Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0000063-54.2020.2.00.0000
Requerente: CASSIANO PIRES VALENTE
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


EMENTA: 

CONSULTA. CONCURSO DA MAGISTRATURA. ATIVIDADE JURÍDICA. INVESTIGADOR DE POLÍCIA. AVALIAÇÃO. COMPETÊNCIA DA RESPECTIVA COMISSÃO DO CONCURSO. NECESSIDADE DE CERTIDÃO CIRCUNSTANCIADA.

1. A atividade policial constitui função típica de segurança pública. As missões encarregadas ao profissional ocupante do cargo de Investigador, em geral, não envolvem o uso preponderante de conhecimento jurídico.

2. Todavia, o Plenário deste Conselho tem reconhecido o desempenho de atividade jurídica quando há a comprovação cumulativa do período de três anos de bacharelado em Direito e do exercício de cargo, emprego ou função pública que exija utilização preponderante de conhecimento jurídico, inclusive no âmbito do inquérito policial..

3. Especificamente, o cargo de Investigador Policial pode ser considerado para a comprovação de atividade jurídica, nos termos do art. 59, III, da Resolução nº 75/2009 deste Conselho, desde que cumulativamente o profissional seja bacharel em Direito há mais de três anos e haja a comprovação, em certidão emitida pelo órgão competente, das respectivas atribuições e da prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, cabendo à Comissão de Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento.

4. Consulta conhecida e respondida nos termos da fundamentação apresentada.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, respondeu a consulta, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 30 de março de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0000063-54.2020.2.00.0000
Requerente: CASSIANO PIRES VALENTE
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ


 

RELATÓRIO

           

Trata-se de Consulta formulada por Cassiano Pires Valente, advogado do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais – SINDPOL/MG, por meio da qual questiona o Conselho Nacional de Justiça – CNJ acerca do exercício da atividade de Investigador de Polícia e sua caracterização como atividade jurídica, segundo o disposto no art. 59, III, da Resolução CNJ nº 75/2009. 

A consulta é apresentada nos seguintes termos: 

 

- Gostaria de saber se as funções do cargo de Investigador de Polícia Civil podem ser consideradas para a comprovação de atividade jurídica, para efeitos do disposto no artigo 59, inciso III, da Resolução CNJ nº 75/2009. (Precedente análogo: consulta nº 0009070-37.2017.2.00.0000 formulada junto a este colendo Conselho Nacional de Justiça, conforme anexo). 

 

 

 

É o Relatório. 


 

 

VOTO 

  

Observado o aspecto hierárquico, o requisito da atividade jurídica nos concursos públicos tem origem na Constituição Federal, que passou a exigi-lo para a magistratura nacional (art. 93, I) e para o Ministério Público (art. 129, §3º) a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2009.

O legislador constituinte derivado estabeleceu a comprovação de três anos de atividade jurídica para ingresso nas mencionadas carreiras.

Vejamos:

 

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação. (grifo não no original)

 

 

Para melhor definir o sentido e o respectivo alcance da norma constitucional, coube ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, §4º) estabelecer as condições mínimas para o reconhecimento da referida atividade jurídica.

Por meio da Resolução nº 75/2009, que dispõe sobre os concursos públicos para a magistratura em todos os ramos do Poder Judiciário, o CNJ fixa as formalidades necessárias para habilitação do candidato no respectivo certame. Dentre as condições delineadas, é exigida a apresentação de “certidão ou declaração idônea que comprove haver completado, à data da inscrição definitiva, 3 (três) anos de atividade jurídica, efetivo exercício da advocacia ou de cargo, emprego ou função, exercida após a obtenção do grau de bacharel em Direito” (art. 58, § 1º, “b”).

Sem olvidar das interpretações já assinaladas pelo Supremo Tribunal Federal ([1]) acerca do momento da apresentação do mencionados requisitos (inscrição definitiva/posse), os parâmetros para aferição do exercício da atividade jurídica se encontram delineados junto ao art. 59 da mencionada Resolução CNJ nº 75/2009, que assim dispõe:

 

Art. 59. Considera-se atividade jurídica, para os efeitos do art. 58, § 1º, alínea "i":

I - aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito;

II - o efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, mediante a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº 8.906, 4 de julho de 1994, art. 1º) em causas ou questões distintas;

III - o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico;

IV - o exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, no mínimo por 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano;

V - o exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição de litígios.

