Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007549-85.2023.2.00.0000
Requerente: NATAL APARECIDO FILHO e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA DIALETICIDADE E DA CONGRUÊNCIA. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DAS RESOLUÇÕES CNJ N. 75 E 203, DO EDITAL DE ABERTURA DO XLIX CONCURSO PARA INGRESSO NA MAGISTRATURA DE CARREIRA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. INOCORRÊNCIA. ILAÇÕES QUE NÃO ENCONTRAM SUSTENTAÇÃO NO CONJUNTO PROBATÓRIO. MANUTENÇÃO INTEGRAL DA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

I – A peça recursal deixou de atacar, motivadamente, os fundamentos da Decisão recorrida, o que ofende os princípios da dialeticidade e da congruência.

II – Irresignação contra suposto descumprimento do prazo previsto no art. 50 da Resolução CNJ n. 75 pela Comissão do XLIX Concurso para Ingresso na Magistratura de Carreira do Estado do Rio de Janeiro, que teria deixado de observar a antecedência necessária para a convocação de candidatos cotistas negros (pretos e pardos) e indígenas para a realização da prova discursiva.

III – Restou amplamente demonstrado que a convocação de todos os candidatos habilitados para a segunda etapa foi realizada com a antecedência exigida pela mencionada Resolução. 

IV – Não houve surpresa, uma vez que os candidatos estavam previamente cientificados de que a avaliação pela Comissão de Heteroidentificação ocorreria logo após a divulgação dos resultados da prova objetiva e, de igual forma, que a ela se sucederia a convocação para a segunda etapa do certame (itens 7.6 e 10.9 do Edital inaugural). 

V – O Edital n. 14/2023, que promoveu a convocação à segunda etapa, ressalvou expressamente a condição daqueles que ainda se submeteriam ao procedimento de heteroidentificação. 

VI – Aqueles que se candidatam a um concurso público devem estar prontos para as sucessivas fases do certame, devendo arcar com as despesas decorrentes da participação em todas as etapas e procedimentos, nos termos do art. 83 da Resolução CNJ n. 75.

VII – O Aviso n. 18/2023 estava em absoluta consonância com o item 7.15 do Edital, de modo que, uma vez não enquadrados na condição de negros ou indígenas e, até que fossem julgados os recursos, os candidatos ostentavam a possibilidade de concorrer às vagas reservadas, devendo, portanto, prosseguir no concurso.

VIII – Não houve demonstração de efetivo prejuízo aos candidatos cotistas e danos hipotéticos não autorizam a anulação do procedimento de heteroidentificação.

IX – O planejamento financeiro é questão individual, pelo que a ausência de candidatos nas etapas do concurso não pode ser atribuída, exclusiva e automaticamente, ao motivo apontado pelos Recorrentes.

X – A Resolução CNJ n. 203 delegou aos Tribunais a tarefa de instituir as comissões de heteroidentificação e, à época da prolação da Decisão impugnada, não havia outra exigência a não ser que possuíssem especialistas em questões raciais e direito da antidiscriminação em sua composição.

XI – Não se verificou incorreção na composição e no desdobramento da Comissão em quatro equipes em salas distintas, uma vez que todas eram compostas de três membros cada e tinham em sua composição um juiz e especialistas na área.

XII – De igual forma, não se constatou flagrante ilegalidade no procedimento adotado para a realização da entrevista e avaliação fenotípica, o qual foi filmado para viabilizar a análise dos recursos interpostos pelos candidatos. 

XIII – Recurso Administrativo a que se conhece e se nega provimento. 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Tribunal Regional do Trabalho. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 1º de março de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007549-85.2023.2.00.0000
Requerente: NATAL APARECIDO FILHO e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ


RELATÓRIO

 

Trata-se de RECURSO ADMINISTRATIVO interposto por NATAL APARECIDO FILHO e outros, em face de decisão que julgou improcedentes os pedidos veiculados no PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO (PCA) sob exame e determinou seu arquivamento, com fundamento no artigo 25, inciso X, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ)[1] (ID n. 5389373). 

O relatório da Decisão monocrática recorrida descreve adequadamente o objeto da controvérsia, como se vê a seguir (ID n. 5371355):

Trata-se de PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO (PCA), com pedido liminar, formulado por NATAL APARECIDO FILHO e OUTROS, em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (TJRJ), por meio do qual se insurgem contra suposta ilegalidade praticada na condução do XLIX Concurso para Ingresso na Magistratura de Carreira do Estado do Rio de Janeiro (ID n. 5365079).

As alegações dos Requerentes foram assim ementadas na petição inicial:

1. Configuração do interesse geral no certame. Situação de repercussão geral e que afeta todos os certames da magistratura. Violação as normas e precedentes desta Corte;

2. Claro desrespeito ao prazo de 15 dias de convocação para prova escrita previsto art. 50 da Res. 75/09 deste CNJ. Convocação dos cotistas com menos de 5 dias para prova escrita. Clara Limitação de acesso ao concurso aos candidatos afrodescendentes.

3. Dos 398 candidatos cotistas negros convocados para a segunda fase; 95 candidatos reprovados na entrevista de heteroidentificação; 83 candidatos que não puderam sequer comparecer à referida entrevista em razão da abrupta convocação; APENAS cerca de 50% de TODOS os convocados cotistas negros foram considerados APROVADOS para continuar no certame podendo, assim, fazer a prova discursiva prevista para o dia 26/11/23.

4. Ausência de publicação e currículo dos membros das bancas. Desrespeito a res. 457/22 deste CNJ. Ausência de membros especialistas em questões raciais e de direito da antidiscriminação, voltadas à confirmação da condição de negros dos candidatos que assim se identificarem no ato da inscrição preliminar.

