Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0001048-52.2022.2.00.0000
Requerente: ESTEFANI CAROLINE BORBA e outros
Requerido: JUÍZO DA VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES, INFÂNCIA E JUVENTUDE, REGISTROS PÚBLICOS E CORREGEDORIA DO FORO EXTRAJUDICIAL DA COMARCA DE ARAUCÁRIA - PR e outros

 


 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS PARA PROSSEGUIMENTO DO FEITO. SUPOSTA PRÁTICA DE INFRAÇÃO POR ASSOCIAÇÃO ESTRANHA AO PODER JUDICIÁRIO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. MATÉRIA DE NATUREZA EMINENTEMENTE JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. RECURSO ADMINISTRATIVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.  

1. A competência do Conselho Nacional de Justiça restringe-se ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos Juízes.

2. Nos termos do entendimento do Conselho Nacional de Justiça, é inadmissível a instauração de procedimento disciplinar quando inexistentes indícios ou fatos que demonstrem que o Magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da Magistratura. 

3. Os fatos narrados neste expediente tratam de matéria eminentemente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

4. A correção do alegado equívoco jurídico praticado pelo Magistrado, na condução do Processo, deve ser requerida pela via jurisdicional. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das hipóteses previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

5. Recurso administrativo a que se nega provimento. 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 27 de maio de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o Conselheiro representante do Ministério Público Estadual.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0001048-52.2022.2.00.0000
Requerente: ESTEFANI CAROLINE BORBA e outros
Requerido: JUÍZO DA VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES, INFÂNCIA E JUVENTUDE, REGISTROS PÚBLICOS E CORREGEDORIA DO FORO EXTRAJUDICIAL DA COMARCA DE ARAUCÁRIA - PR e outros


RELATÓRIO


          

A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora): 

Cuida-se de Recurso Administrativo interposto por ESTEFANI CAROLINE BORBA e BRUNO NILSON COSTA contra decisão da Corregedoria Nacional de Justiça que arquivou o Pedido de Providências apresentado em desfavor de MARIA CRISTINA FRANCO CHAVES, Juíza de Direito da Vara de Infância e Juventude de Araucária/PR, FÁBIO LUIZ DECOUSSAU MACHADO, Juiz de Direito Substituto da Vara de Infância e Juventude de Araucária/PR, 12ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ e ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DO HOSPITAL DE CLÍNICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. 

Na inicial, os requerentes alegaram pretender a instauração de sindicância, sustentando que os requeridos não respeitam a legislação pátria quando se trata de adoção em família substituta.

Reclamaram de práticas ilegais nos processos 0009740-90.2017.8.16.0025 (Medida Protetiva) e 0012700-19.2017.8.16.0025 (Destituição do Poder Familiar), tendo afirmado que, a despeito das previsões legais, não houve busca e nem tentativa de recuperação da família natural ou da família extensa, encaminhando-se, desde logo, a criança para adoção em família substituta.

Relataram que, neste caso específico, os requerentes foram acusados da prática de lesão corporal de natureza grave contra o filho (com perigo de vida), mas não foi comprovada autoria ou materialidade.

Sustentaram que foi deferida medida cautelar de afastamento da criança de sua família natural (baseando-se em fatos não comprovados e mal investigados), além de concedida, ilegalmente, a criança à adoção em família substituta.

Suscitaram que a medida protetiva adequada seria colocar a criança junto à família extensa, mas que tal possibilidade foi descartada sem ao menos citação das partes, bem como que a família extensa não foi entrevistada ou consultada a respeito do tema.

Defenderam ser incompetente a Vara da Infância e Juventude para apurar supostos delitos tipificados no Código Penal.

Requereram que o CNJ estabelecesse procedimentos administrativos que proibissem os requeridos de “invadirem a competência dos delitos do Código Penal” e de “produzirem veredictos genéricos, contra pessoas que não fizeram parte do pólo passivo da demanda”. Também pleitearam que “seja cobrado do PROGRAMA DEDICA, quanto a todas as adoções por ele promovidas, quais as ações efetivamente intentadas pelos próprios no sentido de MANTER ou de RECUPERAR as famílias naturais em conformidade às regras legais supra referidas, da LEI 8069/90” e, por fim, pediram a instauração de sindicância para monitorar todas as adoções feitas em família substituta.

