EMENTA

   

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. DESEMBARGADORES ESTADUAIS. MODIFICAÇÃO DA COMPOSIÇÃO DO ÓRGÃO JULGADOR NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. FATOS QUE NÃO CONFIGURAM INFRAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1 - É inadmissível a instauração de procedimento disciplinar quando inexistentes indícios ou fatos que demonstrem que o magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.  

2 - Colhe-se nos autos que a Turma Julgadora dos Embargos de Declaração é formada de maneira automática pelo sistema SAJ, inexistindo ofensa ao princípio do juiz natural decorrente de mudança na composição do órgão julgador; que não há previsão de sustentação oral nos aclaratórios, inexistindo impedimento para o julgamento virtual; e que o Ministério Público foi regularmente intimado para os julgamentos, nos termos do artigo 270 § único, c.c artigo 246, §1º, do CPC, de modo que, a despeito da complexidade e do vultoso valor da causa, não há qualquer infração disciplinar decorrente das alegadas irregularidades. 

3 - Não é cabível a responsabilização do magistrado em razão de meros erros procedimentais, especialmente quando não há prejuízo à prestação jurisdicional, às partes ou ao sistema judiciário, mormente porque os votos vencidos também integram os acórdãos e o resultado teria sido o mesmo, ainda que o reclamante tivesse participado dos julgamentos dos aclaratórios.

4 - Eventual defeito na composição do corpo julgador, e seus possíveis reflexos na validade do julgado, são temas arguíveis mediante os recursos processuais cabíveis

5 - Recurso administrativo a que nega provimento.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 26 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

RELATÓRIO        

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

Cuida-se de recurso administrativo apresentado por CARLOS ALBERTO LOPES, Desembargador 18ª Câmara da Seção de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, contra decisão da minha lavra que determinou o arquivamento de reclamação disciplinar formulada pelo recorrente em desfavor de ROQUE ANTÔNIO MESQUITA DE OLIVEIRA, ISRAEL GÓES DOS ANJOS e HENRIQUE RODRIGUERO CLAVISIO (também Desembargadores integrantes da 18ª Câmara da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo), por falta de justa causa para a instauração de processo administrativo disciplinar (Id 4704955). 

Insiste o recorrente em que “as provas dos autos demonstram de forma inconteste a exclusão indevida deste Desembargador da composição da Turma Julgadora de 07 (sete) embargos de declaração, sendo que em todos os referidos processos este Desembargador ficou vencido e apresentou voto divergente” e que “curiosamente, todos embargos de declaração versam sobre o mesmo processo de origem, qual seja o incidente de desconsideração da personalidade jurídica nº 0000660-53.2021.8.26.0100, cujo valor da causa ultrapassa o montante de R$ 231.000.000,00 (duzentos e trinta e um milhões de reais).” 

Afirma que a alegação de que o sistema preenche automaticamente a composição da Turma Julgadora não pode ser admitida no presente caso, eis que se trata de demanda de elevada complexidade e que “não é crível admitir que tanto o Relator como os demais Desembargadores que integraram a Turma Julgadora não perceberam o equívoco ao proferir os seus votos, mormente porque o voto vencido apresentado por este Desembargador encontra-se devidamente anexado aos autos, bem como foi proferido em sessão telepresencial, na qual todos os Desembargadores estavam presentes, conforme comprova a Ata da Sessão de Julgamento, realizada no dia 30 de agosto do ano de 2021 (doc. nº 01).”

Afirma que “a ausência de apuração das condutas dos Desembargadores prejudica não apenas as partes, mas também a credibilidade do Judiciário, bem como possibilita a arguição de nulidade dos referidos julgamentos, em total afronta à razoável duração do processo e à efetividade das decisões judiciais.”

Insiste o recorrente em que, tendo ficado vencido no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2081755-80.2021.8.26.0000, sobrevindo embargos de declaração, o relator designado, “o Desembargador Roque Antônio Mesquita de Oliveira, a seu critério, houve por bem remeter os embargos de declaração supramencionados ao denominado julgamento virtual, com manifesta oposição das partes, além do que excluiu este julgador da composição da Turma Julgadora, substituindo-o, indevidamente, ao arrepio da lei, por outro integrante da 18ª Câmara da Seção de Direito Privado da Corte Bandeirante, o Desembargador Henrique Rodriguero Clavisio, tendo praticado, com todas as vênias, manifesta falta funcional, nos precisos termos inciso I, do artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional; do inciso I, do artigo 12 do Código de ética da Magistratura Nacional e do artigo 8º, da Resolução nº 135 do Conselho Nacional de Justiça.”

