Conselho Nacional de Justiça
Autos: | REVISÃO DISCIPLINAR - 0007368-55.2021.2.00.0000 |
Requerente: | MARCUS ANTONIO SOUSA E SILVA |
Requerido: | TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ - TJPI |
REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO EM DESFAVOR DE MAGISTRADO. VIOLAÇÃO DO ART. 35, I, II E III, DA LOMAN. FALTA DISCIPLINAR COMPROVADA. NEGLIGÊNCIA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. REITERAÇÃO DA CONDUTA. APLICAÇÃO DA PENA DE DISPONIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. CONCLUSÃO QUE SE COADUNA COM O ACERVO PROBATÓRIO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO REVISIONAL.
1. Revisão disciplinar proposta contra acórdão do TJPI que aplicou ao magistrado a pena de disponibilidade, por reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo.
2. Havendo elementos que comprovam que a baixa produtividade do magistrado, a postura inerte diante do volume de feitos em atraso e o comportamento omisso no deslinde da situação da vara, descabe a tese de que o acórdão atacado seria contrário à evidência dos autos.
3. Constatado que o magistrado já foi punido com a pena de censura pelo mesmo comportamento negligente na prestação jurisdicional, não se mostra desarrazoada a imposição da pena de disponibilidade. Precedentes CNJ.
4. A pretensão de utilizar a revisão disciplinar como sucedâneo recursal não só refoge ao escopo da classe processual, como encontra óbice nos julgados deste Conselho.
5. Revisão disciplinar conhecida, porém, no mérito, julgado improcedente o pleito revisional.
ACÓRDÃO
O Conselho, por unanimidade, julgou improcedente a revisão disciplinar, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Conselheiro Sidney Madruga. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 11 de abril de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins (Relator), Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentaram oralmente pela Terceira Interessada Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, o advogado Lucas Almeida de Lopes Lima - OAB/AL 12623; e, pela Interessada Associação Nacional dos Magistrados Estaduais - ANAMAGES, o advogado Cristóvam Dionísio de Barros - OAB/MG 130440. Manifestou-se o Subprocurador-Geral da República Alcides Martins.
Conselho Nacional de Justiça
Autos: | REVISÃO DISCIPLINAR - 0007368-55.2021.2.00.0000 |
Requerente: | MARCUS ANTONIO SOUSA E SILVA |
Requerido: | TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ - TJPI |
RELATÓRIO
Trata-se de Revisão Disciplinar, com pedido liminar, proposta pelo magistrado Marcus Antônio Sousa e Silva contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI), que lhe aplicou a pena de disponibilidade.
Alega o requerente, em síntese, que o Processo Administrativo Disciplinar 0756974-43.2020.8.18.0000 foi instaurado na origem com o objetivo de apurar suposto descumprimento dos deveres funcionais previstos no art. 35, I, II e III da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) e no art. 20 do Código de Ética da Magistratura.
Explica que, após a instrução do feito, a Corte requerida teria concluído pela aplicação da referida pena, em razão de suposta negligência “no cumprimento dos deveres do cargo, notadamente quanto ao impulso oficial dos processos, em flagrante violação aos princípios da razoável duração do processo e às disposições da LOMAN e do Código de Ética da Magistratura” (Id. 4510385, p. 41).
Sustenta, contudo, que o TJPI não teria avaliado o real cenário da unidade jurisdicional, uma vez que havia apenas 7 processos em atraso e outras adversidades que incidiam sobre a vara, tais como a ausência de promotor por 3 anos e a agregação da comarca de Guadalupe, com um acréscimo de aproximadamente 2.000 processos.
Também aduz que o Tribunal Piauiense teria desconsiderado a grave carência de pessoal, a ausência de defensor público e a deficiência da internet local, tudo a revelar a inexistência de “prova ou mesmo evidência, de que [...] seja o responsável por tal situação”.
Registra, ainda, que a prova testemunhal teria sido igualmente ignorada, mesmo confirmando o seu empenho em cobrar os servidores, em pedir prioridade nos processos urgentes, em ser assíduo e em realizar audiências “até tarde da noite”.
Diante de tais fatos, afirma que o acórdão combatido seria contrário à evidência dos autos e que a sanção aplicada teria sido desproporcional, já que não ponderada à luz da realidade vivenciada.
