Conselho Nacional de Justiça

Gabinete da Conselheira Jane Granzoto

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0004419-92.2020.2.00.0000
Requerente: LIDYEL JUNIOR DE ANDRADE CRUZ
Requerido: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - CGJSP

 

 

EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. LEI Nº 8.935/1994. INTERVENTOR DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. TITULAR DA UNIDADE AFASTADO PREVENTIVAMENTE PARA A APURAÇÃO DE FALTAS, POSTERIORMENTE PUNIDO COM A SANÇÃO DE SUSPENSÃO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO PARA O LEVANTAMENTO DE VALORES DEPOSITADOS EM CONTA BANCÁRIA ESPECIAL DURANTE O PERÍODO DA INTERVENÇÃO. AUSÊNCIA DE DISTINÇÃO LEGAL ENTRE AS PENALIDADES PREVISTAS, BASTANDO A CONDENAÇÃO EM QUALQUER DELAS. DIREITO DO INTERVENTOR DE RECEBER O MONTANTE. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. 

1.    Pretensão de reforma da decisão do Corregedor-Geral de Justiça do Estado de São Paulo que indeferiu pedido de interventor de cartório extrajudicial para levantamento de valores depositados em conta bancária especial durante a intervenção. 

2.    Processo administrativo disciplinar instaurado para a apuração de faltas do delegatário que resultou na aplicação da pena de suspensão por 90 (noventa) dias. 

3.    A razão para o indeferimento do pedido na origem seria a de que o montante depositado na referida conta só poderia ser revertido ao interventor no caso de o titular ter sido punido com a perda da delegação, o que não teria ocorrido. 

4.    O art. 36, §3º, da Lei nº 8.935/1994, não fez distinções quanto aos tipos de penalidades aplicáveis, mas foi claro ao estabelecer que “absolvido o titular, receberá ele o montante dessa conta; condenado, caberá esse montante ao interventor”, não competindo ao intérprete discernir quanto à modalidade de sanção aplicada para autorizar a liberação dos valores depositados na conta especial.

5.    Procedência do pedido.

 

 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello (vistor), o Conselho, por unanimidade, julgou procedente o pedido para autorizar ao requerente o levantamento do montante depositado na conta especial durante a intervenção no Tabelionato de Notas e de Protesto de Títulos e de documentos da Sede da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo/SP, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 12 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto (Relatora), Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Gabinete da Conselheira Jane Granzoto


Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0004419-92.2020.2.00.0000
Requerente: LIDYEL JUNIOR DE ANDRADE CRUZ
Requerido: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - CGJSP



 
RELATÓRIO


               
 A EXCELENTÍSSIMA SENHORA CONSELHEIRA JANE GRANZOTO (RELATORA): Trata-se de Pedido de Providências (PP) apresentado por LIDYEL JUNIOR E ANDRADE CRUZ, interventor do Tabelionato de Notas e de Protesto de Títulos e de documentos da Sede da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo/SP, no qual pede pela reforma da decisão do CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO que indeferiu o pedido para levantamento dos valores depositados durante a intervenção, nos termos do artigo 36, § 3º, da Lei nº 8.935/1994. 

 O requerente relata que em 9.11.2018 foi designado interventor do Tabelionato de Notas e de Protesto de Títulos e de documentos da Sede da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo/SP e por isso, segundo disposições do item 29, do Capítulo XXI, Seção V, das Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral de Justiça, deveria ser-lhe reservado metade do valor arrecadado na serventia, até a finalização do processo administrativo disciplinar contra o titular. 

Narra que em 7.8.2019 foi publicada decisão que condenou o oficial do cartório extrajudicial a 90 (noventa) dias de suspensão, com embargos rejeitados em 26.9.2019, e manutenção da deliberação. 

Nesse sentido, sobre o levantamento do montante da arrecadação depositado em conta durante a tramitação do PAD, o requerente indica os seguintes marcos: 

·     21.11.2019: deferimento do levantamento, em seu favor (interventor), dos valores referentes à metade da renda líquida depositada em conta especial durante a intervenção (art. 36, §3º, da Lei 8.935/1994, e item 30, Capitulo XIV, Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça); 

·     11.12.2019: decisão que modificou a anterior e não autorizou o levantamento da quantia; 

·     28.2.2020: inadmissão do recurso interposto pelo requerente.

