Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007434-06.2019.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES DO RIO GRANDE DO SUL - AJURIS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - TJRS

 



PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. CONCESSÃO DE AUXÍLIO PRÉ-ESCOLAR A MAGISTRADOS. POSSIBILIDADE. VERBA QUE SE DESTINA A CONCRETIZAR COMANDOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS. DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL DOS FILHOS E DEPENDENTES DOS MAGISTRADOS. CARÁTER NACIONAL DA MAGISTRATURA. JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO. DIVERGÊNCIA PARCIAL. DETERMINAÇÃO AOS TRIBUNAIS DE QUE REGULAMENTEM A MATÉRIA DENTRO DAS SUAS CAPACIDADES ORÇAMENTÁRIAS. 

1) Educação pré-escolar: direito da criança e dever do Estado. Prioridade absoluta e aplicabilidade imediata. Artigos 6º, 208, IV e 227 combinados com o artigo 5º, § 1º, da CRFB. Artigos 4º e 54, IV, do ECA. Precedente do STF: ARE 639.337 AgR, Relator: Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011. Existência de base normativa. Desnecessidade de nova regulamentação legal.

2) Caráter nacional da magistratura: ADI 3.367, Relator: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2005. Auxílio pré-escolar que é reconhecido à magistratura federal (Resolução CJF 4/2008), trabalhista (Ato TST/CSJT  1º/3/2013) e de alguns Estados (Resolução TJDFT 17/2017, por exemplo), bem como pela Resolução 13/2006 do CNJ (artigo 8o, III, a) e precedentes deste Conselho. Impossibilidade de rompimento do caráter nacional da magistratura, segregando parte de seus membros e relegando-os a uma inaceitável condição de sub-magistratura, espoliados dos seus direitos.

3) Julgamento com perspectiva de gênero: imposição de dificuldade de acesso de juízas e de esposas ou companheiras de juízes à educação pré-escolar dos seus filhos que representa aumento do peso da dupla jornada (doméstica e profissional) a que se sujeitam essas mulheres, criando obstáculo ao pleno desenvolvimento das suas potencialidades e desvantagem no competitivo mercado de trabalho em relação aos homens, em clara afronta ao artigo 5º, I, da CRFB. Compreensão que também ampara as chamadas novas formas de família, em especial as famílias monoparentais e aquelas formadas por casais homoafetivos.  

4) Procedência parcial do pedido: a) reconhecimento do direito de todos(as) os(as) magistrados(as) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul à percepção do auxílio pré-escolar, desde que atendidos os requisitos regulamentares; b)  Aprovação de enunciado administrativo, com o seguinte teor: “o auxílio pré-escolar é devido a todas as magistradas e a todos os magistrados brasileiros, e deve ser concedido aos que preencham os requisitos regulamentares estabelecidos pelo respectivo tribunal”.

5) Provimento parcial do recurso. 

 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Vistor, o Conselho, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido, no sentido de: (a) reconhecer o direito de todos os magistrados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, à percepção do auxílio pré-escolar, desde que preenchidos os requisitos regulamentares; (b) determinar ao TJRS que adote as providências necessárias ao pagamento de eventuais valores retroativos devidos desde quando regulamentada a matéria em relação aos servidores daquele tribunal, observada a prescrição quinquenal e admitido o parcelamento dos passivos para enquadramento nos limites orçamentários da corte e (c) aprovar a edição de enunciado administrativo, com o seguinte teor: o auxílio pré-escolar é devido a todos os magistrados e magistradas brasileiros, e deve ser concedido aos que preencham os requisitos regulamentares estabelecidos pelo respectivo tribunal; nos termos do voto da Relatora. Vencido, parcialmente, o Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues. Votou a Presidente. Ausente, justificadamente, o Conselheiro Sidney Madruga. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 11 de abril de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene (Relatora), Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.



Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007434-06.2019.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES DO RIO GRANDE DO SUL - AJURIS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - TJRS

 

RELATÓRIO 

  

Trata-se de Recurso Administrativo interposto pela ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES DO RIO GRANDE DO SUL (AJURIS), em face de decisão monocrática que julgou improcedente a postulação formulada neste Pedido de Providências (PP).

Na petição inicial, a requerente pleiteou a reversão de decisão do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça daquela unidade da Federação (TJRS) que indeferiu pedido de pagamento de auxílio-creche ou auxílio pré-escolar para os/as magistrados/as gaúchos/as.

Por bem resumir a controvérsia, transcrevo o relatório da decisão recorrida:

 

Trata-se de Pedido de Providências formulado pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS), em face de decisão do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça daquele Estado (Id. 3766425), por meio da qual se manteve a improcedência de pedido de pagamento de “auxílio pré-escolar” aos magistrados e magistradas da Justiça estadual.

Narra a requerente que diversas unidades da federação concedem o auxílio pré-escolar à judicatura estadual, circunstância que estaria a justificar a extensão do benefício aos membros do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. Para tanto, aponta a necessidade de observância aos princípios da “simetria e unicidade”, que estruturam a magistratura nacional.

Salienta haver o Conselho da Justiça Federal (CJF) regulamentado a concessão da vantagem aos magistrados e servidores da Justiça Federal, por meio da Resolução CJF 4/2008.

