Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0006059-09.2015.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS - TJGO

 

 

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. AUXÍLIO-MORADIA. LEI ESTADUAL Nº 17.962/2013. PAGAMENTO RETROATIVO A MAGISTRADOS. ILEGALIDADE.

I – O artigo 4º, § 2º, da Resolução TJGO nº 25/2014 conferiu efeitos financeiros retroativos ao pagamento do auxílio-moradia estabelecido na Lei Estadual nº 17.962/2013, sem a correspondente autorização legislativa.

II – Segundo a jurisprudência deste Conselho, a ajuda de custo para moradia, expressa no artigo 65, inciso II, da LOMAN, não autoriza o pagamento retroativo da parcela, ficando seus efeitos financeiros vinculados à disciplina da Resolução CNJ nº 199/2014. Precedentes: PP-006056-54.2015, Rel.  Cons. Fernando Mattos, julgado em 10/05/2016 e PCA-001896-49.2016, da Rel. Cons. André Godinho, julgado em 22/09/2020.

III – De igual modo, a decisão liminar tomada na Ação Originária nº 1.773/DF, no âmbito do STF, conferiu efeitos prospectivos ao pagamento do auxílio-moradia a Magistrados.

IV - Pedido de Providências julgado procedente, em parte, para reconhecer a ilegalidade da previsão contida no art. 4º, § 2º, da Resolução TJGO nº 25/2014 e determinar ao Tribunal Requerido que instaure processos administrativos para, assegurando aos Magistrados o contraditório e a ampla defesa, proceder à restituição dos valores indevidamente percebidos pelos juízes locais a título de pagamento retroativo do auxílio-moradia.

 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a ilegalidade do pagamento retroativo previsto no art. 4º, §2º da Resolução nº 25/2014 do TJ/GO e determinar ao TJ/GO que proceda a abertura dos devidos processos administrativos para, assegurando aos magistrados o contraditório e a ampla defesa, proceder à devolução dos valores indevidamente recebidos pelos juízes à título de pagamento retroativo do auxílio-moradia, nos termos do voto do então Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 16 de abril de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Aloysio Correa da Veiga (então Relator), Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

1. RELATÓRIO

 

Trata-se de pedido de providências, instaurado mediante decisão da Presidência deste Eg. Conselho proferida no CUMPRDEC nº 519-77, em razão do possível descumprimento, pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, dos termos da Resolução CNJ nº 199/2014, que disciplina a concessão da ajuda de custo para moradia no âmbito do Poder Judiciário.

O Relator que me antecedeu solicitou informações complementares ao TJ/GO para que: a) informasse se o auxílio-moradia é pago aos magistrados inativos e pensionistas (Id 1878394); b) indicasse os atos normativos que embasam o pagamento da ajuda de custo para moradia no período de 2008 a 15/09/2014, data a partir da qual a Resolução CNJ nº 199/2014 passou a produzir efeitos financeiros (Id 1946355).

Em resposta, o TJ/GO afirma que a questão referente ao pagamento do auxílio moradia aos magistrados do Poder Judiciário goiano já foi analisado no PP 2557-62 e no PCA nº 7206-07.

Informa que, nos termos do art. 5º da Lei Estadual nº 17.962/13, o pagamento do auxílio-moradia somente é efetuado em favor dos magistrados da ativa (Id 1879240).

Assenta, ainda, que o pedido formulado pela Associação dos Magistrados do Estado de Goiás - ASMEGO de extensão do referido benefício aos magistrados aposentados (Procedimento nº 5254574/2015) foi indeferido pela Presidência, decisão que, posteriormente, foi mantida pelo Plenário da Corte, em sede recursal (Id 1879240).

No que tange aos atos normativos que fundamentam o pagamento do auxílio-moradia, afirma que a Lei Estadual nº 17.962/2013 regulamentou a norma da LOMAN que assegura o pagamento do auxílio aos magistrados, fixando-o no percentual de 10% (dez por cento) do subsídio de cada magistrado (Id 1963058).

Posteriormente, prossegue, a Corte Especial aprovou a Resolução nº 02/2013 a respeito do tema.

Afirma que após a edição da Resolução CNJ nº 199/2014, a Corte Especial do TJ/GO editou a Resolução nº 25/2014, alterando a Resolução nº 02/2013.

A nova norma determinou a equiparação do valor do auxílio ao valor pago pelo STF, a partir de 15/09/14, e resguardou o direito à retroação dos efeitos financeiros decorrentes da Lei Estadual nº 17.962/13, desde a sua edição até o fim do prazo prescricional.

Assenta que o pagamento retroativo do auxílio-moradia foi realizado com base no percentual disposto na Lei Estadual nº 17.962/2013, ou seja 10% (dez por cento) do subsídio dos magistrados, e não com base nos valores previstos na Resolução CNJ nº 199/2014 (Id 1963058).

Informa que o pagamento retroativo se deu em respeito ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos, a contar de 10 de janeiro de 2013, data de publicação da Lei Estadual nº 17.962/13 e foi efetuado com base na legislação estadual e no percentual nela previsto, não tendo havido determinação de retroação com base na Resolução CNJ nº 199/2014.