Assim, o requerente expõe os fundamentos pelos quais entende que a decisão deve ser modificada, já que o titular foi condenado a pena de suspensão por 90 (noventa) dias: a) que o art. 36, §3º, da Lei 8.935/1994, se refere à condenação em qualquer das modalidades dos incisos do art. 32; b) nessas hipóteses, o interventor faria jus aos valores depositados em conta durante a intervenção; c)  o art. 32 se refere à suspensão da pena de 90 (noventa) dias, prorrogável por mais 30 (trinta) dias; d) a suspensão mencionada no art. 36 seria preventiva, de natureza cautelar excepcional e temporária, necessária para apuração dos fatos durante o procedimento administrativo disciplinar, em que “metade da renda líquida vai para o oficial e a outra metade para uma conta bancária especial. Finalizado o procedimento, o oficial sendo absolvido, o dinheiro depositado na conta especial caberá a ele”, mas “se finalizado o procedimento e o oficial for condenado, o valor depositado na conta especial será entregue ao interventor”.

Apresenta jurisprudências que reforçariam as alegações de que “na suspensão pena o titular da delegação não tem direito a perceber nenhum emolumento. Pois se pudesse receber emolumentos, mesmo que igual na suspensão preventiva, descaracterizaria a suspensão como penalidade, pois tornaria-se férias para os titulares de delegação, ficaria muito atrativa, ao invés de verdadeira penalidade, como o é”.

Feitas as distinções, refuta a alegação de bis in idem quando da suspensão preventiva do delegatário e posterior aplicação da sanção de suspensão, já que a imposição de pena teria ocorrido apenas uma vez, e o montante em conta especial deveria ser destinado ao interventor.

Amparado em precedente do TJSP, o requerente aduz que o recebimento da remuneração pelo trabalho prestado durante a intervenção não impediria o levantamento referido pelo art. 36, §3º, da Lei n 8.935/1994, pois o interventor teria o direito de perceber tanto a remuneração pelo seu labor durante a intervenção, quanto a metade da renda líquida da serventia depositada em conta especial, após condenação do titular.

Ao final, na condição de interventor, requer que a decisão do Corregedor Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo seja reformada e autorizado o levantamento dos valores constantes em conta especial em seu favor.

Instado, o TJSP realiza um breve histórico dos fatos que embasaram a determinação do afastamento preventivo do titular do Tabelionato de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, Durval Cichetto Junior, ocasião em que se nomeou o requerente como interventor da unidade, com a obrigação de reservar metade do valor arrecadado na serventia até ultimação do processo administrativo disciplinar (Id. 4018835).

Informa que o juiz Corregedor Permanente do cartório extrajudicial condenou o delegatário à pena de perda da delegação, mas que esta foi posteriormente revertida em grau de recurso por decisão do então Corregedor Geral da Justiça, o qual lhe aplicou a sanção de suspensão por 90 (noventa) dias.

A Corte narra ainda novo recurso contra a decisão do juiz Corregedor que determinou o cumprimento da pena de suspensão e autorizou que o interventor levantasse o montante depositado em conta especial durante o afastamento preventivo do titular, observado o teto de 90,25% dos subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Relata que o apelo teria sido parcialmente provido para indeferir a liberação dos valores depositados na conta especial.

Sobre a matéria, o TJSP explica que a remuneração do interventor é fixada no procedimento disciplinar que determina o afastamento do titular e que a renda líquida da delegação, deduzida da remuneração devida ao interventor, tem a sua metade entregue ao titular afastado e a outra metade depositada em conta bancária específica para essa finalidade, nos termos dos artigos 36, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.935/1994. Explana que “ao final, a metade remanescente da renda líquida é entregue ao titular da delegação se for aplicada pena distinta da perda da delegação, ou reverte ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, havendo a perda da delegação por decisão não mais sujeita a recurso na esfera disciplinar”.