Fundamenta o pedido no art. 7º, XXV, da Constituição Federal, que estabelece a “assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 anos de idade em creches e pré-escolas”, bem como no art. 43 da Constituição Estadual, que prevê o direito ao referido benefício até os 6 (seis) anos de idade.

Registra que a Lei Complementar 10.098/1994, que dispõe sobre o Estatuto e o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do Rio Grande do Sul, determina o “atendimento gratuito de filhos e dependentes de servidores, de zero a seis anos, em creches e pré-escola” (art. 256, § 3º). Igual previsão consta da Lei Federal 8.069/1990, que assegura “suporte pecuniário, visando ampla proteção aos menores também com a instituição de creches para crianças de zero a seis anos de idade”.

Sublinha, ainda, que a Lei Estadual 11.242/1998 “foi editada especificamente para instituir e regulamentar o benefício do auxílio-creche no âmbito do Poder Judiciário” daquela unidade federada.

Destaca que a nova redação dada ao art. 129, § 4º da Constituição da República, nos termos da EC 45/2004, inaugurou o cenário da simetria estrutural entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público brasileiro.

Nesse sentido, sublinha que este Conselho, em razão do julgamento do Pedido de Providências 2043-22, editou a Resolução CNJ 133/2011, dispondo “sobre a simetria constitucional entre a Magistratura e Ministério Público e equiparação de vantagens”.

Discorre sobre a competência do CNJ na expedição de atos normativos “aplicáveis a todo o Poder Judiciário, em temática tão relevante quanto a das vantagens funcionais”, não havendo falar em afronta ao princípio da legalidade.

Assevera ser significativo o rol de unidades da federação que concedem a assistência pré-escolar à magistratura estadual, a saber: Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina.

Requer, ao final, o acolhimento dos pedidos, para que sejam determinados: a) a reversão da decisão impugnada, com a consequente autorização do “pagamento do benefício de Auxílio Pré-Escolar (Auxílio-Creche) aos magistrados vinculados ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul”; e b) o pagamento da referida vantagem com efeito retroativo, “a partir do reconhecimento da simetria constitucional estabelecida pelo CNJ, por meio da Resolução nº 133 de 2011”.

Regularmente intimada, a Presidência do TJRS manifestou-se (Id. 3791212), requerendo a improcedência do pedido em tela. Como fundamento central, aponta que o princípio da legalidade estrita impede o acolhimento da pretensão formulada pela AJURIS.

Nesse sentido, salienta ser necessária a edição de ato legislativo que preveja, de forma expressa, a concessão do auxílio-creche aos magistrados e às magistradas estaduais, mostrando-se impossível sua extensão “por meio de ato administrativo”.

Enfatiza que o legislador estadual limitou a concessão do benefício aos servidores/as e não aos magistrados/as do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, sendo “inviável o acolhimento da pretensão formulada pela AJURIS, com amparo no princípio da legalidade”.

Destaca, por fim, o óbice concernente ao impacto no orçamento do Poder Judiciário estadual, ante possível deferimento do pleito formulado, em razão da “notória e grave crise financeira que afeta” aquele Estado.

Em 17/02/2020, a requerente apresentou resposta à manifestação do TJRS, na qual afirma que “a argumentação defensiva não se posta suficiente para afastar a robustez da pretensão da Requerente, tampouco restou acompanhada de eventual efeito deletério aos cofres públicos” (Id. 3883378).

É o relatório.

 

Ao apreciar a demanda, a então Conselheira Relatora Ivana Farina Navarrete Pena julgou improcedente o pedido por entender que: (i) a LOMAN apresenta rol taxativo de direitos e vantagens da magistratura (art. 69), tornando inaplicáveis a seus membros os direitos previstos no Regimento Jurídico dos Servidores Públicos estaduais; (ii) é vedado ao CNJ interferir na autonomia orçamentária dos Tribunais, mormente criando obrigações com reflexo financeiro; (iii) a Resolução CNJ n. 133/2011, que dispõe sobre a simetria constitucional entre Magistratura e Ministério Público, não prevê o pagamento da verba em questão; (iv) a referida resolução está submetida ao crivo do STF em Recursos Extraordinários com repercussão geral reconhecida e em Ação Direta de Inconstitucionalidade; (v) o pagamento de qualquer verba remuneratória ou indenizatória não prevista na LOMAN só poderá ser realizado após autorização prévia do CNJ, precedida de iniciativa do Tribunal requerente, que deve encaminhar “cópia integral do procedimento administrativo que reconheceu a verba e o valor devido”, o que não ocorreu na espécie; (vi) a Súmula Vinculante 37 do STF estabelece que “não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”.

Em seu recurso administrativo, a AJURIS sustenta, em síntese, que o pagamento da referida vantagem possui ampla base legal (i) na Constituição Federal, ao se estabelecer o direito à “assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; (ii) na Constituição Estadual, que assegura o mesmo direito aos servidores da administração; (iii) no Estatuto e Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do RS; (iv) no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei Estadual 11.242/1998, que teria instituído o referido benefício no âmbito do Poder Judiciário local. 

Alega que este Conselho teria declarado, no julgamento do PCA 200810000033357, a possibilidade de concessão de auxílio pré-escolar aos magistrados do trabalho, independentemente de prévia lei em sentido formal. Defende não serem aplicáveis ao caso as restrições contidas no art. 65, §2º da LOMAN. 

