Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0001742-55.2021.2.00.0000
Requerente: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DE MATO GROSSO
Requerido: ALEXANDRE MEINBERG CEROY

 


 

  

EMENTA: RECURSO ADMINISTRATIVO. RECONHECIMENTO DE FIRMA. PROCURAÇÃO. LIBERAÇÃO DE VALORES. MATÉRIA JURISDICIONAL. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. Exigência de procuração com firma reconhecida para liberação de valores. Matéria jurisdicional. Impossibilidade de atuação.

2. Inexistência de fatos novos.

3. Criação de Grupo de Trabalho a ser instituído pela Presidência do CNJ e a realização de estudos, a fim de que sejam fixadas balizas para atuação dos magistrados em casos específicos de levantamentos constantes de valores por advogados e de pedidos de expedição de alvará judicial.

 

4. Recurso conhecido e, no mérito, não provido.

 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Luis Felipe Salomão (Vistor), o Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, com determinação para criar Grupo de Trabalho a ser instituído pela Presidência do CNJ. Votou a Presidente. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 28 de março de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas (Relator), Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0001742-55.2021.2.00.0000
Requerente: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DE MATO GROSSO
Requerido: ALEXANDRE MEINBERG CEROY


 

RELATÓRIO  

Trata-se de Recurso Administrativo (Id 4650667) interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Estado de Mato Grosso (OAB/MT) contra Decisão (Id 4639703) que julgou improcedente pedido de providências em que se pretendia fosse determinado ao Juiz de Direito do Juizado Especial Cível e Criminal de Novo São Joaquim que se abstivesse “de exigir dos advogados poderes em procuração que não estão em lei, sem a necessidade de reconhecimento de firma do subscritor, como condicionante para o saque de valores ou recebimento de alvará em nome de cliente”.

Para compreensão da lide, vale transcrever o relatório da decisão recorrida: 

 

“Trata-se de Pedido de Providências (PP), com pedido liminar, proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Mato Grosso (OAB/MT), em face do Juiz Alexandre Meinberg Ceroy, no qual requereu fosse determinado ao magistrado que ‘se abstenha de exigir dos advogados poderes em procuração que não estão em lei, sem a necessidade de reconhecimento de firma do subscritor, como condicionante para o saque de valores ou recebimento de alvará em nome de cliente, de modo que seja suficiente a procuração com poderes para receber e dar quitação’.

Alegou que a atuação do magistrado estaria, ‘desde o ano de 2018, em diversos processos, em total desrespeito às prerrogativas dos advogados’, uma vez que o requerido exigiria, por parte dos advogados, a apresentação de procuração com firma reconhecida para a liberação dos valores.

Informou ter provocado a Corregedoria local sobre a situação posta, mas que aquele órgão censor determinou o arquivamento ‘sob o entendimento de que a matéria não se enquadraria em falta administrativa e que qualquer decisão contrária estaria interferindo na independência judicial garantida ao Juiz’.

Sustentou que a conduta do magistrado violaria ‘as prerrogativas da advocacia e o ordenamento jurídico vigente, em especial a Lei nº 8.906/1994’. Além disso, pontuou que a conduta do magistrado não se coaduna com os dispositivos do art. 105 do CPC, bem como o art. 5º, § 2º do Estatuto da Advocacia.

Ao final, requereu:

‘a) O deferimento do pedido liminar, no sentido de determinar que ao Juiz de Direito do Juizado Especial Cível e Criminal de Novo São Joaquim, Dr. Alexandre Meinberg Ceroy, se abstenha de exigir dos advogados poderes em procuração que não estão em lei, sem a necessidade de reconhecimento de firma do subscritor, como condicionante para o saque de valores ou recebimento de alvará em nome de cliente, de modo que seja suficiente a procuração com poderes para receber e dar quitação, nos termos do artigo 105 do Código de Processo Civil, bem como do artigo 5º, § 2º, da Lei 8.906/1994, em respeito às prerrogativas dos advogados;

b) Que intime o Juiz Dr. Alexandre Meinberg Ceroy para, querendo, apresentar informações, no prazo assinalado, bem como para informar as providências já tomadas e as que pretende tomar em relação ao presente Pedido de Providências; e

c) Que julgue procedente no mérito o presente Pedido de Providências, para determinar que o Magistrado se abstenha de impedir que o advogado receba a totalidade dos valores em nome dos respectivos clientes, quando detenha procuração com poderes especiais para receber e dar quitação’.

O requerimento liminar foi indeferido no Id 4285603, sob o fundamento de que não foram demonstrados o perigo da demora e a plausibilidade do direito alegado.

Devidamente intimado, o magistrado prestou informações no Id 4329085, expondo que as decisões impugnadas foram proferidas no âmbito jurisdicional, de modo que a irresignação da parte deve ser postulada pelos meios processuais adequados.

Continua explicando que, em momento algum, existiu decisão negando a liberar diretamente os valores aos advogados, mas apenas cautela para liberação de alvará quando se tratar de pessoas ‘analfabetas/de baixa escolaridade ou idosos sem qualquer conhecimento’.

Apontou precedentes fáticos que motivaram a exigência de maiores formalidades para liberação de valores, como fraudes e crimes verificados em duas comarcas onde atuou, o que demandou cautela, bem como comunicação aos órgãos competentes para persecução e a própria OAB.

Informou que todas as alegações estão documentadas no bojo dos autos nº 49886-29.2016.811.0000, em trâmite na Corregedoria do TJMT e nos autos da Revisão Disciplinar (RevDis) nº 3954-83.2020.2.00.0000, proposta neste CNJ pela OAB/MT contra o magistrado. Ao final, pugnou pelo ‘improvimento do pedido, bem como pela intervenção deste Egrégio Conselho Nacional de Justiça junto aos órgãos de persecução penal, para que cumpram com sua tarefa investigativa dos fatos narrados, bem como para que apurem as supostas condutas criminosas praticadas pelo advogado NEY RICARDO FEITOSA DE PAULA, fomentador da apresentação do presente pedido de providências’.

A OAB/MT apresentou petição no Id 4334244 impugnando as informações apresentadas pelo magistrado. Em seguida, em nova petição juntada no Id 4367458, a requerente pleiteou a juntada de declaração do cliente do advogado Ney Ricardo Feitosa de Paulo, ‘atestando que seu cliente foi induzido a erro pelo juiz, quando do depoimento concedido ao magistrado juntado ao ID 4336061 e ID 4336063’.

O feito foi redistribuído a este Gabinete em razão do fim do mandato da então Conselheira Ivana Farina Navarrete Pena, nos termos do art. 45-A do Regimento Interno do CNJ (RICNJ).

Diante dos novos documentos juntados no Id 4367457 e seguintes, o magistrado foi intimado para prestar informações e, assim, garantir máxima efetividade aos princípios do contraditório e da ampla defesa. O magistrado apresentou manifestação no Id 4604517.

É, em breve síntese, o relatório. Decido: 

 

A Decisão recorrida (Id 4639703) julgou improcedente o pedido, em suma, por entender tratar-se de matéria jurisdicional.

Alega a requerente, ora recorrente, em suma, que a reiteração das decisões judiciais que, a seu ver, estariam violando prerrogativas dos advogados torna possível a atuação deste Conselho, como forma de inibir ações arbitrárias. 

Regularmente intimado da Decisão de Id 639703 (Id 4506216), o magistrado requerido apresentou Contrarrazões Recursais (Id 4655239) em que defendeu a manutenção da decisão de arquivamento do feito, apresentando o contexto fático que resultou na adoção da medida questionada nos autos e justificando a conduta em razão da necessidade de cautela e resguardo dos direitos dos jurisdicionados.

Destacou, ainda, que a decisão objeto deste PP nem sequer foi objeto de recurso ou manifestação na origem, o que demonstraria “o equívoco procedimental do recorrente, eis que intenciona utilizar o Conselho Nacional de Justiça como órgão jurisdicional recursal”.

Por fim, pugnou pelo não conhecimento do Recurso Administrativo.

É o relatório.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0001742-55.2021.2.00.0000
Requerente: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DE MATO GROSSO
Requerido: ALEXANDRE MEINBERG CEROY

 

 

Voto

O Excelentíssimo Senhor Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS (Relator):

 

Recebo o presente Recurso Administrativo por ser tempestivo e próprio, nos termos do art. 115 do Regimento Interno do CNJ (RICNJ).

A recorrente pede a reforma da Decisão de Id 1714485 por entender que estaria configurada a hipótese de atuação deste CNJ, em razão da conduta reiterada do requerente, o que legitimaria a atuação deste Conselho.  

No mérito, todavia, em que pesem os argumentos da recorrente, verifica-se a inexistência de elementos ou fatos novos hábeis a reformar a decisão atacada, motivo pelo qual esta deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos. In verbis:

 

“Inicialmente, cabe delimitar o objeto de análise deste PP em razão das petições apresentadas pelas partes indicando situações que demandariam, em tese, apuração disciplinar.

Nesse sentido, o presente PP analisará somente o pedido da OAB/MT para que o requerido ‘se abstenha de impedir que o advogado receba a totalidade dos valores em nome dos respectivos clientes, quando detenha procuração com poderes. especiais para receber e dar quitação’. Para todas as outras questões aqui levantadas, as partes deverão procurar os meios processuais cabíveis, como outrora a requerente fez ao propor a Revisão Disciplinar nº 3954-83.2020.2.00.0000 contra o magistrado.

No que tange à pretensão da requerente, existe, entretanto, uma barreira instransponível para atuação deste Conselho, tendo em vista que sua competência é restrita ao controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar do Poder Judiciário, nos termos do § 4º do art. 103-B da Constituição Federal (CF/88). Assim, este Conselho não possui competência para interferir na seara jurisdicional ou expedir determinação que possa interferir no poder decisório.

 In casu, verifica-se que o magistrado se utilizou do poder geral de cautela que lhe é atribuído ao estabelecer, por meio de decisão jurisdicional, exigências na liberação dos alvarás judiciais, ao tomar conhecimento dos seguintes fatos expostos nas no acórdão do TJMT que determinou o arquivamento da investigação preliminar (Id 4329087):

Sobre esse ponto, vejamos o que disse o Magistrado Alexandre Meinberg Ceroy quando prestou suas informações no pedido de providências, in verbis:

Na comarca de Água Boa já foram várias as notícias que este magistrado encaminhou não somente ao Ministério Público quanto à Polícia Judiciária Civil acerca de advogados que não limitavam-se à falsificar procurações para receber alvarás de clientes, mas também o faziam para o ajuizamento de ações onde o prejudicado sequer sabia de tais intercorrências.

Somente para ilustrar uma das ocorrências, mister mencionar o ocorrido no bojo dos autos n.° 95171 (3936-02.2014.811.0021) que, ao nosso ver, é o paradigma de tudo o que está ocorrendo.

 Em tal feito, houvera decisão para a complementação das custas processuais e recolhimento da taxa judiciária, sendo tal decisão objeto de Embargos de Declaração, que foram improvidos e, na mesma oportunidade, fora aplicada multa processual pelo seu caráter protelatório.

Referida decisão fora impugnada mediante Agravo de Instrumento que, fora improvido, sendo inclusive mantida a multa processual.

Após o improvimento do Agravo, os exequentes não recolheram as custas processuais, sendo então o feito extinto.

Por motivos alheios ao nosso conhecimento, não houvera impugnação recursal à sentença, tendo ela transitada em julgado.

Diante da preclusão do julgado, o Banco do Brasil ajuizou pedido de cumprimento de sentença referente à multa processual aplicada, além de honorários advocatícios no valor de R$ 196.867,39 (cento e noventa e seis mil, oitocentos e sessenta e sete reais e trinta e nove centavos).

Intimados os agora executados para pagamento, não houvera manifestação, quando então fora procedido ao bloqueio de valores pelo sistema BACENJUD.

Após o bloqueio de dinheiro de algumas das partes, sobreviera então o aclaramento de como dava-se, realmente, a prática dos crimes referidos por parte dos advogados que patrocinavam tais ações.

Isso porque somente após o bloqueio eletrônico de valores de algumas das partes tomaram elas conhecimento da existência – sim, da EXISTÊNCIA – da ação, eis que sequer conheciam os referidos advogados, nunca outorgaram procurações para eles e, se não bastasse, sequer conheciam a cidade/comarca de Água Boa. (Grifo nosso).

Ademais, a decisão judicial proferida pelo magistrado foi fundamentada segundo a Lei nº 12.153/2009, que dispõe no parágrafo 7º do artigo 13 que o “saque por meio de procurador somente poderá ser feito na agência destinatária do depósito, mediante procuração específica, com firma reconhecida, da qual constem o valor originalmente depositado e sua procedência”. Dessa forma, não concordando com os atos proferidos na seara jurisdicional, a parte deve utilizar os meios processuais previstos no ordenamento jurídico, consoante precedentes do Plenário deste CNJ:

‘RECURSO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. SUSTAÇÃO DE ATO JUDICIAL. LEVANTAMENTO DE VALORES EM NOME DE ADVOGADO COM PODERES ESPECIAIS. INCOMPETÊNCIA DO CNJ. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

I – O controle de decisão judicial consubstanciada na imposição de restrições para a expedição de alvará de levantamento de valores refoge à competência deste Órgão Constitucional de Controle Administrativo do Poder Judiciário.

