relator a prerrogativa de indeferir, de plano, o pedido que se mostre intempestivo (art. 85, caput, do RICNJ).

V – Revisão Disciplinar não conhecida.” (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0000807-25.2015.2.00.0000 - Rel. LUCIANO FROTA - 50ª Sessão Extraordinária - julgado em 11/09/2018); (grifos acrescidos)

 

“REVISÃO DISCIPLINAR. TEMPESTIVIDADE. PRETENSÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DA PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. ART. 83, INCISOS I, II E III DO REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO NACIONAL DA JUSTIÇA. (...)

I – O conhecimento de Revisão Disciplinar está condicionado, exclusivamente, ao cumprimento do prazo constitucional para sua proposição e à indicação, em tese, do atendimento de uma ou mais das hipóteses previstas no art. 83 do RICNJ.

II – As hipóteses constantes dos incisos do art. 83 constituem o mérito da ação revisional, razão pela qual, caso não comprovadas, após cognição exauriente, resultará em improcedência do pedido.

(...).” (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0010755-83.2018.2.00.0000 - Rel. FLÁVIA PESSOA - 304ª Sessão - j. 18/02/2020). (grifos acrescidos)

 

In casu, o Requerente fundamentou seu pedido de revisão disciplinar na suposta ocorrência de violação literal a disposição legal e contrariedade às provas dos autos, o que enquadra a situação na hipótese do artigo 83, inciso I, do RICNJ, cuja apuração atrela-se à matéria de mérito deste expediente.

Conheço, pois, da presente Revisão Disciplinar.




II – DO MÉRITO 

Conforme relatado, o Órgão Especial do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP, no julgamento do PAD nº 75.797/2020, instaurado em desfavor da Requerente, aplicou-lhe a pena de censura.

A deflagração do referido Processo Administrativo Disciplinar ocorreu em virtude da Portaria nº 90/2019 do TJSP (Id. 4317011 – pgs: 75 a 83), em razão da prática, em tese, das infrações funcionais descritas nos artigos 35, incisos I e IV, e 36, inciso III, da LOMAN, além do artigo 22 do Código de Ética da Magistratura. Transcrevo ementa do acórdão:

“PROCESSO ADMINISTRATIVO – IMPUTAÇÕES: Descumprimento dos deveres de “serenidade no exercício da atividade jurisdicional, de urbanidade no trato com os magistrados trabalhistas, bem como juízo depreciativo a respeito da atuação processual deles”, insculpidos os deveres nos incisos I e IV, da LOMAN, e a vedação, no inciso III do art. 36, da mesma LC 35/79 – Imputação a “alguns juízes” da Justiça do Trabalho “de entendimento inadequado a respeito da dívida cível, tudo passível da existência de fraudes” – Desrespeito aos mesmos Juízes, “ao vislumbrar ‘celeridade a jato’ no processamento do “leilão” do imóvel em questão, qualificando-a como suspeita e em afronta à lei” – Questionamento, ainda, ao “juiz da 70ª Vara do Trabalho da Capital, como se fora corregedor de Sua Excelência, a esclarecer ‘a razão de não ter observado a indisponibilidade de bens e a penhora anterior” do juízo. E sentenciou a ausência de boa-fé na arrematação realizada na justiça obreira” – Infrações configuradas – DEFESA DO MAGISTRADO com assertiva e admissão de que se cuidou de “ato impulsivo, foi um erro, resulta de uma experiência pessoal”, “de fim de tarde, excesso de trabalho, como admiti, foi um erro, um excesso da linguagem” (interrogatório) – Manifestação, segundo a defesa, que “ocorreu em tom de desabafo e jamais teve a intenção de causar constrangimento nos colegas da justiça trabalhista” – Reconhecimento que o levou a pedir desculpas aos colegas no dia imediato ao que recebeu cópia de reclamação procedida pelos Juízes da 70ª Vara do Trabalho desta Capital (interrogatório) – RECONHECIMENTO do erro e PEDIDO DE DESCULPAS que, ainda imediatamente apresentados, não ilidem a necessidade de sancionamento, dado especialmente que, em ocasião anterior, objeto de procedimento administrativo instaurado por criticar acórdão proferido pela 32ª Câmara de Direito Privado desta Corte, este C. Órgão Especial acolheu proposta do então Desembargador Corregedor Geral de Justiça, e determinou o arquivamento do processo administrativo, “diante da assunção, pelo magistrado, do excesso praticado, com pedidos formais de desculpas à Câmara julgadora” – SANÇÃO – Aplicação da pena de CENSURA, de conformidade com o disposto no artigo 42, inciso II, da LC 35/79 – Consideração de que, a despeito de não ter o Magistrado sofrido penalidade por falta funcional anterior, de algum modo foi advertido por v. acórdão do C. Órgão Especial por conduta semelhante à de que cuida este processo (criticou em decisão judicial acórdão da 32ª Câmara de Direito Privado) – Acórdão que determinou o arquivamento daquele processo por ter o Juiz pedido desculpas à Câmara, que as aceitou – Admissão da falta praticada em verdadeira reiteração, em menos de dois anos, e o pedido de desculpas que, agora, não autoriza sanção de advertência, apenas, mas de censura. Procedência do processo administrativo” (Id. 4336291).