Sublinha que a Constituição Federal outorga ao CNJ a competência para zelar pela remuneração da magistratura nacional, inclusive sobre os benefícios por ela auferidos, e que a prévia dotação orçamentária não pode ser requisito para declaração do direito ao auxílio-creche. 

Ressalta que o fato de a constitucionalidade da Res. CNJ 133/2011 estar submetida à análise do Supremo Tribunal Federal não teria o condão de suspender a vigência do referido Ato Normativo, que dispõe sobre a concessão de equiparação de vantagens funcionais a magistrados com fundamento na simetria constitucional com os membros do Ministério Público. 

Pede, ao final, caso não reconsiderada a decisão monocrática, o provimento do recurso para que sejam determinados:

 

 a) a reversão da decisão impugnada, com a consequente autorização do “pagamento do benefício de Auxílio Pré-Escolar (Auxílio Creche) aos magistrados vinculados ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul”; e

 b) o pagamento da referida vantagem com efeito retroativo, “a partir do reconhecimento da simetria constitucional estabelecida pelo CNJ, por meio da Resolução nº 133 de 2011”.

 

Regularmente intimada, a Presidência do TJRS apresentou contrarrazões (Id. 4054013).

O julgamento foi iniciado na 80ª Sessão Virtual, tendo a relatora originária votado pelo não provimento do recurso. Na ocasião, o então Conselheiro Mário Guerreiro apresentou voto parcialmente divergente para reconhecer o direito de todos os magistrados brasileiros, inclusive os do TJRS, à percepção do auxílio pré-escolar, desde que preenchidos os requisitos regulamentares. O processo foi retirado da pauta da 80ª sessão virtual, a pedido do então Conselheiro Luiz Fernando Tomasi Keppen, nos termos do art. 118-A, § 5º, II, do RICNJ. Eis o teor da certidão de julgamento (Id 4257205):

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

CERTIFICO que o PLENÁRIO VIRTUAL, ao apreciar o processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

“Após o voto da Relatora, negando provimento ao recurso, no que foi acompanhada pelos Conselheiros Maria Thereza de Assis Moura, Emmanoel Pereira, Tânia Regina Silva Reckziegel e André Godinho; e dos votos parcialmente divergentes dos Conselheiros Mário Guerreiro e Candice L. Galvão Jobim, que davam parcial provimento ao recurso e julgavam parcialmente procedente o pedido, o processo foi retirado da pauta da 80ª sessão virtual, a pedido do Conselheiro Luiz Fernando Tomasi Keppen, nos termos do art. 118-A, § 5º, II, do RICNJ. Plenário Virtual, 12 de fevereiro de 2021."

Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Maria Thereza de Assis Moura, Emmanoel Pereira, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Ivana Farina Navarrete Pena e André Godinho.

Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Flávia Pessoa, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Maria Tereza Uille Gomes, Henrique Ávila e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

Brasília, 12 de fevereiro de 2020.

 

O feito foi redistribuído à minha relatoria em razão da vacância da cadeira ocupada pela então Conselheira Relatora Ivana Farina Navarrete Pena por mais de 90 (noventa) dias, nos termos do art. 45-A, § 2º, do Regimento Interno.

É o relatório.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007434-06.2019.2.00.0000
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VOTO

 

O recurso interposto atende aos requisitos do art. 115 do Regimento Interno do CNJ, razão pela qual dele conheço.

Antes de adentrar o mérito, esclareço que nos casos de continuidade de julgamento em que haja redistribuição de procedimentos para Conselheiro ocupante de cadeira de origem distinta, como ora se verifica, o entendimento prevalente no órgão é no sentido de que o relator posterior pode proferir voto em sentido diverso daquele proferido pelo relator originário.

Foi nesse sentido a orientação do então Presidente deste Conselho, o Exmo. Ministro Luiz Fux, manifestada nos autos do processo SEI n. 00872/2022:

 

(...)

Por todo o exposto e respondendo à dúvida da Conselheira, conclui-se, em síntese, que o voto do Relator originário é computado (em regra), o novo Relator, que não é o sucessor na cadeira, vota normalmente e o Conselheiro sucessor na cadeira fica impedido de votar, se já tiver tomado posse. A título de exemplo, se considerarmos um processo originalmente relatado pelo Conselheiro oriundo do Ministério Público da União – MPU e que passou para a relatoria do Conselheiro proveniente da vaga de Juiz de Tribunal Regional Federal – TRF, quando o julgamento for retomado, o novo Relator oriundo do TRF vota, mas o sucessor do MPU não.

(...)

 

Tecidas essas considerações, peço vênia para divergir do entendimento exposto pela então Conselheira Relatora Ivana Farina Navarrete e acompanhar, por coincidir com a minha compreensão a respeito da matéria, o voto apresentado pelo então Conselheiro Mário Guerreiro na 80ª Sessão Virtual, cujos fundamentos, por brevidade, incorporo ao presente voto e adoto como razão de decidir:

 

De início, devo registrar que, embora não compartilhe do entendimento adotado pela relatora para afastar a tese da simetria constitucional, também considero que a solução para o presente caso não deve utilizar esse fundamento, porquanto se mostra oportuno aguardar o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, como venho consignando em meus votos (Pedido de Providências 0010280-30.2018.2.00.0000, Rel. Humberto Martins, 60ª Sessão Virtual, julgado em 28/02/2020; Pedido de Providências 0006251-34.2018.2.00.0000, Rel. Humberto Martins, 61ª Sessão Virtual, julgado em 13/03/2020).

