EMENTA

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. REPRESENTAÇÃO POR EXCESSO DE PRAZO. PRETENSÃO DE REVISÃO DE ATO JURISDICIONAL. ART. 103-B, § 4º, DA CF. NÃO CABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. 

1. Os fatos narrados neste expediente referem-se ao exame de matéria estritamente jurisdicional.

2. Nos termos do art. 103-B, §4º, da Constituição Federal, ao CNJ competem o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e a fiscalização do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, não lhe cabendo intervir em decisão judicial com o intuito de aperfeiçoá-la, reformá-la ou invalidá-la.

3. Recurso administrativo não provido.

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 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Marcello Terto (vistor), o Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 12 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

                                                                                                RELATÓRIO           

 

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):        

        Cuida-se de representação por excesso de prazo apresentada por JORGE SOARES CHAIM contra HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA, Presidente do TJRJ, e FERNANDA GALLIZA DO AMARAL, Juíza Auxiliar Gestora de Precatórios.

      Aponta a parte requerente morosidade no pagamento de precatório complementar (Precatório nº 2020.03985-5).

      Alega que, ao contrário do entendimento do TJRJ e conforme jurisprudência do STF e do STJ, o precatório complementar não está sujeito à ordem cronológica de pagamento, justamente por ser complementar ao precatório já expedido e pago de forma incorreta.

        Requer seja determinado o pagamento do precatório complementar, considerando que o precatório original está vencido há mais de quatro anos.

      Em 26/04/2022, decidi pelo arquivamento do expediente, haja vista a decisão fundamentada de indeferimento do pagamento do precatório complementar exarada pelo Juízo representado, a qual se insere na seara jurisdicional, campo de atuação defeso a este CNJ. Confira-se:


Em decisão recente, de 04/04/2022, a Juíza Fernanda Galliza do Amaral, Gestora de Precatórios no TJRJ, indeferiu o pedido de pagamento do Precatório nº 2020.03985-5 fora da ordem cronológica, pelas seguintes razões (ID 4681910):

Do exame dos autos, verifica-se que os fundamentos invocados pelo requerente para a expedição do precatório complementar, harmonizam-se com o entendimento do Supremo Tribunal Federal que decidiu ser possível somente quando o crédito for resultante de erro material, inexatidão aritmética dos cálculos ou na hipótese de substituição, por lei, do índice de atualização aplicado, sendo este o caso concreto. Contudo, a jurisprudência carreada aos autos não socorre o requerente no que tange ao prazo para pagamento, pois, não há nenhuma decisão, seja colegiada ou monocrática e muito menos em sede de repercussão geral, que tenha definido qualquer prazo diferenciado para pagamento deste complemento.

Como se extrai do artigo 23 da Resolução CNJ 303/2019, eventuais diferenças decorrentes da utilização de outros índices de correção monetária e juros que não os indicados neste capítulo, constantes ou não do título executivo, deverão ser objeto de decisão do juízo da execução e, sendo o caso, autorizada a expedição de novo precatório.

Observa-se, portanto, que nem a Constituição Federal e nem a Resolução do CNJ disciplinam prazo diferenciado para o pagamento dos precatórios complementares.

Por fim, imperioso destacar eu o E. STF, ao decidir a questão, fixou o entendimento de que a vedação à expedição de precatório complementar, com exceção das hipóteses acima destacadas, visa, justamente, impedir a quebra de ordem cronológica de pagamentos.

À conta dos fundamentos acima, torno sem efeito a decisão de fls. 123 e indefiro o pedido.

Prossiga-se como autuado e aguarde-se o pagamento na ordem cronológica.


Assim, no que respeita ao conteúdo do ato decisório relativo ao pagamento de precatório complementar, sem observância à ordem cronológica, tal insurgência traduz matéria de cunho eminentemente jurisdicional, a qual, por força da prerrogativa da independência funcional dos juízes (LOMAN, art. 41), deve ser debatida por meio dos instrumentos processuais consagrados no ordenamento jurídico nacional, os quais são estranhos à competência constitucionalmente atribuída a este Conselho Nacional de Justiça.

Nos termos do art. 103-B, §4º, da Constituição Federal, ao CNJ competem o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e a fiscalização do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, não lhe cabendo intervir em decisão judicial com o intuito de aperfeiçoá-la, reformá-la ou invalidá-la. (...)

 

         Em 01/05/2022 a parte requerente, irresignada, apresentou recurso administrativo, reprisando suas razões. 