5. Ilegalidade do processo de heteroidentificação. Foi realizada a composição de QUATRO comissões – EM SALAS DISTINTAS – QUE REALIZARAM BANCAS SIMULTÂNEAS para heteroidentificaçãoo candidato se apresentava somente a uma delas - não passava pelas quatro comissões. Violação clara a isonomia dos candidatos cotistas participantes;

6. Os critérios avaliativos utilizados pelas comissões foram totalmente distintos. Perguntas subjetivas – existindo o índice de mais de 90% de reprovação em uma das salas em comparação a outras. Não houve avaliação como base exclusivamente o critério do fenotípico. Ausência de objetividade na análise. Total falta de isonomia na avaliação em destaque, o que pode facilmente ser observado – só a título de exemplo - no fenótipo pardo de candidatos aprovados completamente semelhantes aos dos reprovado (sic);

7. A JUSTIFICATIVA DA COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO PARA ENQUADRAMENTO COMO “AUSÊNCIA DE FENOTIPIA” FOI IDÊNTICA PARA TODOS OS CANDIDATOS. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO NOS ATOS. NADA além disso, isto é, a banca disponibilizou parecer genérico e sem qualquer motivação individualizada para todos os candidatos, violando flagrantemente o contraditório e a ampla defesa, previstos na Resolução CNJ nº 203/2015, além de conteúdo expresso no item 5.2.4.2 do Edital;

DO PEDIDO DE LIMINAR:

8. Levando em consideração a tamanha teratologia bem evidenciada linhas acima, que seja DEFERIDO o pedido de tutela de urgência para que seja SUSPENSO a realização da prova escrita já agendada para o próximo dia 26.11.2023, até o julgamento de mérito deste Procedimento;

ALTERNATIVAMENTE, caso não seja suspensa a prova escrita agendada para o dia 26.11.2023, que todos os cotistas não habilitados no resultado divulgado em 11.11.2023, sejam habilitados a dela participar, submetendo-se a nova heteroidentificação em data posterior, a cuja aprovação no certame ficará condicionada a correção das respectivas provas; (grifos e destaques no original)

 

No mérito, requerem o reconhecimento de flagrante ilegalidade perpetrada pela Comissão do Concurso e a anulação do procedimento de heteroidentificação para determinar:

c.1. Que todos os candidatos inscritos como cotistas sejam submetidos a uma NOVA AVALIAÇÃO de heteroidentificação, em um prazo razoável (tendo em vista grande maior serem de outros Estados), constituída por outros avaliadores - em conformidade com a Resolução nº. 203/2015 e com o Edital 01/2022 do TJRJ, que estabelecem a necessidade de distribuição por gênero, cor e naturalidade, assegurando a diversidade de gênero e cor na composição das comissões;

c.2. Que seja assegurado, inclusive, que esta nova banca avaliadora não tenha conhecimento dos resultados anteriores, tudo com o intuito de se ter por assegurada total imparcialidade da banca constituída, ficando de logo alertando que a decisão deverá ser fundamentada e motivada com base em análise percuciente, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa; (grifos e destaques no original)

 

Os autos foram, inicialmente, distribuídos à Conselheira Jane Granzoto que, em razão da Certidão expedida pela Secretaria Processual quanto à existência do PCA n. 0007394-82.2023.2.00.0000, que pode tratar de mesmo edital de concurso ou matéria semelhante, remeteu o feito ao meu gabinete para fins de análise de prevenção (ID n. 5365306).

Em 20/11/2023, reconheci a prevenção indicada e determinei a intimação, ad cautelam, do Tribunal requerido, para apresentar informações preliminares acerca do pleito, e dos Requerentes, para acostarem aos autos documentos necessários ao peticionamento (ID n. 5365863).

Em cumprimento à determinação, os Requerentes complementaram a documentação (ID n. 5366451/536452), e o TJRJ apresentou informações (ID n. 5368796/5368800).

No dia 22/11/2023, os Requerentes peticionaram, informando que em razão do exercício de autotutela pelo TJRJ, “no sentido de autorizar os candidatos cotistas a participarem da prova escrita”, o pleito liminar perdeu seu objeto, requerendo o prosseguimento quanto a análise de mérito (ID n. 5369342 – grifo no original).

É o necessário a relatar.

 

Em sua peça recursal (ID n. 5389373), os Recorrentes revolvem as argumentações e reiteram os pedidos iniciais.

Sustentam, em síntese, que:

i) o cronograma do certame teria desrespeitado o prazo do art. 50 da Resolução CNJ n. 75;

ii) o Aviso n. 18/2023, que permitiu a participação dos candidatos cotistas recorrentes na segunda fase do Concurso, seria mera tentativa de “‘consertar’ o erro cometido pela banca”;

iii) a convocação para a realização da prova discursiva antes do julgamento dos recursos à heteroidentificação teria prejudicado o planejamento dos cotistas, inviabilizando o comparecimento de vários candidatos;

iv) nenhum candidato iria despender recursos para se deslocar ao Rio de Janeiro e realizar a prova sem que soubesse se, ao fim do julgamento de seu recurso, estaria realmente habilitado para essa fase;

v) não houve divulgação dos nomes e currículos dos integrantes das comissões de heteroidentificação; e

vi) a existência de quatro bancas distintas violaria previsão editalícia e teria acarretado falta de isonomia na avaliação dos participantes.