Afirma que o mesmo ocorreu no julgamentos dos agravos de instrumento nos 2084349-67.2021.8.26.0000, 2079924-94.2021.8.26.0000, 2066310-22.2021.8.26.0000, 2050834-41.2021.8.26.0000, 2035816-77.2021.8.26.0000 e 2075029-90.2021.8.26.0000, todos julgados no dia 30 de agosto do ano de 2021, em sessão telepresencial, e todos possuem em comum o mesmo processo de origem, qual seja o incidente de desconsideração da personalidade jurídica nº 0000660-53.2021.8.26.0100, cujo valor da causa ultrapassa o montante de R$ 231.000.000,00 (duzentos e trinta e um milhões de reais), e que “ante a complexidade da causa, que envolve o pedido cautelar de arresto de bens e valores de 30 (trinta) pessoas físicas e jurídicas, no importe de mais de R$ 231.000.000,00 (duzentos e trinta e um milhões de reais), a conclusão de que a alteração da Turma Julgadora não ocasionou prejuízo a prestação jurisdicional mostra-se no mínimo precipitada”.

Afirma ser “evidente, portanto, que o julgamento ocorreu com expressa violação às normas do Regimento Interno da Corte Bandeirante, além da afronta aos princípios do juiz natural, da legalidade, do devido processo legal, do contraditório e da segurança jurídica, o que demonstra, ainda, manifesta falta funcional praticada pelos ínclitos Desembargadores acima nomeados.”

Em contrarrazões (Id 4745941), os Desembargadores Israel Góes dos Anjos e Roque Antonio Mesquita de Oliveira alegam que aos embargos de declaração citados não foi dado qualquer efeito infringente, tendo sido apenas afastada qualquer necessidade de se aclarar pontos do que foi julgado nos agravos de instrumento respectivos e que “há recursos interpostos perante o Colendo Superior Tribunal de Justiça e neles a impugnação é contra os Acórdãos que julgaram os agravos de instrumento, estando presentes as declarações de voto vencido do Desembargador ora recorrente. Não há qualquer impugnação à forma pela qual os embargos de declaração foram julgados.”

Afirmam que mesmo que o recorrente tivesse participado do julgamento dos embargos de declaração, o resultado seria o mesmo, não se vislumbrando prejuízo e que as declarações de voto vencido estão presentes nos Acórdãos que julgaram os agravos de instrumento e serão vistas pelas Cortes Superiores.”

Asseveram que “os Acórdãos proferidos nos agravos de instrumento preservaram o arresto de valores como medida de cautela e preventiva em incidente de desconsideração de personalidade jurídica para evitar possíveis e eventuais prejuízos à massa falida do Banco Santos. Pelo voto vencido proferido pelo Desembargador recorrente, esses valores seriam liberados do arresto.”

E, em suas contrarrazões (Id 4748580), o Desembargador Henrique Rodriguero Clavisio afirma que “os julgamentos dos recursos referidos por Turma Julgadora de Órgão Fracionário, com composição majoritária por integrantes do julgamento anterior, não viola o princípio constitucional do juiz natural, a explicitar a ausência de vício a macular referidos julgamentos, até porque sequer questionada pelo reclamante a imparcialidade dos julgadores ora reclamados, bem como que não houve escolha de magistrados para julgamento deste ou daquele recurso referido pelo reclamante, dando-se  a convocação – como já acima afirmado – segundo a regra do sistema eletrônico e obedecendo a ordem decrescente de antiguidade para a formação de Turma de Julgamento.”

Afirma que “já decidiu o STJ, que não há ofensa ao juiz natural, nem cerceamento de defesa, quando ocorre alteração da composição do órgão julgador (vide HC 331.881) pois, como consta desse julgado, eventuais mudanças na composição do órgão julgador não comprometem a competência para analisar embargos de declaração opostos contra suas decisões” e que “já apresentada declaração de voto pelo reclamante quando do julgamento dos recursos de Agravo de Instrumento em que ficou vencido, bem como que, mesmo que participante do julgamento, o resultado seria o mesmo, o que, com a licença devida, se afasta o argumento de prejuízo.”