       Em 26/05/2022, em sede de contrarrazões, o Juízo representado se manifestou ratificando a impossibilidade de pagamento antecipado do precatório complementar, nos seguintes termos:


Inicialmente esclareço que o Precatório Complementar nº 2020.03985-5 decorre da mora do devedor no pagamento do requisitório anterior, de nº 2015.02374-1.

Não se enquadra nas hipóteses de erro material, inexatidão aritmética dos cálculos ou de substituição legal de índice de atualização que autorizariam, em tese, a quebra da ordem constitucional prevista no artigo 100 da CRFB, de acordo com o pacífico entendimento do E. Supremo Tribunal Federal.

Por essa razão foi reconsiderada a decisão anterior que indeferiu o pedido de imediato pagamento do requisitório complementar do requerente.

Fundamental consignar que a tese de preclusão da decisão administrativa não se sustenta, pois a revisão dos atos eivados de ilegalidade constitui dever da administração pública.

No caso do requerente, o pedido de pagamento do precatório complementar fora da ordem cronológica de apresentação é inconstitucional, sendo pertinente e necessária a revisão do ato que o deferiu.

Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 817338, paradigma do Tema 839 de Repercussão Geral, reconheceu a possibilidade de um ato administrativo ser anulado pela Administração Pública mesmo quando decorrido o prazo decadencial previsto na Lei nº 9.784/1999, caso evidenciada a violação direta ao texto constitucional.

Portanto, inexiste a preclusão alegada pelo causídico reclamante. (...)

Ao que tudo indica, o requerente pretende burlar a ordem constitucional de pagamento do precatório complementar e demonstra insatisfação contra o indeferimento de seu pleito.

O ente devedor Estado do Rio de Janeiro está inserido no Regime Especial de Pagamento de Precatórios e atualmente está pagando os requisitórios do orçamento de 2018 de natureza comum e a antecipação do benefício constitucional da superpreferência até o orçamento do ano de 2021.

O precatório complementar nº 2020.03985-5, de titularidade do reclamante, foi autuado em 26/06/2020, possui crédito de R$389.715,92, de natureza alimentícia, está listado na ordem cronológica nº 01098 do orçamento de 2021 e o ente devedor efetuou o depósito de R$ 110.000,00 referente à prioridade constitucional, levantada pelo reclamante em 03/12/2021.

Portanto o beneficiário reclamante já recebeu a prioridade constitucional e deve aguardar o pagamento de seu crédito remanescente observada a ordem cronológica dos aportes efetuados pelo Estado do Rio de Janeiro.

 

       É o relatório.

 

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                                       VOTO

 

 

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

       O recurso apresentado não prospera.

     Como já se afirmara na decisão recorrida, a irresignação do recorrente, no que respeita ao conteúdo da decisão que indeferiu a antecipação de pagamento do precatório complementar, traduz matéria de cunho eminentemente jurisdicional, a qual, por força da prerrogativa da independência funcional dos juízes (LOMAN, art. 41), deve ser debatida por meio dos instrumentos processuais consagrados no ordenamento jurídico nacional, os quais são estranhos à competência constitucionalmente atribuída a este Conselho Nacional de Justiça, como, aliás, vem fazendo o recorrente, que apelou da decisão.

      Repita-se que nos termos do art. 103-B, §4º, da Constituição Federal, ao CNJ competem o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e a fiscalização do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, não lhe cabendo intervir em decisão judicial com o intuito de aperfeiçoá-la, reformá-la ou invalidá-la. Nesse sentido:

 

“RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. DESVIO DE CONDUTA DO MAGISTRADO. NÃO OCORRÊNCIA. MATÉRIA JURISDICIONAL.

1. Não se verificam elementos probatórios mínimos de falta funcional da magistrada que justifiquem a instauração de procedimento disciplinar no âmbito desta Corregedoria.

2. Conforme assentado na decisão de arquivamento, nota-se que a irresignação do reclamante se refere a exame de matéria eminentemente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

3. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

4. Recurso administrativo improvido.”

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0009249-38.2019.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 70ª Sessão Virtual - julgado em 31/07/2020)

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. OPÇÕES JURÍDICAS DO JULGADOR. MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. PARCIALIDADE DO MAGISTRADO. NÃO VERIFICADA. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE ADMINISTRATIVA OU DISCIPLINAR. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Irresignação acerca de conteúdo de decisão judicial deve ser impugnada na própria jurisdição.

2. Argumentos expostos pelo recorrente estão circunscritos ao contexto da demanda judicial e as opções jurídicas do julgador.

3. A natureza exclusivamente administrativa das atribuições conferidas ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, §4º, da CF/88) impede que este aprecie questão discutida em sede jurisdicional.