Nesses termos, pugna pela concessão de medida de urgência, para que seja determinado o seu retorno imediato à jurisdição, bem como suspenso o edital de promoção 13/2021, que ofertou a unidade judiciária da qual é titular. No mérito, requer a “reforma da decisão”, a fim de que seja declarada a sua absolvição ou, subsidiariamente, a aplicação de pena mais branda (Id. 4493410).
Conclusos os autos à então Conselheira Tânia Reckziegel, substituta regimental do relator originário (Id. 4493719), foi determinada a intimação da Corte requerida para que se manifestasse acerca do caso, bem como juntasse cópia integral do PAD e da respectiva certidão de trânsito em julgado (Ids. 4494009 e 4507254).
Em resposta, o TJPI afirmou que o acórdão rescindendo ainda não havia transitado em julgado (Id. 4510385), apresentou considerações acerca do feito disciplinar (Id. 4504505) e colacionou cópia do PAD (Id. 4510385).
Na sequência, sobreveio petição da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), por meio da qual pleiteou o ingresso como terceira interessada e reiterou os argumentos e pedidos do magistrado (Id. 4526322).
Apreciados os pleitos, a então Conselheira Tânia Reckziegel deferiu o ingresso da AMB, porém negou a medida de urgência postulada pelo requerente (Id. 4533865).
Decorrido o prazo de 90 dias do encerramento do mandato do então relator, o feito foi redistribuído à minha relatoria (art. 45-A, § 2º, do Regimento Interno do CNJ).
Devidamente intimado (Id. 4601028), o TJPI certificou que o PAD transitou em julgado em 3/11/2021 (Id. 4614209).
Concedido o prazo para razões finais, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela improcedência do pleito, com manutenção da penalidade aplicada, por considerar “caracterizada a negligência na prestação da atividade jurisdicional, bem como a inércia do magistrado na busca da solução para a diminuição do acervo” (Id. 4635836).
O requerente, por seu turno, reiterou os argumentos trazidos na inicial e renovou o pedido de procedência da RevDis (Id. 4667435).
É o relatório.
Conselho Nacional de Justiça
Autos: | REVISÃO DISCIPLINAR - 0007368-55.2021.2.00.0000 |
Requerente: | MARCUS ANTONIO SOUSA E SILVA |
Requerido: | TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ - TJPI |
VOTO
Conforme relatado, a presente Revisão Disciplinar foi proposta pelo magistrado Marcus Antônio Sousa e Silva contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI), que lhe aplicou a pena de disponibilidade, por negligência “no cumprimento dos deveres do cargo, notadamente quanto ao impulso oficial dos processos, em flagrante violação aos princípios da razoável duração do processo e às disposições da LOMAN e do Código de Ética da Magistratura” (Id. 4510385, p. 41). Confira-se a ementa do julgado (Id. 4493570):
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO. CORREIÇÃO ORDINÁRIA REALIZADA NA UNIDADE JURISDICIONAL. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA CUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÕES. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO DAS PROVIDÊNCIAS ADOTADAS, MESMO DEPOIS DE INTIMADO, DUAS VEZES, PARA ESTA FINALIDADE. ELEVADO NÚMERO DE PROCESSOS SEM MOVIMENTAÇÃO HÁ MAIS DE 100 (CEM) DIAS. AUSÊNCIA DE IMPULSO OFICIAL. ANTERIOR APLICAÇÃO DA PENA DE CENSURA. REITERAÇÃO DA CONDUTA. APATIA DO MAGISTRADO DIANTE DO ACERVO PROCESSUAL. DISPLICÊNCIA E DESCASO COM O ATRASO PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL. ABSOLUTA FALTA DE PROATIVIDADE. PRETENSÃO PUNITIVA DISCIPLINAR JULGADA PROCEDENTE COM A APLICAÇÃO DA PENA DE DISPONIBILIDADE.
De acordo com o requerente, a revisão ora pleiteada seria necessária, porquanto a Corte requerida teria lhe imposto uma penalidade extremamente severa, sem considerar, todavia, a “situação fática que impedia uma célere prestação jurisdicional”.
