Conselho Nacional de Justiça

Gabinete da Conselheira Jane Granzoto


Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0008822-70.2021.2.00.0000
Requerente: HUGO FLAVIO LOBATO MARINHO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - TJMG

 

EMENTA: RECURSO ADMINISTRATIVO NO PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PROCESSO DE VERIFICAÇÃO DE INVALIDEZ DE DELEGATÁRIO. SUPLANTADA A NATUREZA INDIVIDUAL DO PEDIDO DIANTE DAS ILEGALIDADES VERIFICADAS NO CURSO DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DECISÃO QUE DECLAROU A INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE DO OFICIAL DE REGISTRO. MODIFICAÇÃO DO RITO DURANTE O TRÂMITE PROCESSUAL. RESTABELECIMENTO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 

1. Recurso contra decisão monocrática que não conheceu do pedido por entender que o pleito se tratava de direito individual do delegatário quando questionou a existência de supostas ilegalidades em processo administrativo de verificação de sua invalidez. 

2.  Suplanta-se o entendimento quanto à ausência de repercussão geral diante das ilegalidades verificadas no curso do processo. 

3. A ausência de intimação do oficial registrador para ciência de pronunciamento da juíza diretora do foro que declarou sua incapacidade total e permanente para o exercício da função constitui nulidade processual, porquanto a comunicação do ato é medida processual cogente, por ter resultado em imposição de ônus e restrição ao exercício de direito pelo delegatário, assim como dispõe o art. 40 da Lei Estadual nº 14.184/2002. 

4. A decisão do Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que, monocraticamente, extinguiu a delegação do recorrente, bem como ordenou a retificação da autuação do feito em virtude de o procedimento não ostentar natureza disciplinar, acarretou prejuízos ao delegatário ao criar neste a expectativa sobre a existência de previsão legal para a apresentação de recurso. Deve-se registrar que a própria Administração Pública, representada pelo Órgão Especial do TJMG, não conheceu do apelo por ela mesma ter modificado as regras incidentes no curso do procedimento, malferindo prerrogativas processuais do recorrente. 

5. A procedência do recurso é medida salutar para o restabelecimento da segurança jurídica do procedimento administrativo e para assegurar ao recorrente o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, inciso LV, CF).

6. Recurso conhecido e, no mérito, provido.

 ACÓRDÃO

Retomado o julgamento, o Conselho, por maioria, deu provimento ao recurso para conhecer do pedido e julgá-lo procedente a fim de declarar a nulidade da decisão do Presidente do TJMG e, consequentemente, tornar nula a decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, nos termos do voto da Relatora, que ressalva entendimento pessoal sobre o tema. Vencido, parcialmente, o Conselheiro Mário Goulart Maia. A Conselheira Salise Sanchotene também fez ressalva de entendimento. Votou a Presidente. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 8 de novembro de 2022. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

RELATÓRIO 

  

 A SENHORA CONSELHEIRA JANE GRANZOTO (RELATORA): trata-se de Recurso Administrativo interposto por HUGO FLÁVIO LOBATO MARINHO (Id. 4573534) contra decisão terminativa que não conheceu do pedido (Id. 4573534).

Reproduzo, inicialmente, o relatório da decisão recorrida:

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido liminar, proposto pelo delegatário HUGO FLÁVIO LOBATO MARINHO no qual questiona a legalidade de acórdão proferido pelo Órgão Especial do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS (TJMG) que não conheceu de recurso interposto contra decisão que declarou sua invalidez permanente para o exercício da titularidade do Serviço de Registro de Imóveis da Comarca de Pará de Minas/MG.

O requerente declara ser oficial titular do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Pará de Minas/MG e que a Portaria nº 537/2019, da diretora do Foro da referida Comarca, teria instaurado contra ele processo administrativo disciplinar no intuito de apurar sua capacidade civil plena, já que no primeiro trimestre de 2019, em correição ordinária de 2018, a magistrada constatou o afastamento do requerente de suas atividades após ser acometido por Acidente Vascular Cerebral (AVC).

Assevera que a condução do processo ficou a cargo da presidente da comissão processante, a juíza diretora do Foro, sem a participação dos outros três servidores estáveis, e com comunicação dos atos ao patrono do requerente apenas por e-mail, a exemplo da realização do exame pericial.

Relata que a despeito de inúmeros laudos médicos e depoimentos favoráveis à sua reabilitação, a diretora do Foro indicou a inexistência de sua aptidão física ou mental e encaminhou os autos à Corregedoria, que apontou a competência exclusiva do Presidente da Corte para deliberar sobre a invalidez em apuração, em observância ao prescrito pela Resolução nº 651/2010, pela Lei nº 8.935/94 e pelo Provimento nº 260/CGJ/2013.

Alega que essas disposições não foram respeitadas e que o Presidente declarou, a partir das provas nos autos, a incapacidade do requerente para o exercício de suas atribuições como delegatário do Serviço de Registro de Imóveis da Comarca de Pará de Minas/MG.

Desta decisão, afirma ter interposto recurso ao Órgão Especial suscitando a ocorrência de preliminares: i) de não participação da comissão processante no processo, ii) perícia médica realizada por um médico e não por junta médica, iii) ausência de interrogatório.

No mérito, reiterou a ausência de elementos que comprovassem sua incapacidade.

No entanto, assinala que, embora o recurso tenha sido recebido no efeito suspensivo, o Órgão Especial deliberou, por maioria de votos, pelo não conhecimento do apelo por falta de previsão legal. Assim, seria inaplicável a Resolução nº 651/2010; ausente previsão legal ou normativa que viabilizasse o recurso ao Órgão Especial; e realizada revisão “ex-officio” pelo Presidente do Tribunal, tida como a última instância da escala hierárquica.

O requerente aduz que a supressão da possibilidade de recurso representa afronta ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório, além de violar a igualdade jurídica, a boa-fé objetiva e a vedação ao comportamento contraditório.

Consigna que o reexame da decisão “não pode ser realizad[o] à revelia do administrado, que deve ter não só o direito de informação, como também de ter seus argumentos contemplados e avaliados pelo órgão e/ou autoridade hierarquicamente superior, incumbida de julgar definitivamente o feito. Como nada disso fora observado, evidente que o ato administrativo violou o devido processo legal”, e que a Resolução TJMG nº 651/2010, que regula o processo administrativo disciplinar (PAD), admitiria a interposição de recurso perante a Corte Superior quando se tratar de decisão proferida pelo Presidente do Tribunal (art. 20, II), já que a pena de perda da delegação, ao fim, se equipararia a uma sanção disciplinar.

Sustenta, ademais, não haver certeza jurídica e razoabilidade ao se diferenciar processo administrativo, geral e disciplinar, apenas ao final do processo e que teria havido diferentes transmutações do procedimento na fase recursal quando se compara a portaria inaugural com excertos do acórdão.

O requerente se refere à violação da isonomia, pois em procedimentos de verificação de invalidez de magistrado admite-se a interposição de recurso, sendo o caso de “[m]esmo que não se trate de sanção disciplinar em sentido estrito, não há como afastar a equivalente carga negativa da declaração de invalidez, justificando as mesmas garantias processuais do processo disciplinar e (por quê não?) das apurações de invalidez de magistrados”, defendendo o tratamento igualitário diante do que preceitua o art. 4º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.

Insiste na ausência de intimação quanto ao último pronunciamento da diretora do Foro, já que a portaria de designação de substituto, de nº 596/2020, não seria documento processual hábil para dar conhecimento ao requerente da deliberação, visto que a formalização desse ato ocorreu apenas entre esta e o Oficial Substituto. Observa existir previsão legal na Lei nº 14.184/02, na Resolução nº 651/CGJ/2013 e no Provimento nº 93/2020 da necessidade de intimação do interessado para ciência de decisão, além de os dados de seus patronos constarem na defesa prévia para a realização das comunicações, e por isso não teria havido o esgotamento da via administrativa, como teria afirmado o TJMG.

O requerente reforça a necessidade de ter sido submetido à junta médica do Tribunal para verificação de invalidez, assim como preceitua o artigo 1.220, do Provimento nº 93/2020, e não ter sido examinado por apenas um médico sem qualificação técnica para avaliar suas funções neurológicas. Em seu juízo, por se tratar de prova manifestamente inválida, teria ocasionado a nulidade do ato administrativo.

Por fim, ao reafirmar a existência de repercussão geral, o presente procedimento teria como escopo a unificação do entendimento administrativo acerca dos temas de repercussão nacional, resumidos em: “(1) competência para declarar e extinguir a delegação das serventias extrajudiciais; (2) rito procedimental específico para apuração dos casos de invalidez dos titulares de cartório; (3) na ausência de normas, a possibilidade de aplicação por analogia das regras concernentes ao processo administrativo disciplinar; e (4) dever de conferir, em todos os casos, inclusive, nas apurações de invalidez dos titulares de cartório, a possibilidade de recurso da decisão individual que lhes for desfavorável, ante a grave repercussão sobre a esfera jurídica do administrado e ao sistema democrático de Direito”.

Ao final, o requerente pede pela atribuição de efeito suspensivo ao expediente para se interromper a declaração de extinção da delegação do Cartório de Registro de Imóveis de Pará de Minas/MG.

Quanto ao mérito, pede pelo acolhimento do pedido para se desconstituir “acórdão proferido pelo Órgão Especial do TJMG, por violação aos preceitos constitucionais, e determinada a apreciação do Recurso Administrativo nº 0067882-44.2020.8.13.0000 pelo órgão competente do TJMG”.

Instado, o TJMG suscita preliminares de mérito consistentes na inexistência de interesse geral, na autonomia administrativa da Corte e na inadequação da via eleita, motivo pelo qual pede pelo arquivamento sumário deste PCA (Id 4568500).

Explorando o viés individual do pedido, explica que a ausência física do requerente foi constatada em Correição Ordinária Geral realizada no primeiro trimestre de 2019, ocasião em que a Corte tomou conhecimento do afastamento do titular da serventia desde junho 2018, após ter sido acometido por um AVC, sem que os fatos tivessem sido comunicados formalmente ao Tribunal.

Enfatiza que “a análise da ausência de interesse geral na presente demanda passa também pela necessidade de se preservar o direito dos usuários do serviço delegado da Comarca de Pará de Minas de obterem uma prestação regular, eficaz e da melhor qualidade possível, o que só se sustenta e se mantém, no decurso do tempo, com a presença de seu titular na serventia para a qual recebeu a delegação. Além do que há o direito da sociedade em geral de participar do necessário concurso público para substituição do titular, que declaradamente não possui mais condições físicas de exercer seu múnus”.

Defende sua autonomia administrativa para declarar a extinção da delegação ante a invalidez do titular delegatário, sem necessidade de previsão de recurso administrativo. Afirma o Tribunal que possui autonomia para inaugurar procedimento para subsidiar decisões do Presidente, especialmente quando respeitados os princípios básicos do contraditório e da ampla defesa, como ocorreu. Ademais sustenta não haver obrigação legal para seguir um determinado rito, devendo ser preservada a escolha do Poder Público para conduzir o processamento e que eventual inconformismo pode ser debatido pelas vias judiciais.

Aduz ter sido assegurado ao requerente a realização de perícia médica, conforme solicitado por sua família com a participação dos médicos que o acompanham, a possibilidade de apresentação de alegações finais, além de ter sido dada ampla publicidade à conclusão dos trabalhos feitos pela diretora do Foro, com remessa dos autos à Presidência que declarou a extinção da delegação, com fundamento no artigo 39, inciso III, da Lei nº 8.935/1994, LCE nº 59/2001, no artigo 27, inciso III, alínea “a” do Provimento nº 260/2013.

