ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, não ratificou a liminar, nos termos do voto da Conselheira Maria Thereza de Assis Moura. Vencidos os Conselheiros Tânia Regina Silva Reckziegel (Relatora em substituição), Mário Guerreiro, Flávia Pessoa, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello, que ratificavam a liminar. Lavrará o acórdão a Conselheira Maria Thereza de Assis Moura. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 8 de outubro de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Flávia Pessoa, Sidney Madruga, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes do Tribunal Superior do Trabalho e da Justiça Federal.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006816-90.2021.2.00.0000
Requerente: CARLOS HENRIQUE ABRÃO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP


 

RELATÓRIO 

 

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido liminar, proposto por Carlos Henrique Abrão, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), no qual impugna decisão do Órgão Especial do TJSP de 25/8/2021 que determinou a instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em seu desfavor.

Por decisão proferida em 9/9/2021, o então Conselheiro Relator Rubens Canuto deferiu a medida liminar pleiteada para suspender o PAD instaurado em contra o requerente, até ulterior deliberação nestes autos (id 4472828).

Instado a prestar informações, o TJSP pleiteia a revogação da medida de urgência ou, alternativamente, a sua não ratificação pelo plenário (Id 4479715).

Considerado o término do mandato do mencionado Conselheiro, submeto, na qualidade de substituta regimental, a decisão à apreciação do Plenário para ratificação, nos termos do art. 25, inciso XI, do Regimento Interno do CNJ.

É o relatório.


Brasília, 16 de setembro de 2021.


Conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel

Substituta Regimental

 

 

  

PROPOSTA DE RATIFICAÇÃO DE SUSPENSÃO DE PAD VIA ORDEM LIMINAR EM PCA. SUPOSTA VIOLAÇÃO DE DIREITOS DA DEFESA: INOCORRÊNCIA. 

1. Venire contra factum proprium: reunião de imputações a pedido da defesa e posterior alegação de ausência de conexão e prejuízo. A parte que dá causa a nulidade não a pode arguir (art. 276 do CPC e art. 555 do CPP). Princípio da boa-fé objetiva (art. 5º do CPC). 

2. Simultaneus processus em matéria disciplinar: ausência de regulamentação legal ou regulamentar. Acusações que, no processo penal, poderiam ser unidas pela conexão probatória (art. 76, III, do CPP): alteração da proclamação do resultado de dois julgamentos distintos, mas na mesma sessão de julgamento, após seu encerramento. 

3 Voto pela negativa de ratificação da medida liminar. 

A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA: 

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido liminar, proposto por Carlos Henrique Abrão, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), no qual impugna decisão do Órgão Especial do TJSP de 25/8/2021 que determinou a instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em seu desfavor. 

O Relator, Conselheiro Rubens Canuto, deferiu medida liminar, para suspender o andamento do PAD, até ulterior deliberação. 

A substituta regimental, Conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel, propõe a ratificação da decisão. 

Peço vênia para divergir. 

Venire contra factum proprium 

O requerente alegou o cerceamento de defesa, em razão da reunião, em um único processo administrativo disciplinar, de duas imputações de infração disciplinar, o que estaria lhe causando prejuízos processuais indevidos. 

No entanto, se prejuízo houve, foi o próprio magistrado que lhe deu causa, ao requerer a medida que agora combate e ao não resistir após ter seu requerimento acolhido. 

A parte que dá causa a nulidade não a pode arguir, como deixa claro a legislação processual (art. 276 do CPC e art. 555 do CPP, aplicáveis na forma do art. 15 do CPC). Trata-se de uma decorrência da boa-fé objetiva (art. 5º do CPC). 

A provocação ao Conselho Nacional de Justiça representa venire contra factum proprium, na medida em que combate providência que foi requerida pelo magistrado processado na origem – reunião de duas representações para processamento e julgamento conjunto. 