Ocorre que, quando se promove o exame dos autos, não se verificam elementos que socorram o pleito revisional. O que avulta do feito, na verdade, é a pretensão de utilizar a RevDis como sucedâneo recursal, anseio que não só refoge ao escopo da revisão, como encontra óbice nos precedentes deste Conselho (Revisão Disciplinar 0003262-89.2017.2.00.0000 - Rel. Luiz Fernando Bandeira De Mello - 100ª Sessão Virtual - julgado em 25/02/2022).
I – DO CONHECIMENTO DA REVDIS
Considerando que o presente procedimento foi proposto em 27/9/2021 (Id. 4493410) e que o acórdão rescindendo transitou em julgado em 3/11/2021 (Id. 4614209), a RevDis deve ser conhecida, visto que atendido o prazo decadencial estabelecido pelo art. 103-B, § 4º, V, da Constituição Federal.
II – DO MÉRITO
Ao se avançar, porém, sobre a questão de fundo, não se constata a alegada dissonância entre o acórdão do TJPI e os elementos de prova, tampouco a desproporcionalidade na pena aplicada.
Com efeito, sustenta o requerente que o PAD teria decorrido da mera constatação de atraso em 7 processos e sido julgado sem que fossem sopesadas as adversidades que circundavam a vara da qual é titular, tais como a ausência de promotor e de defensor, a agregação de outra comarca, a carência de pessoal e a deficiência da internet local.
O cenário que se extrai dos autos, entretanto, é bem diverso daquele delineado pelo magistrado e aponta em sentido contrário ao quanto defendido.
Decerto, evidencia o conjunto probatório que os atrasos processuais na Vara Única da Comarca de Guadalupe/PI, da qual é titular, foram identificados em correição ordinária anual realizada pela Corregedoria local ainda em novembro de 2015 (Id. 4510385, p. 228).
Naquela oportunidade, o referido órgão censor detectou 692 feitos localizados no gabinete e paralisados há mais de um ano (Id. 4510385, p. 241 a 261); 68 processos localizados na secretaria e paralisados há mais de 100 dias (Id. 4510385, p. 262 e 263); e 32 feitos não localizados. Veja-se excerto do levantamento (Id. 4510385, p. 241):
À vista desse contexto, registrou a Corregedoria do TJPI que, embora a situação verificada fosse incomum, já que maior parte dos feitos estava no gabinete, as irregularidades observadas eram possivelmente sanáveis. Assim, fixou prazos de 30, 60 e 90 dias para a devida localização/movimentação dos processos (Id. 4510385, p. 224 a 226):
[...]
Determinado, contudo, que o cumprimento de tais medidas fosse comunicado àquele órgão correcional, o magistrado passou a adotar um comportamento omisso. Além de não informar o implemento dos encargos que lhe foram impostos e nem respeitar os prazos assinalados, deixou de apresentar resposta, inclusive, quando foi intimado para tanto:
Id. 4510385, p. 274
Id. 4510385, p. 276
Posteriormente, constatado que, quase dois anos depois, ainda havia 549 processos identificados na correição que não tinham sido movimentados, a Corregedoria Piauiense determinou que o requerente fosse novamente intimado, para que explicasse o excesso de prazo e o descumprimento das determinações (Id. 4510385, p. 277).
Tal investida, porém, não surtiu qualquer efeito. O magistrado continuou sem se preocupar com as ordens proferidas e não deu qualquer satisfação acerca do acervo da unidade (Id. 4510385, p. 282 a 285):
Não encaminhou, outrossim, qualquer documento àquele órgão censor, no qual procurasse relatar a suposta carência de servidor, os problemas na internet ou mesmo eventual preocupação com o volume de processos na vara.
Diante dessa situação, a Corregedoria decidiu ordenar uma nova verificação dos processos em atraso (Id. 4510385, p. 286) e observou que, em 14/5/2019, havia quase 1400 feitos na vara com mais de 100 dias (Id. 4510385, p. 287 a 321), sendo que 7 desses processos permaneciam paralisados desde a correição de 2015 (Id. 4510385, p. 322):
Também identificou que, entre esses feitos, constavam processos com manifestação do Ministério Público Estadual no sentido da extinção da punibilidade, possivelmente em virtude da inércia e desídia do magistrado (Id. 4510385, p. 329):
Do presente procedimento correicional, analisando os autos que se encontravam paralisados na unidade, chama atenção desta Corregedoria os seguintes processos para apuração do cometimento de ato infracional nº 0000207-37.2015.8.18.0053, 0000208-22.2015.8.18.0053 e 0000209-07.2015.8.18.0053, nos quais se registra manifestação do Ministério Público Estadual pela extinção da punibilidade em razão da idade do suposto infrator RAILON RIBAMAR RIBEIRO DE LIMA. Destaco, ainda, que referidos processos relacionam-se ao processo 0000210-89.2015.8.18.0053, no qual o próprio magistrado, em sentença, reconhece a extinção da punibilidade em face da mesma pessoa.