§ 1º É vedada, para efeito de comprovação de atividade jurídica, a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade anterior à obtenção do grau de bacharel em Direito.

§ 2º A comprovação do tempo de atividade jurídica relativamente a cargos, empregos ou funções não privativas de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, cabendo à Comissão de Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento. (grifo não no original)

 

 

No desempenho das atribuições/funções inerentes ao cargo de Investigador Policial, o qual tem como requisito a formação em curso superior, não necessariamente em Direito, é exigida do respectivo profissional a realização de atividades típicas da persecução criminal, pois responsável pelo cumprimento de diligências para a coleta do conjunto probatório suficiente para a elucidação do fato criminoso e indiciamento do réu.

Sua principal missão é compreender todo o desenrolar dos fatos que ensejaram o cometimento de determinado crime, notadamente com a constituição dos elementos e circunstâncias que carrearam para o ilícito penal. Além de responsável pelo cumprimento das medidas judiciais (ex.: efetuar prisão em flagrante ou mediante mandado; efetuar mandado de busca e apreensão, e outros), realiza a missão de policiamento preventivo especializado.

Assim, tem o dever de apurar os fatos e constituir os elementos de prova necessários para o julgamento do caso.

Para melhor elucidação, cite-se apontamentos de alguns editais de concurso para o referido cargo:

 

Concurso para INVESTIGADOR DE POLÍCIA – PARÁ 

(Edital nº 01/2020)[2]

Requisitos: Graduação de nível superior completo, fornecido por instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação e possuir Carteira Nacional de Habilitação, categoria “B”, válida.

Atribuições do cargo: Conduzir Diligências e investigações policiais com o fim de coletar elementos para a elucidação de infrações penais ou administrativas para instrução dos respectivos procedimentos legais; Ademais, efetuar prisões em flagrantes ou mediante mandato (conduzir e escoltar presos), entre outros.

 

Concurso para INVESTIGADOR DE POLÍCIA – São Paulo 

(Edital 2018)[3]

 Requisitos: nível superior com graduação; possuir as condições de provimento, conforme dispõe o Capítulo II - Dos pré-requisitos.

Atribuições: São atividades inerentes ao exercício do cargo de Investigador de Polícia, sem prejuízo de outras tarefas análogas que possam ser determinadas: realizar diligências investigatórias e de policiamento preventivo especializado; cumprir requisições escritas ou verbais atinentes ao trabalho de polícia judiciária, emanadas pela Autoridade Policial; cumprir mandados; elaborar documentos de polícia judiciária e relatórios circunstanciais; escoltar presos; realizar prisões e apreensões; e outros.

  

 

Ciente da particularidade do caso, o Plenário deste Conselho tem reconhecido o desempenho de atividade jurídica quando há a comprovação cumulativa do período de três anos de bacharelado em Direito e do exercício de cargo, emprego ou função pública que exija utilização preponderante de conhecimento jurídico, inclusive no âmbito do inquérito policial.

No julgamento do Pedido de Providências nº 1238, de relatoria do então Conselheiro Cláudio Godoy, é destacada a responsabilidade do profissional competente para o desenvolvimento do inquérito policial e da respectiva peça investigativa, formadora do corpo probatório das ações penais. Sabidamente, trata-se de procedimento administrativo que, também, é disciplinado por normas técnicas e jurídicas de manejo constante.

Cite-se trecho do referido julgado:

 

(...) Não parece haver dúvida, pelo que se considera, de que a atuação do escrivão da polícia, quer federal, quer mesmo estadual, esteja a pressupor preparo jurídico, esteja a exigir, marcadamente, a utilização desses conhecimentos técnicos. E isto mesmo que, como no caso, para o respectivo concurso não se reclame, propriamente, curso de direito completo, mas sim qualquer curso superior. Lembre-se, a propósito, que a Resolução n. 11, em seu art. 2º, mencionou não só o bacharelato em direito, como, também, o exercício de cargo, emprego ou função que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico.