Na defesa preliminar à segunda representação (na origem, Processo 2020/12470), o magistrado argumentou que a separação dos feitos prejudicava sua defesa (Id 4479874, pp. 49-50). No tópico 1.5 da defesa, intitulado “Desmembramento e Cerceamento”, alegou estar-se diante de “dupla representação cujo iter procedimental é idêntico”, matéria una “desmembrada para resposta separada e isolada, o que causa cerceamento e nulidade insanável”. Concluiu que “causa cerceamento e dificulta sobremodo a defesa, manifestar sem o contexto geral e a forma de agir, nulidade também que acontece pela exiguidade do tempo”. Por esses fundamentos, postulou a reunião das representações. 

Reunidos os procedimentos nos autos 2020/124538, o magistrado ofereceu, por meio de advogado constituído, defesa preliminar, na qual contestou ambas as imputações, sem impugnar a reunião dos procedimentos. 

Já nesse momento, os autos estavam apensados. A admissibilidade das representações foi realizada em acórdão único (Id 4479869, pp. 6-54). 

Admitidas ambas as representações, o magistrado foi citado e ofereceu resposta escrita, nada alegando contra a reunião (Id 4479872, pp. 7-21). 

Portanto, a reunião dos processos atendeu a pedido do requerente. Após a reunião, o requerente não se insurgiu na instância de origem. 

Não é viável arguir a nulidade do procedimento, em decorrência de supostos prejuízo inerentes à reunião processual pleiteada pelo próprio alegante. 

2 Conexão 

O requerente sustenta que os fatos não são conexos, pelo que a reunião dos processos é indevida. 

Não há uma regra sobre a reunião de processos administrativos disciplinares para instrução e julgamento conjunto (simultaneus processus). 

No processo penal, que aqui pode ser invocado por analogia, admite-se a reunião por conexão probatória, “quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração” (art. 76, III, do CPC). 

No caso, foram imputadas condutas semelhantes (alteração do resultado do julgamento após a proclamação, em dois processos), supostamente ocorridas na mesma sessão de julgamento (2/12/2020). 

O contexto indica que a prova de uma infração pode influir na prova da outra, como o próprio magistrado entendeu em um primeiro momento, ao sustentar, em defesa preliminar, que, “sem sombra de dúvida, como ambos os fatos narrados sucederam na mesma sessão de 02 de dezembro de 2020, causa cerceamento e dificulta sobremodo a defesa, manifestar sem o contexto geral e a forma de agir”. 

Portanto, a reunião das imputações não é descabida. Aparentemente, era a providência mais adequada. 

De qualquer forma, não cabe ao Conselho Nacional de Justiça controlar, no detalhe, a tramitação dos PADs, via procedimento de controle administrativo. 

Assim, a medida liminar deve ser indeferida. 

Ante o exposto, peço vênia à Conselheira Relatora para negar a ratificação da decisão unipessoal e, em consequência, indeferir a medida liminar. 

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006816-90.2021.2.00.0000
Requerente: CARLOS HENRIQUE ABRÃO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP

 


VOTO

 

Em atenção ao art. 25, inciso XI, do Regimento Interno do CNJ, submeto à apreciação do Plenário a decisão proferida em 9 de setembro de 2021 pelo então Conselheiro Relator Rubens Canuto. A decisão liminar foi sistematizada nos seguintes termos (id 4472828):

 

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) instaurado por Carlos Henrique Abrão, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) no qual impugna decisão do Órgão Especial do TJSP de 25/8/2021 que determinou a instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em seu desfavor.

O PAD foi instaurado para apurar possíveis infrações disciplinares decorrentes de suposta alteração do ‘resultado de julgamento depois de terminada a sessão, sem transparência e sem adequada publicidade’, em 02/12/2020, na condição de Presidente da 14ª Câmara de Direito Privado. Os fatos foram veiculados em duas reclamações: a primeira foi formulada pelo Juiz Substituto de Segundo Grau Régis Bonvicino; a segunda, pela Desembargadora Lígia Bisogni.