4. Ausência de comprovação de infringência aos deveres funcionais do magistrado.

5. Alegação de parcialidade do magistrado foi narrada de forma genérica, descontextualizada e decorre de conclusão arbitrária e subjetiva do recorrente, sem valor correcional.

6. Parcialidade do magistrado não verificada.

7. Recurso administrativo não provido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0000771-75.2018.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - Plenário – 07/08/2018)

 

      Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

 

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Autos:                   REPRESENTAÇÃO POR EXCESSO DE PRAZO - 0001853-05.2022.2.00.0000

Requerente:        ANA DO PRADO LEITE

Requerido:          TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ – TJPR

 

Autos:                   REPRESENTAÇÃO POR EXCESSO DE PRAZO - 0002208-15.2022.2.00.0000

Requerente:         JORGE SOARES CHAIM

Requerido:          HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA e outros

 

 

VOTO CONVERGENTE

 

 

Adoto os relatórios lançados, em ambos os procedimentos, pela eminente Corregedora Nacional de Justiça.

Os procedimentos em questão, para além da questão diretamente relacionada ao eventual excesso de prazo na análise dos pedidos administrativos formulados, envolvem, ainda, pleito de revisão da ordem cronológica dos precatórios complementares.

Em relação ao primeiro aspecto, desde logo, registro que acompanho na íntegra a eminente relatora, dado que, conforme demonstrado nos autos, não houve mora injustificada, tendo os atos processuais sido praticados em prazo razoável.

Efetivamente, o pedido de vista regimental nos presentes casos está relacionado à preocupação com a questão de fundo debatida em ambos os procedimentos, no que diz respeito ao prazo para pagamento dos precatórios complementares e a sua adequada inclusão na lista de ordem pelo critério cronológico.

De modo mais direto, preocupou-nos deixar claro em quais situações um precatório complementar deve manter a mesma posição na ordem cronológica do precatório principal.

E após analisar o tema, inclusive com o apoio do Presidente da Comissão Especial de Precatórios do Conselho Federal da OAB, Dr. Márcio Brotto de Barros, registro que extrapolaria a razoabilidade entender que, em toda e qualquer hipótese, como sustentado pelos requerentes nestes autos, um precatório complementar mantenha a mesma posição na ordem cronológica do precatório principal.

Em primeiro lugar, importante destacar que não é razoável sustentar que todas as impugnações da fazenda pública são protelatórias, apenas para retardar o pagamento. Algumas têm substância e várias são acolhidas. E, quando isso não ocorre, a legislação já define os meios adequados para efetivo ressarcimento ao credor pela mora gerada: o ente público, por exemplo, deve pagar juros Selic, além dos honorários de sucumbência ao advogado da parte contrária.

Ademais, a ordem cronológica para o pagamento de precatórios é algo que diz respeito à relação existente entre os próprios credores. Em outros termos, é uma garantia de precedência do crédito daquele que inscreveu o seu precatório primeiro em relação àquele credor que teve o seu precatório inscrito em um momento posterior, não existindo, na definição dessa ordem, ingerência direta da fazenda pública, cuja atuação processual possa eventualmente ter atrasado o andamento do processo do particular.

Desse modo, ainda que tenha ocorrido má-fé processual ou abuso do direito de defesa pela fazenda pública, não nos parece a solução mais adequada beneficiar um credor assegurando ao seu precatório complementar a mesma posição na fila do seu precatório original, em detrimento de outro credor cujo precatório principal aguarda na fila para pagamento.

Nesse aspecto, acertada a opção adotada pelo CNJ ao disciplinar as hipóteses em que o precatório complementar é pago nos mesmos autos do precatório original, obviamente mantendo a mesma posição na ordem cronológica, por meio do artigo 29, parágrafo único, da Resolução n. 303/2019:

Art. 29. Decidida definitivamente a impugnação ou o pedido de revisão do cálculo, a diferença apurada a maior será objeto de nova requisição ao tribunal.

Parágrafo único. Decorrendo a diferença, contudo, do reconhecimento de erro material ou inexatidão aritmética perante o precatório original, ou da necessidade de substituição, por motivo de lei ou de decisão vinculante, do índice até então aplicado, admite-se o pagamento complementar nos autos do precatório original. (incluído pela Resolução n. 438, de 28.10.2021) 

 

Diante do exposto, com o acréscimo de fundamentos acima expostos, ACOMPANHO A RELATORA e voto por negar provimento aos recursos administrativos em referência.

Brasília, data registrada no sistema. 

 

Conselheiro Marcello Terto

Conselheiro Vistor