EMENTA 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. IMPUGNAÇÃO DE ATO JUDICIAL. NÃO CABIMENTO.  RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1 - O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal,

2 - As invocações de erro de procedimento (error in procedendo) e erro de julgamento (error in judicando) impedem a atuação correcional, pois carregadas de conteúdo jurisdicional” (CNJ – RD – Reclamação Disciplinar – 0000784-74.2018.2.00.0000 – Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 275ª Sessão ordinária – j. 07/08/2018).

3 - Em casos tais, em que se insurge contra ato praticado no exercício da jurisdição, o interessado deve buscar os meios de impugnação previstos na legislação processual, não cabendo a simultânea intervenção desta Corregedoria Nacional de Justiça.  

4 - Recurso administrativo a que se nega provimento.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 17 de dezembro de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Tânia Regina Silva Reckziegel, Richard Pae Kim, Flávia Pessoa, Sidney Madruga, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram, em razão das vacâncias dos cargos, os Conselheiros representantes do Tribunal Regional Federal, da Justiça Federal, do Ministério Público Estadual e os representantes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

Cuida-se de recurso administrativo apresentado por CARLOS VAISMAN contra decisão da minha lavra que determinou o arquivamento sumário de reclamação disciplinar formulada pelo recorrente em desfavor de CECÍLIA PINHEIRO DA FONSECA, juíza da 3ª Vara Criminal do Foro Central da Barra Funda, Comarca de São Paulo/SP, ao fundamento de se tratar de reclamo voltado a matéria de caráter jurisdicional. 

Alega o recorrente que “não vem a presença do C. CNJ, a fim de rediscutir ou revalorar as questões meritórias decorrentes da Ação Penal nº 0055600-80.2005.8.26.0050, pois o seu único e claro intuito é tão somente que sejam investigadas as condutas e decisões tomadas pela Magistrada Cecília Pinheiro, que inequivocadamente sujeitou o Recorrente a quebra da parcialidade, e o inseriu em um verdadeiro tribunal ad hoc.”

Afirma que “a tese de que faltam provas e/ou motivos relevantes para a instauração de um procedimento disciplinar beira o absurdo, uma vez que não apenas os patronos do Recorrente, mas como o Desembargador Otávio de Almeida, bem como o Ministro do C. STJ, Nefi Cordeiro, chamaram a atenção de forma veemente e reiterada para os desacertos e condutas controversas na atuação da Magistrada Cecília Pinheiro no papel de condutora da Ação Penal nº 0055600-80.2005.8.26.0050.

Assevera que, “no bojo da persecução penal, inúmeras condutas da Juíza chamaram a atenção para a quebra de parcialidade não apenas com o contraditório e a ampla defesa, mas também com o sistema judicial em si, uma vez que as decisões da Juíza em vários momentos até mesmo se sobrepuseram a análise de instância superior, como, por exemplo, quando a Magistrada simplesmente entendeu não ser necessário o julgamento do recurso que analisaria a competência do foro que julgaria a matéria decorrente da Ação Penal nº 0055600-80.2005.8.26.0050”.

Sustenta que “o descontentamento do Recorrente que gerou a interposição da presente Reclamação Disciplinar se deu por conta das intempestividades, e o modo como a Juíza conduziu o processo penal manifestamente alheia as questões processuais básicas, como, por exemplo, o dever em intimar a parte Ré da acusação penal para se manifestar acerca de provas testemunhais e documentais que poderiam lhe incriminar”.

Transcreve trechos do voto do Desembargador Otávio de Almeida acerca da atuação da Magistrada e alega que, “ante a todo o acervo probatório aqui colacionado o Recorrente simplesmente não se conforma com a recusa da Relatora da r. decisão recorrida em negar a instauração de um procedimento disciplinar, a fim de melhor analisar a catastrófica atuação da Magistrada Cecília Pinheiro”.

Assevera que “por qualquer ângulo que se olhe é nítida a atecnia da Magistrada, que conforme já provado nos autos da Ação Penal nº 0055600-80.2005.8.26.0050 chegou a até mesmo copiar os memoriais do Ministério Público, ou seja, a Magistrada não teve nem mesmo o trabalho de elaborar a própria sentença”.

Conclui dizendo que “temos aqui na presente Reclamação Disciplinar a constatação de erros propositais que demonstram duas únicas possibilidades, a primeira é a quebra de moralidade da Magistrada Cecília Pinheiro, e a segunda é a sua patente atecnia, pois poucas foram as vezes em que se teve conhecimento de uma sentença tão mal formulada”.

Requer o provimento do presente Recurso Administrativo, a fim de que possam ser esclarecidas a seguintes questões:

1) O porquê de ter se recusado a fundamentar a decisão que recebeu a denúncia pela segunda vez; 

2) O porquê de ter sido permitido ao Banco Santander ter acesso aos autos tantas vezes para a suposta confecção de cópias, bem como o porque de ter sido permitido que o Banco tivesse tido acesso na fase de inquérito a dados sigilosos dos acusados; 

3) O porquê de ter sido aceita a produção de mais de cinquenta perícias em provas requeridas pelo Banco Santander mesmo após a manifestação do MP em sentido contrário a manutenção da persecução penal; 

4) O porquê de ter sido deferido ao Banco Santander a oitiva de testemunhas mesmo após passados vários anos para que tal oportunidade tivesse sido requerida; 

5) O porquê de ter sido negado ao Reclamante o deferimento de oitiva de testemunhas sob o argumento de que eram extemporâneas, mesmo tendo sido deferido ao Banco Santander a oitiva de testemunhas também requeridas em caráter extemporâneo; 

6) O porquê de não terem sido intimados os Réus a respeito do novo recebimento da denúncia, bem como de deferimentos de produções de provas requeridas pelo Banco Santander;

7) Qual o motivo de ter sido deferido a quebra do sigilo bancário nos termos expostos pelo Banco Santander? 