E, nesse sentido, ao escrivão incumbe, basicamente, a prática de atos atinentes ao desenvolvimento de inquérito policial, peça investigativa do cometimento de delitos, típicos porque previstos em lei, assim cujo conhecimento não pode ser estranho ao funcionário. Mais, trata-se de procedimento administrativo também disciplinado por normas técnicas e jurídicas de manejo constante.

Na espécie isto se confirma pelo teor da Portaria 523/89 do Ministério do Planejamento, que estabelece as funções do escrivão, dentre tantas a de dar cumprimento a formalidades processuais, lavratura de termos, autos e mandados, além da escrituração dos livros cartorários. Repita-se, atividade técnico-jurídica.” (Pedido de Providências. Extensão do conceito de atividade jurídica. Resolução CNJ n. 11. Função dos escrivães de polícia e agentes da Polícia Federal. Utilização preponderante de conhecimentos jurídicos. Submissão a previsão do art. 2º. Consulta respondida. (CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 1238 - Rel. Cláudio Godoy - 8ª Sessão (EXTRAORDINÁRIA) - j. 20/03/2007)”

 

 

Semelhante orientação foi confirmada em recente precedente deste Conselho, com enfoque para a atividade de Escrivão de Polícia:

 

CONSULTA. ATIVIDADE JURÍDICA. RESOLUÇÃO CNJ N. 75/09. CARGO DE ESCRIVÃO DE POLÍCIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO.

1. O cargo de escrivão de polícia pode ser considerado para a comprovação de atividade jurídica, para efeitos do disposto no art. 59, III, da Resolução CNJ n. 75/09.

2. Atividade policial não envolve, necessariamente, utilização preponderante de conhecimento jurídico.

3. Necessidade de comprovação cumulativa do período de três anos de bacharelado em Direito e do exercício da atividade jurídica de escrivão de polícia mediante emissão de certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico.

4. Consulta respondida.

(CNJ - CONS - Consulta - 0009079-37.2017.2.00.0000 - Rel. MARIA CRISTIANA ZIOUVA - 289ª Sessão Ordinária - julgado em 23/04/2019).

 

 

De acordo com os parâmetros acima delineados, denota-se que a atividade policial constitui função típica de segurança pública. As missões encarregadas ao profissional ocupante do cargo de Investigador, em geral, não envolvem o uso preponderante de conhecimento jurídico. Não obstante, observada particularidade de alguns atos que lhe são inerentes, cujo conhecimento jurídico e tecnicidade é fundamental para a regularidade e licitude dos atos da persecução penal, a função de Investigador Policial pode, sim, caracterizar atividade jurídica para fins da Resolução CNJ nº 75/2009.

Essa orientação, porém, não retira a competência e o poder da respectiva banca examinadora do concurso da magistratura de conhecer e avaliar as circunstâncias de cada caso, pontualmente, para análise da relevância das atividades preponderantemente desempenhadas pelo candidato, devidamente apresentadas em certidão circunstanciada, com observância das formalidades dispostas no art. 59, § 2º, da Resolução CNJ nº 75/2009.

Firme nos fundamentos acima apresentados, conheço da consulta e respondo nos seguintes termos: de acordo do art. 59, III, da Resolução nº 75/2009 deste Conselho, o cargo de Investigador Policial pode ser considerado para a comprovação de atividade jurídica, desde que cumulativamente seja bacharel em Direito há mais de três anos e haja a comprovação pelo órgão competente das respectivas atribuições e da prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, cabendo à Comissão de Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento.

É como voto.

Brasília/DF, data registrada no sistema.

 

Conselheiro André Godinho

Relator

 



[1] STF – ADI 3460/DF e MS 26.682-1/DF

[2] PCPA - https://www.institutoaocp.org.br/concurso.jsp?id=302

[3] PCSP - https://documento.vunesp.com.br/documento/stream/MzY4ODY5