 

Consta da referida portaria que foram imputados ao Magistrado os seguintes fatos:

“Segundo o E. Corregedor, o douto magistrado “Dirigiu suas críticas, em claro desrespeito, a “alguns juízes” da Justiça do Trabalho, que teriam entendimento inadequado acerca de dívida cível, tudo passível da existência de fraudes. Foi desrespeitoso, também, ao vislumbrar “celeridade a jato” no processamento do “leilão” do imóvel em questão, qualificando-a como suspeita e em afronta à lei. Questionou, ainda, o juiz da 70º Vara do Trabalho da Capital, como se fora corregedor de Sua Excelência, a esclarecer 'a razão de não ter observado a indisponibilidade de bens e a penhora anterior do juízo. E sentenciou a ausência de boa-fé na arrematação realizada na justiça obreira. Tal postura por si só é inadmissível, mas como já exposto, ainda representa reiteração de conduta reprovável anterior, objeto de representação de Câmara da Corte por críticas a acórdão. Aquele procedimento, como já disse, chegou ao Órgão Especial e q Defesa Prévia foi acolhida apenas porque o Magistrado reconheceu o excesso e o admitiu, desculpando-se. ficando consignado ainda que se tratava de um ato isolado em sua vida funcional (fls. 49/52 com preservação dos destaques atribuídos).

Tecendo considerações sobre a conduta esperada dos magistrados, no exercício de suas funções, embasado no escólio doutrinário de Vinicius de Toledo Piza Peluso e José Wilson Gonçalves (“Comentários à Lei Orgânica da Magistratura Nacional”, 2º Ed., p. 110); José Renato Nalini (SO juiz e suas atribuições funcionais. Introdução à deontologia da magistratura”, in “Curso de Deontologia da Magistratura”, Ed. Saraiva, 1992, p. 02), Alexandre Henry Alves (“Regime jurídico da magistratura”, Ed. Saraiva, 2º ed., p. 352) e Paulo Baltazar Júnior ( “Ética e Estatuto da Magistratura Nacional”, Verbo Jurídico Editora, 2013, p. 95), enfatizou o E. Corregedor: “Com efeito, é de se exigir do magistrado, no cumprimento de seus deveres, postura serena, de imperturbabilidade, com a tranquilidade exigida pela função. Não se trata de exigência transcendental à natureza humana. Espelha, antes, a isenção de ânimo esperada dos titulares da função jurisdicional” (fls. 53/54 com preservação dos destaques atribuídos).
Atento ao reconhecimento manifestado pelo magistrado em suas primeiras informações, o E. Corregedor considerou, finalmente: “É verdade, diga-se, que o Dr. André justificou os fatos alegando em suas informações que não teve a intenção de “adjetivar ou menosprezar' outro ramo do Poder Judiciário, que o tom da decisão foi de desabafo e aqui, novamente, reconhece a inconveniência do relato e a forma inapropriada como se manifestou nos autos processuais. Por fim, esclarecendo que não tinha intenção de ofender quem quer que seja, pede formais desculpas nos seguintes termos:
“Reconheço a inconveniência de expor em decisão e ofício a sugestão de que fraudes ocorrem. A menção a tais fatos na decisão levou o colega à compreensível conclusão de que eu fazia ilações sobre juízes ou servidores, o que não fiz nem tive o dolo. Pelo que, registro minhas escusas e faço protestos de homenagens ao colega” (fls. 11/12).