II – A competência atribuída ao Conselho Nacional de Justiça é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, pelo que não pode intervir no andamento de processo judicial, seja para corrigir eventual vício de legalidade ou nulidade, seja para inibir o exercício regular dos órgãos investidos de jurisdição.

III – A reversão de decisão judicial considerada incorreta, ilegal ou desfavorável aos interesses de advogados ou clientes deve ser buscada no bojo do processo judicial pelos meios processuais adequados.

IV – As razões recursais carecem de argumentos capazes de abalar os fundamentos da decisão combatida.

V – Recurso conhecido e não provido.’

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004722-09.2020.2.00.0000 - Rel. FLÁVIA PESSOA - 73ª Sessão Virtual - julgado em 01/09/2020). Destaque nosso.

‘RECURSO ADMINISTRATIVO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ. VALORES FGTS. MATÉRIA DE CUNHA JURISDICIONAL.

1. A questão decorre da expedição de alvarás para a liberação dos valores do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS em processos judiciais em trâmite perante Varas do Trabalho de Fortaleza, unicamente em nome do autor da ação judicial, com a exclusão do nome do advogado constituído por meio de procuração no processo judicial.

2. Não cabe ao E. CNJ conhecer de matéria de cunho jurisdicional, de forma a alterar conteúdo de decisão judicial ou expedir determinação que interfira no poder decisório e no livre convencimento dos magistrados no âmbito jurisdicional.

3. O inconformismo em face de decisão judicial deve ser manifestado pelos meios recursais adequados, previstos na legislação processual.

4. Ademais, em se tratando de expedição de alvará para saque de valores do FGTS, nos termos do art. 20, §18 da Lei 8.036/90, a regra é o comparecimento pessoal do trabalhador. Na hipótese em que se admite o pagamento a procurador (moléstia grave) é necessária cláusula ad negotia, cujos poderes não se inserem naqueles conferidos por meio da cláusula ad judicia de que é detentor o advogado ora requerente.’

5. Recurso administrativo a que se nega provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004421- 67.2017.2.00.0000 - Rel. ALOYSIO CORRÊA DA VEIGA - 44ª Sessão Virtual - julgado em 22/03/2019) Destaque nosso.

‘RECURSO ADMINISTRATIVO NA RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. EXIGÊNCIA DE PROCURAÇÃO ESPECÍFICA PARA RECEBER VALORES. VIOLAÇÃO DO ART. 105 DO CPC. INOCORRÊNCIA. PODER DE CAUTELA DO MAGISTRADO. MATÉRIA JURISDICIONAL. INTERPRETAÇÃO LEGAL.

1. Recurso administrativo baseado na alegação de violação do cumprimento dos deveres funcionais do magistrado ao interpretar a norma do art. 105 do CPC e exigir procuração específica para recebimento de valores.

2. Infere-se dos autos o uso do poder de cautela, previsto no ordenamento jurídico, do qual se valeu a magistrada no momento do levantamento do crédito, sem qualquer evidência de desvio disciplinar, não cabendo ao CNJ, enquanto órgão de controle administrativo, adentrar no mérito da decisão de cunho judicial, mesmo que eventualmente equivocada, pois a impugnação deve ser feita através dos meios de impugnação previstos no ordenamento processual civil.

3. (...)

7. Ademais, a competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não lhe cabendo exercer o controle de ato de conteúdo judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade.

8. Exame de matéria eminentemente jurisdicional não enseja a intervenção do Conselho Nacional de Justiça, por força do disposto no art. 103-B, § 4º, da CF. Recurso administrativo não provido.’

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0006469-96.2017.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 50ª Sessão Virtual - julgado em 16/08/2019). Destaque nosso.

No caso em tela, portanto, não se verifica, sob qualquer perspectiva, a possibilidade de intervenção do Conselho Nacional de Justiça em matéria eminentemente jurisdicional.

Diante do exposto, com fundamento no artigo 25, X, do Regimento Interno do CNJ1, não conheço dos pedidos formulados e determino o arquivamento do feito.(Grifo no original.

 

Em seu arrazoado, a recorrente argumenta que a “jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça, vem, em diversos precedentes, deixando claro que a circunstâncias de alguns fatos imputados ao magistrado estarem consubstanciados em decisões judiciais não é o suficiente para impedir a análise da matéria pelo CNJ” e transcreve acórdãos proferidos pelo Plenário que reforçariam esta posição.

Em relação às jurisprudências colacionadas no Recurso Administrativo (Id 4650667), quais sejam, Reclamação Disciplinar (RD) nº 0002489-20.2012.2.00.0000, PP nº 0004494-15.2012.2.00.0000, Processo Administrativo Disciplinar (PAD) nº 0001460-03.2010.2.00.0000 e PAD nº 0000786-54.2012.2.00.0000, tem-se que todas apontam a necessidade de cometimento de infração disciplinar para o afastamento da independência judicial, o que não acontece no caso em tela.

O recorrente traz, ainda, como reforço argumentativo o decidido no PCA nº 2350-73.2009.2.00.0000, cujo objeto é ato normativo expedido por corregedoria local e não decisão judicial proferida no curso processual, não havendo, portanto, similaridade entre os casos.

De outro lado, a Decisão (Id 4050374) proferida nos autos do PP nº 0002156-87.2020.2.00.0000, que registrou a “impossibilidade de restrição do direito dos advogados à expedição de alvará em seu nome, quando detenha poderes especiais para receber e dar quitação”, já foi objeto de análise nestes autos pela Decisão de Id 4285603, que indeferiu a liminar. In verbis:

 

“Por fim, conquanto não se desconheça a existência de precedentes deste Conselho em sentido favorável à tese autoral, é certo que o mesmo Plenário, à luz das circunstâncias específicas de cada caso, também afasta a hipótese de falta funcional por parte dos(as) magistrados(as) em situações aparentemente similares à presente. Cito o seguinte julgado:

RECURSO ADMINISTRATIVO NA RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. EXIGÊNCIA DE PROCURAÇÃO ESPECÍFICA PARA RECEBER VALORES. VIOLAÇÃO DO ART. 105 DO CPC. INOCORRÊNCIA. PODER DE CAUTELA DO MAGISTRADO. MATÉRIA JURISDICIONAL. INTERPRETAÇÃO LEGAL.

1. Recurso administrativo baseado na alegação de violação do cumprimento dos deveres funcionais do magistrado ao interpretar a norma do art. 105 do CPC e exigir procuração específica para recebimento de valores.

2. Infere-se dos autos o uso do poder de cautela, previsto no ordenamento jurídico, do qual se valeu a magistrada no momento do levantamento do crédito, sem qualquer evidência de desvio disciplinar, não cabendo ao CNJ, enquanto órgão de controle administrativo, adentrar no mérito da decisão de cunho judicial, mesmo que eventualmente equivocada, pois a impugnação deve ser feita através dos meios de impugnação previstos no ordenamento processual civil.

(...)

8. Exame de matéria eminentemente jurisdicional não enseja a intervenção do Conselho Nacional de Justiça, por força do disposto no art. 103-B, § 4º, da CF. Recurso administrativo não provido.

(Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0006469-96.2017.2.00.0000 - Rel. Humberto Martins - 50ª Sessão Virtual – j. 16/08/2019). (Grifos no original).”

 

Ademais, trata-se de decisão monocrática, ao passo que a Decisão recorrida (Id 4639703) fundamentou-se em decisões do Plenário desta Casa em sentido oposto, que oportunamente se transcreve:

 

RECURSO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. SUSTAÇÃO DE ATO JUDICIAL. LEVANTAMENTO DE VALORES EM NOME DE ADVOGADO COM PODERES ESPECIAIS. INCOMPETÊNCIA DO CNJ. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

I – O controle de decisão judicial consubstanciada na imposição de restrições para a expedição de alvará de levantamento de valores refoge à competência deste Órgão Constitucional de Controle Administrativo do Poder Judiciário.

II – A competência atribuída ao Conselho Nacional de Justiça é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, pelo que não pode intervir no andamento de processo judicial, seja para corrigir eventual vício de legalidade ou nulidade, seja para inibir o exercício regular dos órgãos investidos de jurisdição.

III – A reversão de decisão judicial considerada incorreta, ilegal ou desfavorável aos interesses de advogados ou clientes deve ser buscada no bojo do processo judicial pelos meios processuais adequados.

IV – As razões recursais carecem de argumentos capazes de abalar os fundamentos da decisão combatida.

V – Recurso conhecido e não provido.”

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004722-09.2020.2.00.0000 - Rel. FLÁVIA PESSOA - 73ª Sessão Virtual - julgado em 01/09/2020). (Grifo nosso).

 

 

“RECURSO ADMINISTRATIVO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ. VALORES FGTS. MATÉRIA DE CUNHA JURISDICIONAL.

1. A questão decorre da expedição de alvarás para a liberação dos valores do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS em processos judiciais em trâmite perante Varas do Trabalho de Fortaleza, unicamente em nome do autor da ação judicial, com a exclusão do nome do advogado constituído por meio de procuração no processo judicial.

2. Não cabe ao E. CNJ conhecer de matéria de cunho jurisdicional, de forma a alterar conteúdo de decisão judicial ou expedir determinação que interfira no poder decisório e no livre convencimento dos magistrados no âmbito jurisdicional.

3. O inconformismo em face de decisão judicial deve ser manifestado pelos meios recursais adequados, previstos na legislação processual.

4. Ademais, em se tratando de expedição de alvará para saque de valores do FGTS, nos termos do art. 20, §18 da Lei 8.036/90, a regra é o comparecimento pessoal do trabalhador. Na hipótese em que se admite o pagamento a procurador (moléstia grave) é necessária cláusula ad negotia, cujos poderes não se inserem naqueles conferidos por meio da cláusula ad judicia de que é detentor o advogado ora requerente.”

5. Recurso administrativo a que se nega provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004421- 67.2017.2.00.0000 - Rel. ALOYSIO CORRÊA DA VEIGA - 44ª Sessão Virtual - julgado em 22/03/2019) (Grifo nosso).

 

 

“RECURSO ADMINISTRATIVO NA RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. EXIGÊNCIA DE PROCURAÇÃO ESPECÍFICA PARA RECEBER VALORES. VIOLAÇÃO DO ART. 105 DO CPC. INOCORRÊNCIA. PODER DE CAUTELA DO MAGISTRADO. MATÉRIA JURISDICIONAL. INTERPRETAÇÃO LEGAL.

1. Recurso administrativo baseado na alegação de violação do cumprimento dos deveres funcionais do magistrado ao interpretar a norma do art. 105 do CPC e exigir procuração específica para recebimento de valores.

2. Infere-se dos autos o uso do poder de cautela, previsto no ordenamento jurídico, do qual se valeu a magistrada no momento do levantamento do crédito, sem qualquer evidência de desvio disciplinar, não cabendo ao CNJ, enquanto órgão de controle administrativo, adentrar no mérito da decisão de cunho judicial, mesmo que eventualmente equivocada, pois a impugnação deve ser feita através dos meios de impugnação previstos no ordenamento processual civil.

3. (...)

7. Ademais, a competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não lhe cabendo exercer o controle de ato de conteúdo judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade.

8. Exame de matéria eminentemente jurisdicional não enseja a intervenção do Conselho Nacional de Justiça, por força do disposto no art. 103-B, § 4º, da CF. Recurso administrativo não provido.”

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0006469-96.2017.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 50ª Sessão Virtual - julgado em 16/08/2019). (Grifo nosso)

 

Por fim, acolho proposta do e. Ministro Corregedor em seu voto vista para criação de Grupo de Trabalho a ser instituído pela Presidência do CNJ e a realização de estudos, a fim de que sejam fixadas balizas para atuação dos magistrados em casos específicos de levantamentos constantes de valores por advogados e de pedidos de expedição de alvará judicial. 

 Diante do exposto, e não havendo irregularidade na decisão impugnada, conheço do recurso interposto e, no mérito, nego-lhe provimento.

 

É como voto.

 

 

Após as comunicações de praxe, arquive-se.

 

 

Conselheiro Marcio Luiz Freitas

Relator 

 

 

 

Pedido de Providências nº 0001742-55.2021.2.00.0000 

Requerente: Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de Mato Grosso (OAB/MT)

Requerido: Alexandre Meinberg Ceroy 

 

 

VOTO CONVERGENTE

 

 

Adoto, na íntegra, o bem lançado relatório firmado pelo eminente Conselheiro Relator Marcio Luiz Coelho de Freitas.