 

Intimado para apresentar contrarrazões (ID n. 5390967), o Tribunal requerido aduz que o Recurso interposto se limitou a repetir os argumentos da inicial e afirma que (ID n. 5425108):

i) o prazo da Resolução CNJ n. 75 foi respeitado;

ii) o Edital n. 14/2023 e o Aviso n. 18/2023 levaram em conta expressamente a situação dos candidatos que haviam recorrido do resultado da heteroidentificação;

iii) com a publicação do Edital n. 16/2023, o resultado do julgamento dos recursos foi divulgado, sendo disponibilizadas as fundamentações dos julgamentos para consulta aos recorrentes;

iv) a comissão de heteroidentificação é composta por profissionais especializados, com vasta experiência na área e em outras seleções públicas, inclusive com a participação de um juiz de direito, e o desdobramento em quatro equipes foi realizado para garantir a eficiência e continuidade do certame;

v) “a verificação dos candidatos foi filmada para fins de possibilitar a análise dos recursos interpostos. Nesta ocasião, foram avaliados os aspectos fenotípicos do candidato, verificado pessoalmente, sem considerar a sua ascendência ou sua autopercepção, conforme subitem 7.11, b, do edital de abertura”;

vi) foram deferidos os recursos interpostos pelos ora Recorrentes Sue Ellen Regina Gurjão Lyra e Tiago William Carvalho Barros.

 

É o relatório.

 


[1] Art. 25. São atribuições do Relator: [...] X - determinar o arquivamento liminar do processo quando a matéria for flagrantemente estranha às finalidades do CNJ, bem como a pretensão for manifestamente improcedente, despida de elementos mínimos para sua compreensão ou quando ausente interesse geral;

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007549-85.2023.2.00.0000
Requerente: NATAL APARECIDO FILHO e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 

VOTO

 

O CONSELHEIRO GIOVANNI OLSSON (Relator):

I – DO CONHECIMENTO

Não vislumbro razão para reconsiderar a decisão proferida, mesmo porque os Recorrentes não apresentaram nenhum fundamento ou fato novo capaz de provocar o juízo de retratação do entendimento adotado.

Por outro lado, o Recurso em tela é cabível na espécie, na medida em que foi protocolado no quinquídio regimental, motivo pelo qual dele conheço, nos termos do artigo 115, §1º, do RICNJ[1]. 

 

II – DO MÉRITO 

Conforme relatado, os Recorrentes buscam reformar a Decisão monocrática que concluiu pela improcedência dos pedidos. Por inteira pertinência, transcrevo-a (ID n. 5371355):

I – DA NECESSIDADE DE LEVANTAMENTO DO SIGILO ATRIBUÍDO AOS AUTOS

De início, constata-se que, ao promover a autuação deste feito, os Requerentes gravaram-no com sigilo, com fundamento no art. 155, inciso I, da Lei n. 5.869/73 (revogada pela Lei n. 13.105/2015).

Todavia, a teor do disposto no art. 5º, LX, da Constituição Federal1 e art. 189 da Lei n. 13.105/20152, a regra é que os atos processuais sejam públicos. E não se vislumbra nos presentes autos elementos motivadores de sua tramitação sigilosa.

Nesse cenário, determino o levantamento do sigilo atribuído.

 

II – DA POSSIBILIDADE DE ANÁLISE EXAURIENTE DO FEITO

Verifica-se que a análise exauriente é perfeitamente possível, podendo o procedimento ser decidido de plano, uma vez que há nos autos elementos suficientes para o julgamento integral, que pressupõe a desnecessidade de dilação probatória, e os próprios Requerentes destacaram a perda de objeto do pedido liminar.

Assim, julgo prejudicado o exame da liminar e passo, desde logo, à avaliação do pleito, com fundamento no artigo 25, inciso VII, do RICNJ3.

 

III – DO MÉRITO

Conforme relatado, os Requerentes acorrem ao CNJ com vistas ao reconhecimento de flagrante ilegalidade supostamente praticada pela Comissão do XLIX Concurso para Ingresso na Magistratura de Carreira do Estado do Rio de Janeiro, consubstanciada no descumprimento do prazo previsto no art. 50 da Resolução CNJ n. 75; na incorreta composição da Comissão de Heteroidentificação e no indevido desdobramento desta em quatro equipes em salas distintas; na falta de isonomia das avaliações; e na ausência de motivação dos atos administrativos relativos à caracterização de ausência de fenotipia.

Razão não lhes assiste.

A princípio, cumpre destacar que o Edital de Abertura do XLIX Concurso para Ingresso na Magistratura de Carreira do Estado do Rio de Janeiro estabeleceu:

7.6. Após a divulgação dos resultados da prova objetiva, os(as) candidatos(as) que optaram por concorrer às vagas reservadas aos(às) pretos(as) ou indígenas, ainda que aprovados(as) dentro do número de vagas oferecidas à ampla concorrência, serão submetidos(as) à avaliação da Comissão de Heteroidentificação, conforme o artigo 5º, §5º, da Resolução nº 203/2015 do CNJ (incluído pela Resolução nº 457, de 27.4.2022), que emitirá parecer quanto à confirmação da condição racial declarada no ato da inscrição preliminar, relativamente a condição de pessoa preta ou indígena e o fenótipo do(a) candidato(a).

[...]

10.9. Apurados os resultados da prova objetiva e identificados(as) os(as) candidatos(as) que lograram a classificação, a Presidente da Comissão de Concurso fará publicar edital com a relação dos(as) candidatos(as) habilitados(as) a se submeterem à segunda etapa do certame. (grifo nosso)  

 

É de se ver que os candidatos estavam previamente cientificados de que a avaliação pela Comissão de Heteroidentificação ocorreria logo após a divulgação dos resultados da prova objetiva e, de igual forma, que a ela se sucederia a convocação para a segunda etapa do certame.