A Corte reputa inexistentes previsões legais quanto à forma de se remunerar o interventor durante esse período, que devem ser equiparados aos interinos. Se refere à decisão da Corregedoria Nacional de Justiça que limitou a remuneração dos interinos à 90,25% dos subsídios de Ministro do Supremo Tribunal Federal e positivada nos Provimentos CNJ nºs 45/2015 e 77/2018.

Defende o entendimento de que o interventor somente teria direito à remuneração mencionada no art. 36, § 3º, da Lei n.º 8.934/95, com o trânsito em julgado da decisão administrativa ou judicial em que aplicada a pena de perda da delegação, hipótese que autorizaria o interventor a receber metade da renda líquida da delegação, pois extinta a titularidade, mas limitada à 90,25% do subsídio dos ministros do STF, ainda que a delegação tenha renda superior (item 31 do Capítulo XXI do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo).

E nas situações de se impor ao delegatário sanção diversa da perda da delegação, pois continuaria como titular da unidade, o TJSP entende que o levantamento dos valores em benefício do interventor representaria bis in idem.

Encaminhados os autos para parecer da Corregedoria Nacional de Justiça, esta reconheceu sua competência para julgamento do feito (Id. 4042885), com posterior emissão de parecer (Id. 4472418).

Em 4/12/2021, a atual Corregedora Nacional de Justiça entendeu não ser a autoridade competente para julgamento do feito e, além de reconsiderar decisão proferida por seu antecessor, determinou a redistribuição dos autos a esta cadeira (Id. 4516370).

É o relatório.

 

Conselho Nacional de Justiça

Gabinete da Conselheira Jane Ganzoto

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0004419-92.2020.2.00.0000
Requerente: LIDYEL JUNIOR DE ANDRADE CRUZ
Requerido: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - CGJSP

VOTO 

 A EXCELENTÍSSIMA SENHORA CONSELHEIRA JANE GRANZOTO (RELATORA): Pretende-se com este procedimento a reforma da decisão do Corregedor-Geral de Justiça de São Paulo que indeferiu pedido do interventor para levantamento de valores depositados em conta especial durante a intervenção. 

Da narrativa dos fatos, compreende-se que o titular do Tabelionato de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo/SP foi afastado das funções para apuração de falta funcional em processo administrativo disciplinar (Id. 4006929). Durante esse período, nomeou-se o requerente como interventor da serventia que teve como responsabilidade reservar metade do valor líquido arrecadado ao titular, até que se ultimasse a sentença no processo disciplinar (Id. 4006929). 

Neste, o delegatário foi sancionado pelo Juiz Corregedor Permanente com a pena de perda da delegação, posteriormente revertida em suspensão por 90 (noventa) dias, após a interposição de recurso ao Corregedor-Geral de Justiça (Id. 4006930).  

Novo apelo foi apresentado pelo titular, dessa vez contra decisão que determinou o início do cumprimento da pena de suspensão e autorizou que o interventor, ora requerente, levantasse o valor depositado em conta especial durante seu afastamento preventivo, limitado a 90,25% do subsídio dos Ministros da Suprema Corte. Ao recurso foi dado parcial provimento para indeferir o levantamento do montante (Id. 4006932). Em sucessão, o interventor se insurgiu contra a decisão, mas teve o processamento do recurso negado, por ausência de previsão legal (Id. 4006933). 

Nas informações prestadas, a interpretação dada pelo TJSP quanto à presente situação é a de que o art. 36, § 3º, da Lei nº 8.935/1994, não especificaria a forma de remuneração mensal do(a) interventor(a), nem a remuneração para a hipótese de ser aplicada ao(à) titular afastado(a) pena distinta da perda da delegação. Por esta razão, a Corte defende que o montante depositado em conta especial durante a intervenção só poderia ser revertido ao(à) interventor(a) no caso de o(a) delegatário(a) ter sido punido com a perda da delegação, ressalvado o limite correspondente à 90,25% do teto do funcionalismo público, ainda que a serventia tenha renda superior. 

Por sua importância, transcrevo os dispositivos de regência: 

Art. 32. Os notários e os oficiais de registro estão sujeitos, pelas infrações que praticarem, assegurado amplo direito de defesa, às seguintes penas: 

I - repreensão; 

II - multa;

III - suspensão por noventa dias, prorrogável por mais trinta;

IV - perda da delegação.