Determinei a intimação do TJ/GO para que, no prazo de 15 (quinze) dias, intimasse todos os magistrados que percebem ou que perceberam o auxílio-moradia, inclusive relativamente a período anterior à Resolução CNJ nº 199/2014, para que, querendo, apresentassem manifestação acerca da matéria debatida nos presentes autos, no prazo de 15(quinze) dias (Id 2308455).

A ASMEGO – Associação dos Magistrados do Estado de Goiás requer sua admissão nos autos e apresenta manifestação (Id 2318935).

Alega que o Estado de Goiás difere dos demais estados da federação no que se refere ao pagamento do auxílio-moradia, pois, antes mesmo do advento da Resolução CNJ nº 199/2014, a Lei Estadual nº 17.962/13, regulamentada pela Resolução nº 02/13 do TJ/GO, já previa o pagamento da vantagem aos magistrados goianos.

Afirma que, após a edição da Resolução CNJ nº 199/2014, o TJ/GO editou a Resolução nº 25/2014, alterando a Resolução nº 02/13.

A nova disciplina permitiu o pagamento retroativo do auxílio-moradia previsto na Lei Estadual nº 17.962/13, desde a sua edição até o término do prazo prescricional de cinco anos, contado da publicação da referida lei estadual.

Entende que o pagamento retroativo do auxílio-moradia em relação aos anos de 2008 a 2012, anteriores à Lei nº 17.962/13, foi recebido pelos magistrados goianos de boa-fé, haja vista que a legalidade dos atos praticados pela Administração Pública é presumida.

Assim, prossegue, diante da ausência de má-fé no recebimento dos valores, fica afastada a possibilidade de se poder efetuar qualquer desconto na remuneração dos magistrados a título de reposição ao erário.

Ao final, diante da legalidade do pagamento realizado pelo TJ/GO, a ASMEGO requer o arquivamento do presente PP.

O TJ/GO informa haver cumprido a determinação de intimação dos magistrados para que, querendo, se manifestassem nos autos e junta manifestação apresentada pela Desembargadora Beatriz Figueiredo Franco (Id 2331842).

Em sua manifestação a Desembargadora Beatriz Figueiredo Franco limita-se a ratificar as defesas já apresentadas pela Presidência do TJ/GO (Id 2331842, p. 31).

É o relatório.

 


 

2. VOTO

 

Inicialmente, admito o ingresso da ASMEGO nos autos, como terceira interessada, na medida em que a questão ora debatida é de interesse de seus associados. Anote-se.

Ainda de plano, rejeito a alegação do TJ/GO no sentido de que a matéria ora debatida já teria sido apreciada em sede do PP 2557-62 e do PCA nº 7206-07.

 

Este PP, portanto, deriva do PP 2557-62 e foi instaurado, após a análise das informações prestadas pelo TJ/GO, para apurar possíveis irregularidades no cumprimento da Resolução CNJ nº 199/2014.

A seu turno, no PCA nº 7206-07, a Conselheira Relatora, Ana Maria Duarte Amarante Brito, proferiu decisão monocrática, em que concluiu pela judicialização da matéria por meio da Ação Originária nº 1.773-DF, em curso no STF.

Assim, além de não ter sido realizada a apreciação do mérito do PCA nº 7206-07,  a decisão monocrática proferida naqueles autos não foi submetida ao Plenário do CNJ que, por isso, não enfrentou a questão. Em sendo assim, o tema não foi exaurido no âmbito deste Órgão não estando acobertado, portanto, pela preclusão administrativa.

Assente-se, ademais, que a pendência da Ação Originária nº 1.773-DF no STF não representa óbice ao conhecimento deste PP.

É que naquela os autores pretendem o reconhecimento do direito à ajuda de custo para fins de moradia prevista no inciso II do art. 65 da Loman.

No presente PP, a seu turno, averígua-se a legalidade do pagamento efetuado pelo TJ/GO a título de auxílio-moradia. Realiza-se, assim, controle da legalidade de atos administrativos praticados pelo TJ/GO.

Passo, assim, ao exame do mérito do presente PP.

O objeto do presente PP, instaurado mediante decisão da Presidência deste Eg. Conselho proferida no CUMPRDEC nº 519-77, é averiguar possível descumprimento, pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, das normas da Resolução CNJ nº 199/2014.

Vislumbrou-se o eventual descumprimento da Resolução CNJ nº 199/2014 em relação a dois aspectos: a) pagamento a magistrados inativos; b) pagamento retroativo (período anterior 15/09/2014, data a partir da qual a Resolução CNJ nº 199/2014 passou a produzir efeitos financeiros).

No que se refere à primeira questão, as informações prestadas pelo TJ/GO deixam claro que o pagamento do auxílio-moradia somente é realizado em favor dos magistrados em atividade.

Não há que se falar em violação ao art. 3º, II da Resolução CNJ nº 199/2014 que veda o pagamento do auxílio-moradia a magistrados inativos.