No entanto, há de se ponderar que o comportamento nada cortês do magistrado, até porque reiterado, há de ser coibido, para que todos aqueles que interagem com os membros do Poder Judiciário Paulista saibam que não é esse tratamento que o Tribunal de Justiça espera de seus juízes. Aliás, eventual falta de urbanidade do magistrado não reflete apenas na pessoa dele, mas em todo o Poder Judiciário Bandeirante, na medida em que sua conduta fomenta àqueles que, com mais ou menos discernimento, colocam em dúvida a lisura no trâmite das ações judicias e, de forma geral, a idoneidade de todos os membros do Poder Judiciário” (fls. 54/55) (Id. 4317011, fls. 75 a 83).

 

Conforme se observa da documentação juntada aos autos, o Magistrado Requerente, nos autos do Processo de Execução de Título Extrajudicial nº 1013723-86.2014.8.26.0161, teria escrito considerações sobre "alguns juízes da Justiça do Trabalho, que teriam entendimento inadequado acerca de dívida cível, tudo passível da existência de fraudes”, por entender que não teriam observado a realização de arrematação anterior no juízo cível.

E, nessa perspectiva, não há dúvida quanto à conduta praticada pelo Magistrado que, aliás, reconheceu tal fato em suas razões finais:

“Conforme exaustivamente sustentado no âmbito administrativo, a manifestação do magistrado ocorreu em tom de desabafo e jamais teve a intenção de causar qualquer constrangimento aos colegas da justiça trabalhista. A possível inconveniência e ambiguidade na interpretação de seu ofício foram, desde o início do procedimento administrativo, reconhecidas pelo Requerente, que não se eximiu de apresentar pedido de desculpas formais e expressas, com envio de e-mail à 70ª Vara do Trabalho, além de se colocar à disposição para a apresentação de pedido de desculpas pessoalmente. Dessa forma, não há como imputar ao magistrado a falta de tratamento urbano e cortês, tendo em vista que o magistrado não poupou esforços para se retratar de maneira tempestiva, demonstrando cortesia e urbanidade para com seus colegas de toga” (Id. 4382092).

 

Nesse contexto, convém transcrever os tipos caracterizadores das infrações funcionais praticadas:

 "Art. 35 - São deveres do magistrado:

 I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

(...)

IV - tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência.

 Art. 36 - É vedado ao magistrado:

 I – (..)

III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”.

 

Assim, conclui-se que o Magistrado exerceu nítido juízo depreciativo sobre despachos e/ou decisões de órgãos judiciais, em especial da Justiça Trabalhista, e, ainda que tenha formulado pedido de desculpas imediatamente posterior à sua manifestação, isto, ipso facto, não conduz à sua absolvição, merecendo, nesse aspecto, ser rejeitado o pedido revisional.

Por outro lado, o Magistrado formula pedido subsidiário quanto à dosimetria da pena, para modificar sua pena de censura para advertência.

Neste ponto, o Tribunal, ao analisar conduta semelhante em outro procedimento de natureza disciplinar, arquivou o expediente sem aplicação de penalidade:

“4. O Dr. André não registra condenação anterior por falta funcional.

No entanto, atitude semelhante à do objeto destes autos manifestou anteriormente, há menos de dois anos dos fatos deste caso, o que o levou a apresentar defesa prévia no Processo nº 2917/00045517.

Esse processo foi iniciado por representação do Desembargador RUY COPPOLA, integrante da C. 32ª Câmara de Direito Privado, em razão de crítica dirigida a v. acórdão proferida por aquele Colegiado.

O v. acórdão deste C. Órgão Especial reproduzido às fls. 16/23 determinou o arquivamento, pelas razões sintetizadas na ementa:

“MAGISTRADO – CRÍTICAS LANÇADAS A ACÓRDÃO – ATITUDE CARACTERIZADORA DE EVENTUAL FALTA FUNCIONAL – ADMISSÃO DE CULPA – DEFESA PRÉVIA ACOLHIDA – Embora seja inaceitável que um juiz de direito critique decisão superior, por caracterizar tal atitude, em tese, falta funcional, impõe-se o acolhimento da defesa prévia, com consequente arquivamento do processo administrativo, diante da assunção, pelo magistrado, do excesso praticado, com pedidos formais de desculpas à Câmara julgadora – Processo administrativo arquivado” (fls. 17)” (Id. 4336291, fls. 15 e 16).

 

Conforme registrado anteriormente, já teria sido instaurado processo administrativo disciplinar em desfavor do Magistrado Requerente com semelhante fato ao descrito neste feito. No entanto, o PAD anterior foi arquivado pelo Tribunalsem aplicação de penalidade, em razão da retratação do Magistrado. Logo, não se pode considerar tal PAD para fundamentar a imposição de penalidade mais grave, censura, ao Magistrado por conduta reiterada.