A Corregedoria Nacional de Justiça arquivou sumariamente o expediente, em razão da natureza estritamente jurisdicional dos atos impugnados (Id. 4653454)

Os requerentes interpuseram este Recurso Administrativo, no qual alegam que a Associação dos amigos do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná presta serviços ao Judiciário e deve sim ser fiscalizada pelo CNJ.

Afirmam que não buscam provimento jurisdicional, mas sim uma fiscalização que impeça a adoção de crianças na forma com que vem sendo feita, vilipendiando diversas famílias tão somente por serem de baixa renda.

Requerem o provimento do Recurso Administrativo.

Apenas a requerida Maria Cristina Franco Chaves apresentou contrarrazões.

É o relatório. 

 

 

 

 

A08/Z10


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0001048-52.2022.2.00.0000
Requerente: ESTEFANI CAROLINE BORBA e outros
Requerido: JUÍZO DA VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES, INFÂNCIA E JUVENTUDE, REGISTROS PÚBLICOS E CORREGEDORIA DO FORO EXTRAJUDICIAL DA COMARCA DE ARAUCÁRIA - PR e outros

 


VOTO

          

A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):   

As razões recursais não são suficientes para alterar a compreensão posta na decisão recorrida.

Sabe-se, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, que a via correcional se restringe "ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes". Evidentemente, a Associação dos amigos do Hospital de clínicas da Universidade Federal do Paraná não pertence aos quadros do Poder Judiciário. 

Dessa forma, considerando que os fatos narrados não indicam nenhuma violação dos deveres funcionais de Magistrado e nem irregularidades na atuação administrativa ou financeira do Poder Judiciário, nos termos do art. 103-B, § 4°, da CF/88, não compete a esta Corregedoria Nacional de Justiça a adoção de nenhuma providência em relação à Associação dos amigos do Hospital das clínicas da Universidade Federal do Paraná.

Posto isto, vale consignar, nos termos da decisão recorrida, que os requerentes já protocolaram pedido de providências junto ao CNJ anteriormente (PP 0009406-74.2020.2.00.0000) e, embora não haja identidade de conteúdo, a Vara de Infância e Juventude de Araucária/PR foi inspecionada pela Corregedoria local e nada de ilegal foi constatado:

 

Por oportuno, todavia, entendo por bem pontuar que a Magistrada Reclamada foi recentemente submetida a Correição Ordinária, oportunidade em que foi avaliada por esta Corregedoria-Geral da Justiça nos seguintes termos:

“A Dra. Maria Cristina Franco Chaves é Juíza de Direito Titular da Vara da Família e Sucessões, Infância e Juventude, Registros Públicos e Corregedoria do Foro Extrajudicial da Comarca de Araucária desde 16 de novembro de 2000 (mov. 5.27). A Unidade Judiciária encontra-se 100% (cem por cento) digitalizada, e em 31.07.2020 possuía 4.656 processos, dos quais 1.795 foram julgados e 2.861 ainda não (mov. 5.5). A Unidade Judiciária tem uma distribuição mensal de 253,65 processos por mês (mov. 5.4). A verificação da atividade jurisdicional foi feita através da leitura de processos escolhidos por amostragem.

Tal técnica, evidentemente, tem limitações que não são desconsideradas pelo órgão correcional. Contudo, ainda assim, foi possível realizar importante análise acerca do trabalho da Magistrada. No aspecto qualitativo, inferiu-se, no geral das competências, que os provimentos jurisdicionais apresentam bom padrão de redação, expressando de maneira objetiva o posicionamento da Magistrada.

Não se constatou, nos processos analisados por amostragem, a prolação de decisões contrárias às Súmulas do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores. Em relação à tramitação dos processos, observa, em geral, os ditames legais. As decisões e sentenças são bem fundamentadas e objetivas, sem descuidar do adequado enfrentamento das questões fáticas. As sentenças apresentam todos os elementos legais. Analisa os fatos com linguagem clara e acessível. Nos processos verificados por amostragem, apurou-se que a Magistrada não utiliza expressões genéricas ou indeterminadas, o que indica zelo na análise particularizada dos casos. No aspecto quantitativo dos trabalhos, na data da correição, observou-se a inexistência de processos com prazo de conclusão superior a 100 (cem) dias (mov. 5.2). De acordo com a informação de mov. 5.3 o prazo médio para prolação de sentenças, decisões e despachos na somatória de todas as áreas de atuação é de 21 (vinte e um) dias. Em áreas com de competência absoluta, como na Infância e Juventude Protetiva e Infracional é de 12 dias. No período correicionado a Magistrada, em todas as áreas e juízos de atuação, prolatou 7.718 sentenças, dentre as quais 5.604 com apreciação do mérito e 2.114 sem julgamento do mérito (mov. 5.2). Proferiu, ainda, 5.959 decisões interlocutórias e 30.465 despachos. Presidiu 954 audiências de instrução e 1.600 de conciliação. Conclui-se, portanto, que a Magistrada apresenta excelente produtividade” (mov. 24.1).