E assim procedeu o Tribunal.

Senão vejamos extrato das informações colhidas de seu portal de Internet4:


 

Note-se, ademais, que o art. 50 da Resolução CNJ n. 75 é expresso ao dispor:

Art. 50. Com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, o presidente da Comissão de Concurso convocará, por edital, os candidatos aprovados para realizar as provas escritas em dia, hora e local determinados, nos termos do edital. (grifo nosso)

 

Nesse contexto, a teor das informações prestadas, verifica-se que a convocação para a realização da segunda etapa foi realizada com a antecedência exigida pela Resolução CNJ n. 75. Por inteira pertinência, transcreva-se excerto da manifestação do TJRJ:

[...]

Em 23/10/2023, houve a publicação do Edital n°. 10/2023, com a convocação dos candidatos autodeclarados negros ou indígenas, para o procedimento de heteroidentificação designado para o dia 11/11/2023

A convocação para o evento observou a antecedência de 18 dias corridos da data do procedimento de heteroidentificação, atendendo, portanto, aos prazos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça.

Em 08/11/2023, houve a publicação do Edital 14/2023, com a convocação dos candidatos habilitados à segunda etapa do XLIX Concurso para ingresso na Magistratura de Carreira do Estado do Rio de Janeiro, para realização da prova discursiva no dia 26/11/2023.

Como se verifica, entre a data de publicação da convocação para a prova discursiva até a sua aplicação, há um intervalo de 17 dias corridos, em cumprimento ao período de antecedência do artigo 50, da Resolução nº 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ.

Dessa forma, ambas as convocações publicadas observaram a antecedência de 15 (quinze) dias prevista no artigo 50, da Resolução CNJ nº 75/2009.

Quanto à alegação da não observância do lapso temporal entre o resultado do procedimento de heteroidentificação e a data da aplicação da prova discursiva, observe-se que o Edital 14/2023 fez expressa a ressalva quanto aos candidatos que se submeteriam ao procedimento de heteroidentificação, remetendo ao edital de convocação (Edital 10/2023) e ao item do edital do concurso que prevê a necessidade de submissão ao referido procedimento.

[...]

Por fim, o procedimento de heteroidentificação foi realizado na data aprazada, tendo sido o resultado divulgado por publicação no DJERJ de 14/11/2023 através do Edital nº 15/2023.

E nesta data, 22 de novembro de 2023, foi publicado no DJERJ o Aviso nº 18/2023, informando que todos os candidatos que interpuseram recurso do resultado da heteroidentificação poderão participar da prova discursiva do dia 26 de novembro, prosseguindo no Concurso até decisão final dos recursos.

Não há, portanto, prejuízo aos Requerentes, que poderão participar da prova discursiva do XLIX Concurso para ingresso na Magistratura de Carreira do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, eis que todos os três interpuseram recurso do resultado da heteroidentificação.

[...]. (ID n. 5360802 – grifo nosso) 

 

Com efeito, o Edital n. 14/2023 foi taxativo ao convocar, com a antecedência necessária, todos os candidatos habilitados, ressalvando expressamente a condição daqueles que ainda se submeteriam ao procedimento de heteroidentificação. Vejamos:


 

Ademais, com a publicação do Aviso n. 18/2023, restam infirmadas as alegações de prejuízo para os candidatos cotistas. Vale ilustrar5:


 

Por outro lado, os Requerentes não se desincumbiram de demonstrar incorreção na composição da Comissão de Heteroidentificação ou ilegalidade no procedimento adotado para a realização da entrevista e avaliação fenotípica.

Com efeito, a Resolução CNJ n. 203, com as alterações promovidas pela Resolução CNJ n. 457, não estabeleceu de forma minuciosa o funcionamento das comissões. Senão vejamos:

Art. 5º Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos, no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

[...]

§ 4o Os tribunais instituirão, obrigatoriamente, comissões de heteroidentificação, formadas necessariamente por especialistas em questões raciais e direito da antidiscriminação, voltadas à confirmação da condição de negros dos candidatos que assim se identificarem no ato da inscrição preliminar. (grifo nosso)

 

É de se ver, portanto, que o mencionado Ato resolutivo delegou aos Tribunais a tarefa de instituí-las, não impondo outra exigência a não ser que possua especialistas em questões raciais e direito da antidiscriminação em sua composição.

Desse modo, a simples alegação de que os membros da Comissão não eram especialistas não encontra sustentáculo na prova coligida aos autos.

Nesse ponto, o TJRJ esclareceu:

[...]

Ressalto que a heteroidentificação foi realizada por pessoas com conhecimento da questão e que já realizaram tal múnus em outros concursos públicos, além de um juiz em cada grupo, tendo sido as pessoas filmadas quando da avaliação a fim de possibilitar a análise dos recursos.

[...]. (ID n. 5360802 – grifo nosso)

 

Ora, não se deve perder de vista que os atos administrativos impugnados – como os atos administrativos em geral – carregam presunção de legitimidade.

Vale dizer: milita em favor dos atos administrativos praticados pelo Poder Público a presunção de que todos os seus elementos constitutivos satisfazem integralmente os requisitos e condicionantes postos pelo ordenamento jurídico, quais sejam: legalidade e legitimidade.

E é nesse contexto que, de igual forma, não se vislumbra ilegalidade no desdobramento da Comissão em quatro equipes em salas distintas.

Note-se que os Requerentes afirmaram que as quatro equipes eram compostas de três membros cada e o Tribunal requerido esclareceu que todas tinham em sua composição um juiz e especialistas na área.

Assim, a disposição contida no item 7.7 do Edital de abertura6 prevê a Comissão, pelo que não se vislumbra ilegalidade que comprometa a lisura e a isonomia do certame na dinâmica de seu funcionamento.