Peço, porém, respeitosas vênias a Sua Excelência para apresentar divergência quanto ao encaminhamento do feito, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.

A controvérsia do presente PP diz respeito à exigência pelo magistrado requerido, no âmbito dos processos judiciais, de atualização de procuração para o recebimento e o levantamento de valores, com fundamento no art. 13, § 7º, da Lei nº 12.153/2009, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.

A requerente pede que o CNJ determine ao Juiz de Direito do Juizado Especial Cível e Criminal de Novo São Joaquim-MT que se abstenha “de exigir dos advogados poderes em procuração que não estão em lei, sem a necessidade de reconhecimento de firma do subscritor, como condicionante para o saque de valores ou recebimento de alvará em nome de cliente”.

Argumenta a requerente que tal conduta se encontra em um contexto de violação ao livre exercício profissional da advocacia, colocando em dúvida a lisura da atuação dos advogados e ofendendo os artigos 105 do CPC e 5º, § 2º, da Lei nº 8.906/1994:

Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.

§ 1º A procuração pode ser assinada digitalmente, na forma da lei.

§ 2º A procuração deverá conter o nome do advogado, seu número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e endereço completo.

§ 3º Se o outorgado integrar sociedade de advogados, a procuração também deverá conter o nome dessa, seu número de registro na Ordem dos Advogados do Brasil e endereço completo.

§ 4º Salvo disposição expressa em sentido contrário constante do próprio instrumento, a procuração outorgada na fase de conhecimento é eficaz para todas as fases do processo, inclusive para o cumprimento de sentença.

--

Art. 5º O advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato.

(…)

§ 2º A procuração para o foro em geral habilita o advogado a praticar todos os atos judiciais, em qualquer juízo ou instância, salvo os que exijam poderes especiais.

Compulsando os autos, verifico que a OAB/MT traz ao PP decisões adotadas pelo magistrado/requerido e que criam óbices para a expedição de alvará e levantamento de valores pelos advogados.

Como se extrai da petição inicial, o magistrado/requerido adota como parâmetro para a exigência processual o disposto no artigo 13, § 7º, da Lei 12.153/2009:

Art. 13.  Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado:

I – no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado da entrega da requisição do juiz à autoridade citada para a causa, independentemente de precatório, na hipótese do § 3o do art. 100 da Constituição Federal; ou

II – mediante precatório, caso o montante da condenação exceda o valor definido como obrigação de pequeno valor.

(…)

§ 6º O saque do valor depositado poderá ser feito pela parte autora, pessoalmente, em qualquer agência do banco depositário, independentemente de alvará.

§ 7º O saque por meio de procurador somente poderá ser feito na agência destinatária do depósito, mediante procuração específica, com firma reconhecida, da qual constem o valor originalmente depositado e sua procedência.

Conforme alegado pela requerente, o indeferimento do levantamento de alvará segue o formato “padrão” adotado pelo magistrado/requerido em seus expedientes judiciais:

Na ulterior petição colacionada ao feito, o patrono da parte autora postulou pela liberação dos valores vinculados aos presentes autos em conta bancária de titularidade diversa do credor/beneficiário, justificando para tal que a procuração anexada aos autos daria poderes para receber.

É certo que tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria, inclusive no âmbito administrativo do Conselho Nacional de Justiça, já pacificaram o entendimento segundo o qual a procuração outorgando poderes ao advogado prescinde de reconhecimento de firma para outorga de poderes especiais.

No entanto, tratando-se de liberação de valores, mister se faz a adoção de algumas cautelas.

Isso porque, atualmente, no âmbito do pagamento das requisições de pequeno valor – RPV oriundas de débitos da Fazenda Pública, os valores são depositados diretamente em conta bancária vinculada ao credor, lhe sendo possível o saque independentemente de maiores formalidades.

Porém, na mesma situação, quando se trata de saque por terceiros (mandatários/procuradores), a legislação permite à instituição Bancária a adoção de expedientes garantidores da segurança na transação.

Isso porque a Lei nº 12.153, de 22 de Dezembro do ano de 2.009, dispõe expressamente em seu artigo 13, parágrafo 7º:

§ 7º O saque por meio de procurador somente poderá ser feito na agência destinatária do depósito, mediante procuração específica, com firma reconhecida, da qual constem o valor originalmente depositado e sua procedência.

Portanto, se é permitida a adoção de respectiva(sic) formalidades para uma instituição bancária, não há a mínima razão para que o Poder Judiciário não adote referida cautela, eis que, como já reverberado, trata-se de transferência de dinheiro, que pode, eventualmente, causar sério prejuízo à parte.

Diante do exposto, indefiro o pedido de liberação de valores da maneira postuladas e, por conseguinte, determino que seja o requerente intimado para, no prazo de 15 (quinze) dias, juntar aos autos procuração específica para a liberação de valores, com firma reconhecida, da qual constem o valor originalmente depositado e sua procedência.

Intime-se as partes, devendo o requerente ser intimado (preferencialmente por carta ou, na impossibilidade, por mandato) acerca da existência dos valores vinculados ao presente feito de sua titularidade.

Intime-se e cumpra-se. (Id 4284381).

Não se desconhece a jurisprudência deste CNJ, adotada pelo eminente Conselheiro Relator, no sentido de tratar o tema relativo a exigência de procuração, quando determinada em autos judiciais, como matéria jurisdicional.

No entanto, a exigência processual do magistrado não trata tão somente de entendimento livremente manifestado pelo magistrado (ou o seu livre convencimento motivado). Configura uso indiscriminado do poder geral de cautela, sem parâmetro encontrado em provas e atos do processo, mediante a adoção de um “regulamento próprio”, ao arrepio das disposições contidas no artigo 5º, § 2º, da Lei nº 8.906/1994 e, em especial, em contrariedade ao artigo 105, §§ 1º e 4º, do CPC.

Também não se trata de um fato isolado. A alegação apresentada pelo magistrado requerido na sua manifestação (Id 4329085), no sentido de que teriam ocorrido fraudes na comarca de Água Boa/MT, não o autoriza a utilizar o poder geral de cautela para colocar todos os profissionais da advocacia que atuam na sua comarca sob suspeita de atuação fraudulenta.

No caso, como se verifica da documentação juntada aos autos (Id 4284386), no Processo Judicial nº 8010006-61.2016.8.11.0106, o patrono, representando a parte exequente, acostou procuração com poderes gerais e poderes específicos para o recebimento de alvará e liberação de valores ou bens.

Destaque-se que, no referido processo, utilizado aqui apenas como exemplo da reiterada conduta adotada pelo magistrado, a parte executada não era sequer a Fazenda Pública, e sim empresa de telefonia celular – pessoa jurídica de direito privado. Portanto, não era aplicável àquele feito a Lei nº 12.153/2009, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.

Aliás, recebi, em memoriais, dados que demonstram que a situação é recorrente nos processos sob jurisdição do requerido.

O indicativo de fraude, quando constatado pelo magistrado, deve estar registrado nos autos, sendo, nesse contexto, autorizado pelo ordenamento jurídico a se valer, como registrado, do poder geral de cautela.

Não pode o magistrado, todavia, como comprovado no presente PP, valer-se de um padrão de conduta, muitas vezes inaplicável ao caso concreto, para impor como pressuposto processual uma exigência não prevista em lei em todos os casos que envolvam a liberação de valores na comarca a que esteja vinculado.

A legislação processual civil estabelece que determinados atos processuais somente podem ser praticados por advogado que tenha poderes especiais, tais como receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar, receber e dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica (art. 105 do CPC). Em outras palavras, para tais atos, é imprescindível menção expressa no instrumento de procuração.

Entretanto, demonstrada a existência de procuração em que consta menção expressa a estes poderes especiais, não pode o magistrado exigir, de forma generalizada e com um despacho padrão em todos os processos, além daquilo que está previsto na lei.

Assim, o advogado constituído, com poderes especiais para receber e dar quitação, como bem define o Superior Tribunal de Justiça, “tem direito inviolável à expedição de alvará em seu nome, a fim de levantar depósitos judiciais e extrajudiciais” (STJ. REsp n. 1.885.209/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/5/2021, DJe de 14/5/2021).

Não por outro motivo, o Conselho da Justiça Federal, no Processo SEI nº 0004527-39.2020.4.90.8000, de relatoria do então Ministro Presidente Humberto Martins, deixou claro o absurdo desse tipo de exigência aos advogados, afastando, para estes profissionais, a exigência prevista no § 5º do artigo 40 da Resolução CJF nº 458/2017 e no § 7º do artigo 13 da Lei nº 12.153/2009:

RECURSO ADMINISTRATIVO. RESOLUÇAO CJF N. 458/2017. APRESENTAÇÃO DE PROCURAÇÃO ESPECÍFICA, COM FIRMA RECONHECIDA, COMO REQUISITO PARA O LEVANTAMENTO DE VALORES RELATIVOS A PRECATÓRIOS E RPVS. EXIGÊNCIA QUE NÃO SE APLICA AOS ADVOGADOS QUE JÁ TENHAM PROCURAÇÃO NOS AUTOS, DESDE QUE NELA CONSTEM PODERES PARA RECEBER E DAR QUITAÇÃO.

1. Recurso administrativo interposto contra decisão que determinou às varas federais da Seção Judiciária de Sergipe que se abstenham de exigir dos advogados com procuração ad judicia et extra, contendo poderes especiais de receber e dar quitação, a apresentação de uma nova procuração específica de levantamento de valores de precatórios e RPVs

2. Matéria com pedido de tutela de urgência - competência do presidente - e processo que tem como objeto o procedimento normativo. Nos termos do art. 57 do Regimento Interno do Conselho da Justiça - RICJF, os processos administrativos comuns e os procedimentos relativos a atos normativos "[...] serão informados pelas unidades da Secretaria do Conselho da Justiça Federal e, se necessário, submetidos ao Corregedor Geral da Justiça Federal ou ao Presidente do Conselho da Justiça Federal, conforme a matéria, podendo ser por estes decididos monocraticamente ou submetidos ao Plenário, por distribuição aos demais Conselheiro".

3. A exigência prevista no § 5º do art. 40 da Resolução CJF n. 458/2017 e no § 7º do art. 13 da Lei n. 12.153/2009 não se aplica aos advogados que já tenham procuração nos autos, desde que nela constem poderes para dar e receber quitação, e, ainda, seja acompanhada de certidão emitida pela secretaria da vara/juizado em que tramita o processo, atestando a habilitação do advogado para representar o titular do crédito a ser liberado e a existência de poderes especiais.

4. Recurso a que se nega provimento.

Cuida-se, nesse contexto, de um poder-dever resultante do art. 105, §§ 1º a 4º, do CPC e do art. 5º, § 2º, da Lei 8.906/1994, de modo que a postura do magistrado requerido, sendo reiterada, não se trata de um simples ato jurisdicional, mas repercute gravemente na representação das partes sob sua jurisdição, uma violação ao direito que implica, em verdade, na ineficácia da vontade manifestada expressamente em instrumento do mandato e no desrespeito à dignidade e às prerrogativas da Advocacia brasileira.

Originalmente, apresentei proposta de voto no sentido de CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO ADMINISTRATIVO INTERPOSTO PELA REQUERENTE, COM A CONSEQUENTE PROCEDÊNCIA do pedido de providências (PP), para recomendar que o magistrado requerido, quando não existam, no caso concreto, elementos a justificar o uso do poder geral de cautela, deixe de invocar o artigo 13, § 7º, da Lei nº 12.153/2009, para exigir dos advogados, advogadas ou respectivas sociedades advocatícias, em caráter geral e habitual, procuração atualizada ou com o reconhecimento de firma, como condição do saque e recebimento de alvarás judiciais, em nome dos respectivos clientes, se constar dos autos judiciais instrumento de mandato com poderes para dar e receber quitação ou certidão emitida pela secretaria da vara ou do juizado em que tramita o processo, atestando a habilitação profissional para representar o(a) titular do crédito a ser liberado e a existência de outorga de poderes especiais para o foro descritos no artigo 105 do CPC.

Todavia, o e. Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Luís Felipe Salomão, no seu voto vista, registrando a importância do papel deste Conselho na fiscalização do respeito inabalável às prerrogativas da classe dos advogados e que a legítima reclamação da OAB/MT nestes autos é medida de política judiciária, apresentou proposta de criação de Grupo de Trabalho a ser instituído pela Presidência do CNJ para realização de estudos, a fim de que sejam fixadas balizas para a atuação dos magistrados em casos específicos de levantamentos constantes de valores por advogados e de pedidos de expedição de alvará judicial.

Assim, “dado que a questão merece tratamento institucional e padronizado na busca por segurança jurídica e respeito aos direitos dos envolvidos” e que tal proposta foi incorporada pelo Conselheiro Márcio Freitas no seu voto, acompanho o eminente relator.