Ressalto, entretanto, que há outros preceitos de índole constitucional a amparar a demanda ora apresentada e, assim, não vejo como negar provimento ao recurso, subtraindo direitos que são resguardados pela própria Lei Maior.

Com efeito, os presentes autos reclamam não apenas discussão acerca de verba indenizatória a ser conferida aos magistrados gaúchos, como se estes fossem os únicos destinatários do auxílio pré-escolar ou os maiores favorecidos pelo benefício.

O que se está aqui a tratar, na realidade, é da possibilidade de acesso dos filhos e dependentes dos juízes ao relevante direito à educação infantil, prerrogativa jurídica que se perfaz no arcabouço constitucional como direito fundamental e dever de absoluta prioridade (grifei):

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.           

[...]

 

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...]

IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;

[...]

 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

[...] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”

 

Essas importantes previsões se encontram igualmente consagradas na legislação infraconstitucional, haja vista a relevância que ostentam não só para as crianças que usufruirão do acesso à educação, mas também para o próprio desenvolvimento do país (grifei):

 

Lei 8069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)

“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

[...]

 

Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: [...]

IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade;”

 

Inegável, portanto, que o auxílio pré-escolar exsurge nesse contexto – inclusive aquele pago aos magistrados – como medida de efetivação de comando constitucional e legal (direito à educação infantil) que não se sujeita à vontade dos administradores:

 

A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). [...]

A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.”

(ARE 639.337 AgR, Relator: Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, grifos do original)

 

Além disso, o referido direito se estende a todas as crianças, materializando o próprio princípio da isonomia (art. 5º, caput, CRFB). Ou se pretende dizer que os filhos e dependentes dos juízes teriam menos direito à educação infantil que os demais? Ou, ainda, afirmar que apenas os filhos e dependentes dos magistrados gaúchos estariam excluídos dessa previsão da Lei Maior? Por certo que não.

Mas esse não é o único argumento de ordem jurídico-constitucional que ampara a garantia do benefício que ora se discute. Conquanto o acesso à educação seja comando de absoluto e de crucial relevo para o presente caso, há que se relembrar que a questão envolve magistrados e que esses agentes públicos integram um único e mesmo Poder da República Federativa do Brasil (art. 2º da CRFB).

Conforme já assentou a Suprema Corte, a mera divisão do Judiciário em segmentos de justiça não afasta o caráter nacional da magistratura e, dessa forma, não se pode permitir que o CNJ apregoe que apenas parte dos magistrados possa receber o auxílio pré-escolar (grifei):

 

“A divisão da estrutura judiciária, sob tradicional, mas equívoca denominação, em Justiças, é só o resultado da repartição racional do trabalho da mesma natureza entre distintos órgão jurisdicionais. O fenômeno é corriqueiro, de distribuição de competências pela malha de órgãos especializados, e, não obstante portadores de esferas próprias de atribuições jurisdicionais e administrativas, integram um único e mesmo Poder. Nesse sentido fala-se em Justiça Federal e Estadual, tal como se fala em Justiça Comum, Militar, Trabalhista, Eleitoral, etc., sem que com essa nomenclatura ambígua se enganem hoje os operadores jurídicos.

[...]

Negar a unicidade do Poder Judiciário importaria desconhecer o unitário tratamento orgânico que, em termos gerais, lhe dá a Constituição da República. Uma única lei nacional, um único estatuto, rege todos os membros da magistratura, independentemente da qualidade e denominação da Justiça em que exerçam a função (Lei Complementar nº 35, de 14.03.1979; art. 93, caput, da CF). A todos aplicam-se as mesmas garantias e restrições, concebidas em defesa da independência e da imparcialidade. [...]”

(ADI 3.367, Relator: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2005)

 

Não há como desconsiderar a autoridade de imposições constitucionais pelas quais este Conselho tem o dever de zelar. Não por outro motivo, o auxílio pré-escolar consta da Resolução CNJ 13/2006 (dispõe sobre a aplicação do teto remuneratório constitucional e do subsídio mensal dos membros da magistratura) como uma das verbas conferidas aos magistrados, independentemente do segmento a que pertençam, e já foi reconhecido pelo CNJ como um direito dos magistrados sem discrímen (grifei):

 

Resolução CNJ 13/2006

“Art. 8º Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas:

[...]

III - de caráter eventual ou temporário:

a)     auxílio pré-escolar;”

 

“EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO. PAGAMENTO DE AUXÍLIO PRÉ-ESCOLAR AOS MAGISTRADOS DO TRABALHO. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. LEI 8069/90. RESOLUÇÃO Nº 13/2006 DO CNJ.

1. Pretensão de revisão da decisão do Conselho Superior da Justiça do Trabalho que entendeu indevido o pagamento de auxílio pré-escolar aos dependentes dos magistrados.

2. O benefício do auxílio pré-escolar tem fundamento no art. 208, IV, da CF e no artigo 54 da Lei n. 8069/90 (ECA), que asseguram a assistência pré-escolar às crianças de 0 a 6 anos. A Resolução nº 13/2006 do CNJ, que dispõe sobre o subsídio mensal dos magistrados, refere-se expressamente ao auxílio pré-escolar como verba de caráter eventual, excluindo-o do teto remuneratório.