Trata-se, portanto, de fato que merece apuração por parte desta Corregedoria, haja vista, a existência de indícios, de que a extinção da punibilidade deu-se em razão da inércia do magistrado na condução dos processos, mesmo diante de reiteradas determinações desta Corregedoria. (grifo nosso)
Outro fato atestado pela Corregedoria foi a existência de minutas de decisões já prontas e pendentes de análise há tempo considerável (Id. 4510385, p. 369):
Cristalina, portanto, a calamitosa situação existente na comarca, trazendo indícios de uma ineficaz gestão do magistrado à frente da unidade, prejudicando sobremaneira a regular prestação jurisdicional. Situação esta que, inclusive, já foi levada ao conhecimento do CNJ por diversos interessados, o que motivou o Órgão a determinar a implementação de plano de gestão para a unidade.
Necessário destacar que o quadro de generalizada morosidade na prestação jurisdicional encontrado, aferido objetivamente pelo simples exame dos números de decisões produzidas e minutas pendentes de apreciação por longos períodos, assume contornos ainda mais nefastos quando se percebe a natureza da unidade jurisdicional sob análise, Vara única de Guadalupe, que detém os mais variados casos. (grifo nosso)
Logo, é possível constatar que não foi a mera identificação da mora no andamento de 7 processos que levou o Tribunal a decidir pela instauração do processo disciplinar contra o ora requerente.
O universo de feitos em atraso era muito maior e a conduta desidiosa do magistrado não comportava mais qualquer complacência, notadamente quando se verificou que a distribuição de processos para a vara era baixa e não justificaria o volume de processos sem andamento há mais de 100 dias (Id. 4510385, p. 369):
Não obstante todo o contexto envolvendo a atuação do magistrado perante a correição, foram solicitadas informações acerca da produtividade daquele. Os dados fornecidos pela SETECOR (Documento nº 1616076)) indicaram que existem 1361 processos parados a mais de 100 dias na unidade e que foram distribuídos entre 03/12/2018 e 03/02/2019 apenas 105 processos para aquela unidade.
Desta feita, pode-se concluir, em cognição sumária, pela baixa produtividade do magistrado, sendo evidenciado: 1. Reduzido número de sentenças proferidas pelo magistrado e 2. Reduzido número de decisões proferidas pelo magistrado.
Mas nem mesmo a possibilidade de instauração de um novo PAD em seu desfavor (visto que outros 3 já haviam sido instaurados e julgados) foi capaz de tirar o requerente dessa inércia. Devidamente intimado a apresentar defesa prévia (Id. 4510385, p. 339 a 342), tornou a deixar que o prazo transcorresse in albis (Id. 4510385, p. 344).
Não obstante, quando finalmente decidiu apresentar sua defesa (diga-se, intempestiva), limitou-se a afirmar que havia dado andamento aos 7 processos oriundos da correição; que todos os seus atos “foram proferidos em tempo hábil”; e que não haveria qualquer elemento a evidenciar “conduta dolosa ou desídia grave na condução do processo, pelo contrário, sempre, em seus atos processuais, pautou pela celeridade processual” (Id. 4510385, p. 346 e 347).
Nessa perspectiva, após a instrução do PAD, o TJPI concluiu que a mora na prestação jurisdicional era decorrente do comportamento displicente do magistrado na condução de sua unidade jurisdicional, de sua falta de proatividade diante do acervo existente e do descaso com o atraso processual (Id. 4493570):
Acrescente-se que a conduta principal imputada ao magistrado é negligência no cumprimento dos deveres do cargo em razão da existência de 1.361 (mil, trezentos e sessenta e um) processos sem movimentação há mais de 100 dias.