De fato, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça também é nesse sentido, conforme os seguintes precedentes:

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. FALTA ANTERIOR. PENA DE ADVERTÊNCIA NÃO APLICADA EM RAZÃO DA PRESCRIÇÃO. REINCIDÊNCIA NÃO CONFIGURADA. PENA DE SUSPENSÃO. AFASTAMENTO.

1. Cinge-se a controvérsia dos autos ao reconhecimento da reincidência prevista no art. 130 da Lei 8.112/90 ("A suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão ...") quando a pena de advertência por falta anteriormente cometida deixou de ser aplicada por causa da prescrição.

2. Não merece reparos o acórdão regional, eis que seu entendimento está de acordo com o manifestado pela Terceira Seção no MS 7.792/DF, Min. Paulo Medina, DJ 03/05/2004, que afasta o reconhecimento da reincidência quando não há efetiva punição anterior.

3. Agravo regimental não provido” (AgRg no REsp 1436422/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/05/2014, DJe 14/05/2014).

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SUSPENSÃO. PROVA PRÉ CONSTITUÍDA. PRESCRIÇÃO. INEXISTÊNCIA. MÉRITO ADMINISTRATIVO. REINCIDÊNCIA. ILEGALIDADE DA PENA MAIS GRAVE. SUBSISTÊNCIA DA PENA MAIS LEVE. [...] A reincidência por infração funcional, embora não apresente os mesmos rigores da reincidência penal, requer punição anterior. A dimensão semântica da advertência impõe prazo de reflexão acerca das conseqüências do ilícito, vez que tem como objetivo evitar novas infrações. A pena de advertência prescreve em cento e oitenta dias e, entre o conhecimento do fato e a instauração do processo disciplinar, que interrompe a prescrição, decorreu tempo inferior. Sendo vinculada a aplicação de penalidade, anulada apenas a reincidência e válidos os requisitos da pena de advertência, esta deve ser aplicada.

Segurança parcialmente concedida, para, cancelando a contumácia, reconhecer a aplicação vinculada da pena de advertência. (MS 7.792/DF, Rel. Ministro PAULO MEDINA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/03/2004, DJ 03/05/2004, p. 92)

 

Ocorre que a conduta incontroversa se reveste de gravidade compatível com a pena definida pelo TRT. O procedimento incorreto, corporificado no descumprimento do dever de serenidade na função judicante, de tratar com urbanidade e cortesia os colegas de magistratura, na manifestação de opinião sobre processo pendente de julgamento e de críticas depreciativas sobre a Justiça do Trabalho, tem gravidade compatível com a pena de censura.

O procedimento incorreto não depende de reiteração para receber pena de censura ou mais grave! Portanto, o processo administrativo disciplinar objeto desta revisão não merece reparo no tocante à pena aplicada.

A tese de que não seria possível a censura por falta de reiteração não se sustenta.

De fato, o valor da reiteração da conduta similar anteriormente apurada mas que, em razão da retratação, deixou de ser apurada em PAD, não se traduz na reiteração do art. 44 da LOMAN, um dos fundamentos possíveis para a aplicação de censura.

O que essa reiteração em sentido lato revela é o intenso dolo em praticar o ato. E a intensidade deve ser levada em consideração para se aferir o grau de censura da conduta - é elemento que se reflete na reprovabilidade e tem valor para a dosimetria da pena. Na lição de Fernando Capez, verbis:

 

No entanto, o grau de culpa e a intensidade do dolo importam na quantidade de pena que será atribuída ao acusado. Em outras palavras, todos que agem com dolo ou culpa cometem crime doloso ou culposo, mas, dependendo da intensidade dessa culpa ou desse dolo, a pena será mais ou menos branda. (CAPEZ, 2016, p. 479)

 

Nesse sentido é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:

No tocante à culpabilidade, para fins de individualização da pena, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, o menor ou maior grau de censura do comportamento do réu, não se tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade, para que se possa concluir pela prática ou não de delito. No caso, restou declinada motivação concreta para o incremento da básica por tal moduladora, considerando a premeditação do crime e o seu planejamento. Tais elementos, longe de serem genéricos, denotam o dolo intenso e a maior reprovabilidade do agir do réu, devendo, pois, ser mantido o incremento da básica a título de culpabilidade. (STJ. AgRg no HC 678.233/MG, Relator: Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 20/6/2022.)