Quanto ao mérito, o Tribunal assevera que a declaração de extinção da delegação por invalidez/incapacidade laboral, com fundamento nos artigos 39, III, da Lei federal nº 8.935/1994 e 27, III, da Resolução nº 651/2010 c/c 1.047 do Provimento nº 260/CGJ/2013, não teria caráter disciplinar e nem finalidade condenatória de imposição de pena, sendo que a legislação de regência não prevê a interposição de recurso administrativo.

Retoma alguns dos fundamentos lançados acerca da correição ordinária realizada e distingue entre o ato de apuração da invalidez e da perda de delegação, os quais não se confundem com o processo administrativo disciplinar. Entende que naquele expediente, a designação de servidores pode ser entendida como requisição feita pela direção do Foro de apoio da Secretaria deste Tribunal, conforme autoriza a parte final do art. 65, X, da LC nº 59/2001, e não desnatura a o caráter administrativo do processo de verificação de incapacidade, já que este encontra-se regido pelo princípio do informalismo moderado, por força do que dispõe a Lei nº 14.184/2002.

A Corte afasta a ocorrência de prejuízos ao requerente pela denominação inicial do feito como processo administrativo disciplinar, pois “exerceu plenamente o contraditório e a ampla defesa ao ser intimado de todos os atos processuais, ao apresentar defesa técnica, por meio de advogado constituído, ao anexar documentos e laudos médicos, ao impugnar a perícia realizada nos autos e ao indicar testemunhas, que foram inquiridas, tudo na tentativa de convencer e comprovar ua suposta plena capacidade laborativa, que é o cerne da controvérsia aqui tratada e a finalidade deste processo administrativo”. Por esse motivo, não seria possível impor ao Órgão Especial a obrigação de receber, conhecer e processar o recurso interposto, porquanto ausente previsão legal, assim como se depreende da leitura dos artigos 33, 34, 263, do Regimento Interno do requerido.

A partir do princípio da taxatividade recursal, o TJMG pleiteia pela improcedência da pretensão.

Na sequência, aduz inexistentes as nulidades arguidas pelo requerente. Em referência ao princípio da eventualidade, afirma ter havido as intimações de todos os atos realizados no processo, inclusive quanto ao adiamento da perícia, além da designação de substituto e da conclusão dos trabalhos realizados pela juíza diretora do Foro, pois “não obstante se tratar de um rito célere, que dispensa a formação de comissão processante, denota-se que a Direção do Foro, neste processo, mostrou-se ainda mais cautelosa no que concerne ao devido processo legal, ao aplicar dispositivos da Resolução nº 651/2010 sem o apego irrestrito aos ritos e formas ali prescritos”.

Sobre a realização da prova técnica por junta médica, observa que ainda “que não caiba invocar a necessidade da perícia por uma junta médica, exigida somente nos feitos de cunho disciplinar (o que não é o caso), percebe-se que a avaliação do Requerente contou com a presença e participação de mais de um profissional com conhecimento e experiência sobre a enfermidade, além de o laudo ter sido devidamente instruído com documentos e de terem sido respondidos todos os quesitos, permanecendo apenas o inconformismo do requerente quanto às conclusões do perito”.

Por fim, o TJMG pede pelo acolhimento das preliminares acima para se determinar o arquivamento dos autos. Na sequência, a Corte pelo indeferimento do pleito cautelar e, no mérito, sejam os pedidos julgados totalmente improcedentes.

 

Nas razões recursais, o recorrente afastou o fundamento sobre o caráter individual do pedido, baseando-se em precedentes desta Casa que, excepcionalmente, teriam relativizado o óbice da ausência de repercussão geral em razão da presença de flagrantes ilegalidades.

Fez um paralelo com os precedentes para afirmar a ocorrências de ilegalidades no processo administrativo, consistentes nas seguintes violações: i) ao devido processo legal (quando o TJMG não conheceu do recurso interposto); ii) à segurança jurídica, à boa-fé objetiva e à vedação de comportamento contraditório (já que o processo administrativo tramitou sob as regras da Resolução nº 651/TJMG/2010 e do Provimento nº 260/CGJ/2013, normas que não foram aplicáveis na fase recursal); iii) à isonomia (existência de regulamentação para a verificação de invalidez dos magistrados, com  possiblidade de recurso ao Órgão Especial, sem que a mesma prerrogativa seja concedida aos titulares de serventias extrajudiciais), iv) e ao próprio princípio da legalidade (submissão do recorrente à avaliação por um único médico, quando deveria ter sido examinado por junta médica). 

Reafirmou a existência de repercussão geral, pois a compreensão do TJMG de não cabimento de recurso contra decisão que declara a invalidez de delegatários poderia ser replicada em casos similares, sendo esta a oportunidade de unificar entendimento administrativo sobre: i) a competência para declarar e extinguir a delegação das serventias extrajudiciais; ii) estabelecimento de procedimento na apuração dos casos de invalidez dos titulares de cartório; iii) possibilidade de aplicação das regras do processo administrativo disciplinar e de recurso da decisão individual desfavorável ao delegatário.

Pede a reconsideração da decisão para se reconhecer o cabimento deste feito e conceder efeito suspensivo ao apelo para se interromper a declaração de extinção da delegação do Cartório de Registro de Imóveis de Pará de Minas/MG e seus efeitos.

Em caso de não ser reconsiderada, pugna pela admissão do recurso e sua submissão à apreciação pelo Plenário deste Conselho.

Intimado para a apresentar contrarrazões, após realizar uma breve síntese dos fatos, o TJMG alega, preliminarmente,: i) ausência de impugnação específica dos fundamentos da decisão, o que impediria seu conhecimento; ii) ausência de interesse geral; iii) autonomia administrativa; iv) inadequação da via eleita (Id. 4598485).

Quanto ao mérito, repisou sobre a ausência de caráter disciplinar do procedimento adotado para averiguação da invalidez do recorrente e de previsão legal para a interposição de recurso administrativo nesta hipótese.

Fez distinções sobre a invalidez (física e/ou mental) do titular dos serviços notarias ou de registro que leva à incapacidade laboral, sendo causa autônoma de extinção da titularidade e diversa da hipótese de perda da delegação, que tem natureza de penalidade.

Afirmou que a Lei Estadual nº 14.184/2002, que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual, classificaria como processo administrativo “todo assunto submetido ao conhecimento da Administração”. Por isso, entendeu que a simples denominação inicial do procedimento como “processo administrativo disciplinar” e a designação de servidores efetivos como “membros da comissão processante” não modificariam o tipo de processo.

Reforçou o fato de que decisões administrativas proferidas pela Presidência do TJMG, autoridade máxima administrativa, em processo para a averiguação da invalidez de delegatários não seria passível de recurso ao Órgão Especial, por ausência de previsão regimental que, nesta hipótese, não teria competência para revisar a decisão proferida pela Presidência.

Formulou os pedidos para: i) que se indefira o efeito suspensivo ao recurso, já que desde 2019 o Tribunal teria concedido esse mesmo efeito à decisão do Presidente; ii) não se conheça do presente recurso; iii) se por eventualidade adentrar no mérito, que seja negado provimento ao recurso.

Sob a minha condução, indeferi o pedido de feito suspensivo ao recurso ante a inexistência de motivo relevante para tanto (Id. 4639504).

É o relatório.

 

 

VOTO 

  

  

A SENHORA CONSELHEIRA JANE GRANZOTO (RELATORA): O recurso é tempestivo, razão pela qual dele conheço.  

Com a interposição do apelo (Id. 4582370), pretende-se a reforma da decisão terminativa, proferida pela minha antecessora, que não conheceu do pedido por ausência de repercussão geral (Id. 4573534). 

A seguir, reproduzo os fundamentos do decisum ora atacado (Id. 4573534): 

O cerne deste procedimento reside na pretensão de se reconhecer possíveis nulidades ocorridas em processo administrativo para averiguação da invalidez/incapacidade laboral do requerente, então titular do Cartório do Registro de Imóveis da Comarca de Pará de Minas/MG. Questiona-se, assim, a deliberação do TJMG que não teria conhecido de recurso interposto contra a decisão que declarou a invalidez do delegatário. 

Toda a discussão tem como pano de fundo a verificação da incapacidade laboral do requerente em virtude de no ano de 2018 ter sido acometido por Acidente Vascular Cerebral (AVC) que o impossibilitou, desde então, de continuar a exercer suas atividades como titular do ofício. 

Nesse ponto, extrai-se a ausência de interesse e de repercussão gerais para todo o Poder Judiciário, pois limitado ao caso específico do delegatário requerente, pretensão que não comporta conhecimento por este Conselho. 

De forma a retratar esse entendimento, utilizo-me da elucidativa ementa do acórdão a seguir que, apreciado pelo Plenário desta Casa, bem definiu os contornos da natureza individual do pedido nessas situações:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM REVISÃO DISCIPLINAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA VERIFICAÇÃO DE INCAPACIDADE MENTAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUSÊNCIA DE CARÁTER DISCIPLINAR. REAUTUAÇÃO COMO PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. QUESTÃO DE CUNHO INDIVIDUAL E DESPROVIDA DE INTERESSE GERAL. INEXISTÊNCIA DE FATO NOVO. RECURSO DESPROVIDO.

I – A decisão do Tribunal que, após trâmite de Processo Administrativo de Verificação de Incapacidade Mental, concluir pela aposentadoria do magistrado por invalidez não deve ser conhecida como Revisão Disciplinar, em razão da inexistência de prévio procedimento com natureza sancionadora que mereça a revisão deste Conselho.

II – A fungibilidade processual permite a reautuação do feito como Procedimento de Controle Administrativo, sendo, a partir disso, cabível o recurso administrativo.

III – Não deve ser deferido o pedido em Procedimento de Controle Administrativo cuja finalidade seja satisfazer questão puramente individual, representando contenda restrita e destituída do indispensável interesse geral que justifique a atuação deste Conselho.

IV – Ausência, nas razões recursais, de elementos novos capazes de alterar o entendimento adotado na decisão monocrática combatida.

V – Recurso conhecido e desprovido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0001242-62.2016.2.00.0000 – Rel. CARLOS EDUARDO DIAS - 17ª Sessão Virtual - julgado em 12/08/2016).

Com efeito, a singularidade do pedido obsta o seu conhecimento por este Conselho, assim como preceitua Enunciado Administrativo nº 2, aprovado pelo Plenário quando da apreciação do Procedimento de Competência de Comissão nº 0001858-37.2016.2.00.0000, conforme se transcreve:

2) INTERESSE INDIVIDUAL

Não cabe ao CNJ o exame de pretensões que ostentem natureza eminentemente individual, desprovidas de interesse geral, compreendido este sempre que a questão ultrapassar os interesses subjetivos da parte em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria.

(CNJ – RA – Recurso Administrativo em Pedido de Providências – 0006372-04.2014.2.00.0000 – Rel. Bruno Ronchetti – 2ª Sessão Virtual – j. 10/11/2015; PCA - Procedimento de Controle Administrativo nº 2008100000033473 – Rel. Cons. João Oreste Dalazen – 81ª Sessão – j. 31.03.2009).