A testemunha CLEUDIR PEREIRA DA SILVA disse que a Comarca conta com um acervo de mais de 3.000 processos, com uma média de 50 (cinquenta) novos processos por mês. Essa informação coincide com os dados fornecidos pela STIC de que no período de 03/12/2018 a 03/02/2019 apenas 105 (cento e cinco) processos foram distribuídos para aquela unidade.
De acordo com o TJPI em número, disponibilizado no site deste Tribunal, houve uma entrada de 617 (seiscentos e dezessete) processos na Vara Única da Comarca de Guadalupe/PI no ano 2019, quantidade compatível com média mensal de cerca de 50 (cinquenta) processos informada pela testemunha.
Não obstante, a planilha gerada pela STIC em relaciona 1.361 (mil, trezentos e sessenta e um) processos sem movimentação há mais de 100 dias, quantidade incompatível com a demanda daquela unidade jurisdicional. Os números revelam, por si só, o excesso de prazo e a negligência do magistrado nos deveres do cargo.
[...]
Contudo, não estamos diante de fato isolado ou mero descumprimento de prazo para prática de ato processual pelo magistrado, mas de um “quadro de generalizada morosidade na prestação jurisdicional encontrado, aferido objetivamente pelo simples exame dos números de decisões produzidas e minutas pendentes de apreciação por longos períodos”, conforme consignado no acórdão de instauração deste processo. (grifos nossos)
Por certo, tendo sido constatado um significativo número de feitos com atrasos de até 3 anos, não seria, de fato, o simples encaminhamento dos 7 processos identificados na correição que o eximiria de uma reprimenda, sobretudo porque remanesce incontestável o seu dever de garantir a adequada e célere prestação jurisdicional em relação aos demais feitos (Id. 4510385, p. 112):
Tampouco seriam as alegações de falta de servidor, de agregação de comarca ou de inconstância da internet local que se mostrariam hábeis a justificar o volume de processos em atraso, quando foram constatadas minutas prontas sem análise e quando não há nos autos provas de que teria buscado alterar a situação da unidade.
Como bem ponderou o Ministério Público Federal, o que sobressai do feito, em verdade, é a apatia do magistrado que, mesmo já tendo recebido outras penalidades, sequer procurou provocar a Corregedoria local em busca de reverter o prejuízo que vinha causando aos jurisdicionados (Id. 4635836):
31. Em acréscimo, o requerente atribui a deficiência na prestação jurisdicional exclusivamente a fatores externos. Indene de dúvidas que o bom andamento dos trabalhos decorre de uma somatória de recursos, que perpassam pela estrutura física e pelo quadro de servidores.
32. No caso sob análise, contudo, não restou comprovada tamanha deficiência nestes elementos apta a justificar a desorganização em que se encontrava a Vara Única da Comarca de Guadalupe/PI. Bem ao contrário, ao longo da instrução do procedimento administrativo disciplinar apurou-se que a unidade jurisdicional recebia cerca de 50 novos processos por mês, inexistindo justificativa plausível para um acervo de aproximadamente 1.361 feitos represados por longo período de tempo.
33. Ademais, ainda que fatores pontuais pudessem ter contribuído para o atraso na prestação jurisdicional, não consta nos autos qualquer tentativa do magistrado para a reversão do quadro. Não foi apresentado à Corregedoria plano de trabalho para diminuição do acervo ou, tampouco, adotadas medidas internas destinadas a organização da unidade para a adequada e eficiente prestação jurisdicional.
34. O que se vislumbra na análise do feito disciplinar é a apatia do magistrado diante da situação, que sequer atendeu às intimações do órgão correicional, demonstrando uma postura omissiva e negligente, incompatível com o dever de transparência previsto no art. 14 do Código de Ética da Magistratura Nacional, a saber: [...] (grifos nossos)
Também não lhe socorre o argumento de que teriam sido ignorados depoimentos que comprovariam que “tenta organizar a vara cobrando os servidores e pedindo prioridade para os processos de urgência” e que é “assíduo na comarca e por vezes realizou audiências até tarde da noite para compensar a demanda” (Id. 4493410).
Além de tal manifestação não encontrar respaldo nos números levantados, máxime na produtividade, que se revelou baixa (Id. 4493414), o que se verifica é que o Tribunal Piauiense considerou e enfrentou essa alegação no acórdão rescindendo (Id. 4493570):
As testemunhas disseram ainda que na comarca não há Defensor Público e que passou quase 3 (três) anos sem Promotor, o que teria contribuído para o atraso processual.