[...]

Art. 36. Quando, para a apuração de faltas imputadas a notários ou a oficiais de registro, for necessário o afastamento do titular do serviço, poderá ele ser suspenso, preventivamente, pelo prazo de noventa dias, prorrogável por mais trinta.

§ 1º Na hipótese do caput, o juízo competente designará interventor para responder pela serventia, quando o substituto também for acusado das faltas ou quando a medida se revelar conveniente para os serviços.

§ 2º Durante o período de afastamento, o titular perceberá metade da renda líquida da serventia; outra metade será depositada em conta bancária especial, com correção monetária.

§ 3º Absolvido o titular, receberá ele o montante dessa conta; condenado, caberá esse montante ao interventor.

A partir desta leitura, o §3º é preciso ao enunciar que a condenação, não importando a modalidade de pena, constitui fato gerador para o levantamento da quantia constante em depósito bancário. Sendo cláusula genérica, a mens legis foi a de abarcar a punição em qualquer das formas previstas na Lei nº 8.935/1994: repreensão, multa, suspensão e perda da delegação (art. 32).

Por isso, mostra-se necessária a intervenção deste Conselho para exercer o controle de legalidade e corrigir a interpretação dada pela Corregedoria-Geral da Justiça para permitir ao então interventor o levantamento de metade da quantia depositada em conta especial durante o período de intervenção, vez que o delegatário não fora absolvido, e sim condenado à pena de suspensão.

Essa foi também a conclusão alcançada pela Corregedoria Nacional de Justiça quando instada a prestar subsídios, ofertados no seguinte sentido (Id. 4472418):

Cinge-se a controvérsia à discussão sobre eventuais distinções aplicáveis ao levantamento dos valores depositados durante o tempo da intervenção a depender da espécie de penalidade legal aplicada ao notário ou oficial de registro titular.

Sobre a questão, o legislador ordinário, regulando a matéria em caráter suficiente, assim disciplinou:

[...]

Observa-se que a Lei, ao tratar sobre o levantamento dos valores depositados no curso da intervenção, delimita consequências distintas para apenas duas hipóteses taxativas, quais sejam, a absolvição e a condenação do delegatário titular.

Nesses termos, para os efeitos do aludido dispositivo, o legislador ordinário não apenas deixou de distinguir as diversas espécies de penalidades aplicáveis como também explicitou quais os únicos desdobramentos possíveis para cada hipótese correspondente: “absolvido o titular, receberá ele o montante dessa conta; condenado, caberá esse montante ao interventor”.

Logo, dispondo a Lei de forma taxativa sobre o tema, não compete a este Conselho Nacional de Justiça ou aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios regulamentar a questão de forma diversa ou promover interpretações mais ou menos restritivas — que equiparem, por exemplo, a situação jurídica dos interventores com a dos responsáveis interinos.

Em suma, uma vez condenado o titular da serventia extrajudicial a qualquer penalidade prevista na legislação, caberá ao interventor o montante depositado na conta bancária especial a que alude o artigo 36, § 2º, da Lei Federal n.º 8.935/1994. (Destaquei)

Ante o exposto, a Coordenadoria de Gestão dos Serviços Notariais e de Registros da Corregedoria Nacional de Justiça se manifesta pela impossibilidade de imposição de consequências diversas daquelas expressamente descritas no artigo 36, §§ 2º e 3º, da Lei Federal n.º 8.935/1994, para cada hipótese correspondente.

É o parecer. (Destaques no original)

À vista de toda a fundamentação apresentada e acolhendo integralmente o parecer acima, entendo que o pedido do requerente deve prosperar.

Ante o exposto, julgo o pedido PROCEDENTE para autorizar ao requerente o levantamento do montante depositado na conta especial durante a intervenção no Tabelionato de Notas e de Protesto de Títulos e de documentos da Sede da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo/SP.

É como voto.

Após as comunicações de praxe, arquivem-se os autos.

 

Jane Granzoto

Conselheira relatora