A uma, porque alegar que as reprovações de candidatos por ausência de fenotipia se deveu ao excessivo rigor de determinadas equipes não passa de mera ilação, desacompanhada de qualquer elemento probatório, reiterando-se que a Comissão possui autonomia na sua avaliação, e não cabe ao CNJ o papel de instância revisora do conteúdo de sua atuação.

A duas, porque não foi publicado o resultado definitivo dos procedimentos de heteroidentificação, estando pendentes de análise e deliberação os recursos administrativos interpostos, os quais têm o condão de modificar o entendimento adotado.

A três, porque foi realizado registro audiovisual da avaliação, o que permite o controle e viabiliza a análise dos recursos interpostos.

A situação sob exame não autoriza, portanto, o reconhecimento das nulidades arguidas pelos Requerentes, uma vez que a demonstração de prejuízo concreto cabe à parte que suscita o vício. No mesmo sentido entendeu este Conselho:

[...]

Consoante este entendimento, o caso em comento não autoriza o reconhecimento da nulidade arguida pelo requerente, uma vez que a indicação de dano em potencial, sem a demonstração de prejuízos concretos, não é motivo para a anulação de atos administrativos, cuja manutenção atenderá aos princípios constitucionais da segurança jurídica, eficiência e satisfação do interesse público.

Observe-se que, em face da doutrina pas de nullité suns grief, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pacificou-se no sentido ser necessária a concretização de prejuízos para declaração de nulidades relativas ou absolutas até mesmo em matéria penal, seara em que os direitos e garantias individuais são respeitadas ao máximo. Vejamos:

[...].

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004362-21.2013.2.00.0000 - Rel. Gisela Gondin Ramos - 179ª Sessão Ordinária - julgado em 12/11/2013) (grifo nosso)

 

Naquela oportunidade, o Plenário do CNJ assentou o entendimento de que a aplicação das normas insertas na Resolução CNJ n. 75 não poderiam “ocorrer de modo autômato e desvencilhada da realidade dos fatos” e concluiu que seria descabido paralisar o certame no qual foram gastos recursos públicos e determinar o refazimento de atos diante de uma presunção que não se confirmou na prática (grifo nosso).

Do mesmo modo, no presente caso, a decisão do CNJ deve buscar o equilíbrio entre a rigidez da regra editalícia e a garantia de eficiência e continuidade do concurso público, que convocou, segundo os Requerentes, 398 (trezentos e noventa e oito) candidatos para a heteroidentificação.  

Diante do número de candidatos convocados, o desdobramento da Comissão em quatro equipes é medida razoável e, uma vez respeitada a exigência mínima estabelecida no § 4º do art. 5º da Resolução CNJ n. 203, não implica mácula ou quebra da isonomia do certame.

Destarte, não tendo os Requerentes se desincumbido de demonstrar flagrante ilegalidade e, havendo elementos suficientes para se concluir que a atuação do Tribunal observou o regramento contido nas Resoluções CNJ n. 75 e 203, e respeitou o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, deve-se prestigiar sua autonomia administrativa para conduzir o certame. Nesse sentido:

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (TJRJ). CONCURSO PÚBLICO PARA O PROVIMENTO DE VAGAS E FORMAÇÃO DE CADASTRO DE RESERVA EM CARGOS DE ANALISTA JUDICIÁRIO. RESOLUÇÃO CNJ N. 203/2015. COTAS RACIAIS. UNIVERSO DE PROVAS DISCURSIVAS DE CANDIDATOS COTISTAS A SEREM CORRIGIDAS. INTERPRETAÇÃO ADOTADA PELO TJRJ QUE POSSUI AMPARO EM EXEGESE RAZOÁVEL DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL À ESPÉCIE E QUE TEM SIDO REFERENDADA PELO PODER JUDICIÁRIO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE. INVIABILIDADE DE INTERVENÇÃO DO CNJ.

1. Pretensão de ampliação do universo de provas discursivas de candidatos negros a serem corrigidas, mediante elaboração da lista de cotistas sem o cômputo de candidatos que obtiveram pontuação suficiente na prova objetiva para figurar na lista de ampla concorrência.

2. A política de cotas raciais, instituída por este Conselho por meio da Resolução n. 203/2015, apresenta como objetivo primário o efetivo preenchimento das vagas disponibilizadas aos candidatos negros, e não sua mera figuração nas fases do concurso. Precedente.

3. A interpretação adotada pelo TJRJ possui amparo em exegese razoável da legislação aplicável à espécie e tem sido referendada pelo Poder Judiciário, o que denota ausência de flagrante ilegalidade apta a desafiar a excepcional intervenção do CNJ. Prestígio à autonomia administrativa do tribunal para a condução do certame.

4. Recurso conhecido e desprovido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000346-09.2022.2.00.0000 - Rel. SALISE SANCHOTENE - 109ª Sessão Virtual - julgado em 12/08/2022) (grifo nosso)

 

RECURSO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ. AUDIÊNCIAS DE REESCOLHA. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DOS TRIBUNAIS. INCOMPETÊNCIA DO CNJ PARA DIRIMIR DÚVIDA INTERPRETATIVA DE DISPOSIÇÃO EDITALÍCIA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. PREVALÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES EDITALÍCIAS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

I – Recurso Administrativo contra decisão que não conheceu do pedido e determinou o arquivamento liminar do Procedimento de Controle Administrativo, a teor do art. 25, X, do Regimento Interno.

II – Considerando que os atos normativos deste Conselho não regulamentaram as questões atinentes à reescolha de serventias, a matéria deve ficar adstrita ao campo da autonomia administrativa dos Tribunais. Precedentes.