É como voto. 

Brasília/DF, data registrada no sistema. 

Conselheiro Marcello Terto

 

 

 


 

Conselho Nacional de Justiça


Autos:

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0001742-55.2021.2.00.0000 

Requerente:

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DE MATO GROSSO 

Requerido:

ALEXANDRE MEINBERG CEROY 

 

VOTO-VISTA

 O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA: 

 

 

1. Cuida-se de recurso administrativo interposto pela OAB/MT em face da decisão monocrática da lavra do Conselheiro Marcio Luiz Freitas, que não conheceu do pedido de providências manejado pela ora insurgente, no qual se aponta a violação, pelo Juiz de Direito Alexandre Meinberg Ceroy, das prerrogativas profissionais dos advogados detentores de procuração ad judicia com poderes para receber e dar quitação, ante a alegada indevida exigência de apresentação de novo mandato contendo “finalidade específica para liberação de valores”, além do reconhecimento de firma do subscritor como condicionantes para o saque de quantias ou para o recebimento de alvará em nome do cliente/outorgante.

No bojo da decisão ora impugnada, o relator restringiu a análise do pedido ao caso concreto citado na inicial – licitude ou não da exigência de reconhecimento de firma do subscritor de procuração que outorgou poderes especiais para receber e dar quitação ao advogado que requer a liberação de valores em conta bancária de sua titularidade – e atestou a falta de competência do CNJ “para interferir na seara jurisdicional ou expedir determinação que possa interferir no poder decisório” (ID 4639703).

Em suas razões recursais (ID 4650675), a OAB/MT sustenta que: (i) “não se trata de mero caso isolado, mas sim de um procedimento contumaz do juiz Alexandre Meinberg Ceroy, o que, indubitavelmente, produz relevantes implicações não só para os jurisdicionados, mas também aos advogados, impondo, por esta razão, a intervenção do CNJ, de modo a evitar abusos e exigências não previstas em lei”; (ii) a impossibilidade de se punir o magistrado pelo “teor das decisões que proferir” (artigo 41 da LOMAN) não traduz um manto protetor para o exercício da atividade jurisdicional de forma ilegal e abusiva, “notadamente quando, pelas circunstâncias do caso concreto, se observa o comportamento tendencioso do julgador e ofensa direta aos deveres previstos no artigo 35 da LOMAN”; (iii) “é dever do CNJ combater as práticas judiciais contestáveis, como vem ocorrendo no caso, em que o magistrado vem ignorando o comando legal de forma reiterada, colocando os advogados em situação implausível e até mesmo vexatória”; e (iv) nos termos de precedentes do CNJ, se o advogado possui poderes especiais para receber e dar quitação, não é válido o ato restritivo da possibilidade de expedição, em seu nome, de alvará para levantamento de crédito.

Na 1ª Sessão Ordinária realizada em 14/2/2023, o Conselheiro Marcio Luiz Freitas (relator) apresentou voto negando provimento ao recurso administrativo, por considerar escorreita a decisão monocrática, destacando, outrossim, que:

 

[...] a recorrente argumenta que a “jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça, vem, em diversos precedentes, deixando claro que a circunstâncias de alguns fatos imputados ao magistrado estarem consubstanciados em decisões judiciais não é o suficiente para impedir a análise da matéria pelo CNJ” e transcreve acórdãos proferidos pelo Plenário que reforçariam esta posição.

Em relação às jurisprudências colacionadas no Recurso Administrativo (Id 4650667), quais sejam, Reclamação Disciplinar (RD) nº 0002489-20.2012.2.00.0000, PP nº 0004494-15.2012.2.00.0000, Processo Administrativo Disciplinar (PAD) nº 0001460-03.2010.2.00.0000 e PAD nº 0000786-54.2012.2.00.0000, tem-se que todas apontam a necessidade de cometimento de infração disciplinar para o afastamento da independência judicial, o que não acontece no caso em tela.

O recorrente traz, ainda, como reforço argumentativo o decidido no PCA nº 2350-73.2009.2.00.0000, cujo objeto é ato normativo expedido por corregedoria local e não decisão judicial proferida no curso processual, não havendo, portanto, similaridade entre os casos.

De outro lado, a Decisão (Id 4050374) proferida nos autos do PP nº 0002156-87.2020.2.00.0000, que registrou a “impossibilidade de restrição do direito dos advogados à expedição de alvará em seu nome, quando detenha poderes especiais para receber e dar quitação”, já foi objeto de análise nestes autos pela Decisão de Id 4285603, que indeferiu a liminar. In verbis:

“Por fim, conquanto não se desconheça a existência de precedentes deste Conselho em sentido favorável à tese autoral, é certo que o mesmo Plenário, à luz das circunstâncias específicas de cada caso, também afasta a hipótese de falta funcional por parte dos(as) magistrados(as) em situações aparentemente similares à presente. Cito o seguinte julgado:

‘RECURSO ADMINISTRATIVO NA RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. EXIGÊNCIA DE PROCURAÇÃO ESPECÍFICA PARA RECEBER VALORES. VIOLAÇÃO DO ART. 105 DO CPC. INOCORRÊNCIA. PODER DE CAUTELA DO MAGISTRADO. MATÉRIA JURISDICIONAL. INTERPRETAÇÃO LEGAL.

1. Recurso administrativo baseado na alegação de violação do cumprimento dos deveres funcionais do magistrado ao interpretar a norma do art. 105 do CPC e exigir procuração específica para recebimento de valores.

2. Infere-se dos autos o uso do poder de cautela, previsto no ordenamento jurídico, do qual se valeu a magistrada no momento do levantamento do crédito, sem qualquer evidência de desvio disciplinar, não cabendo ao CNJ, enquanto órgão de controle administrativo, adentrar no mérito da decisão de cunho judicial, mesmo que eventualmente equivocada, pois a impugnação deve ser feita através dos meios de impugnação previstos no ordenamento processual civil.

(...)

8. Exame de matéria eminentemente jurisdicional não enseja a intervenção do Conselho Nacional de Justiça, por força do disposto no art. 103-B, § 4º, da CF. Recurso administrativo não provido.’ (Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0006469-96.2017.2.00.0000 - Rel. Humberto Martins - 50ª Sessão Virtual – j. 16/08/2019). (Grifos no original).”

Ademais, trata-se de decisão monocrática, ao passo que a Decisão recorrida (Id 4639703) fundamentou-se em decisões do Plenário desta Casa em sentido oposto, que oportunamente se transcreve:

“RECURSO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. SUSTAÇÃO DE ATO JUDICIAL. LEVANTAMENTO DE VALORES EM NOME DE ADVOGADO COM PODERES ESPECIAIS. INCOMPETÊNCIA DO CNJ. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

I – O controle de decisão judicial consubstanciada na imposição de restrições para a expedição de alvará de levantamento de valores refoge à competência deste Órgão Constitucional de Controle Administrativo do Poder Judiciário.

II – A competência atribuída ao Conselho Nacional de Justiça é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, pelo que não pode intervir no andamento de processo judicial, seja para corrigir eventual vício de legalidade ou nulidade, seja para inibir o exercício regular dos órgãos investidos de jurisdição.

III – A reversão de decisão judicial considerada incorreta, ilegal ou desfavorável aos interesses de advogados ou clientes deve ser buscada no bojo do processo judicial pelos meios processuais adequados.

IV – As razões recursais carecem de argumentos capazes de abalar os fundamentos da decisão combatida.

V – Recurso conhecido e não provido.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004722-09.2020.2.00.0000 - Rel. FLÁVIA PESSOA - 73ª Sessão Virtual - julgado em 01/09/2020). (Grifo nosso).

------------------------------

“RECURSO ADMINISTRATIVO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ. VALORES FGTS. MATÉRIA DE CUNHA JURISDICIONAL.

1. A questão decorre da expedição de alvarás para a liberação dos valores do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS em processos judiciais em trâmite perante Varas do Trabalho de Fortaleza, unicamente em nome do autor da ação judicial, com a exclusão do nome do advogado constituído por meio de procuração no processo judicial.

2. Não cabe ao E. CNJ conhecer de matéria de cunho jurisdicional, de forma a alterar conteúdo de decisão judicial ou expedir determinação que interfira no poder decisório e no livre convencimento dos magistrados no âmbito jurisdicional.

3. O inconformismo em face de decisão judicial deve ser manifestado pelos meios recursais adequados, previstos na legislação processual.

4. Ademais, em se tratando de expedição de alvará para saque de valores do FGTS, nos termos do art. 20, §18 da Lei 8.036/90, a regra é o comparecimento pessoal do trabalhador. Na hipótese em que se admite o pagamento a procurador (moléstia grave) é necessária cláusula ad negotia, cujos poderes não se inserem naqueles conferidos por meio da cláusula ad judicia de que é detentor o advogado ora requerente.”

5. Recurso administrativo a que se nega provimento. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004421-67.2017.2.00.0000 - Rel. ALOYSIO CORRÊA DA VEIGA - 44ª Sessão Virtual - julgado em 22/03/2019) (Grifo nosso).

------------------------------

“RECURSO ADMINISTRATIVO NA RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. EXIGÊNCIA DE PROCURAÇÃO ESPECÍFICA PARA RECEBER VALORES. VIOLAÇÃO DO ART. 105 DO CPC. INOCORRÊNCIA. PODER DE CAUTELA DO MAGISTRADO. MATÉRIA JURISDICIONAL. INTERPRETAÇÃO LEGAL.

1. Recurso administrativo baseado na alegação de violação do cumprimento dos deveres funcionais do magistrado ao interpretar a norma do art. 105 do CPC e exigir procuração específica para recebimento de valores.

2. Infere-se dos autos o uso do poder de cautela, previsto no ordenamento jurídico, do qual se valeu a magistrada no momento do levantamento do crédito, sem qualquer evidência de desvio disciplinar, não cabendo ao CNJ, enquanto órgão de controle administrativo, adentrar no mérito da decisão de cunho judicial, mesmo que eventualmente equivocada, pois a impugnação deve ser feita através dos meios de impugnação previstos no ordenamento processual civil.

3. (...)

7. Ademais, a competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não lhe cabendo exercer o controle de ato de conteúdo judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade.

8. Exame de matéria eminentemente jurisdicional não enseja a intervenção do Conselho Nacional de Justiça, por força do disposto no art. 103-B, § 4º, da CF. Recurso administrativo não provido.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0006469-96.2017.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 50ª Sessão Virtual - julgado em 16/08/2019). (Grifo nosso)

Diante do exposto, e não havendo irregularidade na decisão impugnada, conheço do recurso interposto e, no mérito, nego-lhe provimento.

 

Os Conselheiros Giovanni Olsson e Sidney Madruga acompanharam o voto do relator.

Na sequência, o Conselheiro Marcello Terto apresentou voto divergente no sentido de dar provimento ao recurso administrativo a fim de julgar procedente o pedido de providências “para recomendar que o magistrado requerido, quando não existam, no caso concreto, elementos a justificar o uso do poder geral de cautela, deixe de invocar o artigo 13, § 7º, da Lei n. 12.153/2009 para exigir dos advogados, advogadas ou respectivas sociedades advocatícias, em caráter geral e habitual, procuração atualizada ou com o reconhecimento de firma como condição do saque e recebimento de alvarás judiciais, em nome dos respectivos clientes, se constar dos autos judiciais instrumento de mandato com poderes para dar e receber quitação ou certidão emitida pela secretaria da vara ou do juizado em que tramita o processo, atestando a habilitação profissional para representar o(a) titular do crédito a ser liberado e a existência de outorga de poderes especiais para o foro descritos no artigo 105 do CPC”.

O voto divergente foi acompanhado pelos Conselheiros Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, João Paulo Shoucair, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Pedi vista dos autos para melhor compreensão do conflito.

É o relatório complementar.

2. A controvérsia delineada no presente Pedido de Providências reside em aferir se o Juiz de Direito Alexandre Meinberg Ceroy (então lotado na Comarca de Novo São Joaquim/MT) teria ou não violado prerrogativas da Advocacia ao proferir decisões condicionando a expedição de alvarás judiciais (em nome de alguns advogados) à juntada de procuração específica com o reconhecimento da firma do subscritor, independentemente da existência, nos autos, de mandato outorgando poderes para receber e dar quitação aos causídicos.

Na inicial (ID 4284381), a OAB/MT afirmou ter recebido “diversos relatos e reclamações” acerca da suposta “prática contumaz” do requerido de estipular condições não previstas em lei para o exercício da prerrogativa dos advogados (detentores dos poderes para receber e dar quitação) de levantamento de valores objeto de depósitos judiciais efetuados em benefício dos seus clientes.