Em seu depoimento, o magistrado diz que com o falecimento de sua mãe “houve até um pouco de desinteresse, houve até um pensamento em aposentadoria, em deixar o cargo”, mas seguiu em frente porque sempre foi seu objetivo deixar a comarca “enxuta”; que, de repente, houve uma mudança, uma ruptura; que sempre foi um magistrado responsável, mas, com o luto, passou a ficar indiferente e procurou ajuda psicológica.
Cita alguns problemas enfrentados na Comarca, a saber: 1) um Defensor Público muito atuante ajuizou cerca de 1.000 (mil) ações em um curto espaço de tempo; depois percebeu-se que a intenção do Defensor era candidatar-se a Vereador, como de fato candidatou-se; que, após perder a eleição, o Defensor foi embora da Comarca deixando o acervo processual; 2) logo depois teve problemas com a ausência de Promotor; 3) houve a agregação da comarca de Jerumenha, com o recebimento de um acervo de quase 2.000 (dois mil) processos, sem o acréscimo de nenhum servidor; 4) posteriormente, o Tribunal determinou a exoneração de uma de suas assessoras sob o fundamento de que a demanda de processos na comarca diminuiu.
Questionado se os fatos a ele imputados são verdadeiros, respondeu que “de certa forma, sim”, atribuindo a demora processual à carência de pessoal e ao elevado acervo.
Registre-se que a quantidade de servidores na comarca não é insuficiente e não há grande a demanda processual na Comarca. Em que pesem as alegações defensivas e as dificuldades enfrentadas pelo magistrado, nada disso justifica o elevado número de processos sem movimentação há mais de 100 (cem) dias.
Percebeu-se, durante o interrogatório, o desinteresse do magistrado com a prestação jurisdicional e sua falta de motivação em impulsionar os feitos para regularizar o acervo processual. (grifos nossos)
Portanto, sendo esse panorama que emerge do acervo probatório, não há dúvida de que a conclusão a que chegou o Tribunal encontra esteio nos autos e que não merecem guarida as teses defensivas, mormente à vista do notório reflexo negativo da conduta do requerente para a prestação jurisdicional.
Pelas mesmas razões, é certo que não houve afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da pena.
Consoante ponderou o TJPI, não se trata de magistrado que não tem qualquer mácula em seus assentamentos funcionais. Além de possuir em seu histórico dois outros PADs (nos quais ficou comprovada a afronta ao art. 35, II e III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, mas que não foram aplicadas as penas de advertência em decorrência da prescrição), o requerente já foi alvo de uma pena de censura também imposta por conduta negligente de “não impulsionar processos judiciais”, de forma que realmente se revelaria inócua uma nova pena de mesma natureza (Id. 4493410):
Portanto, a negligência pode implicar na imposição de qualquer das penas, desde a advertência, que é a mais branda, até a pena de aposentadoria compulsória, conforme expressamente previsto no art. 7º, I, da Resolução CNJ nº 135/20112, embora o Conselho Nacional de Justiça reserve a pena máxima apenas para os casos de extrema gravidade, notadamente de improbidade ou corrupção, o que não é o caso dos autos.
O magistrado já foi apenado em outro processo disciplinar em razão do excesso de prazo, justamente por não impulsar processos judiciais. A reiteração da conduta afasta, de plano, a pena de advertência.
Houve o reconhecimento da prescrição nos Processos Administrativos Disciplinares nº 2017.0001.010179-5 e nº 2018.0001.003034-3, mas no PAD nº 2018.0001.004046-4 lhe foi aplicada a pena de censura.
Neste caso, há de se reconhecer que a pena anteriormente aplicada não atingiu o objetivo de prevenir e de coibir a violação dos deveres funcionais, de sorte que a imposição de outra penalidade de censura seria inócua aos fins pretendidos.
Dentre as penas cabíveis (remoção compulsória e disponibilidade), a remoção compulsória dificilmente resgatará a motivação e o zelo do magistrado com a prestação jurisdicional.
Conforme entendimento do CNJ, a referida pena é “sanção administrativa adequada para apenar faltas praticadas em estreita vinculação com o lugar de exercício do cargo”.