III – Salvo flagrante ilegalidade, não compete ao Conselho Nacional de Justiça intervir no andamento do Concurso Público para dirimir dúvida interpretativa de disposição editalícia.

IV – A interpretação levada a efeito pelo Tribunal requerido observa a estrita ordem de classificação, prestigia e dá máxima efetividade ao concurso público, viabilizando a outorga do maior número possível de serventias.

V – Ante a ausência de ilegalidade, a atuação que se circunscreve ao âmbito de autonomia administrativa e em respeito ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, cujas disposições não foram impugnadas tempestivamente, impede a intervenção deste Conselho.

VI – As razões recursais carecem de argumentos capazes de abalar os fundamentos da decisão combatida.

VII – Recurso conhecido e não provido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000372-41.2021.2.00.0000 - Rel. FLÁVIA PESSOA - 86ª Sessão Virtual - julgado em 14/05/2021) (grifo nosso)

 

Registre-se, ainda, que a presente decisão não representa um salvo-conduto para a Comissão do Concurso, a qual não está imune ao controle administrativo deste Conselho em situações de teratologia e/ou da adoção de procedimentos que desrespeitem a reserva de vagas para pessoas negras (pretas ou pardas) e acarretem prejuízos à política desenvolvida pelo CNJ.

A esse respeito, vale transcrever excerto do voto proferido pelo Conselheiro Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho no julgamento do PCA n. 0002371-92.2022.2.00.0000:

[...]

Trago, novamente, a lembrança de que o Plenário também confrontou matéria semelhante à tratada neste feito no julgamento do PCA 0002551-84.2017.2.00.0000, oportunidade em que afirmou:

Caberá, sim, ao CNJ avaliar se a comissão avaliadora agiu com arbitrariedade, abuso de direito ou praticou qualquer outra ilegalidade, hipóteses que atraem o comando do art. 103- B, §4º, inc. II, da CF/88, quando define a competência no sentido de controlar os atos administrativos dos tribunais pela ótica da legalidade e não da conveniência e oportunidade, o que suplantaria a própria discricionariedade da administração. Em outras palavras, a este Conselho só é permitido avançar sobre o mérito administrativo quando ao ato administrativo comportar afronta à lei em sentido amplo e aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade (art. 2º da Leiº 9.784/1999 – Lei do Processo Administrativo).

 

Referido precedente afirmou que “o Conselho Nacional de Justiça poderá (poder/dever) verificar se a comissão avaliadora atendeu a todos os requisitos formais, contidos na legislação aplicável à espécie e nos editais que regem o concurso, em especial aquele que convocar os candidatos para a entrevista pela comissão avaliadora, não sendo possível a este Conselho rever a decisão da comissão que tenha declarada (ou não) o candidato como sendo negro, salvo se houver violação aos princípios da legalidade e da proporcionalidade e da razoabilidade.” (CNJ – Procedimento de Controle Administrativo - Conselheiro - PCA 0002551- 84.2017.2.00.0000 - Rel. Valtércio de Oliveira - 33ª Sessão Virtual - julgado em 20/04/2018).

[...]

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002371-92.2022.2.00.0000 - Rel. VIEIRA DE MELLO FILHO - 357ª Sessão Ordinária - julgado em 04/10/2022) (grifo nosso)

 

Recorde-se, por fim, que, a teor do artigo 25, inciso X, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ)7, deve o relator arquivar monocraticamente o procedimento quando a matéria for flagrantemente estranha às finalidades do CNJ ou manifestamente improcedente, regra de organização interna com o nítido propósito de não sobrecarregar desnecessariamente o Plenário deste Conselho com questões amplamente debatidas e decididas precedentemente.

Por todo o exposto, julgo improcedente o pedido e determino o arquivamento do presente Procedimento de Controle Administrativo.

Levante-se o sigilo dos autos, nos termos da fundamentação.

Intimem-se.

À Secretaria Processual, para as providências a seu cargo.

Brasília, data registrada em sistema.

Conselheiro GIOVANNI OLSSON

Relator

_________________

 

1 Art. 5º [...] LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

2 Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: I - em que o exija o interesse público ou social; II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.

3 Art. 25. São atribuições do Relator: [...] VII – proferir decisões monocráticas e votos com proposta de ementa e lavrar acórdão quando cabível.

4 <https://www.tjrj.jus.br/web/guest/concursos/magistratura/magistratura/xlix>. Acesso em 22/11/2023.

5 <https://www.tjrj.jus.br/web/guest/concursos/magistratura/magistratura/xlix>. Acesso em 23/11/2023.

6 7.7. A Comissão de Heteroidentificação será composta por 3 (três) integrantes, sendo observada em sua constituição a diversidade de gênero, cor e naturalidade, a saber: 1(um) Magistrado(a), 2 (dois) profissionais especialistas em questões raciais e direito da antidiscriminação, que serão designados pela Presidente da Comissão do Concurso.

7 Art. 25. São atribuições do Relator: [...] X - determinar o arquivamento liminar do processo quando a matéria for flagrantemente estranha às finalidades do CNJ, bem como a pretensão for manifestamente improcedente, despida de elementos mínimos para sua compreensão ou quando ausente interesse geral;

 

A princípio, impõe-se ressaltar que, em peça quase idêntica à petição inicial, os Recorrentes se limitaram a reforçar as teses centrais inicialmente expostas, deixando de atacar, motivadamente, os fundamentos da Decisão recorrida.

Nesse cenário, o Recurso Administrativo ofende os princípios da dialeticidade e da congruência, o que por si só seria causa para o não provimento.