Em relação à comarca de Novo São Joaquim, a requerente se limitou a apontar o caso em que o magistrado impôs condições para o deferimento do pedido de liberação de valores formulado – nos autos do Processo n. 8010006-61.2016.8.11.0106 – pelo advogado Ney Ricardo Feitosa de Paula, que, em 17/5/2020, apresentou procuração (ID 4284386, fl. 122) firmada por Mariano Augusto Arantes de Paula (autor de ação indenizatória ajuizada em face da Tim Celular S.A.), conferindo-lhe poderes especiais dantes atribuídos a Yann Dieggo Souza Timotheo de Almeida (ID 4284386, fl. 4).

Eis o teor da aludida decisão judicial proferida em 9/2/2021 (ID 4284384 – fls. 10-11):

 

Na ulterior petição colacionada ao feito, o patrono da parte autora postulou pela liberação dos valores vinculados aos presentes autos em conta bancária de titularidade diversa do credor/beneficiário, justificando para tal que a procuração anexada aos autos daria poderes para receber.

É certo que tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria, inclusive no âmbito administrativo do Conselho Nacional de Justiça, já pacificaram o entendimento segundo o qual a procuração outorgando poderes ao advogado prescinde de reconhecimento de firma para outorga de poderes especiais.

No entanto, tratando-se de liberação de valores, mister se faz a adoção de algumas cautelas.

Isso porque, atualmente, no âmbito do pagamento das requisições de pequeno valor – RPV oriundas de débitos da Fazenda Pública, os valores são depositados diretamente em conta bancária vinculada ao credor, lhe sendo possível o saque independentemente de maiores formalidades.

Porém, na mesma situação, quando se trata de saque por terceiros (mandatários/procuradores), a legislação permite à instituição bancária a adoção de expedientes garantidores da segurança na transação.

Isso porque a Lei n. 12.153, de 22 de dezembro do ano de 2009, dispõe expressamente em seu artigo 13, § 7º:

§ 7º O saque por meio de procurador somente poderá ser feito na agência destinatária do depósito, mediante procuração específica, com firma reconhecida, da qual constem o valor originalmente depositado e sua procedência.

Portanto, se é permitida a adoção de respectivas formalidades para uma instituição bancária, não há a mínima razão para que o Poder Judiciário não adote referida cautela, eis que, como já reverberado, trata-se de transferência de dinheiro, que pode, eventualmente, causar sérios prejuízos à parte.

Diante do exposto, indefiro o pedido de liberação de valores da maneira postulada e, por conseguinte, determino que seja o requerente intimado para, no prazo de 15 (quinze) dias, juntar aos autos procuração específica para a liberação de valores, com firma reconhecida, da qual constem o valor originalmente depositado e sua procedência.

Intime-se as partes, devendo o requerente ser intimado (preferencialmente por carta ou, na impossibilidade, por mandato) acerca da existência dos valores vinculados ao presente feito de sua titularidade.

 

A fim de qualificar como contumaz e genérica a exigência estabelecida pelo magistrado – de reconhecimento da firma do subscritor da procuração –, a OAB/MT juntou aos autos cópias de outras decisões judiciais do requerido (com idêntico conteúdo) prolatadas, entre 2017 e 2018, por ocasião do exercício de jurisdição na 1ª Vara da Comarca de Água Boa/MT (ID 4284387, fls. 4-19 e 22-35) e que ensejaram o manejo do Pedido de Providências n. 127/2018 na Corregedoria-Geral de Justiça de Mato Grosso, cuja decisão de arquivamento do expediente (ID 4284402, fls. 1-6) foi mantida pelo Conselho da Magistratura do TJMT, pelos seguintes fundamentos (ID 4329087, fls. 1/18):

 

[...] a decisão que determinou o arquivamento do pedido de providências não merece reparos, uma vez que apreciou a matéria discutida nos autos em seus precisos contornos, afastando qualquer irregularidade na conduta adotada pelo Magistrado [...]

[...]

Foram as circunstâncias fáticas e peculiares da unidade judiciária, reforçadas quando da apresentação das contrarrazões, que forjaram a atuação do magistrado possuir características mais laboriosas, ausente qualquer ilegalidade.

Nesse contexto, deve-se sublinhar que as medidas adotadas pelo magistrado se deram com base na interpretação que ele confere ao artigo 13, § 7º, da Lei n. 12.153/2009, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública, segundo o qual “o saque por meio de procurador somente poderá ser feito na agência destinatária do depósito, mediante procuração específica, com firma reconhecida, da qual constem o valor originalmente depositado e sua procedência”.

Eis o que o magistrado ponderou em suas contrarrazões, reafirmando o que já havia manifestado nos autos, in verbis:

Diante de tal panorama, passamos a entender que, se é permitida a adoção de respectiva formalidade para uma instituição bancária (exigência de procuração com firma reconhecida), não há a mínima razão para que o Poder Judiciário não adote referida cautela, eis que a liberação de alvará se trata de transferência de dinheiro, que pode, eventualmente, causar sérios prejuízos à parte.

Essa é, realmente, a exigência feita pelo magistrado e contra a qual se insurge a Recorrente. Sendo ela lastreada em entendimento fundamentado, ainda que eventualmente contra majoritário, não pode ser revista em sede disciplinar, como pretende a OAB/MT, por absoluta vedação constante do artigo 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – Loman.

O que se tem, em resumo, é que as exigências adotadas pelo magistrado no bojo das respectivas ações judiciais se dão com base em seu livre convencimento, o qual é devidamente motivado pelo artigo 13, § 7º, da Lei n. 12.153/2009, assim como nas circunstâncias fáticas e peculiares da unidade judiciária, de modo que somente podem ser revistas pela via judicial e não nesta seara administrativa disciplinar.

A corroborar o que se disse, deve-se sopesar ainda que, como visto quando do enfrentamento das preliminares, o arquivamento foi comunicado à Corregedoria Nacional de Justiça por força do artigo 9º, § 3º, da Resolução CNJ n. 135/2011, contudo aquele Órgão Censor nacional apenas chancelou a medida adotada pela Corregedoria local, entendendo que “a questão foi adequadamente tratada, sendo satisfatórios os esclarecimentos prestados sobre a apuração dos fatos na origem” (Pedido de Providências n. 0010697-80.2018.2.00.0000).

 

Ao se manifestar nos presentes autos, o magistrado explicitou as circunstâncias fáticas que o levaram a exigir maiores formalidades para o deferimento do pedido de expedição de alvarás judiciais em certas “ações massificadas” ajuizadas nas comarcas de Água Boa e de Novo São Joaquim. Veja-se (ID 4329085, fls. 1-34):

 

A exigência, em determinados casos, de procuração com maiores formalidades iniciou-se na comarca de Água Boa, onde o requerido jurisdicionava e que, logo que lá chegou, vislumbrou a existência de inúmeras fraudes processuais praticadas por alguns causídicos que lá labutavam, em conluio com uma servidora do Poder Judiciário.

Vamos aos fatos:

O início de todo o ocorrido dera-se no bojo dos autos n. 95171 (3936-02.2014.811.0021), da 1ª Vara da Comarca de Água Boa/MT, que, ao nosso ver, é o paradigma de tudo o que está ocorrendo.

Em tal feito, houvera decisão para a complementação das custas processuais e recolhimento da taxa judiciária, sendo tal decisão objeto de embargos de declaração, que foram improvidos e, na mesma oportunidade, fora aplicada multa processual pelo seu caráter protelatório.

Referida decisão fora impugnada mediante Agravo de Instrumento, que fora improvido, sendo inclusive mantida a multa processual.

Após o improvimento do Agravo, os exequentes não recolheram as custas processuais, sendo então o feito extinto.

Por motivos alheios ao nosso conhecimento, não houvera impugnação recursal à sentença, tendo ela transitada em julgado.

Diante da preclusão do julgado, o Banco do Brasil – outrora réu/executado - ajuizou pedido de cumprimento de sentença referente à multa processual aplicada, além de honorários advocatícios no valor de R$ 196.867,39 (cento e noventa e seis mil, oitocentos e sessenta e sete reais e trinta e nove centavos).

Intimados os agora executados para pagamento, não houvera manifestação, quando então fora procedido ao bloqueio de valores pelo então vigente sistema BACENJUD.

Após o bloqueio de dinheiro de algumas das partes, sobreviera então o aclaramento de como dava-se, realmente, a prática dos crimes referidos por parte dos advogados que patrocinavam tais ações na comarca em questão.

Isso porque somente após o bloqueio eletrônico de valores de algumas das partes tomaram elas conhecimento da existência – sim, da EXISTÊNCIA – da ação, eis que sequer conheciam os referidos advogados, nunca outorgaram procurações para eles e, se não bastasse, sequer conheciam a cidade/comarca de Água Boa.

Conforme consta na petição apresentada por ANTÔNIO CARLOS MACHADO VIEIRA nos referidos autos, este alegou que detém idêntica ação ajuizada na Comarca de São Paulo, ajuizamento este devidamente autorizado, e que a ação constante na comarca de Água Boa é cópia ipsis litteris da ação paulista referida. Sustenta ainda que nunca sequer ouvira falar dos advogados que ajuizaram a ação, e que sequer conhecia a comarca de Água Boa.

A situação era tão grave que o indivíduo citado, ao tomar conhecimento do emaranhado de ilegais situações a que fora exposto, sofrera sérias e graves intercorrências de saúde, tendo que ser hospitalizado na Unidade de Terapia Intensiva, eis que havia risco à sua vida.

Conclui-se de tal expediente que alguns advogados da Comarca de Água Boa encontravam-se falsificando procurações para, juntamente com servidores do Poder Judiciário, receberem vultuosas quantias de dinheiro em detrimento de vítimas que sequer sabiam da existência da ação.

Várias de tais notícias já são objeto de ainda inconclusos procedimentos criminais e administrativos apuratórios, sendo que o ato eclosivo de tais comunicações decorrera de uma correição efetivada na comarca, onde foram verificadas diversas fraudes.

Somente a título ilustrativo, mister mencionar trecho do relatório correicional (autos administrativos n. 112781.2016.811.0000) que melhor demonstra tais intercorrências, cabendo dentre elas ressaltar a inverídica certificação de fatos inexistentes ou não consolidados, com vista à liberação de significativas quantias em dinheiro diretamente na conta bancária dos advogados, ausência de intimação da parte executada para a prática de certos atos, prática de atos pela Secretaria sem que a petição postulando sua efetivação tenha sido juntada ao feito, expedição de alvarás em desacordo com as normativas de regência, dentre outros:

[...]

Na mesma oportunidade da comunicação aos órgãos oficiais de persecução, fora também comunicada à Ordem dos Advogados do Brasil acerca de tais situações. Porém, não se tem notícia de qualquer providência de referida entidade de classe quanto às situações irregulares ora declinadas praticadas por seus membros.

Diante de tais visíveis e negativas intercorrências processuais, este magistrado passou a atuar de forma mais cautelosa em relação à expedição de alvarás, intimando pessoalmente a parte bem como exigindo a apresentação de procuração com firma reconhecida. Tal fora também, em parte, o posicionamento adotado pela Exma. Desembargadora CLARICE CLAUDINO DA SILVA no bojo dos autos n. 104764/2017 (3784- 51.2014.811.0021), quando assim se manifestara:

Trata-se de petitório formulado à fl. 452, onde o Banco Apelado informa sobre a suposta ocorrência de fraude processual praticada pelos advogados dos Apelantes.

Assevera que os procuradores dos Recorrentes vêm agindo de má-fé na Comarca de origem, ajuizando inúmeras ações semelhantes ao vertente caso, sem autorização da parte envolvida no processo, fato que foi reconhecido pelo próprio Julgador da instância de origem, conforme sentença proferida em outra lide e acostada ao vertente pedido.

Assim, requer a intimação pessoal dos Apelantes, a fim de que informem se a representação processual neste processo está regular ou não.

Pois bem. Levando em consideração as razões do referido pedido, bem como a gravidade da acusação levantada em face dos causídicos dos Recorrentes, intimem-se, pessoalmente, os Recorrentes para, no prazo de 5 (cinco) dias, informar quanto à regularidade da representação processual dos seus advogados.

A razão da citação do precedente acima, cuja decisão fora proferida pela Exma. Sra. Desembargadora citada, é para mostrar que o precedente trazido pelo requerente em sua petição (ID 8141763) não condiz com a situação narrada, eis que, nos autos referidos, já havia procuração com firma reconhecida, conforme se depreende pelo próprio teor do julgado.

Assim, é de se concluir que a demora na apuração de fatos criminosos ocorridos na referida comarca, praticados, principalmente, por advogados, não pode autorizar que o Poder Judiciário continue a coadunar com tais práticas, expedindo alvarás com a simples existência de uma procuração cuja legitimidade é duvidosa.