De mais a mais, a apatia do magistrado diante do acervo processual da Comarca, a displicência e descaso com o atraso processual, ausência de motivação para o exercício da atividade jurisdicional e a mais absoluta falta de proatividade justificam a imposição de pena mais severa, motivo pelo qual propõe-se a pena disponibilidade. (grifos nossos)
Assim, na esteira do que pontuou o MPF, não se trata de sanção desproporcional (Id. 4635836), sobretudo quando este próprio Conselho já assentou ser cabível a pena disponibilidade em casos de reiterada negligência na prestação jurisdicional:
REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. PAD 46.194/2017. RESOLUÇÃO TJSP 587/2013. PORTARIA DE INSTAURAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO. AUSÊNCIA DE NULIDADES. MAGISTRADA. PROCESSOS CONCLUSOS COM EXCESSO DE PRAZO. FALTA FUNCIONAL. CONFIGURAÇÃO. CONDUTA NEGLIGENTE. REITERAÇÃO. DISPONIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE.
1.Pedido de revisão disciplinar em face de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que aplicou à magistrada a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais. [...]
6.Em que pesem as condições estruturais da unidade judiciária, inexiste justificativa plausível para o fato de a magistrada demorar, em média, 2 (dois) anos para proferir sentença ou decisão, inclusive em processos com prioridade legal. Caso a requerente tivesse adotado as cautelas necessárias para desenvolver a atividade judicante, certamente, a situação não chegaria ao ponto constatado pela CGJSP.
7.Os autos registram que, desde 1998, o órgão censor local verifica que a produtividade da magistrada está aquém do esperado e foram aplicadas duas penas de advertência e uma de censura em razão da morosidade no julgamento de processos.
8.As imputações denotam a ausência de zelo da requerente na condução dos processos ativos na unidade judiciária de sua titularidade. As falhas processuais, sobretudo diante de recidivas e mesmo após a aplicação das penas de advertência e censura, autorizam a imposição da pena de disponibilidade. A reprimenda não é desarrazoada e se mostra adequada ao grau de culpabilidade.
9.Pedido julgado improcedente. (grifos nossos)
(Processo de Revisão Disciplinar 0006489-82.2020.2.00.0000 - Rel. Candice Lavocat Galvão Jobim - 336ª Sessão Ordinária - julgado em 17/08/2021).
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO (...). DETERMINAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INFRAÇÕES AOS DEVERES FUNCIONAIS DA MAGISTRATURA. AUSÊNCIA DE DILIGÊNCIA DA MAGISTRADA NO CUMPRIMENTO DO SEU DEVER DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO JURISDICIONADO. APLICADA PENA DE DISPONIBILIDADE, COMPATÍVEL COM A GRAVIDADE DA FALTA PERPETRADA.
I- Determinação do Supremo Tribunal Federal de novo julgamento pelo CNJ, inviabilizando-se a pena de aposentadoria compulsória - MS 28.816/DF.
II- O Magistrado que abdica deliberadamente do exercício de suas competências, atuando de forma burocrática e indolente, negligenciando em salvaguardar os interesses do jurisdicionado age contra legem, em clara afronta ao artigo 35 da LOMAN, em especial os incisos I e III.
III- É responsável o Magistrado pelo bom andamento dos serviços cartorários, sendo inviável sua defesa apenas ao argumento da responsabilização exclusiva de auxiliares, em especial quando demonstrada a gravidade e a excepcionalidade da situação concreta.
IV- Processo Administrativo Disciplinar julgado procedente para aplicar a pena de disponibilidade, prevista no artigo 42, IV, da LOMAN. (grifos nossos)
(Processo Administrativo Disciplinar - 0000788-29.2009.2.00.0000 - Rel. Arnaldo Hossepian - 239ª Sessão Ordinária - julgado em 11/10/2016).
III – DA CONCLUSÃO
Desse modo, considerando todo o panorama apresentado, é imperioso concluir que as condutas atribuídas ao magistrado foram devidamente apreciadas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Piauí à luz das provas produzidas e que o pleito revisional deve ser julgado improcedente, por ter natureza meramente recursal.
Ante o exposto, CONHEÇO da presente RevDis, porém, no mérito, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de revisão do acórdão atacado.
É como voto.
Brasília, data registrada no sistema.
MAURO PEREIRA MARTINS
Conselheiro Relator