Embora fosse suficiente o indeferimento monocrático da matéria diante da força vinculante dos Enunciados Administrativos editados por esta Casa (art. 102, § 5º, do RICNJ), há farta jurisprudência construída rejeitando pretensões de cunho subjetivo:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. PENALIDADE DE MULTA APLICADA PELO PLENO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ – TJCE, EM VIRTUDE DE DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. REQUERIMENTO DE AFASTAMENTO DA PENALIDADE APLICADA. PRETENSÃO DE CARÁTER INDIVIDUAL DA EMPRESA RECORRENTE. NÃO CONHECIMENTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. Consoante Enunciado Administrativo aprovado pelo Plenário deste Conselho, a competência do CNJ para controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário fica adstrita às hipóteses em que verificado interesse geral, compreendido este sempre que a questão ultrapassar os interesses subjetivos da parte em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria.

2. Recurso Administrativo conhecido e não provido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0001314-49.2016.2.00.0000 - Rel. BRUNO RONCHETTI - 17ª Sessão Virtualª Sessão - j. 09/08/2016).

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAPÁ. SERVIDOR. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE PARTICIPAÇÃO RETROATIVA AO PERÍODO EM QUE ESTEVE À DISPOSIÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO AMAPÁ NOS CONCURSOS DE PROGRESSÃO FUNCIONAL. REFORMA DA DECISÃO. DIREITO INDIVIDUAL. INTERVENÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO. PRECEDENTES.

1. Recurso administrativo contra decisão que não conheceu dos pedidos relativos à participação retroativa nos concursos de progressão funcional (Resolução TJAP nº 055/2005) promovidos durante o período em que o Recorrente esteve à disposição do Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE-AP).

2. A revisão do ato que defere ou indefere pedidos de participação de servidores em processos de progressão funcional não possui repercussão geral para este Conselho, configurando questão de natureza individual. Precedentes.

3. Não cabe ao Conselho Nacional de Justiça a tutela de interesses individuais de servidores do Judiciário, em especial os de natureza remuneratória. CNJ. Precedentes.

4. Segundo a jurisprudência consolidada, o Conselho Nacional de Justiça não é instância recursal para revisão de causas subjetivas individuais. CNJ. Precedentes.

5. Recurso a que se nega provimento. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0001348-53.2018.2.00.0000 - Rel. FERNANDO MATTOS - 49ª Sessão Extraordinária - julgado em 14/08/2018).

 

RECURSO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIA.  RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO QUE NÃO CONHECEU O PEDIDO. RECONHECIMENTO DO DESVIO DE FUNÇÃO E PERCEPÇÃO DAS DIFERENÇAS SALARIAIS CABÍVEIS. MATÉRIA ESTRITAMENTE INDIVIDUAL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO.

1. É pacífico, no âmbito deste Conselho, que matéria estritamente individual não se insere no rol das atribuições constitucionais previstas no artigo 103-B.

2. A requerente deverá buscar perante o órgão judicial competente, através do instrumento processual adequado, o reconhecimento do direito que alega estar sendo violado.

3. Recurso que se nega provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0003155-16.2015.2.00.0000 - Rel. ROGÉRIO NASCIMENTO - 23ª Sessão Virtual - julgado em 23/06/2017).

Ante o exposto, com base no art. 25, inc. X, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, NÃO CONHEÇO do pedido contido na inicial e determino o arquivamento dos autos, após as comunicações de praxe. Prejudicado o pedido liminar.

Brasília, data registrada no sistema.

Tânia Regina Silva Reckziegel

Conselheira Relatora

 

A pretensão aviada tem como objetivo o reconhecimento de ilegalidades no curso de procedimento administrativo para averiguação da invalidez/incapacidade laboral do recorrente, titular do Cartório do Registro de Imóveis da Comarca de Pará de Minas/MG. 

Ao decidir monocraticamente, minha antecessora compreendeu que a pretensão possuía natureza individual, já que o pedido estaria limitado à esfera pessoal do recorrente.  

De fato, a primeira análise me levou a entender que o pedido encerraria interesse particular por envolver situação específica do delegatário. Além disso, divisei que a ausência de previsão de recurso contra decisão do Presidente da Corte, objeto de impugnação na origem, seria questão afeta à autonomia do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). 

Em que pese minha primeira convicção, diante do princípio da Colegialidade, me curvarei para acompanhar o entendimento Plenário, fixado a partir do voto do Conselheiro Richard Pae Kim que, em face do reconhecimento de flagrante ilegalidade no procedimento administrativo em curso no TJMG,  reconheceu a competência deste Conselho para analisar o mérito do presente PCA.

Nesta visão, a primeira flagrante irregularidade reside na ausência de intimação do recorrente para ciência do pronunciamento da juíza diretora do foro que declarou sua incapacidade total e permanente para o exercício da função de Oficial Registrador (Id. 4556493, fl. 46). 

Após esta deliberação, os autos foram encaminhados à Presidência do TJMG, por determinação desta que, monocraticamente, declarou a extinção da delegação, bem como ordenou a retificação da autuação em virtude de o feito não ostentar natureza disciplinar, pois assim fora classificado pela magistrada quando da deflagração do processo, que o conduziu sob as regras da Resolução TJMG nº 651/20101 destinadas a regulamentar o rito do processo administrativo para aplicação de pena disciplinar aos servidores do Poder Judiciário. A partir da decisão do Presidente da Casa, aplicou-se as disposições da Lei Estadual nº 14.184/2002 que disciplina o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual (Id. 4556490, fl. 12).  

Irresignado com a decisão Presidencial que extinguiu a sua delegação, o recorrente apresentou recurso administrativo (Id. 4556490, fls. 19 - 42) que, submetido à julgamento no Órgão Especial, não foi conhecido em face da ausência de previsão legal para sua interposição (Id. 4556485).   

Nessa vertente, a falha processual transcendeu a esfera subjetiva da parte e, assim, alçou a ilegalidade ao conhecimento deste Conselho, pois se criou a expectativa, no oficial de registro, sobre existência de previsão legal para a apresentação de recurso a partir do que o  art. 20, da Resolução nº 651/2010, teria estabelecido.  Sobre este ponto, deve-se registrar que a Administração Pública não conheceu do apelo por ela mesma ter modificado as regras incidentes no curso do procedimento.   

 Torna-se elucidativa a transcrição da ementa do julgado quanto ao ponto (Id. 4556485):

[...]

Os atos administrativos desta natureza, proferidos pelo Presidente do Tribunal de Justiça, não ficam sujeitos a recurso para o Órgão Especial ou o Tribunal Pleno. Pode, contudo, serem desconstituídos através da via judicial própria e não na restrita via administrativa. No mesmo sentido, tem-se o entendimento do STJ no MS nº 4.287-1-SC (94/0010467-47). Rel. Min. Jesus Costa Lima.

O caso desses autos trata-se de hipótese diversa de processo administrativo disciplinar, o qual resultaria em decisão condenatória de perda da delegação, que tem processo específico de tramitação - repita-se - distinta do caso em análise, com natureza de penalidade pela violação dos deveres ou das obrigações funcionais/disciplinares, nos termos dos arts. 32, IV, c/c 35 da Lei federal nº 8.935/1994 e cuja aplicação, só nesta hipótese, desafiaria a interposição de recurso administrativo, nos termos do art. 20, caput, da Resolução nº 651/2010 c/c art. 1.047 do Provimento 260/CGJ/2013.

Pelo princípio da taxatividade, somente se consideram recursos aqueles previstos expressamente em Lei (em sentido amplo).

De acordo com o RITJMG, não são todas as decisões administrativas proferidas pela Presidência deste eg. TJMG que são impugnáveis por recurso direcionado ao Órgão Especial.

Em regra, no âmbito dos processos administrativos, as decisões proferidas na última instância da escala hierárquica da Administração exaurem, esgotam a esfera administrativa, razão pela qual a Lei estadual nº 14.184/2002 prevê o não conhecimento do recurso interposto. (Destaquei)

 

De fato, o princípio da segurança jurídica restou violado, pois afetou a previsibilidade e a estabilidade das fases processuais, legitimamente esperadas pelo interessado a partir da correta avaliação de que eram conduzidas sob o pálio da Resolução TJMG nº 651/2010.

E antes disso, o devido processo legal já havia sido vulnerado no momento em que o delegatário não foi intimado da decisão que declarou sua incapacidade laboral, com nítido impacto negativo em sua esfera de direitos. Se o ato de comunicação tivesse sido realizado, eventual apelo seria direcionado ao Conselho da Magistratura, órgão competente para julgar os recursos contra decisão de juiz diretor de foro (art. 40, I, RITJMG), sendo possível considerar, ao menos, que o requisito de admissibilidade quanto ao cabimento seria transposto.

 Ademais, pelos termos da Lei nº 14.184/2002, aplicável de forma subsidiária aos processos administrativos regidos por lei própria, a intimação do interessado para ciência de decisão da magistrada não poderia ter sido dispensada, notadamente por ter resultado em imposição de ônus e restrição ao exercício de direito, concepção na qual se encaixa aquela que declarou a incapacidade total e permanente do recorrente.

Por derradeiro, a procedência do recurso é medida salutar para o restabelecimento da segurança jurídica que se espera dos procedimentos administrativos e para assegurar ao recorrente o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV, CF).

 Ante o exposto, e com a ressalva do meu entendimento pessoal inicialmente exposto, conheço do recurso e, no mérito, dou provimento para:

a) Declarar a nulidade da decisão do Presidente do TJMG que extinguiu a delegação para o Serviço de Registro de Imóveis da Comarca de Pará de Minas outorgada ao recorrente;

b) Tornar nula a decisão do Órgão Especial que não conheceu do recurso interposto pelo recorrente;

c) Determinar a intimação do recorrente da decisão da juíza diretora do foro que declarou a sua incapacidade total e permanente para o exercício da função de Oficial registrador, de modo a possibilitar o exercício do direito de defesa.

 

É como voto.

 

Após as intimações de praxe, arquivem-se os autos.

 

Brasília, data registrada no sistema.

  

Jane Granzoto 

 

Conselheira relatora  


 

 

 

 

VOTO PARCIALMENTE DIVERGENTE

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA: Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) proposto por Hugo Flávio Lobato Marinho, contra Acórdão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) que, por maioria, não conheceu de recurso interposto contra decisão que declarou sua invalidez permanente para o exercício da titularidade do Serviço de Registro de Imóveis da Comarca de Pará de Minas/MG.

O ato impugnado, conforme salientado pela Relatora, “cinge-se à análise da existência de supostas ilegalidades na decisão do TJMG de não admitir recurso da decisão do Presidente da Corte, por ausência de previsão regimental, que declarou extinta a delegação em nome do recorrente”

Ao examinar a questão, concluiu a eminente Relatora ser a matéria de natureza individual, acobertada pela autonomia do Tribunal.

Nega, assim, provimento ao recurso, para manter a decisão que não conheceu do pedido.

Peço vênia à ilustre Conselheira Jane Granzoto para divergir quanto à tese de fundo.

Preambularmente, ressalvo meu entendimento quanto à aplicação indistinta de precedentes a casos submetidos a exame. Penso que os julgados prolatados por esta Casa não são construídos com o fito de vincular julgamentos futuros do Conselho Nacional de Justiça. Cada caso deve ser apreciado de maneira única. Os precedentes devem ser observados, mas não aplicados de forma vinculativa. Essa compreensão também o fiz por ocasião dos julgamentos dos PCAs 8404-06, 4493-83, 1134-57, 3446-06, PPs 9156-07, 1087-49, 8815-78 e Ato 0291-58.