Saliento que todas as alegações do representado nos presentes autos encontram-se devidamente documentadas no bojo dos autos n. 49886-29.2016.811.0000, em trâmite na Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso, sendo mais ainda documentadas e detalhadas nos autos de Revisão Disciplinar n. 3954-83.2020.2.00.0000, em trâmite neste Egrégio Conselho. Saliente-se que referida revisão fora proposta pela própria “combativa” Ordem dos Advogados do Brasil que, deturpando tudo o que ocorrera, ainda tenta imputar uma falsa responsabilidade no requerido, pelo simples fato de ter aceitado calado as condutas criminosas as quais tomou conhecimento.

Foram essas as motivações iniciais que levaram o requerido a exigir mais cautela na liberação de valores, e que motivou a apresentação de reclamação disciplinar contra si na Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso (por parte da própria OAB), reclamação esta arquivada e que, posteriormente, fora objeto de recurso ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça, que manteve o arquivamento por unanimidade.

No entanto, no ano de 2019, o requerido fora transferido para a comarca de Barra do Garças, tendo passado a também cumular a pequena comarca de Novo São Joaquim.

Em referida unidade judiciária, o requerido verificou também a existência de inúmeras fraudes, praticadas, quase que exclusivamente, por um advogado específico, conforme iremos esclarecer a seguir.

[...]

Na data de 30 (trinta) de Abril do corrente ano (2019), em razão de necessidade da Administração, o requerido fora designado para jurisdicionar a 2ª Vara Cível da Comarca de Barra do Garças. Na oportunidade de sua designação, o requerido também fora designado para jurisdicionar a 2ª Vara Criminal da Comarca até o retorno da magistrada titular – que se encontra de licença maternidade, bem como a Comarca de Novo São Joaquim, até o provimento de referida unidade jurisdicional, que se encontra atualmente sem magistrado titular.

Quando aportou nesta última, duas situações chamaram a atenção deste requerido, ambas em relação ao advogado YANN DIEGGO SOUZA TIMÓTHEO DE ALMEIDA (que substabelecera sua representação nos autos ao advogado que motivou o ingresso, pela OAB, com o presente pedido de providências). Isso porque havia inúmeros processos do interesse de referido advogado (seja como patrono ou mesmo como parte) conclusos para decisão/despacho/sentença no âmbito dos Juizados Especiais da Comarca de Novo São Joaquim.

Porém, fora possível verificar que tais processos (centenas) tinham somente duas matérias: execução de honorários por atuação na condição de advogado dativo e ações judiciais por ele patrocinadas contra a TIM CELULAR S.A.

Em relação à primeira situação (execução de honorários), malgrado não tenha inicialmente sido verificada qualquer irregularidade, recentemente o magistrado que este subscreve recebera uma notícia crime da Ouvidoria Geral de Justiça onde, de forma resumida, narrava o noticiante que o advogado em questão estaria praticando fraudes para recebimento, em duplicidade, de honorários advocatícios na condição de advogado dativo.

Espantado com referida notícia, o requerido passou a procurar informações com os servidores acerca da nomeação de referido advogado para atuação na condição de advogado dativo, quando então recebeu a informação da Diretoria de Foro que estava ele cadastrado naquela unidade como advogado dativo, sendo que ele e outros dois causídicos atuantes e residentes na comarca (Carlos Royttmen Pires da Silva e Douglas Rodrigues Martins) seriam os mais antigos.

Ao efetivar uma consulta no sistema PJE (que fora somente há pouco tempo instalado na comarca de Novo São Joaquim) acerca das ações dos três advogados em questão que tinham como objeto a execução de honorários contra o Estado de Mato Grosso – excluídas as que tramitam fisicamente, houvera grande perplexidade com a informação adquirida: o advogado YANN DIEGGO figurava como exequente em mais de 120 (cento e vinte ações), sendo que os demais advogados constantes há tempos no cadastro de dativos da comarca tinham somente 43 (quarenta e três), no caso do causídico CARLOS ROYTTMEN, e ínfimas 10 (dez) ações, no caso do advogado DOUGLAS RODRIGUES MARTINS.

Assim, referidos números corroboraram – e muito – a notícia recebida por meio da Ouvidoria Geral de Justiça, razão pela qual fora a notícia e as informações em questão formalmente repassadas ao Ministério Público para providências.

Referida situação fez com o que o requerido passasse a desconfiar da lisura da conduta de referido advogado, quanto então, logo após, passou a despachar vários processos onde tal advogado figurava como patrono da “parte autora” em desfavor da companhia telefônica TIM CELULAR S.A.

Em referidas causas, todas com a mesma alegação, sustentava a “parte” (as aspas serão explicadas posteriormente) que estaria sendo irregularmente cobrada por um débito inexistente, e que nunca teria tido qualquer contrato com referida operadora. Algumas de tais ações foram resolvidas sem resolução de mérito, pois no início de suas tramitações fora determinada a emenda da petição inicial como forma de demonstrar a existência de vínculo da pessoa supostamente autora da ação com a Comarca de Novo São Joaquim, não sendo a petição inicial emendada.

Porém, como foram centenas de ações as propostas, muitas delas tramitaram sem que os anteriores magistrados se atentassem para referida situação, qual seja a ausência de comprovação de endereço na comarca de Novo São Joaquim. O curioso é que várias de tais ações foram julgadas procedentes, tendo então sido expedidos inúmeros alvarás de transferências de valores para referido causídico. O magistrado que antecedera este subscritor, após a expedição do alvará e em cumprimento à anterior redação do artigo 450 da CNGCJ/MT, determinara a intimação pessoal da parte.

Fora aí que este subscritor verificara a irregularidade que culminou no proferimento de decisões equivalentes à que se tenta impugnar pela equivocada via administrativa.

Isso porque em vários processos fora averiguado que o endereço fornecido pelo advogado em nome da parte como sendo na cidade de Novo São Joaquim era inexistente, não há referida pessoa no endereço ou – PASMEM – fora fornecido o endereço do escritório de outro advogado atuante na comarca, cuja parte não é seu cliente, como sendo o endereço da pessoa.

Novamente o magistrado que este subscreve procedeu a uma consulta ao sistema PJE acerca do número de ações contra a operadora TIM em trâmite na comarca de Novo São Joaquim, recebendo novamente informações que corroboram as irregularidades ora mencionadas.

Somente no sistema PJE havia em trâmite nos Juizados Especiais da Comarca de Novo São Joaquim o absurdo número de 850 (oitocentos e cinquenta) ações contra a empresa TIM, isso para uma comarca cuja população estimada em 2018, de acordo com o IBGE, é de apenas 5.199 (cinco mil, cento e noventa e nove) pessoas – fonte: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mt/novo-sao-joaquim/panorama.

Alarmado com tal informação, fora feita também uma consulta ao sistema APOLO (sistema de controle de processos físicos do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso) para verificação dos processos físicos, eis que, como dito, a plataforma PJE fora recentemente disponibilizada na comarca. Tal sistema (APOLO) registra a existência de outras 264 (duzentas e sessenta e quatro) ações contra a TIM, o que revela que a comarca de Novo São Joaquim detém 1.114 (uma mil, cento e quatorze) ações somente contra referida operadora telefônica.

Partindo de tal informação, vemos que praticamente 1 em cada 5 pessoas da cidade tivera supostamente o seu nome indevidamente inscrito nos cadastros de inadimplentes pela operadora TIM.

Com o intuito de parametrizar o absurdo, com o mesmo critério de pesquisa em relação a todo o Estado de Mato Grosso (consulta com o nome TIM CELULAR no sistema PJE), foram encontrados 5963 resultados. Conclui-se disso que mais de 1/6 (um sexto) de todas as ações contra a operadora TIM no Estado estão na comarca de Novo São Joaquim, e curiosamente patrocinadas – quase todas – pelo mesmo advogado.

À título comparativo, seria como se na cidade de Cuiabá – cuja população estimada é de aproximadamente 600.000 pessoas – fossem ajuizadas 120.000 (cento e vinte mil) ações contra uma mesma operadora de telefonia pelo mesmo advogado, com a justificativa de irregular inscrição nos órgãos de crédito. Tal claramente soa como absurdo.

Diante de tais constatações, verificara-se claramente que havia fraudes em ações contra referida operadora na cidade de Novo São Joaquim.

[...]

Ficara claro com as informações em questão que o advogado em testilha conseguira, em algum banco de dados (público ou privado) informações sobre inadimplentes cujo nome encontrava-se com restrição nos serviços de proteção ao crédito e, com base em tais informações, imprimia o extrato do SPC (vê-se que em todas as ações o extrato impresso do SPC consta como consulente o próprio advogado) e, após isso, ajuizava a ação.

Podemos afirmar claramente que muitos dos autores de referidas ações provavelmente sequer tinham conhecimento da ação.

Ademais, pode-se concluir com certeza que referida fraude não poderia ocorrer sem a participação da conciliadora, eis que, se apresentasse-se na solenidade outra pessoa como se a parte fosse, o mínimo que se poderia exigir é a apresentação de documento de identificação no ato.

Ainda, é de bom alvitre consignar, nenhuma ata original fora nunca apresentada por referida conciliadora e, mesmo após o findar de seu contrato, nenhuma ata de audiência fora encontrada na sala de conciliação, em seus arquivos.

Instada informalmente a entregar as atas de audiência, esta narrou que as teria “pipocado” (entendemos que seria picotado). Ou seja, evidencia-se com referida atitude que há, inclusive, tentativa de ocultar e destruir as provas dos delitos.

Outrossim, vemos que a cada dia mais confirmações sobre as fraudes em Novo São Joaquim são encontradas.

E a busca por referidos dados (de bancos de dados) confirmara-se ainda mais quando, na data de 24 (vinte e quatro) de Julho de 2019, em audiência presidida pelo magistrado que este subscreve no bojo dos autos de Ação Penal n. 76713 (89-23.2017.811.0106) o réu WANDERLAN GONDIN SILVEIRA, que labora como contador da Prefeitura Municipal de Novo São Joaquim, aduzira claramente que o advogado YANN DIEGGO o procurara inúmeras vezes para que lhe fosse franqueado acesso aos dados dos servidores da Prefeitura Municipal, com o fito de ajuizar ações fraudulentas em nome deles (termo de interrogatório gravado em sistema audiovisual nos autos, cujo encaminhamento ao Conselho Nacional de Justiça, acaso Vsa. Exa. entenda necessário, há de ser efetivada por meio físico).

Como o pleito fora negado pelo Sr. WANDERLAN, o criminoso advogado procurara em outro lugar.

E tal lugar, conforme chegara recentemente ao nosso conhecimento, aparentemente eram os correios, eis que pela notícia recebida por intermédio da Ouvidoria Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso (Ofício n. 849/2019-DOJ) há informações de que um preposto dos correios faria parte da quadrilha.

Referido Ofício ainda noticia, de forma mais séria, a participação de uma ex-assistente de Gabinete, que laborara na comarca por vários anos e que, inclusive, tomamos conhecimento, é amiga pessoal de YANN DIEGGO, chegando ao absurdo de receber inúmeros presentes pessoais deste quando ainda se encontrava na condição de assistente de gabinete.

A notícia refere-se à pessoa de Ludimilia de Oliveira Sampaio, que conforme consta atuara como assistente de Gabinete I do Gabinete da Vara Única da Comarca de Novo São Joaquim no período de 02 (dois) de Março de 2.015 a 03 (três) de Fevereiro de 2.019.

Na mesma notícia, consta ainda a numeração de vários processos que tem como suposta parte a pessoa de ZILMA FERREIRA DOS SANTOS. Em consulta à referidos feitos, vemos que, à semelhança de outros, as assinaturas nos documentos neles constantes são todas diversas:

[...]

Verifica-se somente por referidos processos (que são somente alguns nos quais este juízo subscritor despachara), que há indícios veementes da prática não somente de infração ética de captação ilegal de cliente por parte do advogado YANN DIEGGO, quanto também a suposta prática dos crimes de falsidade ideológica (consistente na menção à falso endereço na comarca de Novo São Joaquim, como forma de irregularmente firmar o juízo territorial daquele local), falsificação de documento (constância de falso endereço na suposta procuração outorgada para o advogado ou mesmo a completa falsificação de tal procuração) e/ou apropriação indébita, eis que inúmeros foram os alvarás expedidos em seu favor, depositados em sua conta pessoal.

Em razão de tais intercorrências, o requerido passou a determinar que trouxesse ele (o advogado) o endereço correto da parte OU (alternativa) comprovasse o repasse dos valores recebidos. Porém, tal causídico não cumprira com nenhuma das determinações judiciais, o que, para nós, é mais um indício das faltas éticas e criminais ora narradas, mormente porque poderia simplesmente comprovar o endereço da parte.