No mesmo sentido, destaca-se recente precedente do Plenário:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA ESTRITAMENTE JURISDICIONAL. FATOS QUE NÃO CONSTITUEM INFRAÇÃO DISCIPLINAR. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. O princípio da dialeticidade exige que as razões recursais estejam associadas à decisão recorrida e ataquem, motivadamente, seus fundamentos, o que não acontece no presente caso.

2. Não há nos autos indícios que demonstrem a prática de qualquer infração disciplinar ou falta funcional que pudessem ensejar a instauração de processo administrativo disciplinar.

3. Os argumentos desenvolvidos pela parte reclamante demonstram insatisfação em face do conteúdo de decisão proferida nos autos judiciais.

4. O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

5. Recurso administrativo a que se nega provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0002242-87.2022.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 107ª Sessão Virtual - julgado em 10/6/2022) (grifo nosso) 

 

Se não bastasse, deixaram de apresentar qualquer fundamento novo que pudesse modificar o entendimento adotado.

Conforme amplamente demonstrado, a atuação do Tribunal observou o regramento contido nas Resoluções CNJ n. 75 e n. 203 e respeitou o princípio da vinculação ao instrumento convocatório.

Os Recorrentes não lograram êxito em comprovar a existência de ofensa aos normativos e as ilações que fazem acerca do suposto prejuízo suportado pelos candidatos cotistas não encontram sustentação no conjunto probatório.

O Recurso não merece prosperar.

A manifesta improcedência do presente PCA se fundou nos seguintes argumentos:

i) a convocação de todos os candidatos habilitados para a segunda etapa foi realizada com a antecedência exigida pela Resolução CNJ n. 75;

ii) o Edital n. 14/2023 ressalvou expressamente a condição daqueles que ainda se submeteriam ao procedimento de heteroidentificação;

iii) não houve surpresa, uma vez que a realização sucessiva das duas etapas estava prevista nos itens 7.6 e 10.9 do Edital inaugural;

iv) não houve demonstração de efetivo prejuízo aos candidatos cotistas, de modo que danos hipotéticos não autorizam a anulação do procedimento de heteroidentificação;

v) a Resolução CNJ n. 203 delegou aos Tribunais a tarefa de instituir as comissões de heteroidentificação, não impondo outra exigência a não ser que possua especialistas em questões raciais e direito da antidiscriminação em sua composição;

vi) não se vislumbra ilegalidade no desdobramento da Comissão em quatro equipes em salas distintas, uma vez que todas eram compostas de três membros cada e tinham em sua composição um juiz e especialistas na área;

vii) as alegações de que os candidatos foram reprovados em razão de excessivo rigor de determinadas equipes não passam de mera ilação, desacompanhada de qualquer elemento probatório; e

viii) a Comissão possui autonomia na sua avaliação, e não cabe ao CNJ o papel de instância revisora do conteúdo de sua atuação, salvo em situações de teratologia e/ou da adoção de procedimentos que desrespeitem a reserva de vagas para pessoas negras (pretas ou pardas) e acarretem prejuízos à política desenvolvida pelo CNJ.

 

Especificamente no que respeita à alegação de prejuízo para o planejamento dos cotistas em razão da convocação para a realização da prova discursiva antes do julgamento dos recursos à heteroidentificação, vale ressaltar que o Edital inaugural não previu prazo para julgamento dos recursos interpostos em face do não enquadramento na condição de negro ou indígena.

Ademais, o Aviso n. 18/2023 estava em absoluta consonância com o item 7.15 do Edital, de modo que, uma vez não enquadrados na condição de negros ou indígenas e, até que fossem julgados os recursos, os candidatos ostentavam a possibilidade de concorrer às vagas reservadas, devendo, portanto, prosseguir no concurso.

Destarte, os candidatos cotistas tinham prévio conhecimento de que prosseguiriam no certame até o julgamento dos recursos, caindo por terra a alegação de prejuízo, haja vista que todos aqueles que se candidatam a um concurso público devem estar prontos para as sucessivas fases do certame. Não por outro motivo, a Resolução CNJ n. 75 estabelece:

Art. 83. Correrão por conta exclusiva do candidato quaisquer despesas decorrentes da participação em todas as etapas e procedimentos do concurso de que trata esta Resolução, tais como gastos com documentação, material, exames, viagem, alimentação, alojamento, transporte ou ressarcimento de outras despesas. (grifo nosso) 

 

Merece destaque, ainda, o fato de que o planejamento financeiro é questão individual, de modo que a ausência de candidatos nas etapas do concurso não pode ser atribuída, exclusiva e automaticamente, ao motivo apontado pelos Recorrentes.

Assim, o prejuízo é meramente hipotético, nada havendo nos autos que demonstre sua concretude.

Por fim, há que se ressaltar que não foram carreados aos autos elementos que autorizem a intervenção excepcional do CNJ para rever a formação e a atuação da Comissão de Heteroidentificação.

Com efeito, não se verificou incorreção na composição da Comissão ou flagrante ilegalidade no procedimento adotado para a realização da entrevista e avaliação fenotípica, o qual foi filmado para viabilizar a análise dos recursos interpostos pelos candidatos.

Note-se que, à época da prolação da Decisão impugnada, este Conselho ainda não havia aprovado a Resolução CNJ n. 541[2], que disciplina o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, a ser previsto nos editais de abertura de concursos públicos para provimento de cargos no âmbito do Poder Judiciário, inclusive de ingresso na magistratura, e para a outorga das delegações de notas e de registro. 

A mencionada Resolução, que ainda não entrou em vigor, se traduz em importante avanço para a uniformização dos procedimentos adotados pelos tribunais na composição de suas comissões de heteroidentificação, em benefício da afirmação das políticas de igualdade racial.