A respeito do pensamento jurídico, a obra de Benjamin Nathan Cardozo – A Natureza do Processo e a Evolução do Direito[1], nos mostra que:

(5) [...] Henry Cohen (6) citava como “clássico” o trecho em que Cardozo dizia: “O tribunal não existe para o litigante individual, mas para o corpo indefinido de litigantes, cujas causas estão potencialmente envolvidas na causa específica em exame. Os danos sofridos pelos autores são apenas os símbolos algébricos dos quais o tribunal deve extrair a fórmula de justiça

O professor Alexandre Groppali também nos ensina em sua obra Filosofia do Direito[2] que:

[...] todos estes sistemas são essencialmente individualistas porque prescindem da via social, e, do conceito abstrato da personalidade humana, fazem derivar todo o direito e qualquer instituição jurídica.

Por uma ou outra razão, segundo todas essas teorias, o direito transborda das íntimas raízes da personalidade humana, sobre a forma das diversas exigências e a atividade pela qual se modela a diversidade das instituições jurídicas.

Existem, observam estas teorias, um ou mais direitos inatos intimamente e inscindivelmente ligados com o homem independentemente de todo o ato jurídico e existem direitos adquiridos dependentes da explicação dos direitos conaturais e da exteriorização da atividade pessoal.

A pessoa, que é a fonte originária e o sujeito dos direitos respeitáveis em si e por si, imprime o caráter de coisa sagrada e intangível também a tudo o que ela consegue conjugar com a sua íntima essência, e tais sobreposições ab externo constituem outros tantos objetos de direitos secundários, ou adquiridos, como se lhes quiser chamar. Daí a especificação das coisas que o indivíduo consegue jungir à sua atividade.

Contudo, segundo alguns dos sequazes da teoria que examinamos, os direitos naturais inatos são vida, liberdade, defesa, união, etc.: segundo outros, todos estes direitos se coligam e derivam de um único direito fundamental e originário, que se reduz, quase sempre em todos os escritores, ao supremo direito de liberdade. 

Com efeito, o CNJ possui farta jurisprudência firmada no sentido de que pretensões eminentemente individuais não devem ser conhecidas.

Todavia, compreendo que a ausência de repercussão geral fica bem caracterizada quando a decisão fica adstrita às peculiaridades do caso concreto e o resultado do julgamento não se estende a outras hipóteses (transindividualidade do direito).

A valoração da realidade, mediante a criteriosa apreciação de seus elementos factuais, é o primeiro passo para a justiça, porque esse valor incide sobre relações concretas e da vida – sobre fatos – e não sobre as suas abstrações.

Pode-se dizer que sem o conhecimento integral e ponderado dos fatos de uma questão jurídica, jamais será possível expedir a seu respeito um juízo de justiça, mas apenas uma solução burocrática.

Pedindo vênia, uma vez mais à Relatora, penso não serem essas as circunstâncias dos autos (natureza individual).

A meu sentir, o cerne da controvérsia deste PCA reside em saber se a decisão que reconhece a invalidez de cartorário e, por consequência, declara a perda da delegação, está sujeita a recurso.

Com efeito, a Lei federal 8.935/1994[3] (Lei dos Cartórios) dispõe que a delegação a notário ou a oficial registrador, entre outras hipóteses, será extinta pela perda, em função do cometimento de infração disciplinar (arts. 32, IV, c/c 35), ou pela invalidez:

Art. 39. Extinguir-se-á a delegação a notário ou a oficial de registro por: 

I - Morte; 

II - Aposentadoria facultativa;

III - invalidez; 

IV - Renúncia; 

V - Perda, nos termos do art. 35.

VI - descumprimento, comprovado, da gratuidade estabelecida na Lei no 9.534, de 10 de dezembro de 1997.

§ 1º Dar-se-á aposentadoria facultativa ou por invalidez nos termos da legislação previdenciária federal.

§ 2º Extinta a delegação a notário ou a oficial de registro, a autoridade competente declarará vago o respectivo serviço, designará o substituto mais antigo.

O reconhecimento da invalidez e a declaração da extinção (procedimento administrativo, gênero), portanto, não têm caráter disciplinar, sendo a Lei 8.935/1994, s.m.j., omissa quanto à possibilidade de impugnação da decisão.

Contudo, compreendo que o CNJ deve avaliar se dentro do arcabouço jurídico, diante de uma situação não prevista nos regulamentos, a interpretação levada a efeito pelo Órgão Especial do TJMG, de que apenas o Processo Administrativo Disciplinar admite o recurso, encontra guarida.

À primeira vista, não me parece correta a deliberação, pois a ordem constitucional carrega consigo a ideia de que a todos é garantido o direito de questionar, em via de recurso, ato desfavorável, inclusive na seara administrativa. Na esfera penal, a título ilustrativo, o Supremo Tribunal Federal tem a compreensão de que o direito de defesa, insculpido no art. 5º, LV[4], do texto constitucional, é irrenunciável, não podendo as partes dele dispor.

'HABEAS CORPUS'. EXTRADIÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. LEGALIDADE (ART. 82, PAR. 1., DA LEI N. 6.815/80) E JUSTA CAUSA (ART. 648, I, DO CPC). RENUNCIA AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO DE EXTRADIÇÃO PARA APRESENTAÇÃO ESPONTANEA A JUSTIÇA DO ESTADO REQUERENTE. IMPOSSIBILIDADE. REGULARIDADE DA SITUAÇÃO PRISIONAL. PROVIDENCIAS. HABEAS CORPUS CONHECIDO, MAS INDEFERIDO.

(HC 67775, Relator (a): PAULO BROSSARD, Tribunal Pleno, julgado em 14/12/1989, DJ 23-02-1990 PP-01236 EMENT VOL-01570-02 PP-00166, grifo nosso).

Ao se resguardar em nosso ordenamento constitucional a garantia principiológica da ampla defesa decorre justamente da rigidez constitucional dessas garantias-principiológicas-fundantes a ela inerentes, já que a mesma possui superioridade hierárquica normativa, sendo a fonte primeira e fundamental das leis do nosso Estado Democrático de Direito.

 A esse respeito, o Professor José Armando da Costa, em sua obra:  Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar[5], disserta com maestria:

Tratando-se de sistema constitucional rígido como o nosso, a constituição, sendo a lei das leis, colocasse como fonte primeira do direito processual disciplinar. Diante dela, todas as demais fontes deverão curvar-se. Essa supremacia hierárquica confere a constituição o privilégio de não poder ser contrariada pelas demais normas jurídicas

Qualquer norma ordinária que esteja em descordo com a carta maior adquire o desqualificativo de lei inconstitucional, defeito de qualidade que mais frontalmente contamina a lei ou qualquer outro ato normativo. Norma inconstitucional não instaura o reinado da legalidade e, sim, o da ilegalidade.

[...]

Por oportuno, vale salientar que a promulgação de uma nova constituição não põe em derrocada a ordem jurídica constituída pela legislação ordinária anterior, devendo ser aproveitadas, pelo princípio da recepção, todas as normas legais que se encontravam em vigor, desde de que não colidam com as novas disposições constitucionais.

[...]

Consoante o princípio da ampla defesa, nenhuma inflição disciplinar, por mais leve que seja, poderá ser imposta sem que o correspectivo procedimento apuratório assegure, ao servidor imputado, o necessário espaço para o exercício do mais irrestrito direito de defesa.

Portanto, oportunizar ao cartorário o direito de interpor recurso contra decisão que declara sua invalidez permanente para o exercício da função e, por conseguinte, fulmina a possibilidade de o tabelião prosseguir à frente da serventia, é questão principiológica e alicerce de qualquer deliberação legítima da Administração. Nada impede, inclusive, que se socorra do Poder Judiciário em sua função típica para eventual impugnação (art. 5º, XXXV, da CF).

Os entendimentos sufragados pelo Superior Tribunal de Justiça corroboram esse raciocínio:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RETIFICAÇÃO DE APOSENTADORIA PELO TRIBUNAL DE CONTAS. ATO COMPOSTO. NÃO APLICABILIDADE DO ART. 54 DA LEI Nº 9.784/99. AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NO PROCESSO DE INVALIDAÇÃO DA APOSENTADORIA RECONHECIDA DE OFÍCIO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PROVAS INEQUÍVOCAS DO VÍCIO. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Classificado como ato composto e não complexo, o ato de aposentação da Recorrente somente se tornaria exeqüível e eficaz, após a aprovação pelo Tribunal de Contas do Estado. Por esse motivo, inaplicável o prazo previsto no art. 54, da Lei n.º 9.784/99.

2. Não bastasse, no exercício de atividade tipicamente administrativa, ainda que mediante o controle externo, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro submete-se às normas que regem o processo administrativo no âmbito estadual e não à Lei n.º 9.784/99, sob pena de ofensa à autonomia administrativa e legislativa das entidades da Federação brasileira.

3. Não obstante, os documentos anexos aos autos comprovam, de forma inequívoca, que a retificação do ato de aposentadoria, pelo Tribunal de Contas do Estado, se deu com manifesta ofensa aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

4. Embora o vício não tenha sido alegado pela parte prejudicada, trata-se de matéria de ordem pública, irrenunciável e assegurada no art. 5º, LV, CR/88, podendo ser reconhecida, de ofício, pelo juiz, nos termos do art. 267, § 3º, do CPC, que não se limita apenas ao processo judicial.

5. Impossibilidade jurídica do pedido de pagamento das diferenças não pagas, a título de proventos, até o ajuizamento da ação, nos termos dos enunciados nºs 269 e 271 do STF.

6. Recurso ordinário parcialmente provido para determinar o restabelecimento do pagamento dos proventos, conforme pagos, antes da edição da Portaria nº 3397/SMA/2002, sem o prejuízo de que sejam novamente revistos pela Administração Pública ou pelo Tribunal de Contas do Estado, com a observância das garantias do contraditório e da ampla defesa.

(RMS n. 19.240/RJ, relator Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 18/12/2007, DJe de 9/6/2008, grifo nosso).

Noutros termos, o CNJ tem a incumbência de dizer se a impossibilidade de o cartorário impugnar decisão de tamanha repercussão em sua vida – ato declaratório de extinção da delegação por invalidez permanente, irreversível e incapacitante ao exercício das atribuições – viola o devido processo legal e seus princípios corolários do contraditório e da ampla defesa como já mencionados.

A doutrina de Hely Lopes Meirelles, em sua obra Direito Administrativo Brasileiro[6], nos ensina que o processo administrativo, nos Estados de Direito, está sujeito a cinco princípios de observância constante, a saber: o da legalidade objetiva, o da oficialidade, o do informalismo, o da verdade material e o da garantia de defesa. E sobre este (o princípio da garantia de defesa), define:

Garantia de defesaO princípio da garantia de defesa, entre nós, está assegurado no inciso LV, do art. 5.º, da atual Constituição, juntamente com a obrigatoriedade do contraditório, como decorrência do devido processo legal, (Const. Rep., art. 5.º, LIV), que tem origem no due processo of lawdo direito anglo-norte-americano.

Por garantia de defesa deve-se entender não só a observância do rito adequado, como a cientificação do processo ao interessado, a oportunidade para contestar a acusação, produzir prova de seu direito, acompanhar os atos da instrução e utilizar-se dos recursos cabíveis.

O nobre professor Hely Lopes Meirelles também explica[7] que:

Recursos administrativos, em acepção ampla, são todos os meios hábeis a propiciar o reexame de decisão interna, pela própria Administração. No exercício de sua jurisdição, a Administração aprecia e decide as pretensões dos administrados e de seus servidores, aplicando o direito que entenda cabível, segundo a interpretação de seus órgãos técnicos e jurídicos.