Malgrado a grande maioria das ações referidas sejam de responsabilidade do advogado YANN DIEGGO, curioso é que algumas ações contra a TIM na comarca de Novo São Joaquim são patrocinadas pelo advogado LICÍNIO VIEIRA DE ALMEIDA JÚNIOR. Tal causídico ficou “famoso” após ser, juntamente com outros dois advogados atuantes no Estado de Mato Grosso, objeto de uma reportagem jornalística exibida inicialmente no programa Fantástico da Rede Globo, onde eram demonstradas inúmeras fraudes cometidas em processos da mesma natureza que aqueles patrocinados pelo advogado YANN DIEGGO. O título da reportagem é “Mato-grossenses caem em golpe para “limpar nome” e saem devendo para a Justiça”, e está disponível no link: https://g1.globo.com/mt/matogrosso/noticia/2018/12/30/matogrossenses-caem-em-golpe-paralimpar-nome-e-saem-devendo-para-ajustica.ghtml.

Inclusive, os advogados citados em referida reportagem tiveram recentemente o exercício de suas atividades suspenso pelo Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, conforme se verifica da notícia midiática abaixo mencionada: http://www.gazetadigital.com.br/editorias/judiciario/oabsuspendeadvogados-acusados-de-golpe-do-nome-sujo/579187.

A menção a tal situação é porque, em referida reportagem, além do advogado LICÍNIO (acima mencionado), são também citados como perpetradores de fraudes os advogados LUIZ HENRIQUE SENFF e SUZINETE COSTA DE ALMEIDA. Esta última, curiosamente, é a advogada quem patrocina uma ação tendo como parte o próprio advogado YANN DIEGO (Autos n. 1029481-21.2019.8.11.0041, em trâmite na 9° Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT), o que demonstra não somente o vínculo entre as referidas pessoas, quanto reforça ainda mais a suspeita da participação do causídico em questão nas fraudes praticadas em âmbito Estadual – quiçá nacional – e de cuja efetivação a própria Corregedoria Geral de Justiça e o Tribunal de Ética e disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB já tinham conhecimento.

Justamente por referidas intercorrências, nos processos onde não havia ainda sido expedido alvará de transferência de valores e em cujo bojo o advogado YANN DIEGGO postulava pela transferência em conta bancária de sua titularidade, visando evitar a perpetuação das fraudes ora noticiadas bem como o prejuízo à parte, fora determinada, antes da expedição do alvará, a intimação pessoal da parte e, posteriormente, a apresentação de procuração específica.

Longe de tal procedimento configurar violação à prerrogativa de um advogado suspeito da prática de crime, tal é na verdade um instrumento de defesa da própria parte, bem como da lisura dos procedimentos do Poder Judiciário.

 

A situação específica identificada na comarca de Novo São Joaquim – e que, segundo o magistrado, revela a existência de relação entre os advogados Yann Dieggo e Ney Ricardo Feitosa de Paula, bem como a irregularidade da representação processual nos autos do Processo n. 8010006-61.2016.8.11.0106 – foi assim descrita na supracitada manifestação (ID 4329085, fls. 27-33):

 

Inicialmente, mister consignar que, após a instauração de procedimento administrativo na Diretoria de Foro da Comarca de Novo São Joaquim para apurar as ocorrências noticiadas no âmbito interno, bem como o direcionamento de requisição de instauração de inquérito policial contra o advogado YANN DIEGGO, este substabelecera de vários dos processos que patrocinava contra a TIM CELULAR S.A. para o advogado NEY RICARDO FEITOSA DE PAULA, indivíduo que provocara a Ordem dos Advogados do Brasil para a apresentação do presente pedido de providências.

Aliás, é o advogado substabelecido quem patrocina a defesa do suspeito YANN nos procedimentos investigativos em trâmite.

Pois bem: em relação especificamente ao processo mencionado no pedido de providências, vemos que se assemelha ele, em muito, àqueles cuja ocorrência de fraude fora noticiada.

Isso porque, apesar de terem sido liberados valores na conta bancária do advogado que então patrocinava a ação (ID 4284386 - Pág. 72), tentada a intimação pessoal do suposto autor, este não foi encontrado no local, quando da tentativa de intimação por carta (ID 4284386 - Pág. 75).

No endereço declinado nos autos, tentada a intimação pessoal por meio de Oficial de Justiça, sobreviera a informação de que o local mencionado é um estabelecimento comercial, sendo que o suposto requerente nunca residira lá (ID 4284386 - Pág. 106).

Somente com base em tais informações, já se pode concluir que o patrono do suposto autor da ação cometeu o delito de falsidade ideológica, eis que constou em um documento (petição inicial) informação diversa da verdadeira (endereço da parte no momento da propositura da ação) com vistas a firmar irregularmente a competência do juízo da comarca de Novo São Joaquim.

A intenção de tal expediente, ao nosso ver, era aproveitar-se da suposta facilidade que tinha o advogado que distribuíra as centenas de ações referidas com a ex-conciliadora local, pessoa que – suspeita-se – conduzia as audiências sem a presença da parte autora ou mesmo do preposto do réu, falsificando ou permitindo a falsificação da assinatura na ata.

A conduta em testilha já fora identificada em outro processo (autos n. 8010013-53.2016.8.11.0106, em trâmite no Juizado Especial Cível da Comarca de Novo São Joaquim/MT), onde a parte autora, malgrado tivesse constado a sua presença (e assinatura) na ata de audiência de conciliação, declarou expressamente que nunca esteve em referida solenidade, conforme certificação abaixo:

[...]

No feito em apreço (autos n. 8010006-61.2016.8.11.0106, ora patrocinados pelo advogado NEY RICARDO FEITOSA DE PAULA, motivador da reclamação), é possível verificar claramente que as assinaturas apostas em diversos documentos constantes nos autos diferem-se, e muito, entre si.

[...]

Ainda que tais firmas não tenham sido submetidas à análise pericial, eis que não cabe a este magistrado subscritor a função de apuração de infrações penais, a mera visualização das assinaturas induz à clara conclusão de que não foram apostas pela mesma pessoa.

Ademais, conforme já informado, procedimento análogo a outros foi efetivado no processo em questão: a juntada de documento de identificação com baixa qualidade, impedindo a comparação da assinatura com aquelas apostas no processo.

[...]

E vamos além: consultando o sistema PJE/TJMT, fora possível verificar que o suposto autor da ação, recentemente, fora preso em flagrante delito.

Acessando os autos respectivos (autos n. 1001960- 47.2021.811.0004), em trâmite na 2ª Vara Criminal da Comarca de Barra do Garças/MT, é possível não somente verificar que o endereço da suposta parte autora não é na comarca de Novo São Joaquim (conforme já certificado), quanto também a assinatura dele difere das que constam nos autos objeto da reclamação:

[...]

Ora, com tantas irregularidades no processo de referência, o mínimo que este juízo poderia fazer é ter mais cautela quando da expedição de alvará para liberação de valores, o que de fato encontra-se ocorrendo.

E não é só isso. Analisando os processos do suposto autor MARIANO AUGUSTO ARANTES DE PAULA na comarca de Novo São Joaquim/MT, fora possível averiguar que supostamente ajuizara ele 03 (três) ações numa mesma data (18 de Janeiro de 2016), sendo dois contra a TIM CELULAR S.A. (os autos que ilustram o presente pedido de providências e os autos n. 8010005-76.2016.811.0106) e outro contra a TELEFÔNICA BRASIL (VIVO S.A.) - autos n. 8010007-46.2016.811.0106.

Pelo compulso dos referidos feitos, vê-se que a procuração utilizada neles é a mesma.

Em todos houvera a liberação de valores para o advogado que supostamente representava a parte, sendo R$ 15.673,16 (quinze mil e seiscentos e setenta e três reais e dezesseis centavos) em relação aos autos n. 8010007-46.2016.811.0106, R$ 7.029,71 (sete mil e vinte e nove reais e setenta e um centavos) em relação aos autos n. 8010005- 76.2016.811.0106, além dos R$ 4.584,23 (quatro mil e quinhentos e oitenta e quatro reais e vinte e três centavos) liberados nos autos que ilustram o presente pedido de providências.

Todos os valores em questão foram transferidos diretamente na conta bancária do advogado YANN DIEGGO.

Tendo conhecimento de toda a situação narrada, bem como de onde encontrava-se o suposto autor das ações, o magistrado que este subscreve contatou o sistema prisional de Barra do Garças, e agendou uma conversa por videoconferência com a pessoa de MARIANO AUGUSTO ARANTES DE PAULA.

Na conversa informal em questão, cuja gravação segue anexo (Documentos II e III, referente à primeira e segunda partes da conversa), a pessoa de MARIANO esclareceu várias questões, que comprovam não somente a irregularidade das condutas dos advogados que supostamente o representavam quanto também a utilização de documentos falsos nos autos, além de apropriação indébita dos valores que lhe pertenciam (razão da tomada da decisão pelo requerido, exigindo procurações específicas para liberação de valores).

Isso porque, em referida conversa, onde o requerido narrou, inicialmente e de forma bastante clara, quem era e do que se tratava a conversa, a pessoa de MARIANO narrou que contratou o advogado YANN para representá-lo em apenas um processo contra a TIM.

Negou que tivesse autorizado o ajuizamento ou que tivesse conhecimento de qualquer processo contra a VIVO S.A., bem como que soubesse de um segundo processo contra a TIM S.A.

E mais: disse que participara de somente uma audiência de conciliação nos Juizados Especiais, onde na oportunidade encontrava-se somente a conciliadora e o advogado, estando ausente o preposto da empresa (que, coincidentemente, era o mesmo tanto para a VIVO como para a TIM, além de ser ele o preposto de inúmeros outros processos – inclusive alguns mencionados na presente manifestação, onde havia suspeitas de irregularidades).

Ressalte-se que as três audiências dos três processos em que consta o Sr. MARIANO como requerente ocorreram na mesma data, e com pequeno intervalo de tempo, do que se conclui que tal fora um estratagema para enganar o indivíduo citado.

Mais grave, no entanto, fora a sua narrativa de que em momento algum assinara qualquer procuração outorgando poderes para o advogado NEY RICARDO FEITOSA DE PAULA, do que se concluiu que a procuração apresentada por referido causídico, que fora o fomentador da apresentação do presente pedido de providências, é falsa (ID 4284386 – página 123).

Portanto, comprovado que tal causídico, além de cometer o crime de falsificação de documento, ainda utilizou do falso documento para tentar receber valores em nome do suposto requerente do processo, ora vítima.

E, em relação aos valores repassados aos advogados que irregularmente representavam a pessoa de MARIANO, a questão é de uma seriedade absurda.

Isso porque MARIANO narrou que, de todos os valores repassados ao advogado YANN DIEGGO mediante alvará judicial (total de R$ 27.287,10, conforme minudenciado acima), recebera somente pouco mais de R$ 3.000,00 (três mil reais), justamente o valor relativo ao acordo efetivado no único processo que supostamente participara ele da audiência.

Ou seja: outro crime comprovadamente cometido pelo advogado, eis que se apropriara indebitamente de praticamente R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais) pertencentes à parte. Detalhe: tais valores foram repassados ao advogado mais de 04 (quatro) anos atrás, razão pela qual não há que se cogitar de mera demora em repassar os valores.

Além de tudo isso, MARIANO narrou que já teria residido em Novo São Joaquim, mas que teria de lá mudado-se no ano de 2009, ou seja, bem antes do ajuizamento da ação.

[...]

Assim, [...] não pode o requerido, enquanto órgão do Poder Judiciário, continuar a liberar valores para advogados criminosos com base em documentos falsos, sem que exija maiores cautelas e formalidades, como de fato está ocorrendo.

 

Acerca da apontada omissão em instaurar procedimentos administrativos apuratórios em face dos aludidos advogados, a OAB/MT assinalou, às fls. 1-14 do ID 4334244, que eventuais processos disciplinares contra os inscritos tramitam em sigilo até o seu término, só tendo acesso às suas informações as partes, seus defensores e a autoridade judiciária competente, à luz do disposto no § 2º do artigo 72 da Lei n. 8.906/1994.

Nas contrarrazões apresentadas ao presente recurso administrativo (ID 4655239), o requerido informa que: (i) a decisão interlocutória – proferida nos autos do Processo n. 8010006-61.2016.8.11.0106 – não foi sequer “objeto de recurso na origem, do que se denota, mais uma vez, o equívoco procedimental do recorrente, eis que intenciona utilizar o CNJ como órgão jurisdicional recursal”; e (ii) a omissão investigativa não é somente da OAB, uma vez que os órgãos de persecução penal estatais também foram devidamente comunicados das ilicitudes detectadas, mas, até o momento, não se teve conhecimento de qualquer inquérito policial devidamente concluído e encaminhado ao Poder Judiciário.

Após manifestação do Conselho Federal da OAB no sentido de ser genérica e indiscriminada a conduta do magistrado (ID 5070499), este declarou que, anualmente, emite centenas de alvarás, “sendo que destes inúmeros documentos, em somente 25 (vinte e cinco), num período de 7 (sete) anos, houvera a exigência de maiores formalidades” (ID 5074644), conforme documentação encaminhada pelo Departamento de Depósitos Judiciais do TJMT (IDs 5074645 a 5074651).