Trata-se, portanto, de Juíza comprometida com a atividade jurisdicional, com expressas menções elogiosas, tanto pela qualidade técnica de seus pronunciamentos quanto pela excelente produtividade.

Daí, aliás, o baixo número de protocolos administrativos instaurados nos últimos 4 (quatro) anos – apenas 3 (três) expedientes, todos já devidamente arquivados ante a ausência de falta disciplinar.

Logo, advirto os Reclamantes, Srs. Bruno Nilson Costa e Estefani Caroline Borba, que a esfera administrativa não é instrumento de intimidação, nem serve como meio para pressionar e desacreditar o servidor público no exercício regular de sua função. 

 

E, nos termos do entendimento do Conselho Nacional de Justiça, é inadmissível a instauração de Procedimento Disciplinar quando inexistentes indícios ou fatos que demonstrem que o Magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da Magistratura.

Com efeito, a demonstração de justa causa é requisito essencial para a instauração de PAD, conforme reiterada jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça:

 

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA. NÃO DEMONSTRADO ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. ART. 8º, INCISO I, DO REGIMENTO INTERNO DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. 1. Exame de matéria eminentemente jurisdicional. Impossibilidade de análise do acerto ou desacerto das decisões jurídicas pela via correcional. 2. Em âmbito administrativo-disciplinar, é necessário que se leve em conta o caso concreto e o elemento subjetivo da conduta do magistrado para verificação da existência de indícios de desvio de conduta na prática de ato jurisdicional, o que não se verifica neste caso. 3. O art. 8º, inciso I, do Regimento Interno da Corregedoria Nacional de Justiça exige o arquivamento sumário das reclamações que, entre outras, se apresentem manifestamente improcedentes. 4. Não há justa causa ou razoabilidade para instauração de procedimento administrativo disciplinar. 5. Ausência de infringência aos deveres funcionais ou de conduta ilícita da magistrada. Recurso administrativo improvido.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0008092-30.2019.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 62ª Sessão Virtual - julgado em 27/3/2020) 

 

Por fim, frise-se, novamente, que, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, a via correcional se restringe "ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes". 

Conforme consta na decisão impugnada, toda a irresignação da requerente busca, ao fim, discutir aspectos jurídicos relacionados à destituição do poder familiar, à medida protetiva aplicada ao caso concreto e à colocação de criança em família substituta, matérias eminentemente jurisdicionais e não afetas ao Conselho Nacional de Justiça.

O acerto ou desacerto das decisões deve ser debatido no campo processual próprio e escapa das atribuições da Corregedoria Nacional de Justiça. 

O que se verifica, neste caso, é a tentativa de trazer para o âmbito disciplinar questões que devem ser solvidas nos autos do processo e nos incidentes e recursos colocados à disposição das partes pela legislação processual civil. A utilização de via correcional para solucionar ato jurisdicional, contra o qual a lei processual previu o recurso cabível, é expediente que não deve ser admitido, em respeito à independência funcional do magistrado. Do contrário, inviabilizaria o exercício do seu munus público, livre de qualquer pressão ou de interferência externa. 

Com efeito, a solução de eventual equívoco incorrido pelo julgador na condução do processo deve ser buscada na jurisdição e não pela via correcional, que se restringe, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, "ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes".  

Nesse sentido, menciono o seguinte precedente:

 

“RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. DESVIO DE CONDUTA DO MAGISTRADO. NÃO OCORRÊNCIA. MATÉRIA JURISDICIONAL.

1. Não se verificam elementos probatórios mínimos de falta funcional da magistrada que justifiquem a instauração de procedimento disciplinar no âmbito desta Corregedoria.

2. Conforme assentado na decisão de arquivamento, nota-se que a irresignação do reclamante se refere a exame de matéria eminentemente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

3. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

Recurso administrativo improvido.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0009249-38.2019.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 70ª Sessão Virtual - julgado em 31/07/2020) 

 

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo. 

É como voto.  

  

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA 

Corregedora Nacional de Justiça 

 

 

 

A08/Z10.