Aduz que “os acórdãos proferidos nos AIs (de onde tirados os EDs questionados e não providos) preservaram o arresto de valores, como medida acautelatória em Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica, para evitar possíveis e eventuais prejuízos à massa falida do Banco Santos – decisões essas proferidas por maioria, uma vez que pelo voto do reclamante e recorrente, esses valores seriam liberados.”

Assevera que o Ministério Público foi regularmente intimado e que, não cabendo sustentação oral em Embargos de Declaração, se justifica o julgamento virtual dos referidos recursos, observados os princípios da celeridade e da razoável duração do processo, e que nos recursos interpostos pelas partes não há discussão relativa a eventual erro de procedimento, o que afasta a alegada possibilidade de anulação dos julgados.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

Conforme já ressaltado na decisão recorrida, é inadmissível a instauração de procedimento disciplinar quando inexistentes indícios ou fatos que demonstrem que o magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.  

Decerto, os procedimentos disciplinares não podem ter prosseguimento em hipóteses circunscritas a simples ilações, referências genéricas, conjecturas pessoais, pois a instauração de PAD pressupõe que as imputações tenham sido respaldadas por provas ou indícios que evidenciem a prática de condutas ilícitas por parte do magistrado.  

No presente caso, ao que se tem dos autos, não há indícios que demonstrem que os magistrados reclamados tenham descumprido seus deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.

Com efeito, colhe-se nos autos que a Turma Julgadora dos Embargos de Declaração é formada de maneira automática pelo sistema SAJ, inexistindo ofensa ao princípio do juiz natural decorrente de mudança na composição do órgão julgador; que não há previsão de sustentação oral nos aclaratórios, inexistindo impedimento para o julgamento virtual e que o Ministério Público foi regularmente intimado para os julgamentos, nos termos do artigo 270 § único, c.c artigo 246, §1º, do CPC, de modo que, a despeito da complexidade e do vultoso valor da causa, não há falar em infração disciplinar qualquer decorrente das alegadas irregularidades. 

Reitere-se, ademais, que não é cabível a responsabilização de magistrado em razão de meros erros procedimentais, especialmente quando não há prejuízo à prestação jurisdicional, às partes ou ao sistema judiciário, mormente porque os votos vencidos também integram os acórdãos e o resultado teria sido o mesmo, ainda que o reclamante tivesse participado dos julgamentos dos aclaratórios.

Ademais, no caso, não há evidências, tampouco alegação do reclamante no sentido de que os magistrados tenham agido com parcialidade, dolo, má-fé ou objetivo deliberado de causar prejuízo às partes, aos processos ou mesmo ao reclamante - que não é parte no processo - mormente porque, conforme se extrai das contrarrazões apresentadas pelos reclamados, “os acórdãos proferidos nos AIs (de onde tirados os EDs questionados e não providos) preservaram o arresto de valores, como medida acautelatória em Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica, para evitar possíveis e eventuais prejuízos à massa falida do Banco Santos”.

Por fim, eventual defeito na composição do corpo julgador, e seus possíveis reflexos na validade do julgado, são temas arguíveis mediante os recursos processuais cabíveis.

Assim, não há justa causa, por ora, ou razoabilidade para instauração de procedimento administrativo disciplinar.

A propósito, a demonstração de justa causa é requisito essencial para a instauração de PAD, conforme reiterada jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça:   

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA. NÃO DEMONSTRADO ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. ART. 8º, INCISO I, DO REGIMENTO INTERNO DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. 1. Exame de matéria eminentemente jurisdicional. Impossibilidade de análise do acerto ou desacerto das decisões jurídicas pela via correcional. 2. Em âmbito administrativo-disciplinar, é necessário que se leve em conta o caso concreto e o elemento subjetivo da conduta do magistrado para verificação da existência de indícios de desvio de conduta na prática de ato jurisdicional, o que não se verifica neste caso. 3. O art. 8º, inciso I, do Regimento Interno da Corregedoria Nacional de Justiça exige o arquivamento sumário das reclamações que, entre outras, se apresentem manifestamente improcedentes. 4. Não há justa causa ou razoabilidade para instauração de procedimento administrativo disciplinar. 5. Ausência de infringência aos deveres funcionais ou de conduta ilícita da magistrada. Recurso administrativo improvido.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0008092-30.2019.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 62ª Sessão Virtual - julgado em 27/3/2020)  

Dessa forma, há que se manter o arquivamento da presente reclamação disciplinar.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo. 

É o voto.