3. No âmbito da Justiça Federal o benefício está regulamentado pela Resolução nº 4/2008 do CJF, que fixa como objetivo a assistência aos dependentes legais dos servidores e dos magistrados.

4. Não se aplica ao auxílio pré-escolar as restrições contidas no art. 65, § 2º da LOMAN e no art. 10 da Resolução nº 13/2006 deste Conselho.

5. Reconhecimento do direito dos magistrados à percepção do benefício do auxílio pré-escolar. Determinação ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho para que regulamente a matéria no âmbito da Justiça do Trabalho, no prazo de 90 (noventa dias).”

(Procedimento de Controle Administrativo 0003335-76.2008.2.00.0000, Rel. José Adonis Callou De Araújo Sá, 84ª Sessão Ordinária, julgado em 12/05/2009).

 

Pelas mesmas razões, a verba é garantida há tempo considerável aos magistrados da justiça federal, à magistratura trabalhista e por alguns tribunais de justiça (grifei):

 

Resolução CJF 4/2008

“Capítulo VII

Do Auxílio Pré-Escolar

Art. 75. A concessão do auxílio pré-escolar tem por objetivo a assistência aos dependentes legais dos servidores do Conselho da Justiça Federal e dos magistrados e servidores da Justiça Federal de primeiro e segundo graus.”

 

Ato TST/CSJT  1º/3/2013

“Uniformiza o Programa de Assistência Pré-Escolar no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho e da Justiça do Trabalho de 1º e 2º graus.

[...]

Art. 2º O Programa de Assistência Pré-escolar destina-se aos dependentes dos magistrados e servidores em efetivo exercício nos Órgãos da Justiça do Trabalho, com o objetivo de subsidiar os meios necessários ao custeio dos serviços de berçário, maternal, jardim de infância e pré-escola ou assemelhados.”

 

Resolução TJDFT 17/2017

“Disciplina a concessão de assistência pré-escolar aos dependentes dos magistrados e servidores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - TJDFT.”

 

Não é possível, por conseguinte, conceber que toda a magistratura federal, trabalhista e boa parte dos tribunais estaduais efetue o pagamento desse auxílio, enquanto outros juízes – seus filhos, na verdade - ficam à míngua. Tal situação rompe, à evidência, o caráter nacional da magistratura, segregando parte de seus membros e relegando-os a uma inaceitável condição de sub-magistratura, espoliados dos seus direitos.

Fica evidente, assim, que o benefício deve se entender a todos os magistrados que cumpram as regras de concessão, inclusive aos gaúchos, e não ser negado ao argumento de que não há norma estabelecendo procedimentos de pagamento da verba aos juízes do TJRS ou de que tal pagamento geraria impacto orçamentário para a Corte requerida. Com efeito, há lei determinando o pagamento (artigo 54, IV, do ECA) e, ainda que não houvesse, o artigo 208, IV, combinado com o artigo 5º, § 1º, da CRFB determinariam a aplicabilidade direta e imediata, sem intermediação normativa de qualquer espécie, de norma definidora de direito fundamental.

De igual modo, não encontra guarida a alegação de que a intervenção do CNJ no presente caso representaria ingerência na autonomia dos tribunais. Ora, basta relembrar os já citados precedentes ou observar que, em recente julgamento, este Conselho aprovou a Resolução CNJ 294/2019, reconhecendo o direito dos magistrados e servidores ao auxílio-saúde, sem que isso implicasse qualquer demonstração de interferência indevida:

 

“ATO NORMATIVO. RESOLUÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE SUPLEMENTAR PARA MAGISTRADOS E SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO. APROVADA.

1. Resolução que regulamenta o programa de assistência à saúde suplementar para magistrados e servidores do Poder Judiciário.

2. Resolução aprovada.”

(Ato Normativo 0006317-77.2019.2.00.0000, Rel. Valtércio de Oliveira, 296ª Sessão Ordinária, julgado em 10/09/2019).

 

Eventual ingerência ocorreria se o CNJ fixasse valor a ser pago a título de auxílio pré-escolar, o que não é o caso dos autos, no qual se está apenas a imprimir relevo a preceitos da norma fundamental da República e a reforçar tese outrora firmada por este próprio órgão de controle (supracitado PCA 0003335-76.2008.2.00.0000).

Ademais, não se pode olvidar a perspectiva de gênero no julgamento da presente demanda. É sabido que os encargos da maternidade, mormente nos primeiros anos da criança, recaem sobretudo na mulher, por razões culturais (machismo estrutural, por exemplo) e biológicas (amamentação, por exemplo). Dificultar o acesso de juízas e de esposas ou companheiras de juízes à educação pré-escolar dos seus filhos representaria aumentar o peso dessa dupla jornada (doméstica e profissional) sobre as mulheres, criando obstáculo ao pleno desenvolvimento das suas potencialidades e desvantagem no competitivo mercado de trabalho em relação aos homens, em clara afronta ao artigo 5º, I, da CRFB.

À vista de todas essas considerações, não remanesce dúvida de que o pagamento do auxílio pré-escolar aos magistrados que se enquadrem nas regras de concessão do benefício (incluindo os do TJRS) afigura-se como medida de preservação de determinações constitucionais, notadamente do direito fundamental dos filhos e dependentes dos juízes brasileiros à educação infantil e do direito fundamental das mulheres de igualdade de direitos, deveres e oportunidades.