Quanto ao possível descumprimento do art. 5º da Resolução CNJ nº 199/2014, segundo o qual as normas da Resolução somente geram efeitos financeiros a partir de 15/09/14, o TJ/GO informa que a Lei Estadual nº 17.962/2013 regulamentou a norma da LOMAN que assegura o pagamento do auxílio aos magistrados, fixando-o no percentual de 10% (dez por cento) do subsídio de cada magistrado.

Afirma que efetuou o pagamento retroativo do auxílio-moradia, nos termos da Resolução nº 25/2014 do TJ/GO, observando o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, a contar de 10 de janeiro de 2013, data de publicação da Lei Estadual nº 17.962/13 e que o pagamento retroativo foi realizado com base no percentual disposto na Lei Estadual nº 17.962/2013, ou seja 10% (dez por cento) do subsídio dos magistrados, e não com base nos valores previstos na Resolução CNJ nº 199/2014.

Assim dispõe a Resolução nº 25/2014, editada pelo TJ/GO após a edição da Resolução CNJ nº 199/2014, e que regulamenta o pagamento do benefício no âmbito do TJ/GO:

Art. 4º.(...)

§1º A equiparação do valor do auxílio-moradia fixado nesta resolução com o valor pago pelo Supremo Tribunal Federal gera efeitos a partir de 15 de setembro de 2014.

§2º Fica resguardado o direito à retroação dos efeitos financeiros decorrentes da regulamentação do auxílio-moradia pela Lei Estadual nº 17.962/2013, desde a sua edição até o término do prazo prescricional previsto em lei. (grifei)

 

De fato, a norma acima transcrita estipula que a equiparação do valor do auxilio-moradia àquele pago aos ministros do STF somente ocorreria a partir de 15/9/14, data em que a Resolução CNJ 199/2014 começou a produzir efeitos financeiros. Ademais, determina a retroação dos efeitos financeiros da Lei Estadual nº 17.962/13.

Pelo que se infere, o pagamento do benefício em período anterior a 15/09/14, conforme informado pelo TJ/GO, se deu com base na legislação estadual goiana e no percentual nela previsto.

O TJ/GO, portanto, não concedeu efeitos financeiros retroativos às normas da Resolução CNJ nº 199/2014, mas à legislação estadual que, regulamentando o art. 65, II da LOMAN, determinou o pagamento do auxílio-moradia aos magistrados no percentual de 10% (dez por cento).

Não obstante, diante da competência atribuída pela Constituição Federal ao CNJ para fiscalizar a atuação administrativa dos tribunais, cabe se perquirir, de ofício, - já que este não é o objeto inicial do presente PP -, quanto à legalidade da disposição contida no art. 4º, §2º da Resolução nº 25/2014 que determinou a retroatividade da Lei Estadual nº 17.962/13.

Com fundamento no Princípio da Irretroatividade, as normas legais, em regra, apenas possuem efeitos prospectivos. A retroatividade da norma é, portanto, exceção.

No caso em exame, a Lei Estadual nº 17.962/13 assim dispôs ao tratar do auxílio-moradia:

Art. 5º Aos magistrados da ativa será paga mensalmente a ajuda de custo de natureza indenizatória prevista no inciso II do art. 65 da Lei Complementar no 35/79, no percentual de 10% (dez por cento) de seu subsídio.

Parágrafo único. O magistrado que residir em imóvel do Estado ou Município, ou por estes mantido, não fará jus à ajuda de custo prevista neste artigo.

 

A norma, portanto, instituiu o pagamento do auxílio-moradia aos magistrados goianos, fixando seu percentual e hipótese de não pagamento, sem que tenha previsto a retroatividade da parcela.

Ora, diante da omissão legislativa, o art. 4º, §2º da Resolução nº 25/2014 não poderia determinar a incidência retroativa do auxílio-moradia.

Ao determinar o pagamento retroativo da parcela a Resolução nº 25/2014 do TJ/GO inovou no ordenamento jurídico, tendo, assim, extrapolado os limites regulamentares que lhe são próprios.

Nem se venha alegar, ainda, que o auxílio já teria sido instituído pelo art. 65, II da LOMAN e que a Lei Estadual apenas teria regulamentado o seu pagamento, de forma a autorizar a retroação da parcela.

O próprio STF ao deferir a medida liminar na AO 1773, conquanto tenha consignado que o direito ao auxílio-moradia advém de norma do art. 65 da LOMAN, determinou que os efeitos da decisão somente deveriam ser contados a partir da sua publicação.

Afasta-se, portanto, a alegação de que a previsão do auxílio no art. 65 da LOMAN autoriza, por si só, o pagamento retroativo da parcela.

Ante o exposto, julgo procedente em parte o presente PP para reconhecer a ilegalidade do pagamento retroativo previsto no art. 4º, §2º da Resolução nº 25/2014 do TJ/GO e determinar ao TJ/GO que proceda a abertura dos devidos processos administrativos para, assegurando aos magistrados o contraditório e a ampla defesa, proceder à devolução dos valores indevidamente recebidos pelos juízes à título de pagamento retroativo do auxílio-moradia.

 

 

Ministro Aloysio Corrêa da Veiga

Conselheiro Relator

 

 

GACV/ MCM