[...]

Os recursos administrativos são um corolário do Estado de Direito e uma prerrogativa de todo administrado ou servidor atingido por qualquer ato da Administração. Inconcebível é a decisão administrativa única e irrecorrível, porque isto contraria a índole democrática de todo julgamento que possa ferir direitos individuais, e afronta o princípio constitucional da ampla defesa que pressupõe mais de um grau de jurisdição. Decisão única e irrecorrível é a consagração do arbítrio, intolerado pelo nosso direito.

Na mesma linha, Gabriel Lino de Paula Pires, em seu livro Manual de Direito Administrativo[8], expõe que:

8.3 Princípios do processo administrativo

Tomando por base a disciplina dada ao processo administrativo pela Lei 9.784/1999, observa-se que são estabelecidos como princípios do processo administrativo federal: legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência (art. 2º).

(...)

i) princípios do contraditório e da ampla defesa: o inciso LV do art. 5º da CF-88 faz expressa referência à esfera administrativa: “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Trata-se de dar ao cidadão a oportunidade de se manifestar (e de se defender) nos processos em que se discutam seus direitos e eventuais sanções. Na Lei 9.784/1999, o art. 2º, parágrafo único, inciso X, estabelece que devem ser garantidos aos cidadãos os direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio. Vale novamente citar o conteúdo da Súmula Vinculante nº 3 do STF, acima referida. Ressalte-se, porém, que o STF consolidou entendimento no sentido de que a observância da ampla defesa na esfera administrativa não inclui a obrigatoriedade de defesa técnica. Trata-se da Súmula Vinculante nº 5: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a constituição”. Não se olvide também que em diversas situações observa-se a existência do contraditório diferido na esfera administrativa. É o que se vê quando se lavra auto de infração administrativa tributária ou ambiental, propiciando-se o oferecimento de defesa a posteriori. Trata-se de situação lícita, em que não se verifica afronta aos princípios do processo administrativo;

Parecem ser estes os pontos dos autos, os quais, inclusive, balizarão os tribunais em procedimentos análogos.

Novamente me socorro das valorosas lições de Benjamin Nathan Cardozo em a Natureza do Processo Judicial:

Chegamos a terra do mistério quando a constituição e a lei estão em silencio o juiz deve contar com o direito consuetudinário para encontrar a regra que se ajuste ao caso...

A primeira coisa que ele faz é comparar o caso diante dele com os precedentes, quer estejam armazenados em sua mente ou ocultos nos livros. Não estou querendo dizer que os precedentes sejam as fontes da lei, fornecendo o conjunto o único equipamento necessário para o arsenal legal... atrás dos precedentes estão as concepções básicas, que são os postulados do raciocínio judicial, e mais atrás estão os hábitos de vida, as instituições da sociedade, nas quais essas concepções tem origem que, por um processo de interação, elas modificaram por sua vez. Não obstante, num sistema tão altamente desenvolvido como o nosso, os precedentes abrangeram tão inteiramente o assunto que fixaram o ponto de partida. Se são inteligíveis e relevantes, talvez não haja necessidade de coisa alguma mais. Stare decises é pelo menos a regra de trabalho cotidiano de nosso direito. Alguns juízes poucas vezes vão além desse processo em algum caso. Sua noção de seu dever é comparar as cores do caso à mão com as cores da amostra de muitos casos (...)

O processo foi expresso de maneira admirável por Monroe Smith: “em seu esforço para dar, ao senso de justiça social, expressão articulada em regras princípio, o método dos especialistas em descobrir o direito sempre tem sido experimental. As regras e os princípios, do direito estabelecida por precedente legal nunca foram tratadas como verdades finais, mas assim como hipóteses de trabalho, continuamente retestadas naqueles grandes laboratórios do direito que são os tribunais de justiça. Todo caso novo é uma experiência, e se a regra aceita que parece ser aplicável rende um resultado que se percebe ser injusto, a regra é reconsiderada. Ela pode não ser modificada de imediato, pois a tentativa de fazer justiça absoluta em todo caso individual tornaria impossível o desenvolvimento e a manutenção de regras gerais; mas, se uma regra continua a fazer injustiça em dado momento ela será reformulada. (Clarence Morris (org.) os grandes filósofos do direito, Martins Fontes, São Paulo,2002, pág.525).

O Código Fux assim orienta pela não esterilização do pensamento judicial moderno:

Lei 13.105, de 16 de março de 2015.

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I - As decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - Os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - Os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - A orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

[...]

Cumpre destacar, outrossim, que ao CNJ foi atribuído o dever de zelar pela observância do artigo 37 da Constituição Federal e de apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei (artigo 103-B, § 4º, II, da CF).

Em suma, a impossibilidade de o cartorário impugnar decisão que lhe extingue um direito – ato declaratório de extinção da delegação por invalidez permanente, irreversível e incapacitante ao exercício das atribuições – viola o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa?

A meu sentir, o CNJ não pode se furtar a examinar a situação, e, consequentemente, não há como caracterizar a situação de Hugo Flávio Lobato Marinho como de natureza individual.

De fato, a análise quanto à incapacidade do oficial registrador é tarefa reservada à autoridade competente do TJMG. Todavia, isto não afasta, como dito, o poder-dever de o CNJ examinar a regularidade dos atos praticados pelo TJMG, sobretudo quando há nos autos informações de que “o Ministério Público de Minas Gerais reforçou a nulidade do procedimento, opinando pelo acolhimento de todas as preliminares arguidas” (Id 4556477).

O julgamento na origem também não foi à unanimidade, como se percebe da divergência lançada pelo Desembargador Newton Teixeira Carvalho (Id 4556485):

DES. NEWTON TEIXEIRA CARVALHO

Peço vênia ao douto para dele divergir. 

O recurso administrativo de Hugo Flávio Lobato Marinho é da decisão que declarou extinta a delegação que lhe foi outorgada para o Serviço de Registro de Imóveis de Pará de Minas.

A Portaria nº 537/2019 instaurou procedimento administrativo que culminou na decisão recorrida, objeto de apelo administrativo.

O fato a apurar consistiu na certificação e consequentes desdobramentos legais, de possível existência de incapacidade civil plena do titular do cartório, ora recorrente, acometido então de acidente vascular cerebral.

É de se reavivar, o procedimento administrativo foi instaurado por Portaria para apurar esse fato, é mesmo dizer, apurar o estágio e grau do acometimento sob certificação de invalidez.

Comissão processante nomeada.

Intimação para apresentar defesa e apresentação no bojo do processo de defesa técnica.

Sobrevindo do procedimento declaração de invalidez e daí a vacância da serventia, da qual o Recorrente era titular, sobreveio recurso.

Naturalmente. É pelo procedimento administrativo a via de acertamento e de constituição de direitos administrativo, tal como o processo civil o é no acertamento de demandas civis. É garantia individual o direito ao recurso.

Corolário necessário na completude da ordem jurídica será a garantia do direito à revisão. Garantia constitucional. Exceções possíveis, só neste nível, não por voto judicial.

Confira-se em Carvalho Filho: …" Com efeito, o texto do artigo LV, da Constituição Federal deixa claro que o princípio da ampla defesa não estará completo se não se garantir ao interessado o direito de interposição de recursos..."

Mas não!!!

Nega-se-lhe o conhecimento do apelo ao argumento central de uma constatação, de que apenas o Procedimento Administrativo Disciplinar admite o recurso, não o Procedimento Administrativo Gênero.

Conclusão equivocada, data vênia, escorada em raciocínio circular. Nega-se recurso ao procedimento administrativo porque é procedimento administrativo (petitio principii), diferente do procedimento administrativo disciplinar, este sim, reservado ao recurso no Regimento Interno, com ofensa ao princípio constitucional da revisibilidade das decisões administrativas para não imperar como decisão única e de última instância.

A ordem constitucional carrega consigo a ideia de totalidade, de sistema, e pois de unidade de valores na multiplicidade da sua existência.

A ausência possível de previsão regimental de recurso existente deve ser superada por integração de previsões análogas, para prevalência da ordem.

E mais, categorias são gêneros supremos, a que se reduzem e sob os quais se subordinam todas as ideias (Tiago Sinibalde, in Compendio de Filosofia). Entre os seus requisitos está o de que uma não deve incluir outra, para não operar "confusão inútil" (op. citata).

Procedimento Administrativo, gênero, e Procedimento Administrativo Espécie, espelham conceitos não excludentes, e por isso não podem servir de amparo à conclusão de que, não regulada a espécie e não o gênero, não cabe recurso. A ideia de procedimento é universal e tem o mesmo e igual sentido no seu gênero.

É sempre cabível, por força sistêmica, o direito de questionar em via de recurso a decisão desfavorável e o presente recurso não pode ser negado.

Aqui, a lição de José Afonso da Silva:

"O art.5º, XXXV, consagra o direito de invocar a atividade jurisdicional, como direito público subjetivo. Não se assegura aí apenas o direito de agir, o direito de ação. Invocar a jurisdição para a tutela de direito é também direito daquele contra quem se age, contra quem se propõe a ação. Garante-se a plenitude de defesa, agora mais incisivamente assegurada no inc.LV do mesmo artigo: aos litigantes, em processo judicial e administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. (Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 43.ed., rev. e atual. São Paulo, Malheiros, 2020. p.434).

Como salientou o d. Relator, os atos administrativos não dependem de forma. O que importa é a finalidade dos atos, e a garantia do contraditório e da ampla defesa, especialmente no caso em que ocorreu a extinção de um direito.

É um contrassenso ter sido franqueado ao recorrente o exercício do contraditório no processo instaurado pela Portaria n.537/2019 e não se admitir agora o mesmo direito na via recursal.

O Ministro Gilmar Mendes aponta que: "há muito vem a doutrina constitucional enfatizando que o direito de defesa não se resume a um simples direito de manifestação no processo. Efetivamente, o que o constituinte pretende assegurar - como bem anota Pontes de Miranda - é uma 'pretensão à tutela jurídica'" (Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. - 2. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2008. p. 546)

É de se relevar que a Lei n.8.935/94 e mesmo o Provimento n.260/GJC/2013 dispõem sobre o direito material e não quanto a parte procedimental que vise avaliar invalidez do titular de cartório como causa de extinção de delegação.

Não há critérios objetivos estabelecidos nas normas citadas capazes de vedar a utilização da via recursal (e nem poderiam) em caso de extinção da delegação por invalidez.

O princípio do Duplo Grau na via Administrativa é garantia constitucional. Assegura-se que as decisões proferidas pela administração sejam submetidas a um juízo de reavaliação e não que sejam únicas, sem qualquer possibilidade de reapreciação por outro órgão.

"Os recursos administrativos são corolários do Estado de Direito e uma prerrogativa de todo administrado ou servidor atingido por qualquer ato da administração. Inconcebível é a decisão administrativa única e irrecorrível, porque isto contraria a índole democrática de todo julgamento que possa ferir direitos individuais, e afronta o princípio constitucional da ampla defesa que pressupõe mais de um grau de jurisdição. Decisão única e irrecorrível é a consagração do arbítrio, intolerado pelo nosso direito." (Meirelles, Hely Lopes, 1917-1990. Direito administrativo brasileiro / Hely Lopes Meirelles. - 16. ed. atual. Pela Constituição de 1988. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991. p. 568)

Com tais razões, CONHEÇO DO RECURSO ADMINISTRATIVO

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não está em outra direção.