Por inteira pertinência, vale transcrever excerto do acórdão proferido no Ato Normativo n. 0005090-13.2023.2.00.0000, no bojo do qual foi aprovada a Resolução CNJ n. 541:

[...]

Embora ainda subsista no senso comum uma discussão sobre suposta subjetividade no procedimento de heteroidentificação, a literatura especializada já definiu critérios bastantes claros sobre o fenótipo do negro (que inclui pretos e pardos), a serem utilizados nas avaliações de heteroidentificação, somados, se necessário, ao questionamento de experiências de discriminação racial já sofridas.

A utilização conjugada dos critérios de auto-identificação e heteroidentificação, de forma complementar, permite a aferição, de forma razoavelmente objetiva, da condição pessoal e social de negro do candidato.

Assim, o ato que se apresenta define princípios e diretrizes que deverão orientar os procedimentos de heteroidentificação, como o respeito à dignidade da  pessoa humana, a observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, a garantia de padronização e de igualdade de tratamento entre candidatos(as) submetidos(as) ao procedimento de heteroidentificação promovido no mesmo concurso público, a garantia da publicidade e do controle social do procedimento de heteroidentificação, resguardadas as hipóteses de sigilo previstas em lei, o atendimento ao dever de autotutela da legalidade pela administração pública e a garantia da efetividade da ação afirmativa de reserva de vagas a candidatos(as) negros(as) nos concursos públicos de ingresso no serviço público do Poder Judiciário (art. 1º, parágrafo único).

Em seguida, no capítulo II, a minuta descreve pormenorizadamente o procedimento para fins de heteroidentificação, definindo o perfil de seus integrantes (art. 6º, § 1º), como reputação ilibada, residência no Brasil e tenham realizado curso sobre relações raciais e enfrentamento ao racismo, oferecido por organismos listados no dispositivo, desde que abordados conteúdos descritos.

Ademais, para atuar na Comissão, serão designados 5 integrantes titulares e seus respectivos suplentes, que atuarão em caso de suspeição ou impedimento. Seus integrantes deverão ser negros, em sua maioria, além de atender à diversidade de gênero (art. 6º, § 2º).

A minuta prossegue estabelecendo que o procedimento ocorrerá em 2 etapas: uma primeira, pela coleta de fotos pela própria comissão no momento da inscrição no concurso; numa segunda, por meio de reunião com a comissão de heteroidentificação, de modo presencial ou telepresencial, modalidade a ser definida no edital, e que será gravada para eventual utilização futura (art. 7º, caput e parágrafos).

Os candidatos que se autodeclararam negros devem ser aprovados inicialmente na 1ª etapa, em que a autodeclaração será ou não confirmada por meio das fotos coletadas. Somente os que ultrapassarem essa fase seguirão para a entrevista presencial ou telepresencial.

A aprovação do candidato na condição de cotista depende do voto favorável da maioria absoluta dos integrantes da comissão de heteroidentificação; já o candidato que não comparecer à entrevista ou se opuser à gravação do procedimento, será eliminado do certame.

Ainda quanto ao procedimento, a comissão deverá aferir características exclusivamente fenotípicas do candidato, existentes ao tempo da realização do procedimento, excluídos quaisquer registros ou documentos pretéritos eventualmente apresentados, inclusive imagens e certidões referentes à confirmação em procedimentos de heteroidentificação realizados em outros concursos públicos federais, estaduais, distritais e municipais.

 A minuta traz ainda um capítulo que disciplina especificamente a fase recursal, cuja comissão será composta por 3 integrantes distintos da comissão de heteroidentificação.

Ao final, prevê a criação de um banco nacional de especialistas para composição de comissões de heteroidentificação no âmbito do Poder Judiciário, a ser criado pelo CNJ, onde serão cadastrados profissionais com formação em questões raciais, para consulta pública dos Tribunais. No cadastro serão incluídos nomes de profissionais qualificados, aprovados pelo Comitê Executivo do FONAER. 

Nas disposições finais, o ato prevê ainda a realização mínima anual de um curso de formação e atualização em questões raciais em parceria com a ENFAM, com o objetivo de capacitar profissionais para a composição das comissões de heteroidentificação.

[...].

(CNJ - ATO - Ato Normativo - 0005090-13.2023.2.00.0000 - Rel. VIEIRA DE MELLO FILHO - 19ª Sessão Ordinária de 2023 - julgado em 12/12/2023) 

 

Diante disso, considerando que não foram submetidos à análise novos fatos ou razões capazes de infirmar os fundamentos da Decisão monocrática, mantenho-a integralmente.

Por todo o exposto, conheço do Recurso e, no mérito, nego-lhe provimento.

É como voto. 

Após as comunicações de praxe, arquivem-se. 

À Secretaria Processual para as providências.  

Brasília-DF, data registrada no sistema.

 

Conselheiro GIOVANNI OLSSON

Relator



[1] Art. 115. A autoridade judiciária ou o interessado que se considerar prejudicado por decisão do Presidente, do Corregedor Nacional de Justiça ou do Relator poderá, no prazo de cinco (5) dias, contados da sua intimação, interpor recurso administrativo ao Plenário do CNJ. § 1º São recorríveis apenas as decisões monocráticas terminativas de que manifestamente resultar ou puder resultar restrição de direito ou prerrogativa, determinação de conduta ou anulação de ato ou decisão, nos casos de processo disciplinar, reclamação disciplinar, representação por excesso de prazo, procedimento de controle administrativo ou pedido de providências.

[2] < https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5392>. Acesso em 31/1/2024.