Especificamente em relação aos juízes gaúchos, também há que se reconhecer que o direito à percepção do benefício se evidenciou com a edição do Ato TJRS 024/2012, que regulamentou a verba para os servidores. Isso porque, de acordo com o entendimento assentado no PCA 0003335-76.2008.2.00.0000, a concessão do benefício exige prévia regulamentação, para a “fixação de parâmetros mínimos acerca da forma de prestação da assistência, do valor a ser pago e do procedimento para inscrição dos beneficiários”.

Como no TJRS há norma para os servidores desde 2012, que só não contemplou os magistrados por opção – ilegítima - daquele tribunal, faz-se necessário admitir que a verba já era devida desde aquela época.

Saliento, todavia, que no pagamento desses retroativos deve ser observada a prescrição quinquenal e que descabe discutir neste feito os valores a serem quitados, pois, nos termos do Provimento CNJ 64/2017, deve o tribunal encaminhar, via PJe, pedido de autorização devidamente instruído com cópia integral do procedimento administrativo que reconheceu a verba e o valor devido, bem como endereçá-lo à Corregedoria Nacional de Justiça (art. 3º, §§ 3º e 4º). Admite-se, outrossim, o parcelamento do passivo para fins de enquadramento nos limites orçamentários do tribunal.

Ante o exposto, DIVIRJO PARCIALMENTE DA RELATORA, PARA DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO E JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, a fim de: 1) reconhecer o direito de todos os magistrados brasileiros, inclusive os do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, à percepção do auxílio pré-escolar, desde que preenchidos os requisitos regulamentares; 2) determinar aos tribunais que regulamentem a matéria no prazo de 60 dias, em conformidade com as suas limitações orçamentárias para a fixação do valor do auxílio; 3) determinar ao TJRS que adote as providências necessárias ao pagamento de eventuais valores retroativos devidos desde quando regulamentada a matéria em relação aos servidores daquele tribunal, observada a prescrição quinquenal e admitido o parcelamento dos passivos para enquadramento nos limites orçamentários da corte.

(...)

  

Destaco que, por ocasião do julgamento deste feito, o eminente Conselheiro Mário Goulart Maia fez relevante ponderação – prontamente acolhida pelo plenário –, acerca da extensão dos fundamentos desta decisão às chamadas novas formas de família, em especial às famílias monoparentais e aquelas formadas por casais homoafetivos.

De fato, a compreensão quanto às dificuldades de acesso à educação pré-escolar para juízas e esposas/companheiras de juízes não se restringe apenas a mulheres heterossexuais, mas também afeta casais homoafetivos e famílias monoparentais lideradas por homens ou mulheres.

A imposição da dupla jornada de trabalho prejudica o pleno desenvolvimento das potencialidades de todas as pessoas que enfrentam essa situação, independentemente de sua orientação sexual, identidade de gênero ou composição familiar.

Portanto, é necessário ampliar essa compreensão para incluir as mais diversas formas de família, em um esforço para promover a igualdade material sob uma perspectiva interseccional de gênero e que leve em consideração a diversidade das configurações familiares existentes em nossa sociedade.

Por fim, cabe salientar que, de acordo com o entendimento deste Conselho, as determinações havidas em sede de Pedido de Providências não apresentam aplicabilidade erga omnes, salvo quando implementadas por meio de Enunciado Administrativo:

 

CONCURSO PARA OUTORGA DE DELEGAÇÃO. SERVIÇO NOTARIAL E DE REGISTROS PÚBLICOS. TJMG. CÁLCULO DA PONTUAÇÃO NA PROVA DE TÍTULOS. CUMULATIVIDADE. SEGURANÇA JURÍDICA. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO. IMPESSOALIDADE. IMPROCEDÊNCIA.

1. A alteração da regra constante do edital do concurso acerca da cumulatividade de pontos na prova de títulos no curso do certame em razão da mudança na interpretação da norma constante do § 1º do item 7.1 da Minuta de Edital anexa à Resolução nº 81, de 2009, do CNJ, ofende aos princípios da segurança jurídica, proteção da confiança, vinculação ao instrumento convocatório e impessoalidade, sendo aplicável ao caso o disposto no inciso XIII do art. 2º da Lei nº 9.784, de 1999.

2. As decisões proferidas pelo Conselho Nacional de Justiça nos autos de Pedidos de Providências e Procedimentos de Controle Administrativo não possuem eficácia erga omnes e tampouco efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário se não houver aprovação expressa de recomendação ou Enunciado Administrativo.

3. Pedido julgado improcedente.

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004678-34.2013.2.00.0000 - Rel. Gisela Gondin Ramos - 179ª Sessão Ordinária - julgado em 12/11/2013).

 

Diante do exposto, rogando vênia à digníssima Relatora originária e aos eminentes Conselheiros que a acompanharam, dou parcial provimento ao recurso administrativo para:

 

(a)  reconhecer o direito de todos os magistrados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, à percepção do auxílio pré-escolar, desde que preenchidos os requisitos regulamentares; 

(b)  determinar ao TJRS que adote as providências necessárias ao pagamento de eventuais valores retroativos devidos desde quando regulamentada a matéria em relação aos servidores daquele tribunal, observada a prescrição quinquenal e admitido o parcelamento dos passivos para enquadramento nos limites orçamentários da corte. 