Em resumo, alega que a instauração do PAD é nula pelos seguintes motivos:

I – irregularidade no processamento das representações, uma vez que foram dirigidas ao Presidente da Seção de Direito Privado, o qual formulou a representação à Presidência do TJSP, sem dar oportunidade ao requerente para se defender ou prestar esclarecimentos; além disso, o Presidente da Seção não seria competente para formular a representação ao Presidente do TJSP, haja vista que, nos termos do art. 45, VI, do Regimento Interno do TJSP, ‘a competência do Presidente [da Seção] de direito Privado, em termos de representação, dita exclusivamente problema afeto à unidade judiciária, e não qualquer outra matéria, principalmente envolvendo colega sem o devido processo legal’;

II – as duas representações foram separadas pelo presidente do TJSP, por considerar que elas tratavam de matérias distintas, mas depois foram reunidas num só julgamento, ocasião em que enviou a minuta de voto (para a abertura do PAD) somente na véspera do julgamento, o que inviabilizou a cognição adequada pelos demais membros do Órgão Especial;

III – impedimento de três desembargadores que participaram da sessão do Órgão Especial de instauração do PAD: dois revisores (Ademir Benedito e Maria Cristina) e ‘2º juiz’ (Cláudio Levada) dos desembargadores autores das representações, o que os torna impedidos para votar no caso;

IV – impedimento de três desembargadores que participaram da sessão de julgamento de instauração do PAD por serem colegas de turma dos desembargadores representantes (Desembargador Ademir Benedito, da 21ª, e Desembargadores Cláudio Levada e Cristina Zucchi, da 34ª Câmara de Direito Privado);

V – cerceamento de defesa diante da redução do tempo para sustentação oral à metade, já que foram disponibilizados apenas 15 minutos para a sustentação oral referente às duas representações disciplinares, reunidas para julgamento único;

VI – cerceamento de defesa e prejuízos à instrução decorrente da reunião dos fatos num único PAD, uma vez que estarão limitados o número de testemunhas a serem ouvidas (no máximo 8), os prazos para manifestação e sustentação oral no futuro julgamento do mérito do PAD; além disso, a reunião dos fatos em PAD único somente seria permitido em caso de conexão ou continência entre as representações disciplinares;

VII – ausência de divulgação prévia, pela Secretaria do Órgão Especial, da previsão da composição do órgão, o que obstou sua defesa de conhecer previamente o colegiado que iria julgá-lo, prejudicando a entrega de memoriais e eventuais arguições de impedimento ou suspeição de quatro desembargadores substitutos (Desembargadores Matheus Fontes, Fábio Gouvêa, Vianna Cotrim e Campos Mello);

VIII – violação do devido processo local decorrente da substituição de julgadores nas sessões do Órgão Especial, na medida em que impossibilita que a parte tenha ciência previamente à sessão de julgamento da efetiva composição do órgão julgador.

No mérito, alega a falta de justa causa para instauração do PAD, por se tratar de matéria jurisdicional, não passível de penalização disciplinar; esclarece não ter alterado a ‘tira de julgamento’, uma vez que havia questionado os colegas acerca da possibilidade de converter o julgamento em diligência na própria sessão de julgamento.

Argumenta que a matéria tratada no PAD já foi ‘solucionada pelo colegiado’ e ‘não apresenta viés censório, causando danos irreparáveis’ à sua imagem.

Sustenta a falta de proporcionalidade e de razoabilidade na abertura do PAD, sobretudo diante da falta de prejuízos ás partes do processo, até porque nenhuma das partes reclamou ou impugnou nos autos objetos das representações disciplinares.

Acrescenta que a manutenção do PAD lhe causa inúmeros prejuízos, pois macula sua imagem, causando sua ridicularização no tribunal decorrente de vexame e humilhação com a tramitação de procedimento disciplinar sem justa causa em seu desfavor.