PROCESSUAL CIVIL. CARTÓRIO DE IMÓVEIS. SUBSTITUIÇÃO DO TITULAR. PRESTAÇÃO DE CONTAS PELO SUBSTITUTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITOS INFRINGENTES. NÃO INTIMAÇÃO DA RECORRENTE. NULIDADE.

1. Trata-se, na origem, de Agravo de Instrumento contra decisão proferida em Ação de Prestação de Contas movida pela parte recorrida na condição de Notário da 2ª Serventia de Registro de Imóveis da Comarca de Ponta Grossa/PR durante o período em que a recorrente foi designada para responder pelo referido ofício, em razão de afastamento para tratamento de saúde do titular.

2. O Tribunal de origem deu parcial provimento ao Agravo de Instrumento para que a prestação de contas seguisse a forma mercantil, bem como que "o período para apresentação das mesmas seja de 14.05.2002 até 29.10.2004".

[...]

7. A parte recorrente nas duas oportunidades em que o recorrido interpôs Embargos de Declaração na origem não foi intimada para apresentar impugnação, cerceando o juízo o direito dela poder interferir no resultado da prestação jurisdicional, em flagrante violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido: AgInt no REsp 1.372.919/PE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 4/10/2017; EDcl no AgRg no REsp 1.542.850/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 26/9/2016.

8. Recurso Especial parcialmente provido para declarar a nulidade dos acórdãos de fls. 191-201 e 220-226 que julgaram os Embargos de Declaração, retornando os autos para novo julgamento dos primeiros Embargos, com prévia intimação da parte recorrente para apresentação de impugnação aos aclaratórios.

(REsp n. 1.749.605/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 4/12/2018, DJe de 17/12/2018, grifo nosso).

Por essas razões, penso que somente após análise detida dos autos e dos documentos coligidos ao feito é que se dirá se a legislação de regência, o devido processo legal e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa foram atendidos no caso concreto.

Esse posicionamento é reforçado pela compreensão atual do chamado “princípio da inafastabilidade”. Conforme célebre lição de Kazuo Watanabe, constante da obra de Fredie Didier[9]:

O princípio da inafastabilidade deve ser entendido não como garantia formal, uma garantia pura e simplesmente “bater às portas do Poder Judiciário”, mas, sim, como uma garantia de “acesso à ordem jurídica justa”, consubstanciada em uma prestação jurisdicional tempestiva, adequada, eficiente e efetiva. ‘O direito à sentença deve ser visto como direito ao provimento e aos meios executivos capazes de dar efetividade ao direito substancial, o que significa o direito à efetividade em sentido estrito’. Também se pode retirar o direito fundamental à efetividade desse princípio constitucional, do qual seria corolário.

A meu sentir, há que se prestigiar o princípio da primazia no julgamento de mérito – art. 4º do Código Fux – sendo ele o introdutor, no nosso sistema processual atual, dessa importante e necessária orientação quanto aos julgamentos.

Como afirma Márcio Oliveira, em comentários ao Código de Processo Civil (CPC), o princípio da primazia do mérito traz a orientação de que a atividade jurisdicional deve-se orientar pela atividade satisfativa dos direitos discutidos em juízo, esclarecendo que:

A legislação processual civil resolveu deixar de lado o cientificismo e a questão processual e passou a trazer elementos mais consentâneos com a realidade, pois é óbvio que a pessoa que procura a justiça quer ver a sua pretensão resolvida, mesmo que a decisão judicial lhe seja desfavorável. Dessa forma, a satisfatividade deve ser tão essencial quanto a preocupação com a demora do processo, até mesmo porque ambas estão umbilicalmente ligadas, já que a demora processual compromete a efetividade do direito material a ser eventualmente reconhecido que pode ser prejudicado ao final. (grifo nosso)

Desse modo, forçoso concluir que negar provimento ao recurso (não conhecimento do pedido), é, s.m.j., medida anômala que não se coaduna com a efetividade da tutela jurisdicional ou administrativa.

Ante o exposto, voto pelo provimento ao recurso, com a restituição dos autos à Relatora para exame do mérito.  

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro



[1] CARDOZO, Benjamin Nathan. A natureza do processo e a evolução do direito, Trad. De Leda Boechat Rodrigues. Editora Nacional de Direito Ltda.: 1956, III.

[2] GROPPALO, Alexandre. Filosofia do Direito; tradução e notas de Ricardo Rodrigues Gama. – Campinas: LZN Editora, 2003, p. 83.

[3] Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro.

[4] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

 [5] COSTA, José Armando da, 1940 – Teoria e prática do processo administrativo disciplinar. 3. ed. – Brasília: Brasília Jurídica, 1999. p. 34-52.

 

[6] MEIRELLES, Hely Lopes, 1917-1990. Direito administrativo brasileiro. 16ª ed. atual. pela Constituição de 1988. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 579-582.

[7] Ib idem, p. 568-569.

[8] PIRES, Gabriel Lino de Paula. Manual de Direito Administrativo. Thomson Reuters Brasil: São Paulo, 2019. p. 456 e 459-460.

[9] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Bahia: JusPODIVM, 2015. 17ª Edição, ampliada, p. 113.

 

 

 

VOTO DIVERGENTE

 

                             O EXCELENTÍSSIMO SENHOR CONSELHEIRO RICHARD PAE KIM: 

Adoto o relatório lançado pela eminente Conselheira Jane Granzoto, pedindo vênia, todavia, para manifestar respeitosa divergência, por entender que efetivamente houve afronta ao devido processo legal no procedimento administrativo que declarou a incapacidade total e permanente do requerente para o exercício da função de Oficial Registrador.

Discute-se neste Pedido de Providências a possível nulidade ocorrida em processo administrativo para averiguação da incapacidade laboral do requerente, então titular do Cartório do Registro de Imóveis da Comarca de Pará de Minas/MG.

No presente feito, a Conselheira Relatora, em decisão monocrática, não conheceu do pedido e determinou o arquivamento dos autos, por entender que o feito versava sobre matéria meramente individual e desprovida de repercussão geral para todo o Poder Judiciário.

No julgamento do recurso administrativo, a nobre Relatora reiterou os fundamentos da decisão recorrida e acrescentou não ter ocorrido qualquer mácula no processo de verificação da incapacidade laboral do requerente, razão pela qual entendeu não ser possível a este Conselho conhecer da matéria quando não se vislumbrar a ocorrência de ilegalidade patente.

Com o devido respeito, entendo de forma diversa.

Em minha compreensão, a ausência de intimação do requerente para ciência do último pronunciamento da Juíza Diretora do Foro, que declarou a sua incapacidade total e permanente para o exercício da função de Oficial Registrador implica patente violação ao devido processo legal.

Nesse diapasão, não obstante a pretensão ostente natureza individual – muito bem reconhecida pela eminente Relatora –, havendo flagrante ilegalidade, compete a este Conselho, nos termos do art.  103-B, §4º, inc. II, da CF/88[1] conhecer da matéria para controlar o ato administrativo que declarou extinta a delegação do requerente para o serviço de Registro de Imóveis da Comarca de Pará de Minas/MG.  

Explico.

Inicialmente, é fundamental esclarecer que o procedimento instaurado para averiguar a incapacidade civil do requerente foi todo regido pelas disposições contidas na Resolução TJMG nº 651/2010, que estabelece o rito correlato às fases do processo administrativo para aplicação de pena disciplinar aos servidores do Poder Judiciário (PAD)[2].

Após a decisão final da Juíza Diretora do Foro, que declarou a incapacidade permanente do requerente, os autos foram encaminhados ao Presidente do TJMG, que por sua vez, declarou extinta a delegação outorgada ao requerente, em razão da sua incapacidade permanente para o exercício das funções.

Ato contínuo, com fundamento no art. 20, inciso I, da Resolução nº 651/2020[3], o requerente interpôs recurso administrativo, o qual não foi conhecido pelo Órgão Especial. Ficou entendido que, embora a Portaria nº 537/2019 tenha feito menção a Processo Administrativo Disciplinar, este não se destinava à apuração de falta funcional e à aplicação de pena administrativa, mas sim a apurar se o requerente detinha capacidade laboral.

Em função disso, o recurso administrativo não foi conhecido, sob o fundamento da inexistência de previsão normativa para sua interposição, nos moldes do RITJMG.

Com efeito, não é razoável que um procedimento seja instaurado e conduzido pela Administração segundo um determinado rito e, ao final, já em sede recursal, a aplicabilidade desse rito ser negada pela mesma Administração, resultando em evidente e incontestável prejuízo à parte.

De fato, o caso dos autos não versa sobre apuração funcional e aplicação de pena. Todavia, conforme salientado pelo requerente, a adoção do procedimento do PAD gerou uma expectativa de que o regramento aplicável ao caso seria o do Processo Administrativo Disciplinar – o qual, acaso observado na sede recursal, permitiria o conhecimento e o julgamento do recurso administrativo protocolado junto ao Órgão Especial do TJMG.

Isso por si só seria suficiente para declarar nulo o ato que extinguiu a delegação outorgada ao requerente, uma vez que restaram violados os princípios da segurança jurídica (em sua vertente da proteção da confiança na Administração) e da razoabilidade, o que afetou sobremaneira, o contraditório e ampla defesa.  

Não fosse o bastante, os autos do processo administrativo deflagrado pela Juíza Diretora do Foro para averiguar a incapacidade laborativa do requerente[4] revelam que, diversamente do que ocorreu nos atos e decisões durante o curso do referido processo, o requerente não foi intimado para tomar ciência do último pronunciamento daquela magistrada, o qual concluiu pela sua incapacidade total, de modo a permitir o exercício do direito de defesa (Id 4556493, págs. 44 – 48).

Em verdade, se o requerente tivesse tomado ciência dessa decisão, poderia ter manejado recurso administrativo para combater os fundamentos da decisão da Juíza Diretora do Foro, cuja matéria poderia ser revisada, no seu mérito, pelo Conselho da Magistratura do Tribunal mineiro, de acordo com o que dispõe o art. 40, inciso I do RITJMG[5].

Ademais, cumpre registrar que essa previsão normativa reforçou a tese de inadmissibilidade do recurso encaminhado ao Órgão Especial contra a decisão do Presidente que declarou extinta a delegação do requerente (Id 4556492, pág. 2).

Outrossim, não merece acolhimento a alegação de que o requerente tomou ciência da decisão da Juíza Diretora do Foro em razão da publicação da Portaria nº 596/2020, que designou substituto para exercer as funções de delegatário interino na serventia de Registro de Imóveis da Comarca de Pará de Minas/MG.

Como bem anotado pelo requerente, a publicação de portaria não substitui a exigência formal de intimação para ciência da importante decisão do processo administrativo que culminou na declaração de sua incapacidade laboral, sobretudo quando o requerente solicita, em sua peça de defesa, que “todas as intimações e atos processuais sejam formalizadas por e-mail aos procuradores do processado (amanda@srst.com.br e sergio@srst.com.br), sob pena de nulidade”. (Id 4556486, pág. 52)

Soma-se a isso, conforme registrado, o fato de que o requerente foi intimado (via e-mail ou pessoalmente) de todos os atos do processo anteriores à decisão final da magistrada Diretora do Foro.

Além disso, a Lei Estadual nº 14.184/2002, que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual do Estado de Minas Gerais prevê expressamente que a intimação será feita por meio idôneo, a fim de garantir ao interessado a certeza quanto ao conteúdo do ato praticado.