(c) aprovar a edição de enunciado administrativo, com o seguinte teor: “o auxílio pré-escolar é devido a todas as magistradas e a todos os magistrados brasileiros, e deve ser concedido aos que preencham os requisitos regulamentares estabelecidos pelo respectivo tribunal”. 

  

É como voto.

Intimem-se. Publique-se.

Em seguida, arquivem-se os autos, independentemente de nova conclusão.

 

Brasília, 11 de abril de 2023.

 

Conselheira Salise Sanchotene

 

Relatora

 

 

 

 

 

 

VOTO-VISTA

  

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR CONSELHEIRO MARCOS VINÍCIUS JARDIM:   

 

Adoto, na íntegra, o relatório lançado pela eminente Conselheira Relatora Salise Sanchotene. 

Peço, porém, respeitosas vênias para apresentar divergência quanto ao teor do item “b” do dispositivo do voto de Sua Excelência, que determinou ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) a adoção de providências para o pagamento de eventuais valores retroativos do auxílio pré-escolar aos magistrados (desde quando regulamentada a matéria em relação aos servidores daquele Tribunal – 2012), observada a prescrição quinquenal e admitido o parcelamento dos passivos para que possam ser enquadrados nos limites orçamentários da Corte. Por pertinente, destaco o referido dispositivo: 

(...) Dou parcial provimento ao recurso administrativo para:

 

(a)  reconhecer o direito de todos os magistrados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, à percepção do auxílio pré-escolar, desde que preenchidos os requisitos regulamentares; 

(b)  determinar ao TJRS que adote as providências necessárias ao pagamento de eventuais valores retroativos devidos desde quando regulamentada a matéria em relação aos servidores daquele tribunal, observada a prescrição quinquenal e admitido o parcelamento dos passivos para enquadramento nos limites orçamentários da corte;

(c) aprovar a edição de enunciado administrativo, com o seguinte teor: “o auxílio pré-escolar é devido a todos os magistrados brasileiros, e deve ser concedido aos que preencham os requisitos regulamentares estabelecidos pelo respectivo tribunal”. 

 

Pois bem. A Relatora adota como razões de decidir o entendimento exposto na 80ª Sessão Virtual pelo então Conselheiro Mário Guerreiro. Transcrevo o trecho do voto objeto desta divergência, para melhor visualização:

Especificamente em relação aos juízes gaúchos, também há que se reconhecer que o direito à percepção do benefício se evidenciou com a edição do Ato TJRS 024/2012, que regulamentou a verba para os servidores.  

Isso porque, de acordo com o entendimento assentado no PCA 0003335-76.2008.2.00.0000, a concessão do benefício exige prévia regulamentação, para a “fixação de parâmetros mínimos acerca da forma de prestação da assistência, do valor a ser pago e do procedimento para inscrição dos beneficiários” 

Como no TJRS há norma para os servidores desde 2012, que só não contemplou os magistrados por opção – ilegítima - daquele tribunal, faz-se necessário admitir que a verba já era devida desde aquela época. 

Saliento, todavia, que no pagamento desses retroativos deve ser observada a prescrição quinquenal e que descabe discutir neste feito os valores a serem quitados, pois, nos termos do Provimento CNJ 64/2017, deve o tribunal encaminhar, via PJe, pedido de autorização devidamente instruído com cópia integral do procedimento administrativo que reconheceu a verba e o valor devido, bem como endereçá-lo à Corregedoria Nacional de Justiça (art. 3º, §§ 3º e 4º). Admite-se, outrossim, o parcelamento do passivo para fins de enquadramento nos limites orçamentários do tribunal. 

(...)

 

Ocorre que, nos termos do art. 4º do Provimento CNJ n. 64/2017 retromencionado, o pagamento de qualquer verba remuneratória ou indenizatória aos magistrados brasileiros (sujeitos ao controle deste Conselho) somente poderá ocorrer após a publicação do ato que reconheceu o direito pelo órgão administrativo no diário oficial do tribunal.

Art. 4º O pagamento de qualquer verba remuneratória ou indenizatória, quando autorizada pelo Conselho Nacional de Justiça, só poderá ocorrer após a publicação do ato que reconheceu o direito pelo órgão administrativo do diário oficial do tribunal.

Parágrafo único. Os tribunais deverão publicar, na página do portal de transparência, destaque referente ao pagamento das verbas autorizadas pelo Conselho Nacional de Justiça.

 

Entendo que, ao estabelecer como marco temporal o “ato que reconheceu o direito – dos magistrados”, o normativo do CNJ não comporta a interpretação de que pode ser realizado o pagamento de valores retroativos (para magistrados) com base na data do ato que reconheceu o direito dos servidores, in casu, do Tribunal gaúcho.

O Ato TJRS n. 24/2012, que regulamenta o auxílio pré-escolar instituído pela Lei n. 11.242/1998, descreve os destinatários da norma da seguinte maneira:

ART. 1º       O AUXÍLIO-CRECHE SERÁ CONCEDIDO AO SERVIDOR DO PODER JUDICIÁRIO EM ATIVIDADE, QUE TENHA FILHO(S) OU DEPENDENTE(S) COM IDADE IGUAL OU INFERIOR A SEIS ANOS, NOS TERMOS DA LEI Nº 11.242, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998.