Por fim, ressalta a natureza jurisdicional dos atos praticados e a impossibilidade de sua responsabilização na esfera administrativa.

Pede a suspensão liminar da tramitação do PAD até decisão final pelo Plenário do CNJ.

No mérito, pede a anulação da decisão que determinou a abertura do PAD ou a avocação do PAD pelo CNJ para que se tenha julgamento justo, imparcial e neutro.

É o relatório.

DECIDO.

O Regimento Interno deste Conselho estabelece, em seu artigo 25, XI, os seguintes requisitos para a concessão de medidas urgentes e acauteladoras: (i) existência de fundado receio de prejuízo ou de dano irreparável; (ii) risco de perecimento do direito invocado.

Interpretando esse dispositivo, o Plenário do CNJ consolidou o entendimento de que a concessão da tutela de urgência exige a demonstração conjunta do fumus boni iuris, consistente na comprovação da plausibilidade do direito, e do periculum in mora, caracterizado pela possibilidade da ocorrência de danos irreparáveis, ou de difícil reparação.

Quanto à plausibilidade do direito, verifico que, diante das alegações de supostas irregularidades na tramitação e julgamento das representações disciplinares instauradas contra o magistrado, que deram ensejo à instauração do PAD contra ele em 25/8/2021, convém a suspensão do PAD até ulterior deliberação do plenário do CNJ sobre o mérito deste feito.

É que, em princípio, houve violação do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa com a reunião das duas representações disciplinares para julgamento único, com supressão de tempo para sustentação oral tão necessária para exercício do direito de defesa pelo magistrado, sobretudo diante da alegação de que houve convocação de membros do órgão julgador às vésperas do julgamento, fato que torna ainda mais importante a sustentação oral pela defesa do magistrado.  

A reunião dos fatos, em tese, distintos e não conexos entre si em PAD único é prejudicial à defesa do magistrado durante a instrução do processo, uma vez que estarão limitados o número de testemunhas a serem ouvidas (no máximo 8), os prazos para manifestação e sustentação oral no futuro julgamento do mérito.

Ademais, a reunião de fatos desconexos para julgamento conjunto pode ter conotação de que os fatos são mais graves do que efetivamente são, comparando-se ao julgamento isolada e separadamente, estando mais propenso a julgamento condenatório ou a imposição de penalidade mais grave do que efetivamente pode justificar cada caso isoladamente. Assim, há que ser reavaliada a reunião dos fatos em único PAD, a fim de resguardar, por um lado, a adequada apreciação dos fatos pelo tribunal quanto à correta valoração negativa das condutas e, por outro, para afastar a desproporção na aplicação de eventual penalidade.

O periculum in mora, por outro lado, consubstancia-se no fato de que o requerente está sendo processado e julgado em procedimento eivado de irregularidades passíveis de anulação. Dessa forma, para que se tenha julgamento justo e que sejam observadas todas as garantias do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, há de ser suspensa a tramitação do PAD até deliberação final do mérito deste feito.

Convém destacar que não se desconhece o entendimento deste Conselho de que a intervenção na condução de PADs instaurados pelos tribunais é excepcional. No caso, ao menos neste juízo sumário, verifico tratar-se de situação excepcional a autorizar a intervenção do CNJ, na medida em que trata-se de PAD, em princípio, instaurado e conduzido com irregularidades que podem macular sua validade.

Diante do exposto DEFIRO a medida liminar para determinar a suspensão do PAD instaurado em 25/8/2021 contra o requerente, até ulterior deliberação nestes autos.  

Intimem-se.

Solicitem-se informações ao TJSP, no prazo de 15 dias.

Inclua-se em pauta para ratificação pelo Plenário.

Retire-se o sigilo destes autos.”

 

Diante do exposto, submeto a decisão ao referendo do Plenário.

Inclua-se em pauta.