 

Também o parecer do Vice-Procurador-Geral da República (ID4363674) propõe a manutenção da pena pela insistência do magistrado no comportamento previamente reprovado pelo Tribunal, cujo seguinte trecho vale transcrever:

Cumpre ainda consignar que o requerente exorbitou sua atribuição e agiu como se estivesse em posição hierarquicamente superior ao dirigir ofício à 70' Vara do Trabalho, no qual questionou a decisão daquele Juízo acerca da penhora e sugeriu a ocorrência de fraudes.

Ressalte-se que o magistrado tinha plena consciência da inadequação dos excessos por ele praticados, tanto que, em manifestação anterior de igual similitude apurada no Processo n. 00045517 fora advertido pela Corregedoria da Justiça do Estado de São Paulo por criticar acórdão proferido pela 32 Câmara de Direito Privado da Corte Estadual, em acórdão assim ementado:

 

Com essa perspectiva, a dosimetria do tribunal é adequada aos atos praticados e não merece revisão deste Conselho, na linha dos precedentes desta Casa, a exemplo da seguinte ementa:

 

REVISÃO DISCIPLINAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO. REITERADA CONSULTA AO SISTEMA BACENJUD COM BLOQUEIO E LIBERAÇÃO DE VALORES EM PROCESSOS DE INVENTÁRIO E DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO. ESQUEMA DE PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA FRAUDULENTOS. FALSIDADE DOS DOCUMENTOS E INCOMPETÊNCIA PARA O PROCESSAMENTO DAS AÇÕES. CONDUTA DO MAGISTRADO QUE VIOLA OS PRINCÍPIOS DA MAGISTRATURA NACIONAL. REITERADA CONDUTA IMPRUDENTE E NEGLIGENTE NA CONDUÇÃO DOS PROCESSOS. IMPUTAÇÃO COMPROVADA. DOSIMETRIA DA PENA ADEQUADA E PROPORCIONAL. IMPROCEDÊNCIA DA REVISÃO.

I – O conjunto probatório revela a existência de reiterada conduta imprudente e negligente do Magistrado, o qual promoveu consulta ao BACENJUD, bloqueio e liberação de valores em processos de jurisdição voluntária, causando prejuízo a terceiros inocentes, que jamais participaram de relação processual.

II – Os processos de jurisdição voluntária examinados revelam que foram formados com documentos fraudados em cartórios, sendo que o Reclamado não averiguou com a necessária atenção os reiterados pedidos de liberação de valores, cercados de indícios de fraude.

III – A competência para o processamento de ações de inventário, conforme CPC, é do domicílio do autor da herança, sendo que tal fato não foi observado pelo Magistrado, o qual processou os pedidos, sem fazer um criterioso exame da competência, sendo que, em muitos processos, consultava o BACENJUD e, em não havendo valores depositados, arquivava os autos, numa conduta, no mínimo, condescendente com as fraudes que lhes foram apresentadas.

IV – A conduta do requerente violou gravemente os princípios e deveres funcionais da magistratura nacional, esculpidos nos arts. 1º, 5º, 8º, 9º, 15, 17, 19, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional e ao art. 35, inciso I, da LOMAN.

V - O magistrado já havia sido investigado e se defendido por conduta similar em outra sindicância, que foi arquivada pelo órgão censor local após o magistrado arguir exatamente as mesmas teses defensivas ora apresentadas, quais sejam, o desconhecimento da fraude, a ausência de dolo ou má-fé e a adoção de medidas para devolução dos valores liberados. Mesmo assim, voltou a agir do mesmo modo, em processos propostos pelo mesmo advogado envolvido naquela primeira fraude apurada.

VI – A dosimetria da pena feita pelo tribunal - aposentadoria compulsória -  foi proporcional e adequada aos fatos praticados, tendo considerado a culpa do Reclamado, a repercussão dos fatos e a reiteração das condutas.

VII – Improcedência da Revisão Disciplinar, com a manutenção da pena de aposentadoria compulsória ao requerente.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0000881-35.2022.2.00.0000 - Rel. VIEIRA DE MELLO FILHO - 358ª Sessão Ordinária - julgado em 18/10/2022 ).

Pelo exposto, conheço do presente procedimento, na forma do artigo 83, i, do RICNJ e julgo improcedente a revisão disciplinar, mantendo a pena de censura do Magistrado ANDRÉ PASQUALE ROCCO SCAVONE pela imputação descrita na Portaria nº 90/2019 do PAD nº 75.797/2020 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP.

É como voto.

 

                                                       

Ministro LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO

Conselheiro Relator 

GMLPVMF/2