(...)

§ 3º  CONSIDERA-SE SERVIDOR, PARA EFEITOS DA PERCEPÇÃO DO AUXÍLIO-CRECHE, O DETENTOR DE CARGO E OU FUNÇÃO DOS QUADROS DE PESSOAL DA JUSTIÇA DE 1º E 2º GRAUS, COMUM E MILITAR, E OS EXTRAJUDICIAIS ESTATIZADOS QUE RECEBAM DO PODER JUDICIÁRIO.

 

Como se vê, o legislador estadual foi claro ao definir o alcance desejado para a fruição do benefício, pelo que se mostra incabível, a meu ver, a extensão à magistratura gaúcha (ou de outra unidade da federação) pela via administrativa, com a finalidade de se conceder o pagamento do auxílio com efeito retroativo.

Noutro giro, no acórdão referente ao PCA 3335-76.2008, de relatoria do então Conselheiro José Adonis Callou de Araújo Sá, o CNJ menciona a Resolução n. 04/2008 do CJF (que prevê o pagamento de auxílio pré-escolar aos magistrados da Justiça Federal de 1º e 2º Graus) para fundamentar a necessidade de reconhecimento do mesmo direito aos magistrados da Justiça do Trabalho.

No bojo do aludido procedimento, o Conselho Nacional também cita a Resolução CJF n. 04/2008 para assentar o entendimento de que “a concessão do benefício exige prévia regulamentação, sendo necessária a fixação de parâmetros mínimos acerca da forma de prestação da assistência e do valor a ser pago e do procedimento para inscrição dos beneficiários”.

Contudo, fundamental verificar que o CJF veda o pagamento de valores retroativos do auxílio pré-escolar referentes a meses anteriores à inscrição do dependente, conforme expresso no art. 82 da Resolução n. 04/2008. Confira:

 

Capítulo VII

Do Auxílio Pré-Escolar

Seção IV

Do Pagamento do Benefício

Art. 82. O auxílio pré-escolar será devido a partir do mês em que for feita a inscrição do dependente, não sendo pagos valores relativos a meses anteriores.



Aliás, não só o CJF vedou o pagamento do benefício com efeito retroativo como – também – o próprio Ato do CSJT, em conjunto com o TST, em cumprimento à decisão do CNJ (utilizada no presente PP como paradigma - PCA 3335-76.2008), disciplinou a questão nos seguintes termos:

 

ATO CONJUNTO TST/CSJT Nº 3, DE 1º DE MARÇO DE 2013

Considerando a decisão do CNJ nos autos do PCA n. 200810000033357, (...) resolve:

(...)

Art. 13. O Auxílio Pré-escolar será devido a partir do mês em que for protocolizado o requerimento da inscrição do dependente, não sendo pagos valores retroativos.

 

Nessa ordem, sob o fundamento da unicidade do Poder Judiciário, questiono se eventual determinação do pagamento do benefício com efeito retroativo também deveria alcançar todos os tribunais brasileiros que possuam norma autorizando o pagamento do auxílio pré-escolar aos respectivos servidores? Ou o efeito retroativo se aplicaria apenas aos magistrados do TJRS, neste caso concreto, sem ensejar entendimento a ser utilizado também em favor dos demais magistrados de outros tribunais (que passarão a ter o direito ao benefício nos termos do enunciado administrativo ora proposto)?

Por um lado, acompanho a nobre Relatora no sentido de reconhecer o cabimento do pagamento do auxílio pré-escolar a todos os magistrados brasileiros, considerando que a disciplina da matéria foi autorizada pelo CNJ (ao CSJT) no julgamento do PCA 3335-76.2008, bem como a implementação de Enunciado Administrativo para viabilizar a aplicabilidade erga omnes da decisão proferida em Pedido de Providências (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004678-34.2013.2.00.0000 - Rel. Gisela Gondin Ramos - 179ª Sessão Ordinária - julgado em 12/11/2013).

Lado outro, compreendo pertinente a manutenção deste mesmo entendimento de que não é devido o pagamento de valores retroativos aos magistrados do auxílio pré-escolar constituído em lei estadual ou ato normativo direcionado apenas a servidores, observando-se o Provimento CNJ n. 64/2017, e em harmonia com a Resolução CJF n. 04/2008, com o Ato Conjunto TST/CSJT, além da própria deliberação do CNJ no PCA 3335-76.2008.

 

DISPOSITIVO

Por essas razões, peço vênia à eminente Relatora e aos Conselheiros e Conselheiras que a acompanhem, para dela divergir, dando parcial provimento ao recurso administrativo para:

a)   reconhecer o direito de todos os magistrados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, à percepção do auxílio pré-escolar, desde que preenchidos os requisitos regulamentares, vedado o pagamento de valores retroativos; 

b)   aprovar a edição de enunciado administrativo, com o seguinte teor: “o auxílio pré-escolar é devido aos magistrados e magistradas brasileiros, e deve ser concedido aos que preencham os requisitos regulamentares estabelecidos pelo respectivo tribunal, vedado o pagamento de valores retroativos”.  

 

É como voto.  

 

 

Conselheiro Marcos Vinícius Jardim  

Vistor