3. Deveras, é consabido que o advogado legalmente constituído com poderes especiais para receber e dar quitação – nos termos dos artigos 105, caput, do CPC e 5º, § 2º, da Lei n. 8.906/1994 – tem, em regra, direito inviolável à expedição de alvará em seu nome a fim de levantar depósitos judiciais e extrajudiciais, conforme apregoa a jurisprudência do STJ:

 

PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. ADVOGADOS COM PODERES ESPECIAIS PARA RECEBER E DAR QUITAÇÃO. NEGATIVA DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ EM NOME DOS PATRONOS. DESCABIMENTO.

[...]

2. O propósito recursal consiste em definir se o advogado com poderes especiais para receber e dar quitação tem o direito de requerer, em caso de condenação, a expedição de alvará em seu nome.

3. Alguns atos processuais somente podem ser praticados pelo advogado que tem poderes especiais para tanto. São eles: receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar, receber e dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica (art. 105 do CPC/2015). Vale dizer que, para tais atos, é imprescindível menção expressa no instrumento de procuração.

4. O causídico constituído com poderes especiais para receber e dar quitação "tem direito inviolável à expedição de alvará em seu nome, a fim de levantar depósitos judiciais e extrajudiciais" (AgRg no Ag 425.731/PR). Trata-se de um poder-dever resultante do art. 105 do CPC/2015 e do art. 5º, § 2º, da Lei 8.906/1994. Outrossim, a negativa desse direito ao advogado implica na ineficácia da vontade da parte manifestada expressamente no instrumento do mandato.

5. Recurso especial conhecido e provido. (REsp n. 1.885.209/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/5/2021, DJe de 14/5/2021)

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MANDADO DE SEGURANÇA. ALVARÁ DE LEVANTAMENTO. ADVOGADO. PODERES PARA RECEBER E DAR QUITAÇÃO, BEM COMO PARA EFETUAR O LEVANTAMENTO DE QUANTIAS DEPOSITADAS.

O advogado legalmente constituído, com poderes para receber e dar quitação, bem como para levantar importâncias depositadas, tem direito à expedição do alvará em seu nome. Precedentes do STJ.

Recurso ordinário provido. (RMS n. 18.546/DF, relator Ministro Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 21/6/2005, DJ de 15/8/2005)

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RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ACIDENTÁRIA. PROCURAÇÃO COM PODERES ESPECIAIS. LEVANTAMENTO DE VERBAS DEPOSITADAS PELO INSS. POSSIBILIDADE.

Advogado, legalmente constituído nos autos do processo com poderes especiais de receber e dar quitação, tem direito inviolável à expedição de alvará em seu nome para levantamento de depósitos judiciais decorrentes de condenação imposta ao ente previdenciário.

Ademais, a matéria aventada é pacífica nesta Corte, conforme precedentes sobre o tema.

Recurso conhecido e provido. (REsp n. 674.436/SP, relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/3/2005, DJ de 11/4/2005)

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CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE ARGUMENTO CAPAZ DE INFIRMAR A DECISÃO AGRAVADA. PROCURAÇÃO COM PODERES PARA RECEBER E DAR QUITAÇÃO. ART. 109 DA LEI 8213/91. INAPLICABILIDADE.

1- O advogado legalmente constituído com poderes na procuração para receber e dar quitação, tem direito inviolável à expedição de alvará em seu nome, a fim de levantar depósitos judiciais e extrajudiciais.

2- Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag n. 425.731/PR, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 4/2/2003, DJ de 24/2/2003)

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PROCESSO CIVIL E ESTATUTO DA ADVOCACIA - LEI N. 8.906/94, ART. 5º, § 2º - PODERES PARA RECEBER E DAR QUITAÇÃO - CERCEAMENTO - ILEGALIDADE.

1. É ilegal o ato que, desprovido de motivação concreta, impede o advogado com poderes específicos para tanto, de ver expedido em seu nome alvará de levantamento.

2. Precedentes do STJ.

3. Recurso provido. (RMS n. 6.423/SC, relator Ministro Edson Vidigal, Quinta Turma, julgado em 18/5/1999, DJ de 14/6/1999)

 

Sem olvidar tal quadro normativo-jurisprudencial, o magistrado requerido, no exercício do seu poder geral de cautela, proferiu decisões judiciais condicionando o deferimento de pedidos de expedição de alvarás (em nome de alguns advogados) à juntada de procuração específica com o reconhecimento da firma do outorgante, a fim de assegurar a satisfação da pretensão executiva dos vencedores de demandas massificadas nas quais existente fundada suspeita sobre a regularidade da representação judicial.

Nessa senda, o julgador utilizou-se da interpretação analógica da norma inserta no § 7º do artigo 13 da Lei n. 12.153/2009, segundo a qual o saque, por meio de procurador, de valor depositado pela Fazenda Pública somente poderá ocorrer na agência destinatária do depósito, “mediante procuração específica, com firma reconhecida, da qual constem o valor originalmente depositado e a sua procedência”.

Com efeito, após detida reflexão sobre o caso, e observada a máxima vênia, penso que as decisões interlocutórias ostentam indubitável conteúdo jurisdicional, retratando o “convencimento racionalmente motivado” do magistrado, que, ao enunciar condições para o deferimento dos pleitos de alguns advogados, baseou-se em circunstâncias fáticas específicas e na interpretação analógica de dispositivo legal com o escopo de mitigar ameaça de lesão aos titulares de obrigações pecuniárias certificadas pelo Judiciário.

Sob essa perspectiva, a reforma ou a invalidação desses provimentos judiciais – cuja função preventiva é nítida – não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ.

Não há falar, pois, em “delitos de interpretação”, sendo certo que, “por interpretação injurídica só é responsável o juiz quando ela ferir ‘disposição literal’; e, ainda nesse caso, não é o erro que se reprime; é o dolo, a saber: a sentença dada ‘por afeição, ódio, contemplação, ou para promover interesse pessoal seu’” (BARBOSA, Rui. Op. cit., p. 243).

Mutatis mutandis, também merece destaque a exegese firmada pela Corte Especial do STJ, segundo a qual “faz parte da atividade jurisdicional proferir decisões com o vício in judicando e in procedendo, razão porque, para a configuração do delito de abuso de autoridade, há necessidade da demonstração de um mínimo de ‘má-fé’ e de ‘maldade’ por parte do julgador, que proferiu a decisão com a evidente intenção de causar dano à pessoa” (APn n. 858/DF, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 24/10/2018, DJe de 21/11/2018).

Diante desse cenário, a pretensão de reforma ou de invalidação da decisão judicial – considerada incorreta, ilegal ou desfavorável aos interesses das partes ou de seus advogados – deve ser deduzida no âmbito do processo judicial, mediante a utilização dos meios de impugnação adequados, salvo exceções que desbordam da atitividade jurisdicional razoável.

Nesse sentido, seguem ementas de julgados deste Plenário que trataram de situações fáticas similares a dos presentes autos:

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. RECURSO ADMINISTRATIVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. LEVANTAMENTO DE VALORES EM NOME DOS ADVOGADOS COM PODERES ESPECIAIS INDEFERIDO EM DECISÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO CNJ. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (CNJ - RA - Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0003302-66.2020.2.00.0000 - Rel. MARIA CRISTIANA ZIOUVA - 68ª Sessão Virtual - julgado em 1º/7/2020)

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RECURSO ADMINISTRATIVO NA RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. EXIGÊNCIA DE PROCURAÇÃO ESPECÍFICA PARA RECEBER VALORES. VIOLAÇÃO DO ART. 105 DO CPC. INOCORRÊNCIA. PODER DE CAUTELA DO MAGISTRADO. MATÉRIA JURISDICIONAL. INTERPRETAÇÃO LEGAL.

1. Recurso administrativo baseado na alegação de violação do cumprimento dos deveres funcionais do magistrado ao interpretar a norma do art. 105 do CPC e exigir procuração específica para recebimento de valores.

2. Infere-se dos autos o uso do poder de cautela, previsto no ordenamento jurídico, do qual se valeu a magistrada no momento do levantamento do crédito, sem qualquer evidência de desvio disciplinar, não cabendo ao CNJ, enquanto órgão de controle administrativo, adentrar no mérito da decisão de cunho judicial, mesmo que eventualmente equivocada, pois a impugnação deve ser feita através dos meios de impugnação previstos no ordenamento processual civil.

3. Nos termos do art. 41 da Lei Complementar n. 35/79 (LOMAN), “salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem, o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir”.

4. Os princípios da independência e da imunidade funcionais obstam, via de regra, a possibilidade de punição de magistrado pelo teor dos entendimentos manifestados em seus julgados. A relativização ocorre em situações excepcionais, a exemplo daquelas em que reste evidenciada a quebra do dever de imparcialidade, impropriedade ou excesso de linguagem.

5. In casu, não se constatou no decisum impropriedade ou excesso de linguagem, tendo se baseado em hermenêutica e motivação judicial da magistrada acerca das normas orientadoras da matéria.

6. Não ensejam punição disciplinar os julgamentos que decorram do entendimento livremente manifestado pelo magistrado (livre convencimento motivado), sem nenhum indício de desvio ético ou de conduta, sob pena de chancelar “infração disciplinar de opinião”.

7. Ademais, a competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não lhe cabendo exercer o controle de ato de conteúdo judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade.

8. Exame de matéria eminentemente jurisdicional não enseja a intervenção do Conselho Nacional de Justiça, por força do disposto no art. 103-B, § 4º, da CF. Recurso administrativo não provido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0006469-96.2017.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 50ª Sessão Virtual - julgado em 16/8/2019)

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PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO. ATO JURISDICIONAL. NÃO CONHECIMENTO. ATO ADMINISTRATIVO LEGAL. CONHECIMENTO E IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

I – A exigência de que os advogados aptos a receber e dar quitação comprovem nos autos o repasse dos valores pertencentes a seus clientes, quando os alvarás de levantamento de valores sejam retirados/sacados pelos patronos, é ato privativo do magistrado na condução do processo e, se estiver maculado, pode e deve ser corrigido no plano estritamente jurisdicional.

II – Não compete ao Conselho Nacional de Justiça interferir na prática de atos judiciais e no poder de direção dos processos, por se tratarem de providências revestidas de nítido caráter jurisdicional, razão pela qual pedidos nesse sentido não merecem ser conhecidos. Precedentes.

III – A determinação de que sejam intimados todos os favorecidos mencionados nas guias de retirada expedidas pela unidade judiciária, quando no documento esteja autorizado o saque também por procurador, representa ato administrativo típico e, portanto, deve ser conhecido pelo CNJ. Contudo, por não se verificar qualquer ilegalidade no ato, que inclusive confere maior transparência processual, julga-se improcedente o pedido de sua invalidação. (CNJ - RA - Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000340-17.2013.2.00.0000 - Rel. Carlos Eduardo Dias - 162ª Sessão Ordinária - julgado 5/2/2013)

 

Na hipótese, não vislumbro nenhum indício de descumprimento dos deveres funcionais do magistrado, afigurando-se inviável, desse modo, a intervenção do CNJ com o propósito de correção de eventual vício de ilegalidade ou de nulidade de decisões exaradas no estrito exercício da judicatura.

4. Não se desconhece o papel deste Conselho na fiscalização do respeito inabalável às prerrogativas da classe dos advogados, revelando-se despiciendo pontuar os diversos precedentes nesse sentido. Como se sabe, é motivo de preocupação corrente deste Colegiado que o sistema de Justiça funcione de forma escorreita, com atuação institucional adequada por todos os seus atores. Dessa forma, sempre que necessário, o CNJ atua para corrigir a atuação dos magistrados que possam, eventualmente, embaraçar o exercício pleno da advocacia.

No caso concreto, a legítima reclamação da OAB/MT consubstancia medida de política judiciária, por objetivar a padronização das exigências para a expedição dos mandados de pagamento, tema que poderá ser aprofundado por este Conselho, mediante a expedição de ato normativo genérico.

É dizer, a questão merece tratamento institucional e padronizado na busca por segurança jurídica e respeito aos direitos dos envolvidos.

Na espécie, porém, as decisões devem ter seu controle de legalidade exercido jurisdicionalmente, não sendo hipótese de intervenção do CNJ.

 

Destarte, tendo em vista a relevância da questão que envolve prerrogativas dos advogados, proponho a criação de Grupo de Trabalho a ser instituído pela Presidência do CNJ e a realização de estudos, a fim de que sejam fixadas balizas para a atuação dos magistrados em casos específicos de levantamentos constantes de valores por advogados e de pedidos de expedição de alvará judicial.

5. Ante o exposto, pedindo vênia à divergência, acompanho o voto do relator para negar provimento ao recurso administrativo, com a sugestão acima mencionada.

É como voto.