8) Qual o motivo para ter mudado de opinião acerca da manutenção dos autos do processo perante a justiça estadual mesmo tendo exposto alguns dias antes que seria necessário aguardar decisão do colegiado superior; 

9) O porquê de ter denegado ordem aos termos dos habeas corpus que tratavam de questões tão claras nos autos, como, por exemplo, ausência de fundamentação de decisões e prescrição; 

10) Qual o motivo de não terem sido enfrentadas, ainda que de forma singela os argumentos lançados em memoriais finais; 

11) Qual o motivo pelo qual um processo com mais de cinco mil laudas ter tido sentença proferida em apenas seis páginas, ignorando teses preliminares imensamente relevantes para o deslinde da ação, bem como dispensando relatório e dosimetria da pena, quando as duas questões (relatório e dosimetria) são questões viscerais da sentença; 

12) Qual o motivo para que a fundamentação da sentença ter sido uma cópia literal dos argumentos lançados pela promotoria de justiça em sua apresentação de memoriais. 

As contrarrazões não foram apresentadas. 

É o relatório.

A14/Z09

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

Conforme já ressaltado na decisão recorrida, o Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. 

Decerto, a revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

No presente caso, ao que se tem, o reclamante, ora recorrente, insurge-se contra os atos judiciais praticados no bojo da Ação Penal nº 0055600-80.2005.8.26.0050 que corresponderiam, conforme já ressaltado na decisão recorrida, a “errores in procedendo e in judicando”, passíveis de correção pela via processual.

E, em casos tais, o interessado deve buscar os meios de impugnação previstos na legislação processual, não cabendo a simultânea intervenção desta Corregedoria Nacional de Justiça. 

Decerto, não obstante o esforço retórico do reclamante em demonstrar sua indignação com a equivocada atuação da reclamada durante a condução da Ação Penal nº 0055600-80.2005.8.26.0050, tem-se que a conduta da magistrada, ainda que reconhecidas as mencionadas atecnias pelo juízo de segundo grau, não configura, por si só, infração disciplinar, mormente se ausentes elementos a evidenciar que as decisões jurisdicionais impugnadas tenham sido praticadas com dolo, má-fé, abuso de poder ou movidas por interesses extra processuais.

Com efeito, “as invocações de erro de procedimento (error in procedendo) e erro de julgamento (error in judicando) impedem a atuação correcional, pois carregadas de conteúdo jurisdicional” (CNJ – RD – Reclamação Disciplinar – 0000784-74.2018.2.00.0000 – Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 275ª Sessão ordinária – j. 07/08/2018).

No mesmo sentido:

“Eventual error in procedendo e/ou error in judicando deve ser sanado por meio dos recursos processuais próprios, sendo descabido o uso da reclamação disciplinar" (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 761 - Rel. Antônio de Pádua Ribeiro - 12ª Sessão (EXTRAORDINÁRIA) - j. 22/5/2007).

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. APLICAÇÃO DA PENA DE CENSURA A MAGISTRADO EM FACE DE DECISÕES JUDICIAIS PAUTADAS EM CONVICÇÕES PESSOAIS E NO CONVENCIMENTO MOTIVADO. FUNDAMENTAÇÃO NA FORMA DO ARTIGO 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REGULAR ATIVIDADE JURISDICIONAL. DESRESPEITO À AUTONOMIA E À INDEPENDÊNCIA JURISDICIONAL INERENTES AO EXERCÍCIO DA MAGISTRATURA. INFRAÇÃO FUNCIONAL NÃO CARACTERIZADA. PROCEDÊNCIA. ABSOLVIÇÃO.  

I – A análise pormenorizada do conteúdo das decisões judiciais proferidas pelo Requerente, impugnadas pela via administrativa, traduz entendimento de que a condenação imposta ao Magistrado adentra na análise da sua atividade jurisdicional, em desrespeito à autonomia e à independência funcional asseguradas aos membros da Magistratura, por força do artigo 41 da LOMAN, a autorizar a intervenção deste Conselho, na forma do artigo 83, inciso I, do RICNJ. 

II – Ausentes elementos a evidenciar que as decisões jurisdicionais impugnadas tenham sido praticadas com dolo, má-fé, abuso de poder ou movidas por interesses extra processuais, as invocações de erros no agir jurisdicional, seja error in procedendo ou error in iudicando, não se prestam a justificar a aplicação de qualquer penalidade administrativa ao Magistrado Requerente. 

III – Em tais situações, ainda que o entendimento defendido seja considerado equivocado pela instância judicial reformadora, frente à legislação de regência da matéria, é certo que, em regular atuação da atividade jurisdicional, caracterizada por decisões judiciais pautadas na expressão do convencimento motivado do Magistrado, devidamente fundamentada, não há que se falar em infração funcional ou punição administrativa.

IV – Revisão Disciplinar julgada procedente para absolver o Magistrado da pena de censura que lhe foi imposta. (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0004729-35.2019.2.00.0000 - Rel. EMMANOEL PEREIRA - 325ª Sessão Ordinária - julgado em 23/02/2021) .

Dessa forma, há que se manter o arquivamento da presente reclamação disciplinar.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo. 

É o voto.