A legislação local também prevê que o interessado deverá ser intimado dos atos processuais que resultarem em imposição de dever, ônus, sanção ou restrição ao exercício de direito e atividade.

De igual modo, é o que também prevê a Legislação Federal (Lei nº 9.784/1999), que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

Confira-se:

 

Lei nº 14.184/2002

 

Art. 37. O interessado será intimado pelo órgão em que tramitar o processo para ciência da decisão ou da efetivação de diligência.

(...)

§ 3º - A intimação será feita por meio idôneo, de modo a assegurar ao interessado certeza quanto ao conteúdo do ato praticado.

(...)

Art. 40. Serão objeto de intimação os atos do processo que resultarem em imposição de dever, ônus, sanção ou restrição ao exercício de direito e atividade, bem como restrição de outra natureza.

 

Lei nº 9.784/1999

Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.

(...)

§ 3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.

Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse. (grifei)

 

Como se vê, era imprescindível a intimação do requerente ou de seu patrono da última decisão da Juíza Diretora do Foro, que declarou a sua incapacidade total e permanente para o exercício da função de Oficial Registrador, o que não ocorreu. Isso constatado, evidente a violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Nesse sentido, a jurisprudência Superior Tribunal de Justiça:

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ACÓRDÃO RECORRIDO. OMISSÕES E OBSCURIDADE. VÍCIOS CONFIGURADOS.

1. Mediante ação ordinária, servidora pública, ocupante do cargo de auxiliar de creche, pretende o reconhecimento da nulidade do processo administrativo do qual resultou a aplicação da pena de repreensão. O Tribunal regional, afirmando a inexistência de irregularidades no procedimento, reformou a sentença que, além de reconhecer ofensa à ampla defesa e ao contraditório, estabeleceu a não responsabilidade da autora por acidente ocorrido com menor.

2. Dizendo apenas que "tanto a parte autora quanto o seu patrono tomaram ciência de todos os atos praticados no PAD (oitiva das testemunhas, ata de reunião, pareceres), com oferecimento de defesa perante as duas Comissões", o acórdão recorrido ignorou o quadro estabelecido na primeira instância.

3. Além disso, o registro de que, "após a oitiva das testemunhas, [...] a apelante compareceu à 5ª Comissão de Inquérito e assinou termo de vista dos autos e, ato contínuo, foi certificada a intimação de sua Defensora através de contato telefônico, para ciência da data marcada para oitiva daquela", reforça a ideia de que a servidora não foi previamente comunicada dos atos no prazo legal e contradiz a afirmação da regularidade do processo.

4. O acórdão recorrido carece de fundamentação, pois confirmou a aplicação da penalidade administrativa sem expor a ocorrência de comunicações adequadas à luz da legislação aplicável e não realizou juízo sobre a responsabilidade da servidora pelo evento, questão decidida na instância inferior e que não se reduz à seara do mérito administrativo.

5. Inviabilizada a aplicação do direito à espécie ante a necessidade da análise de matéria fático-probatória, impõe-se a devolução dos autos à origem para supressão dos vícios apontados. Precedentes.

6. Ficam prejudicadas as demais teses recursais.

7. Recurso especial provido com determinação de retorno à instância inferior.

(REsp n. 1.973.952/RJ, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 19.4.2022, DJe de 26.4.2022) (grifei)

 

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMPREGADOS PÚBLICOS DE FUNDAÇÃO ESTADUAL. ADMISSÃO. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. TRIBUNAL DE CONTAS. INTIMAÇÃO DOS RECORRENTES PARA INTEGRAR O PROCESSO. AUSÊNCIA. CONTRADITÓRIO E CERCEAMENTO DE DEFESA OFENSA CARACTERIZADA. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO RECONHECIDA. MANUTENÇÃO DAS CONTRATAÇÕES. CABIMENTO. DÚVIDA OBJETIVA ACERCA DA NECESSIDADE DE CONCURSO PÚBLICO NA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA NO PERÍODO DAS ADMISSÕES. EXISTÊNCIA RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ, DA CONFIANÇA E DA SEGURANÇA JURÍDICA. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO.

1. Não houve consumação de prazo decadencial ou prescricional, no caso concreto, entre as contratações dos Recorrentes e a instauração do procedimento administrativo em que foram anuladas, pelo Tribunal de Contas estadual.

2. No entendimento consolidado deste Superior Tribunal de Justiça, a ausência de intimação do interessado para integrar o processo instaurado, nas Cortes de Contas, com o objetivo de apurar a regularidade da admissão em cargo ou emprego públicos, constitui ofensa ao contraditório e à ampla defesa, causando a sua nulidade.

Inteligência da Súmula Vinculante n.º 03, do Supremo Tribunal Federal.

3. O fato de os Recorrentes terem manifestado recurso de embargos contra a decisão que determinou a anulação de seus contratos de trabalho, quando dela tomaram conhecimento por meios extraprocessuais, não supre a nulidade mencionada. O exercício do contraditório e da ampla defesa deve ser possibilitado durante o procedimento e não somente após a prolação da decisão que repercutiu nos interesses individuais.

(...)

9. Recurso ordinário provido, a fim de conceder integralmente a segurança, para anular o ato coator praticado pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul e, também, anular o procedimento que culminou com a sua edição.

(RMS n. 20.534/RS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, relatora para acórdão Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 18.5.2021, DJe de 2.6.2021.) (grifei)

 

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - MAGISTRADO - PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA PERDA DO CARGO - RITO DA LEI COMPLEMENTAR 35/79 - LOMAN - PROCEDIMENTO PRELIMINAR - DEFESA PRÉVIA E SESSÃO RESERVADA (ART. 27, §§ 1º E 2º, DA LOMAN) - NULIDADES - AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO SINDICADO - PREJUÍZO COMPROVADO - CERCEAMENTO DE DEFESA - OFENSA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.

(...)

III - In casu, no tocante à defesa prévia, restou comprovado que os fatos apurados no PA 31847-7/01, ocorridos na Comarca de Seabra foram efetivamente apreciados no decisum administrativo do Tribunal a quo, o que denota o efetivo prejuízo experimentado pelo recorrente, pois quanto aos mesmos o magistrado sindicado não foi intimado para apresentar resistência escrita, nos termos do parágrafo § 1º do citado dispositivo legal da Lei Complementar 35/79, que assim dispõe: "Em qualquer hipótese, a instauração do processo preceder-se-á da defesa prévia do magistrado, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega da cópia do teor da acusação e das provas existentes, que lhe remeterá o Presidente do Tribunal, mediante ofício, nas 48 (quarenta e oito) horas imediatamente seguintes à apresentação da acusação."

IV - Consta dos autos, ainda, que a sessão reservada que deliberou acerca da instauração de ação disciplinar contra o magistrado, ora recorrente, determinando também a suspensão preventiva do cargo, realizou-se sem a prévia intimação da parte e de seu advogado. Verificou-se, tão somente, a existência de publicação no Diário do Poder Judiciário Estadual da inclusão da Sindicância CGJ 1272-6/98 em 04 volumes e 05 apensos, de Seabra, na Pauta da Sessão Plenária Administrativa de 14 de março de 2002, a qual não serve aos fins colimados, porquanto não ficou evidente a ciência inequívoca do Magistrado quando à data da reunião do Tribunal. Ademais, tratando-se de processo com possibilidade de aplicação de pena disciplinar a Magistrado, tal intimação deveria ter sido feita pessoalmente ao Juiz Sindicado (e não mera publicação em Diário de Justiça onde somente constou o número da Sindicância incluída em pauta), de modo a possibilitar o comparecimento do mesmo à sessão, ou qualquer outra providência relativa à sua defesa.

V - Apesar de inexistir na LOMAN comando legal expresso ordenando a convocação formal e prévia do Magistrado e de seu patrono para participarem de tal sessão reservada, essa determinação restou consignada no art. 108 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

(...)

VII - A Constituição da República (art. 5º, LIV e LV) consagrou os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, também, no âmbito administrativo. A interpretação do princípio da ampla defesa visa a propiciar ao servidor oportunidade de produzir conjunto probatório servível para a defesa.

VIII - Desta forma, caracterizado o desrespeito aos mencionados princípios, não há como subsistir o ato atacado.

IX - Recurso conhecido e parcialmente provido.

(STJ – RMS nº 15.940/BA, Rel., Ministro GILSON DIPP, Quinta Turma, Julgado em 18.11.2003) (grifei)

 

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MAGISTRADO. PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA PERDA DO CARGO. RITO DA LEI COMPLEMENTAR. ART. 27, §§ 1º E 2º. LOMAN. PROCEDIMENTO PRELIMINAR. DEFESA PRÉVIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO SINDICADO. PREJUÍZO COMPROVADO. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.

1. A Lei Complementar Federal nº 35/1979, Lei Nacional da Magistratura Brasileira, foi recepcionada pela CR/1988.

2. O procedimento administrativo disciplinar deve seguir as regras procedimentais, garantindo-se a ampla defesa e o contraditório.

3. Em sede de procedimento administrativo disciplinar, a intimação para apresentação de defesa prévia deve ocorrer em momento posterior à elaboração do relatório final da sindicância, e não, quando ainda produzem-se provas e colhem-se novos fatos pela comissão de sindicância contra o sindicado.

4. A jurisprudência do STJ é assente no sentido de que o juiz-sindicado deve ser intimado para a sessão destinada à instauração de processo administrativo disciplinar, nos moldes dos §§ 1º e 2º do art. 27 da LOMAN.

5. Recurso parcialmente provido para anular o processo administrativo e a suspensão do magistrado de suas funções judicantes, bem como o ato de sua aposentadoria compulsória, e determinar o reinício do procedimento disciplinar nos termos do art. 27 da Lei Complementar 35/79.

(STJ – RMS nº 23.567/MA, Rel., Ministra JANE SILVA, SEXTA TURMA, Julgado em 23.4.2009) (grifei)

 

De igual modo é a jurisprudência deste CNJ. Confira-se:

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO. RECURSO ADMINISTRATIVO. REVISÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DE SERVIDORES. MEDIDA EXCEPCIONAL EM DECORRÊNCIA DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, IMPESSOALIDADE E MORALIDADE. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL REQUERIDO E SUA PARTICIPAÇÃO NO JULGAMENTO QUE APLICOU PENA DE DEMISSÃO AOS SERVIDORES.

1- Conquanto não se insira na competência do CNJ a revisão de processos administrativos de servidores do Poder Judiciário, os atos praticados pelos membros do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco contrariaram os Princípios Constitucionais da Legalidade, Impessoalidade e Moralidade, demandando atuação deste Conselho.

2- O relator do recurso no TJPE salientou que o feito seria julgado pela Corte Especial e não pelo Presidente, o qual não participaria do julgamento. Todavia, o Presidente do Tribunal - que interpôs o recurso administrativo - participou do julgamento da Questão de Ordem que decidiu quem seria o Relator do recurso, bem como do julgamento do mérito.

3- Cerceamento de defesa verificada por ausência de intimação dos servidores da questão de ordem e por não constar o nome dos advogados na publicação.

4- Recurso Administrativo no presente PCA conhecido e, no mérito, dar-lhe parcial provimento para declarar a nulidade do PAD nº 047/2010 a partir da interposição do recurso administrativo hierárquico do Presidente do TJPE devendo, por conseguinte, ser afastada a demissão dos servidores, mantida a condenação destes nas penas anteriormente fixadas. Deve ainda ser feito novo julgamento dos recursos interpostos pelos requerentes, desconsiderando-se o recurso do então Presidente do TJPE.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA – Procedimento de Controle Administrativo nº 0007592-71.2013.2.00.0000, Rel. GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, 196ª Sessão Ordinária - julgado em 7.10.2014). (grifei)

 

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PRORROGAÇÃO DE AFASTAMENTO SEM PRÉVIA INTIMAÇÃO DO MAGISTRADO.

A ausência de intimação acerca da deliberação, pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, da prorrogação do afastamento de Magistrado de suas funções judicantes configura flagrante violação ao devido processo legal, eis que não observado o direito à ampla defesa, consagrado no artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República de 1988.

Procedimento de Controle Administrativo que se julga procedente para declarar a nulidade da prorrogação do afastamento do Requerente das suas funções judicantes.

(CNJ - Procedimento de Controle Administrativo nº 0006417-13.2011.2.00.0000, Rel. CARLOS ALBERTO REIS DE PAULA, 143ª Sessão Ordinária - julgado em 13.3.2012). (grifei)

 

 

Caracterizada a flagrante ilegalidade, de rigor a intervenção deste Conselho. Saliente-se que a jurisprudência deste órgão de controle é pacífica quanto à possibilidade de atuação em casos de ilegalidade manifesta:

 

PROCEDIMENTOS DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA. CORREÇÃO DO USO DO VERNÁCULO POR MEIO DE FÓRMULA MATEMÁTICA EIVADA DE ILEGALIDADE.  VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA PROPORCIONALIDADE. ATUAÇÃO EXCEPCIONAL DO CNJ. POSSIBILIDADE.

1. Procedimentos de controle administrativo em que se questiona a legalidade da segunda etapa de concurso público para o cargo de juiz substituto.

2. Correção do correto uso da língua portuguesa por meio da incidência de duas expressões matemáticas distintas.

3. Fórmula que promove maior desconto na nota dos candidatos com melhor pontuação referente ao conhecimento jurídico, ainda que a quantidade de erros de português seja a mesma.

4. Cabimento de controle excepcional do Conselho Nacional de Justiça, quanto aos critérios de correção de provas, em caso de flagrante ilegalidade. Precedentes.

5. Necessidade de intervenção deste Conselho, haja vista incontestável ofensa aos princípios da isonomia e da proporcionalidade, constatada após a aplicação da fórmula.

6. Procedência dos pedidos para reconhecer nulidade da fórmula matemática empregada.(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0003003-26.2019.2.00.0000 - Rel. IRACEMA DO VALE - 51ª Sessão Virtual - julgado em 30.8/.2019) (grifei)

 

RECUSA DE MAGISTRADO MAIS ANTIGO EM PROMOÇÃO POR ANTIGUIDADE. Definição do ‘procedimento próprio’, previsto no art. 93, II, ‘d’ da Constituição.

1. É pacífica a jurisprudência dos Tribunais Superiores pátrios de que os magistrados mais antigos não têm direito subjetivo à promoção por antiguidade.

2. Com a Edição da EC 45/2004, na apuração de antiguidade, o magistrado mais antigo pode ser recusado pelo voto fundamentado de 2/3 dos membros do Tribunal, conforme procedimento próprio e assegurada a ampla defesa.

3. Alegação do magistrado recusado de que o Tribunal não soube avaliar sua produtividade. Inexistência de flagrante ilegalidade ou vício insanável, a exigir a intervenção do CNJ, em razão da observância tanto da motivação da decisão quanto do quorum de 2/3 de seus membros (CF, art. 93, II, d).

4. Inexistência de óbice na utilização dos critérios da Resolução CNJ n. 106 para fundamentar o voto de recusa. 

5. Definição das características do ‘procedimento próprio’ e da ampla defesa, previstos no art. 93, II, d, da CF.

6. Exigência de processo de votação em que seja examinado, em separado, o nome do juiz mais antigo. Precedentes/STF.

7. Necessidade de que, após a sessão de recusa, feita com votos fundamentados e pelo voto de 2/3 dos integrantes do Tribunal, seja o magistrado recusado intimado pessoalmente da decisão, e aberto o prazo de 15 dias para sua defesa (art. 27 da LOMAN).

8. Posterior apreciação, pelo Tribunal, dos argumentos da defesa e eventual confirmação da recusa do magistrado.

9. Sugestão de edição de ato normativo sobre o ‘procedimento próprio’ previsto no art. 93, II, d da Constituição.

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO QUE SE CONHECE, E A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005156-13.2011.2.00.0000 - Rel. NEY JOSÉ DE FREITAS - 137ª Sessão Ordinária - julgado em 25.10.2011).

 

E havendo ilegalidade e teratologia evidentes e incontestes, outra solução não há além de declarar a nulidade da decisão que declarou extinta a delegação outorgada ao requerente e determinar o retorno dos autos para correção do vício, como já decidiu o e. STJ:

 

RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. ERRO DE PROCEDIMENTO. RECURSO DE APELAÇÃO. NULIDADE. INTIMAÇÃO. SESSÃO DE JULGAMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ATO. RENOVAÇÃO. NECESSIDADE. NOVO JULGAMENTO.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. Cuida-se de ação rescisória julgada procedente para reconhecer vício de nulidade de intimação para o julgamento do recurso de apelação.

3. Cinge-se a controvérsia a definir (i) se o acórdão recorrido padece de vício de nulidade por negativa de prestação jurisdicional e (ii)se, após a rescisão do julgado por vício de nulidade da intimação para a sessão de julgamento do recurso de apelação, o mesmo órgão julgador pode, ato contínuo, proceder a novo julgamento da causa.

4. O recurso especial que indica violação do artigo 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, mas traz somente alegação genérica de negativa de prestação jurisdicional, é deficiente em sua fundamentação, o que atrai o óbice da Súmula nº 284 do Supremo Tribunal Federal.

5. O julgamento de mérito da ação rescisória pelo órgão colegiado do Tribunal normalmente compreende duas etapas: o juízo rescindente, que corresponde à desconstituição do julgado, e o juízo rescisório, que compreende o novo julgamento da demanda.

6. Em nome do princípio da economia processual, em regra, a competência para o rejulgamento da causa, em etapa subsequente à desconstituição do julgado, é do mesmo órgão julgador que proferiu o juízo rescindente, não havendo espaço para se falar em supressão de instância. A regra cede, contudo, nos casos em que o pronto rejulgamento da causa pelo mesmo órgão julgador é incompatível com a solução dada ao caso, como, por exemplo, nas hipóteses de reconhecimento da incompetência absoluta ou nos casos de declaração de nulidade de algum ato jurídico que precisa ser renovado. 

7. No caso de verificação de nulidade de ato processual gerador de cerceamento de defesa, impõem-se o retorno dos autos para correção do vício e o posterior prosseguimento regular do processo, sob pena de o Tribunal incorrer no mesmo erro que ensejou a rescisão do julgado.

8. Recurso especial provido.

(REsp n. 1.982.586/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,Terceira Turma, julgado em 15.3.2022, DJe de 31.3.2022) (grifei)

 

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORES FEDERAIS. INSS. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. FALTA DISCIPLINAR GRAVE. ART. 132 DA LEI N. 8.112/1990. IMPOSSIBILIDADE DE SANÇÃO DIVERSA DA DEMISSÃO. SÚMULA 650/STJ. ORDEM DENEGADA.

1. A concessão da ordem, presente prova documental trazida já com a exordial (prova pré-constituída), vai condicionada à incontestável demonstração de violação ao alegado direito líquido e certo, por ato abusivo ou ilegal da indicada autoridade coatora. Inteligência do disposto no art. 1º da Lei n. 12.016/2009.

2. A teor de expressa previsão legal (Lei n. 8.112/1990, art. 156, § 1º), "O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos", pelo que a simples rejeição do pedido de oitiva de testemunhas não conduz, só por si, à nulidade do procedimento administrativo disciplinar.

3. Não se declara a nulidade do procedimento disciplinar sem a demonstração de efetivo prejuízo à defesa. Precedentes.

4. Até mesmo no processo penal, em que as garantias constitucionais devem ser observadas pelo Poder Público com extremo rigor, o contraditório e a ampla defesa encontram tempo e modo próprios. Por isso que, mesmo em nome da ampla defesa ou do contraditório, não podem ser permitidas intervenções do réu a qualquer momento, sob pena de quedar inviabilizada a correspondente marcha processual. Há, pois, tempo e modo legalmente previstos também para o exercício das garantias. Precedente: MS 23.192/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 9/11/2021.

5. A Lei n. 8.112/1990, por seu art. 166, não contempla o exercício do contraditório pelo servidor investigado após a apresentação do relatório final pela Comissão Processante, razão pela qual descabe falar em cerceamento de defesa pela ausência de resposta a requerimento extemporâneo. Precedentes.

6. Esbarra na inadequação da via eleita a tentativa de se rediscutir, em mandado de segurança, a suficiência das provas colhidas no processo administrativo disciplinar, em ordem a aferir se os impetrantes, no caso concreto, efetivamente praticaram ou não as condutas ilícitas a eles imputadas. Precedentes.

7. Tipificada a conduta dos ex-agentes em hipótese prevista no art. 132 do Regime Jurídico dos Servidores da União, como foi o caso, lícito não se fazia à Autoridade Administrativa, mesmo a pretexto de valorar supostos bons antecedentes, aplicar penalidade diversa daquela cominada em lei. Incidência da Súmula 650/STJ.

8. Ordem denegada.

(MS n. 20.488/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 9.3.2022, DJe de 16.3.2022.)

                   

O retorno dos autos à fase de intimação da decisão da Juíza Diretora do Foro que declarou a incapacidade, além de permitir a correção do vício detectado, permitirá não só a interposição do recurso correto (caso a parte deseje recorrer), como também a análise, pela instância competente, da questão da adequação do rito adotado e demais nulidades disso advenientes.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso administrativo para conhecer do pedido formulado na inicial e julgá-lo procedente, a fim de declarar a nulidade da decisão do Presidente do TJMG que declarou extinta a delegação outorgada ao requerente para o serviço de Registro de Imóveis de Pará de Minas/MG e, consequentemente, tornar nula a decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que não conheceu do recurso interposto pelo requerente.

Por fim, o requerente deve ser regularmente intimado da decisão da Juíza Diretora do Foro que declarou a sua incapacidade total e permanente para o exercício da função de Oficial Registrador, de modo a possibilitar o exercício do direito de defesa.

É como voto.

 

Conselheiro RICHARD PAE KIM



[1] § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;     

[2] Portaria nº 537/2019 que instaurou PROCESSO ADMINSTRATIVO DISCIPLINAR (Id 4556486, pág. 3).

[3] Art. 20 - O recurso contra decisão que impuser pena disciplinar deverá ser interposto no prazo de dez dias, contados da ciência pelo interessado ou da divulgação oficial da decisão, perante:

II - a Corte Superior, quando se tratar de decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de Justiça.

[4] Art. 65 - Compete ao Diretor do Foro:

X - averiguar incapacidade física ou mental de servidor do foro judicial e do Serviço de Notas e de Registros, instaurando regular processo administrativo, comunicando e requisitando o apoio da Secretaria do Tribunal de Justiça;

[5] Art. 40. São atribuições do Conselho da Magistratura:

I - julgar recurso contra decisão do Corregedor-Geral de Justiça ou de juiz de direito diretor do foro;